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Aspectos constitucionais da nova Cofins à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

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11/05/2005 às 00:00
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4 POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

            Na ação declaratória de constitucionalidade nº 1-1 do Distrito Federal, os Ministros Octavio Gallotti, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Francisco Rezek, tendo como relator o Ministro Moreira Alves, julgaram por unanimidade a constitucionalidade da COFINS, sob argumentos que serão objeto da explanação.

            O ponto inicial para entender o posicionamento do STF acerca da COFINS está no enquadramento constitucional que se atribui a esse tributo, e também no tocante a sua natureza jurídica.

            A controvérsia sobre a natureza jurídica deste tributo advém da origem da antiga FINSOCIAL que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como imposto inominado. Sendo regulado pelo Ato das Disposições Transitórias, em seu art. 56 (30). E posteriormente foi substituído pela COFINS em 1991.

            A COFINS não pode ser considerada imposto inominado apenas pelo simples fato de haver substituído a FINSOCIAL, pelo contrário, pela própria inteligência do art. 56 do Ato das Disposições Transitórias já decorre a ilação de que a COFINS é a contribuição prevista pelo art. 195, I e que era preconizada como substitutiva da FINSOCIAL.

            Discute-se também que possui natureza jurídica de imposto porque é arrecadada e fiscalizada pela Receita Federal, e deveria ser realizada pela própria Seguridade Social para ser considerada como contribuição social.

            Ocorre que o que define as contribuições sociais é a prévia destinação para o custeio dos programas da Seguridade Social, e essa destinação é mantida, apenas o órgão que fiscaliza e arrecada não pertence à estrutura da Seguridade.

            Entretanto não pode ser considerado apenas este fato isoladamente para desnaturar a característica fundamental de fonte de custeio da Seguridade Social, sendo, portanto uma contribuição social.

            O Ministro Ilmar Galvão (31) em seu voto na ADC 1- DF explica que: "(...) o aspecto relevante para caracterização da contribuição social, como tributo, é que o produto de sua arrecadação tenha uma destinação específica, e não o modo pelo qual é arrecadada."

            No tocante ao enquadramento constitucional, é de suma importância, pois é o ponto de partida para todas as discussões posteriores, e também a escolha do artigo correspondente a COFINS, decorre a obediência a certos princípios constitucionais.

            Existem dois enquadramentos possíveis para a COFINS: o art. 195, I (32) ou o art. 195, § 4º. Os que vislumbram a COFINS no art. 195, § 4º encontram vários argumentos para a sua inconstitucionalidade, entretanto quando colocada no art. 195, I acabam os problemas de tal vício.

            As contribuições previstas no art. 195, § 4º (33) são as novas fontes de custeio que poderão ser criadas pela União para suprir as necessidades da Seguridade Social, sendo expressa a observância ao art. 154, I (34) da Constituição Federal, sendo denominado impostos de competência residual da União.

            Caso a União queira criar uma nova fonte de custeio da Seguridade Social deve ater-se à utilização do instrumento normativo correto, qual seja, a lei complementar que exige quorum qualificado, sendo necessário um maior número de votos para sua aprovação. Diferentemente da lei ordinária que para sua aprovação exige-se apenas maioria simples, sendo mais fácil sua criação.

            O novo imposto deve obedecer ainda a não cumulatividade e não poderá ter a mesma base de cálculo ou fato gerador dos impostos já elencados na Constituição.

            Três pontos devem ser considerados do art. 154, I: a lei complementar, a não cumulatividade, e a proibição da mesma base de cálculo ou do fato gerador.

            A lei complementar é exigida apenas nos casos expressos na Constituição, como na criação de novos impostos de competência residual da União. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal já decidiu na ADC 1- DF que a COFINS é contribuição social oriunda da competência originária da União, dado que vem autorizada no art. 195, I da Constituição Federal.

            O fato de a COFINS ter sido criada pela Lei Complementar nº 70 de 1991, não interfere em sua natureza. A lei instituidora da COFINS é formalmente complementar, mas materialmente ordinária, pois a Constituição no art. 195, I fala apenas em lei, não sendo exigível, portanto lei complementar.

            O Ministro Moreira Alves em seu voto como relator explana que :

            Sucede, porém, que a contribuição social em causa, incidente sobre o faturamento dos empregadores, é admitida expressamente pelo inciso I do artigo 195 da carta Magna, não se podendo pretender, que a Lei complementar nº 70/91 tenha criado outra fonte de renda destinada à manutenção ou a expansão da seguridade social.

            Por isso mesmo, essa contribuição poderia ser instituída por Lei ordinária. A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente complementar- a Lei Complementar nº 70/91- não lhe dá, evidentemente, a natureza de contribuição social nova, e que se aplicaria o disposto no §4º do artigo 195 da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída- que são o objeto desta ação-, é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar. (35)

            Como não obedece ao regime da lei complementar, poderia ser objeto de alteração por Medida Provisória, pois esta só está vedada quando for exigível a lei complementar, logo, ao contrário do que gostaria a maioria dos advogados tributaristas é perfeitamente admissível a alteração da Lei complementar nº 70/91 através do instrumento normativo Medida Provisória, sem que isso fosse inconstitucional.

            O segundo ponto, o da cumulatividade também não poderia ser alegado na COFINS que foi instituída como cumulativa e hoje com o advento da lei 10.833/2003 passou a ser não- cumulativa.

            Ocorre que apesar do desagradável efeito da incidência da contribuição sobre o faturamento, sem a possibilidade de descontar o valor pago na etapa anterior do montante devido na operação subseqüente, conforme a sistemática do ICMS, essa previsão da não-cumulatividade, não se aplica a COFINS por ser distinto dos impostos e também por ser decorrente da competência originária da União.

            O princípio da não-cumulatividade se aplica apenas aos tributos de competência residual da União.

            Por último no tocante a vedação de criar um novo imposto com a mesma base de cálculo ou fato gerador de outro imposto já explicitado pela Constituição, tal proibição se refere a criação de dois impostos com a mesma base de cálculo, não veda a criação de contribuição social com mesma base de cálculo de imposto.

            O Ministro Moreira Alves já se pronunciou acerca do tema no Recurso Extraordinário 146.733 prevendo a possibilidade do mesmo fato gerador ou base de cálculo se utilizado por um imposto e por uma contribuição.

            Por fim, não se pode ver inconstitucionalidade no fato de a contribuição sob análise ter fato gerador e base de cálculo, idênticos ao do imposto de renda e do PIS. Pelo singelo motivo de que não há, na Constituição, nenhuma norma que vede a incidência dupla de imposto e contribuição sobre o mesmo fato gerador, nem que proíba tenham dois tributos à mesma base de cálculo. (36)

            Luciano Amaro defende que não é pelo fato gerador que se define a natureza dos tributos.

            A contribuição do empregado à previdência, ainda que tenha por base de cálculo o seu salário, não é imposto de renda, assim como a contribuição do empregador sobre o faturamento não é IPI, nem ICMS nem ISS; da mesma forma, a apurada sobre o lucro não é imposto de renda, nem a contribuição sobre a comercialização da produção rural ou pesqueira(art. 195, §8º) é imposto sobre a produção ou circulação. (37)

            O ministro Ilmar Galvão em outra oportunidade também entendeu que não há tal vedação:

            Por outro lado, a existência de duas contribuições sobre o faturamento está prevista na própria Carta (art. 195, I e art.239) motivo singelo, mas bastante, não apenas para que não se possa falar em inconstitucionalidade, mas também para infirmar a ilação de que a contribuição do art. 239 satisfaz a previsão do art.195, I, no que toca à contribuição calculada sobre o faturamento. (38)

            O Dr. Moacir Antonio Machado da Silva, membro da Procuradoria da República, em seu parecer, exaspera no mesmo entendimento ao preceituar que:

            A existência de duas contribuições sobre a mesma base de cálculo- o faturamento- está autorizada na própria Constituição, em seus arts. 195, I e 239, não se podendo falar em inconstitucionalidade, nem mesmo em antinomia entre essas normas constitucionais. (39)

            Portanto, tampouco poderia questionar-se acerca da inconstitucionalidade por tratar-se de bis in idem, dado que a própria Constituição prevê as duas contribuições sociais, o PIS expressamente no art. 239 e admite a criação da COFINS no art.195, I, e também no ato das disposições transitórias art.56.

            Para a caracterização do tributo na modalidade contribuição social, o que efetivamente importa é a sua afetação, ou seja, a destinação específica dos recursos angariados para o custeio da Seguridade Social.

            Diante do exposto conclui-se que a COFINS tem sua previsão constitucional no art. 195, I, e não sendo tributo novo previsto no art. 195 §4º, não deve obedecer às vedações contidas no art. 154, I.

            Assim, a COFINS é constitucional porque foi instituída por lei materialmente ordinária, por ser expresso o texto constitucional ao permitir a sua criação como contribuição social proveniente da competência originária da União, e por não estar vedada sua cumulatividade.

            Gilberto Ulhoa tem o mesmo entendimento acerca da possibilidade da cumulatividade:

            É evidente que as contribuições sobre o lucro e o faturamento, explicitamente referidas no inciso I do art. 195, podem ser cumulativas (como certamente o são as que incidem sobre o faturamento) e ter fato gerador ou base de cálculo de outros impostos do sistema (como seguramente têm) dada a sua semelhança com o imposto de renda (sobre o lucro das empresas) e com o ICMS ou ISS (a que grava o faturamento), devendo se entender que tais características foram conscientemente toleradas quanto às modalidades expressamente previstas no inciso I. (40)

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            Uma outra polêmica acerca da COFINS está no sujeito passivo da contribuição, ou seja, quem deve efetuar o pagamento. Em primeira análise pode-se dizer que o contribuinte da COFINS é o empregador conforme art. 195, I da Constituição Federal. Entretanto tal conceito de empregador necessita um estudo mais pormenorizado.

            Leciona Luciano Amaro que contribuinte é:

            (...) numa noção não rigorosamente técnica, pode ser identificado como a pessoa que realiza o fato gerador da obrigação tributária principal. Essa noção não é precisa, porquanto o fato gerador muitas vezes não corresponde a um ato do contribuinte, mas sim a uma situação na qual se encontra (ou com a qual se relaciona) o contribuinte.

            É por isso que a figura do contribuinte (como devedor de tributo) é geralmente identificável à vista da simples descrição da materialidade do fato gerador. (41)

            A própria Constituição Federal trouxe o rol dos sujeitos passivos das contribuições, entretanto houve discussão acerca do conceito de empregador sendo levado a apreciação do Supremo Tribunal Federal a questão do empregador efetivo e do empregador em potencial para saber se havia diferença entre estes conceitos para efeito de incidência da COFINS.

            Nos julgados deliberou a Suprema Corte no sentido de não haver distinção dos conceitos para efeito da cobrança das contribuições sociais, devendo o empregador em potencial suportar o ônus de maneira semelhante ao empregador efetivo.

            O ministro Nelson Jobim de maneira expressiva elucidou a matéria em seu voto no Agravo de Instrumento nº 318.429, ministrando uma verdadeira aula acerca do tema:

            O que deve ser considerado é que a pessoa jurídica recorrente constitui-se em potencial empregadora. Se não admite empregado é opção sua. Pode, entretanto, admiti-los, está apetrechada para tal.

            (...)

            Não obstante a multiplicidade e obviedade das razões, não pode restar dúvidas de que a melhor exegese para o vocábulo "empregador" adotado pelo legislador constituinte no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal é que ele abarca a pessoa jurídica enquanto potencial empregadora, mesmo porque o comando maior do qual não se pode olvidar está contido no caput do artigo 195, preconizando que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, não se podendo dissociar que a menção a toda a sociedade pressupõe obviamente, que a intenção do legislador foi de não excluir ninguém da responsabilidade de financiar a seguridade social.

            Usou-se o vocábulo "empregador" ali tão somente enquanto o qualificativo da entidade. A singularidade das contribuições sociais aflora na proporção da compreensão do fenômeno científico do seguro social e sua correspondente especificidade e instrumentalidade social. (42)

            Para pacificar este entendimento o ministro Carlos Velloso na análise do Recurso Extraordinário nº 364.215 decidiu nas mesmas linhas: "O acórdão deixa expresso que a recorrente está habilitada a operar, inclusive admitindo trabalhadores. Se não os admite, é opção sua. Porém, para efeitos de incidência da contribuição sobre o lucro é empregadora." (43)

            Vencida a discussão acerca do sujeito passivo, passa-se a analisar a divergências causadas pela alteração do conceito de faturamento.

            O Ministro Ilmar Galvão explicita em seu voto que o conceito de faturamento utilizado como base de cálculo da COFINS é extraído do Decreto-Lei 2.397/87:

            De outra parte, o D.L. 2.397/87, que alterou o D.L. 1.940/82, em seu artigo 22, já havia conceituado receita bruta do artigo 1º, parágrafo 1°, do mencionado diploma legal como a "receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços", conceito esse que coincide com o de faturamento, que para efeitos fiscais, foi sempre entendido como o produto de todas as vendas e não apenas das vendas acompanhadas de fatura, formalidade exigida tão-somente nas vendas mercantis a prazo. (art. 1º da lei 187/36). (44)

            Em outro voto proferido na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº1-1 do Distrito Federal, o eminente ministro Ilmar Galvão dá ênfase ao conceito de faturamento:

            De efeito, o conceito de "receita bruta" não discrepa de "faturamento", na acepção que este termo é utilizado para efeitos fiscais, seja, o que corresponde ao produto de todas as vendas, não havendo qualquer razão para que lhe seja restringida a compreensão, estreitando-a nos limites do significado que o termo possui em direito comercial, seja, aquele que abrange tão-somente as vendas a prazo, em que a emissão de uma "fatura" constitui formalidade indispensável ao saque da correspondente duplicata. (45)

            Das ilações proferidas por Ilmar Galvão pode-se concluir que o conceito de faturamento não fica limitado a interpretação dada pelo Direito Comercial, não podendo ser utilizados conceitos de outros ramos do Direito para a definição da base de cálculo das contribuições sociais. Devendo-se buscar na própria Constituição Federal os elementos para sua integração.

            A seguridade social deve ser financiada por todos os membros da sociedade, conforme disposição constitucional, logo não se deve restringir o conceito de faturamento como base de cálculo da COFINS, o correto seria ampliar sem olvidar-se da intenção do legislador que é o custeio do sistema de seguridade social capaz de atender a todos quantos necessitem de seu auxílio.

            Aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário 346.084 que questiona a constitucionalidade de dispositivo da Lei 9.718/98, que aumentou a base de incidência da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social, entretanto não houve ainda julgamento por parte de todos os Ministros.

            Os ministros Gilmar Mendes e Maurício Corrêa votaram pela constitucionalidade da referida lei, faltam ainda os votos dos demais ministros, entretanto a composição do Supremo Tribunal Federal foi alterada com a chegada de novos Ministros que podem trazer frescor aos julgamentos, sendo de difícil adivinhação qual será o posicionamento final da Suprema Corte.

            Um último ponto a ser analisado acerca da constitucionalidade da COFINS está na interpretação do artigo 167, inciso XI da Constituição Federal que apesar de sua redação intrincada permite chegar-se ao porquê dos aumentos freqüentes na alíquota da COFINS.

            O referido artigo versa sobre as vedações acerca do Orçamento, e o inciso XI foi acrescentado pela Emenda Constitucional nº20 de 1998, que traz a seguinte redação: "Art. 167. São vedados: XI- a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201."

            Fazendo uma leitura a contrario sensu, a própria Constituição autoriza que haja um desvio da destinação da COFINS, pois excetua que somente a contribuição sobre folha de salário e a contribuição do trabalhador devem ser efetivamente destinadas ao custeio dos benefícios da previdência social.

            Permite-se assim que os valores arrecadados com as demais contribuições sociais possam ser aplicados em outros setores como por exemplo para suplantar os déficits do Tesouro Nacional.

            Em que pese não seja nada nobre essa inclusão trazida pela Emenda Constitucional nº20/98, facilitando o desvio dos valores arrecadados supostamente para a previdência social, não se pode pugnar pela inconstitucionalidade, pois foi incorporada ao próprio texto constitucional, através de uma emenda que é uma via legislativa que requer quorum qualificado e é um processo legislativo dificultoso que passou por ambas Casas Legislativa. Não podendo ser alegado que foi ato discricionário do Presidente da República, que inovou através de Medida Provisória.

            4.1 ARGUMENTOS PELA INCONSTITUCIONALIDADE

            Este trabalho entende pela constitucionalidade da COFINS, entretanto não se pode furtar de analisar os argumentos pelos quais alguns tributaristas defendem a inconstitucionalidade da referida contribuição social.

            Pode-se pugnar pela inconstitucionalidade da COFINS com base na ofensa ao artigo 246 da Constituição Federal, na violação ao artigo 150, Inciso IV, da Constituição Federal que veda o confisco, e na ofensa ao princípio da isonomia.

            O artigo 246 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 32/01, determina: "Art. 246 - É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive."

            O legislador, pela edição da mencionada emenda constitucional, quis colocar um termo à edição de inúmeras e sucessivas Medidas Provisórias pelo Poder Executivo, bem como limitar sua abrangência.

            Nesse sentido o artigo 195, da Carta Maior, base constitucional da COFINS, foi alterado pela Emenda Constitucional nº 20/98, conforme supra mencionado. Dessa forma não poderia a Medida Provisória nº 135/03 tratar sobre a COFINS, vez que artigo 246 da Constituição Federal proíbe expressamente a utilização de tal diploma legal para esse fim.

            Da constatação de inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 135/03 tem-se: a) inexigibilidade da COFINS nos moldes da mencionada medida provisória; e/ou b) inconstitucionalidade da própria Lei nº 10.833/03, uma vez que se originou de um diploma também inconstitucional.

            A Medida Provisória nº 135/03 já continha o vício de legislar acerca de matéria restrita a lei, sendo portanto inconstitucional, logo a Lei nº 10.833/03 também padece do mesmo vício dado que não foi fruto de um projeto de lei e sim de uma Medida Provisória já inconstitucional, e o fato de se converter em lei não sana nenhum vício.

            Confiscar é tomar para o Fisco, ou seja, desapossar o contribuinte de seus bens em favor do Estado. A Constituição Federal veda a utilização do tributo para efeitos confiscatórios. Esse princípio está atrelado a outro princípio, o da capacidade contributiva, como ambos ditames constitucionais não seguem critérios matemáticos, cabe ao julgador da norma apreciar o caso concreto com fundamento na razoabilidade.

            O artigo 1º da Lei nº 10.833/02, determina que a base de cálculo da COFINS é todo faturamento, entendido, assim, como todas as receitas auferidas pela respectiva empresa. Ocorre que, tal interpretação tão abrangente, acaba por incluir os valores decorrentes das variações cambiais de ativos e passivos na base de cálculo da COFINS.

            Nesse sentido, toda empresa que negocia no mercado externo, acaba por contrair, inevitavelmente, passivos e/ou ativos em moeda estrangeira, os quais devem fazer parte de seu balanço, para os devidos fins, inclusive os de caráter tributário.

            Dessa forma, quando há variação, tanto positiva quanto negativa, gera-se no final de um determinado período de apuração um "ganho" ou "perda" de ativos/passivos. Tal variação, apesar de caráter provisório e, portanto, irreal, deve ser lançada nos demonstrativos das empresas.

            Assim, à luz da definição de faturamento da Lei nº 10.833/03, os valores decorrentes da variação cambial, que gerem receita, automaticamente integrariam a base de cálculo da mencionada exação.

            Em contrapartida, caso a variação cambial gerasse uma perda, tal valor não representaria hipótese de crédito da COFINS. Isso porque no o § 3º, do artigo 1º, da Lei nº 10.833/03, não prevê perda cambial, como base de cálculo de crédito da COFINS.

            Logo se num determinado período de apuração a flutuação cambial representar uma variação positiva de receita, a empresa será obrigada a recolher a COFINS sobre tal valor, por outro lado se num período posterior constar-se uma variação negativa do mesmo ativo/passivo, não poderá excluir tal prejuízo da base de cálculo da mencionada exação por falta de previsão legal.

            Dessa forma, a sistemática adotada pela Lei nº 10.833/02, ao incluir a variação cambial de ativos e passivos cotados em moeda estrangeira, acaba por violar o princípio do não-confisco dos tributos, previsto no artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal, dado que sobrecarrega por demais o contribuinte.

            O mestre Celso Antônio leciona brilhantemente acerca do princípio magno da isonomia:

            A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes. (46)

            Algumas empresas foram contempladas com um crédito prêmio/presumido da COFINS, em detrimento de outras que não foram agraciadas com esse tratamento diferenciado.

            Tal situação vai de encontro com o Princípio da Isonomia Tributária, insculpido em cláusula pétrea no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, o qual não deixa dúvidas quanto à impossibilidade de instituir tratamento desigual entre pessoas que se encontrem em situação equivalente.

            Defendem que a Lei nº 10.833/03, impingiu, em total confronto com a Lei Maior, tratamento desigual entre contribuintes que se encontram na mesma situação, concedendo crédito em algumas operações determinadas e negando em outras sem qualquer discrímen jurídico-econômico. Entretanto poder-se-ia considerar discriminação se estivessem todos os contribuintes em igual plano, ocorre que a lei considerou os contribuintes de acordo com a atividade exercida e dentro de cada grupo preservou-se a igualdade.

            A discriminação não pode ser gratuita, o legislador ao fazer a opção por diferenciar os contribuintes deve observar a correlação lógica entre o tratamento diferenciado e a motivação que deu lugar ao privilégio, caso contrário essa distinção desmotivada afrontará o princípio da isonomia.

            As empresas que tiveram a alíquota da COFINS majorada, deverão suportar aumento da carga tributária, com restrições ao seu crédito, enquanto que outras, poderão, dependendo do caso, apurar até mesmo um excedente, os quais seriam compensados com outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal.

            O tratamento desigual a contribuintes que se encontram em idêntica situação é vedado ao legislador infraconstitucional em matéria tributária, consoante princípio estampado no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal.

            O conceito de crédito prêmio/presumido fica evidente, pois caso se tratasse de não-cumulatividade, como nos casos dos impostos ditos indiretos (ICMS e IPI), o contribuinte poderia se creditar de todos os valores recolhidos nas cadeias anteriores e não de algumas hipóteses expressamente determinadas pelo legislador.

            Nesse sentido, ressalta-se que as hipóteses em que o IPI e o ICMS, não geram crédito para posterior compensação, são exceções determinadas expressamente em lei, por outro lado, no caso da Lei nº 10.833/03, o que ocorre é exatamente o inverso, em que as situações que podem gerar crédito são determinados na lei, enquanto as demais operações não.

            A chamada não-cumulatividade da COFINS não é plena, sendo determinado na própria lei quais as despesas e custos que geram valores passíveis de serem geradores de crédito pelo contribuinte, podendo até apresentar um saldo residual, o qual poderá ser compensado com outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal.

            Decorrência imediata de tal procedimento é o fato de que algumas empresas foram, inegavelmente, beneficiadas (exportadoras) em comparação à maioria (prestadoras de serviços e importadores) que tiveram majorado sua carga tributária.

            Tal sistemática assemelha-se muito mais com uma espécie de crédito prêmio ou presumido do que não-cumulatividade. A exemplo do que temos para o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação - ICMS e para o imposto sobre produtos industrializados - IPI - em que se destaca o imposto pago na operação antecedente e o contribuinte toma o crédito para compensar na operação subseqüente.

            Todos os argumentos elencados pelos tributaristas neste tópico não alcançaram êxito quando levados a apreciação do Supremo Tribunal Federal. Como a matéria é complexa e de difícil assimilação, esses argumentos favoráveis à inconstitucionalidade florescem e se proliferam entre os advogados que buscam solução para os problemas de seus clientes.

            Entretanto com um estudo mais pormenorizado acerca do tema desemboca-se inevitavelmente no reconhecimento da constitucionalidade da COFINS, mesmo que isto reflita no aumento da carga tributária suportada pelo contribuinte.

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Sobre o autor
Amauri Sebastião Niehues

superintendente comercial do Banco do Brasil S.A., administrador, bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NIEHUES, Amauri Sebastião. Aspectos constitucionais da nova Cofins à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 675, 11 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6703. Acesso em: 25 nov. 2024.

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