Competência da Justiça do Trabalho em Relação ao Servidor Público Estatutário

Exibindo página 1 de 4
18/06/2018 às 15:20
Leia nesta página:

Data venia, não é correto argumentar no sentido de que os servidores devem ser julgados na Justiça Comum, fundamentando que estes não têm relação de trabalho com o Estado, mas, tão somente, uma relação jurídico-administrativa.

RESUMO: A Competência para apreciar demandas dos Servidores Públicos Estatutários é da Justiça Comum, podendo ser Estadual ou Federal, dependendo do caso. O presente trabalho possui o intuito de contrariar esse entendimento, levando a crer que estes servidores devem ser julgados na Justiça do Trabalho, por vários motivos, dentre eles, o fato do Servidor Público possuir todos os elementos do um empregado comum, tais como, pessoalidade, onerosidade, subordinação e habitualidade. Apesar do entendimento, em relação à competência ser do Supremo Tribunal Federal, os argumentos trazidos neste trabalho foram extraídos da nossa Carta Magna e de várias doutrinas da mais alta linhagem. No decorrer dessa árdua pesquisa, entretanto, profícua, foram obtidos fundamentos sólidos de que a Justiça Laboral detém competência material para julgar ações que envolvam direitos dos Servidores Estatutários.

Palavras-chave: Competência; Servidor Público Estatutário; Empregado; Justiça do Trabalho. 


1 INTRODUÇÃO

Quando o assunto é competência, sempre há controvérsias, entretanto, quando se trata de competência em relação ao servidor público, a polêmica é ainda maior. A dificuldade de chegar a um consenso a respeito da qualidade do servidor público é por conta de, ora ter semelhança com um empregado comum, em razão de haver subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade, e ora não possuir paridade com este, já que um goza de estabilidade e o outro não.

Perplexo é o fato do servidor estatutário e o empregado público serem julgados por justiças diferentes. Por estas e inúmeras outras incertezas sobre o assunto que este trabalho foi elaborado. A problemática referente ao tema ocorre quando é visualizada a peculiaridade do servidor público e surgem dúvidas com relação à competência. Este trabalho tem como objetivo esclarecer as dúvidas sobre a questão, seja na conceituação dos servidores, seja da competência para julgá-los.

No primeiro capítulo será explicada a evolução histórica da competência da Justiça do Trabalho, mostrando-se, assim, a redação das constituições brasileiras. Embora os primeiros diplomas constitucionais não versem sobre a competência desta Justiça, o capítulo em questão revelará quando surgiu a primeira norma que fez referência acerca do assunto.

O segundo capítulo trará a conceituação dos empregados celetistas e dos servidores públicos, bem como a diferenciação entre ambos. Constará ainda, a explicação de que nem todas as pessoas que trabalham em favor do Estado, direta ou indiretamente, são servidores públicos.

A competência será explorada no terceiro capítulo, lá dar-se-á a conceituação da competência da Justiça Trabalhista, em razão da matéria e do espaço. De forma simples, haverá transcrições de artigos de lei, assim como doutrinas de grande valor.

O quarto capítulo tem o intuito de sanar as dúvidas que norteiam a relação de trabalho, mais especificamente, sobre sua diferença com a relação de emprego. E, por fim, o quinto e último capítulo terá a essência do trabalho, ocasião esta que será exposta a visão de importantes órgãos, instituições e juristas, no tocante ao conflito de competência para julgar o servidor público estatutário.      

Será mencionado neste, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n.º 3.395) proposta pela Associação dos Juízes Federais do Brasil – que no momento ainda encontra-se em tramitação no Supremo Tribunal Federal – com um breve resumo dos principais pontos. No entanto, é necessário o estudo dos demais, maneira pela qual se prepara. O presente trabalho tem com base, a análise completa da ADI, anteriormente mencionada, juntamente com várias doutrinas pertinentes ao tema.

A conclusão, portanto, analisará a profunda interpretação da norma fundamental brasileira de forma conexa com os argumentos exteriorizados pelas associações na posição de amicus curiae na ADI n.º 3.395 e das doutrinas da mais alta linhagem. De forma persuasiva, foi trazido ainda, motivadamente, o posicionamento contrário ao da Suprema Corte, até o atual momento. Evidentemente, todos os apontamentos serão feitos com a devida observação e estima às demais interpretações.


2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO NO BRASIL

Importante aqui consignar que o tema não será tratado de forma integral, e não obstante, será discutido de maneira que estejam presentes os pontos de maior relevância.

A primeira Constituição Brasileira, de 1824, era omissa em relação à Justiça do Trabalho. Da mesma forma, na Constituição de 1891 também não há qualquer previsão neste sentido. Em 1907, através da Lei nº 1.637, surgiram os primeiros órgãos para a solução de conflitos trabalhistas, os chamados Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem, que jamais foram implantados.[2]

Depois da criação e alteração de alguns órgãos por meio de Leis e Decretos, foi a Constituição da República de 1934 que tratou pela primeira vez sobre a Justiça Laboral. Conforme em:

“Art 122 - Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I. [...]” (Grifo meu)

Após a Constituição de 1934 entrar em vigor, a evolução da competência não estagnou. Dando continuidade a esta, três anos depois, a Constituição da República de 1937 trazia a seguinte redação:

“Art 139 - Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum. [...].” (Grifo meu)

A Justiça Trabalhista não integrava o Poder Judiciário, mas, sim, o Poder Executivo. Em 1939, por intermédio dos Decretos-leis 1.237 e 1.346, foi institucionalizada a Justiça do Trabalho e a partir de então passou a ser um órgão autônomo.

No dia 1º de maio de 1943, foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho – Decreto 5.452 – que veio a confirmar a competência da justiça especializada em julgar ações que envolvessem relações de emprego.

No ano de 1946, a nova Constituição da República tornou a Justiça Trabalhista como integrante do Poder Judiciário. As Constituições de 1967 e 1988 -atualmente em vigor - continuaram com a previsão de que a Justiça Laboral era competente para apreciar demandas que envolvessem apenas relações entre trabalhadores e empregadores.

Entretanto, em 2004, houve uma significativa reforma em relação à competência desta justiça, que se deu através da Emenda Constitucional nº 45 de 2004.

Antes da EC nº 45, o art. 114 da CF de 1988 tinha o seguinte texto:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. [...]” (Grifo meu)

Depois da referida emenda, passou a dispor da seguinte forma:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; [...]” (Grifo meu)

Essa redação, vigente até os dias atuais, expandiu a competência da justiça do trabalho de tal forma que se tornou competente para julgar ações que envolvam relações de trabalho e não somente as que envolvam relações de emprego; lides que contenham direitos de greve; ações de indenizações; entre outras. Portanto, é factível que a Justiça Trabalhista ganhou maior expressão, já que atualmente sua competência material foi majorada.


3 EMPREGADO CELETISTA E AGENTES PÚBLICOS

3.1 CONCEITO E REQUISITOS DE EMPREGADO COMUM

Empregado celetista é aquele que possui vínculo empregatício regulado pela CLT, podendo ser com pessoa física ou pessoa jurídica de direito privado. De acordo com o art. 3º da CLT, para ser considerado empregado, é necessário preencher cinco requisitos, sendo eles: ser pessoa física, prestar serviço não eventual, haver subordinação, onerosidade e ser exigida a pessoalidade. Segundo a maioria dos autores, existem apenas quatro requisitos para a caracterização de empregado, devido ao fato do primeiro requisito listado anteriormente – pessoa física – já estar automaticamente ligado aos demais, sendo assim, é um requisito aglutinado à condição de empregado.

Não obstante, Amauri Mascaro Nascimento e Sônia Mascaro Nascimento[3] fazem questão de elucidar que pessoa física é um requisito indispensável para a caracterização de empregado, circunstância esta que os demais estudiosos tratam de maneira implícita.

Evidentemente, para ser considerado empregado é preciso ser pessoa física, razão pela qual se os serviços forem prestados por pessoas jurídicas não haverá uma relação de emprego, e sim uma simples relação contratual, regulada pelo Direito Civil. A não eventualidade, ou a habitualidade, indicam que o serviço prestado deve ser de modo permanente, isto é, sua atividade não se esgota com um único episódio, sendo necessária uma continuidade na prestação.

Sérgio Pinto Martins{C}[4] conceitua habitualidade como um trabalho de natureza contínua, que não termina em uma única ocasião, diz ainda, que nem sempre a habitualidade é de forma diária, podendo ser a cada dois dias ou até uma vez por semana.

Outro elemento para a caracterização de empregado é a subordinação. São várias as espécies de subordinação, podendo ser, econômica, técnica, moral, social, jurídica, entre outras. No entanto, de forma genérica, Sérgio Pinto Martins{C}[5]{C} exprimi que subordinação é a incumbência que o empregado tem de cumprir as ordens do seu superior hierárquico.

Luciano Matinez aduz que subordinação “é uma situação que limita a ampla autonomia de vontade do prestador dos serviços.”[6] A título de ilustração, o autor também diz que o elemento subordinação, no tocante à relação de emprego, é uma de suas mais relevantes linhas de expressão.[7] Posto isto, conclui-se que subordinação, concisamente falando, é a obrigação que o empregado tem em satisfazer a vontade de seu empregador.

A onerosidade, por sua vez, caracteriza-se como o salário pago pelo empregador em virtude do serviço prestado pelo empregado, ou seja, a contraprestação. É importante sublinhar, que no ordenamento jurídico brasileiro, o trabalho gratuito, popularmente conhecido como voluntário, não gera vínculo empregatício.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Nessa toada, discorre André Luiz Paes de Almeida:

“Não existe vínculo de emprego voluntário, ou seja, gratuito. Toda prestação de emprego presume uma contraprestação salarial.

No entanto, a falta de pagamento de salário não desconfigura a relação de emprego, pois, obviamente, a inadimplência do empregador jamais caracterizaria um prejuízo ainda maior ao empregado.

Por isso, basta a simples promessa de que vai haver salário para que esse requisito seja suprido.” {C}[8]

E, por fim, tem-se que a pessoalidade, é a impossibilidade do empregado se substituir por outro, portanto, de modo geral, o empregado possui caráter infungível.

Maurício Godinho Delgado ensina:

“É essencial à configuração da relação de emprego que a prestação do trabalho, pela pessoa natural, tenha efetivo caráter de infungibilidade, no que tange ao trabalhador. A relação jurídica pactuada — ou efetivamente cumprida — deve ser, desse modo, intuitu personae com respeito ao prestador de serviços, que não poderá, assim, fazer-se substituir intermitentemente por outro trabalhador ao longo da concretização dos serviços pactuados. Verificando-se a prática de substituição intermitente — circunstância que torna impessoal e fungível a figura específica do trabalhador enfocado —, descaracteriza-se a relação de emprego, por ausência de seu segundo elemento fático-jurídico.” [9]

Todavia, o empregado poderá ser substituído sem perder o requisito pessoalidade, como por exemplo, nos casos autorizados pela lei, tais como, as férias, a licença-gestante, entre outros.

  Para concluir, é importante salientar, que esses requisitos são cumulativos, não podendo o sujeito ser intitulado empregado com a ausência de um ou mais deles.

3.2 AGENTES PÚBLICOS

Os Agentes Públicos são todas as pessoas que exercem alguma função em favor do Estado, ou seja, é o gênero. Hely Lopes Meirelles define Agentes Públicos como: “[...] todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal”.{C}[10]

No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Agente Público é toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta”.{C}[11]

Dentre as demais espécies de agentes públicos, será analisada apenas uma delas, sendo esta, a espécie servidores públicos. Foi escolhida esta espécie, haja vista que será a categoria de agentes públicos analisada ao longo do trabalho.

3.2.1 Servidores Públicos

Esta espécie de agentes públicos, diz respeito a pessoas físicas que prestam serviço à administração a título de emprego.

A doutrina clássica de Hely Lopes Meirelles, assim conceitua servidores públicos:

“São todos aqueles que se vinculam ao Estado ou às suas entidades autárquicas e fundacionais por relações profissionais, sujeitos à hierarquia funcional e ao regime jurídico determinado pela entidade estatal a que servem. São investidos a título de emprego e com retribuição pecuniária, em regra por nomeação, e excepcionalmente por contrato de trabalho ou credenciamento.”[12]{C}

Servidores Públicos se subdividem em 3 categorias, sendo elas: Empregado Público, Servidor Estatutário e Servidor Temporário.

3.2.1.1 Empregado Público 

O empregado público reúne todos os requisitos de um empregado particular, no entanto, não presta serviço a um empregador, e sim, em favor da Administração pública. Matheus Carvalho{C}[13]{C} conceitua empregado público como a pessoa que mantem vínculo profissional com a Administração Pública, entretanto, com o regime celetista.

Diferentemente dos servidores estatutários, os empregados públicos são regidos pela CLT. Porém, para a contratação desses empregados, é necessária a realização de concurso público de provas ou provas e títulos.

Sérgio Pinto Martins[14]{C} explica que os empregados públicos possuem todos os direitos dos empregados comuns, isto é, a eles se aplicam a CLT e consequentemente todas as regras contidas nesta serão pertinentes a estes empregados do Estado.

À vista disso, caso queiram ingressar com uma ação trabalhista, esta deverá ser proposta na Vara do Trabalho competente, em razão destes serem abrangidos pela Justiça Especializada.

3.2.1.2 Servidores Estatutários 

Segundo Hely Lopes Meirelles[15], servidores estatutários “são os titulares de cargo público efetivo e em comissão, com regime jurídico estatutário geral ou peculiar e integrantes da administração direta, das autarquias e das fundações públicas com personalidade de Direito Público.”

Conforme já anunciado, os servidores estatutários diferem-se dos empregados públicos. Dentre as diferenças existe o regime jurídico, sendo os empregados públicos regidos pela CLT e os servidores regidos por estatuto próprio, estando afetos, portanto, a um regime jurídico administrativo.

Novamente, Sérgio Pinto Martins, que expõe:

“Funcionário público ocupa cargo. Empregado público ocupa função. Funcionário público tem regime legal, estatutário. Empregado público tem regime contratual, o da CLT. O funcionário público é regido pelo Direito Administrativo. O empregado público é regido pelo Direito do Trabalho.”[16]

Visto isso, conclui-se que servidor estatutário é um empregado do Estado, porém, com um regime jurídico peculiar o qual é o estatuto do órgão em que ele está vinculado.

3.2.1.3 Servidores Temporários 

É possível a contratação de servidores temporários para atender necessidades transitórias e inusitadas. A modalidade em questão está prevista no art. 37, inciso IX, da CF:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...] IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;”

Matheus Carvalho{C}[17]{C}, define servidor temporário como pessoas contratadas de modo excepcional para atender necessidades findáveis dos órgãos públicos.

Ainda, o referido autor, destaca que, para a contratação de tais servidores, é preciso preencher três requisitos, sendo eles: serviço temporário, interesse público e caráter excepcional.{C}[18]

O regime pertinente a estes servidores é o Administrativo e por isso não se aplica a CLT.[19]{C} Portanto, tanto os servidores estatutários, quanto os temporários pertencem ao regime jurídico-administrativo, sendo a diferença entre ambos somente o prazo de vigência da relação. Ocasião a qual o primeiro tem contrato por tempo indeterminado com o Estado, enquanto o outro possui contrato com término já definido.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos