Competência da Justiça do Trabalho em relação ao servidor público estatutário

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18/06/2018 às 15:20
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5. DIFERENCIAÇÃO ENTRE RELAÇÃO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE EMPREGO

É muito comum fazer associação com as expressões “Relação de Trabalho” e “Relação de Emprego”, acreditando serem sinônimas. Todavia, não o são, já que a primeira é gênero da qual a segunda é espécie.

Segundo Luciano Martinez, “[...] é possível afirmar que o emprego será sempre uma forma de trabalho, embora nem todo trabalho seja considerado emprego.”23

Nessa linha, Carlos Henrique Bezerra Leite alude que relação de emprego é aquela relação existente entre empregados e empregadores, regulada pela CLT.24

De maneira mais profunda, Gustavo Filipe Barbosa Garcia ao citar José Affonso Dallegrave Neto destaca:

“A relação de emprego é justamente a relação de trabalho em que estão presentes os elementos previstos nos arts. 2º e 3º da Consolidação do Trabalho, quais sejam: prestação do serviço por pessoal natural, com pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade.”25

Após a análise dos conceitos acima, percebe-se que relação de emprego restringe-se ao vínculo jurídico regulado pela CLT - de um lado o contratante e do outro o contratado. Já a relação de trabalho não se limita às relações entre os empregados e empregadores.

Além da relação de emprego, Alice Monteiro de Barros cita, como exemplo, outras espécies de relação de trabalho, tais como: trabalho autônomo, trabalho eventual, trabalho avulso, entre outros.26

Em complemento, Amador Paes de Almeida27 diz que: “Trabalho é todo esforço intelectual ou físico destinado à produção. Emprego é o trabalho subordinado. Um profissional autônomo trabalha, mas não exerce emprego [...]”.

E para finalizar, Mauro Schiavi traz o conceito de trabalho:

“O trabalho prestado por conta alheia, em que o trabalhador (pessoa física) coloca, em caráter preponderantemente pessoal, de forma eventual ou não eventual, gratuita ou onerosa, de forma autônoma ou subordinada, sua força de trabalho em prol de outra pessoa (física ou jurídica, de direito público ou de direito privado), podendo o trabalhador correr ou não os riscos da atividade que desempenhará.” 28

Dessa maneira, ficou evidente a diferença entre relação de trabalho e relação de emprego. Não há como confundir os termos pelo fato da primeira englobar a segunda. Trabalho é um conceito amplo, já emprego é um conceito restrito. Toda relação de emprego é uma relação de trabalho, entretanto, nem toda relação de trabalho é uma relação de emprego.


6. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM RELAÇÃO AO SERVIDOR PÚBLICO ESTATUTÁRIO

6.1. ENTENDIMENTO DA ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL – AJUFE

Quando a Constituição Federal de 1988 foi promulgada, não restaram dúvidas de que esta delimitou a competência material da justiça do trabalho para apreciar demandas que envolvessem direitos de relações entre trabalhadores e empregadores. Entretanto, em 2004, houve uma alteração na Constituição, por meio da Emenda Constitucional n.º 45, que ampliou significativamente a competência da Justiça Trabalhista.

A partir dessa reforma, o artigo 114 da CF, em seu inciso I, passou a definir que a Justiça Laboral não é só competente para julgar ações entre trabalhadores e empregadores, mas também para ações que envolvessem relação de trabalho. E, conforme destacado anteriormente, a relação de trabalho engloba a relação de emprego.

Decorrente disso, começaram a surgir dúvidas em relação à abrangência desta nova redação do art. 114. da CF, em especial, no tocante à competência para julgar as ações dos servidores públicos. Assim sendo, a ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL – AJUFE propôs a ADI n.º 3.395, que tem como objeto principal o art. 114, inc. I, da CF.

A AJUFE sustenta que houve vício formal na aprovação da EC n.º 45/2004, já que após a Câmara dos Deputados aprovarem o texto do art. 114, inc. I, da CF, este foi encaminhado para o Senado Federal. Alega ainda, que nesta casa legislativa foi aprovada a EC, entretanto, com o acréscimo de uma expressão que não foi inserida, sendo ela: “[...] exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação.”

Defende também, subsidiariamente, que os cargos criados por lei ou em comissão não possuem uma relação de trabalho com o Estado, mas, tão somente, uma relação jurídica regida pelo Direito Administrativo.

6.2. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF

Inicialmente, no dia 27 de janeiro de 2005, foi concedida uma liminar pelo Ministro Nelson Jobim (em razão do Relator do processo, o Ministro Cezar Peluso estar em férias), na ADI nº 3.395, com efeito ex tunc, para suspender qualquer interpretação dada ao art. 114, inc. I, da CF, decidindo que, a Justiça do Trabalho não é competente para julgar ações que envolvessem direitos dos servidores públicos estatutários. Em plenário, a liminar foi referendada, sendo divergente apenas o Ministro Marco Aurélio.

A ementa foi a seguinte:

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária.

Votaram em conformidade com o Ministro Relator Cezar Peluso, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e a Presidente da época, a Ministra Ellen Gracie.

A motivação do Min. Rel. foi a de que os servidores públicos estatutários não possuem uma relação de trabalho com o Estado, mas sim, uma relação jurídico-administrativo, devido ao fato destes cargos serem criados por lei.

De outro lado, o Min. Marco Aurélio29, com voto divergente, argumentou no sentido de que o Congresso Nacional ao aprovar a EC n.º 45/04, tentou inserir a expressão: "[...] exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação.” Porém, a tentativa não foi frutífera. Com isso, ele acrescentou que o art. 114, inc. I, da CF, ampliou a competência da Justiça do Trabalho, de modo a abranger também os servidores públicos estatutários, pois, se assim não fosse, teria aprovado a mencionada expressão.

Esta ADI ainda encontra-se em andamento tendo como atual relator o Ministro Alexandre de Moraes. Portanto, há mais de dez anos o processo tramita no Supremo Tribunal Federal.

6.3. ENTENDIMENTO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO – ANAMATRA E DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO – ANPT

Na ADI N.º 3.395, já mencionada, foi deferida a intervenção, como amicus curiae, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT.

Segundo Marcus Vinicius Rios Gonçalves30, amicus curiae – cujo significado é “amigo da corte” – é uma forma de intervenção de terceiro, que mesmo não tendo interesse jurídico próprio no feito, pode ser atingido pela decisão do processo. Data venia, faz sentido a participação destas instituições, pois, o desfecho da demanda irá afetá-las.

A ANAMATRA sustentou como argumento principal que a Justiça do Trabalho, desde a Constituição de 1946 é competente para julgar os servidores públicos estatutários, devido ao caput do art. 123. da carta magna assim dizia: “Art 123 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias oriundas de relações, do trabalho regidas por legislação especial.”

Já a ANPT, como objetivo principal, requereu a revogação da liminar concedida na ADI n.º 3.395, pois, embora não ter sido aprovada no congresso, aduz que esta criou regra legislativa, substituindo o texto da Constituição Federal.

Importante salientar, ainda que estas instituições que estão na posição de amicus curiae, possuem notável relevância no feito.

6.4. ENTENDIMENTO DA DOUTRINA

Sobre esse assunto a doutrina se divide de tal maneira que alguns juristas defendem que os servidores estatutários devem propor suas ações na Justiça Comum, enquanto outros argumentam que os estatutários merecem ser julgados na Justiça do Trabalho.

Representando a primeira corrente doutrinária está o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim entende:

“Parece-nos óbvio que com a dicção ‘trabalhadores e empregadores’, ou com a dicção ‘relação de trabalho’, só pode estar se reportando aos casos em que os servidores das entidades estatais esteja sob ‘regime trabalhista’, regime de emprego (ou haja estado sob tal regime e proponha questões ao propósito dele suscitadas). Vale dizer: a Justiça do Trabalho não é competente para conhecer das questões entre titulares de cargo e o Poder Público, ou suas entidades auxiliares, concernentes a direito oriundos de tal vínculo. A Justiça Comum é que conhecerá de tais direitos”.31

De maneira clara e direta, serão expostas doutrinas pertencentes à segunda corrente, as quais tutelam o entendimento de que compete à Justiça do Trabalho apreciar as demandas dos servidores públicos estatutários.

Preliminarmente, é importante salientar que apesar do STF ter interpretado o art. 114, inc. I, da CF, de modo a afastar os servidores públicos estatutários da competência da Justiça do Trabalho. Nesta ocasião, será exposta outra interpretação deste dispositivo legal, mostrando que os servidores estatutários também são de competência da Justiça Trabalhista.

Em um artigo escrito por Grijalbo Fernandes Coutinho, com referência à EC n.º 45/04, este expressou que “relação de trabalho” deve ser tida de forma ampla e, se assim não for, seria um retrocesso para com a competência.32

Sérgio Pinto Martins assim externou seu posicionamento:

“Relação de trabalho é gênero, que abrange a espécie relação de emprego, mas compreende a relação do funcionário público, que tem relação de trabalho com a Administração Pública.

A interpretação histórica do inciso I do art. 114. da Constituição mostra que havia exceção no dispositivo, aprovada no Senado Federal. O dispositivo promulgado e publicado no Diário Oficial não fez exceção em relação ao funcionário público e às pessoas que exercem cargo em comissão. Logo, a Justiça do Trabalho tem competência para examinar as questões destas pessoas.

A interpretação sistemática do preceito constitucional indica que não se faz mais menção a empregador no inciso I do art. 114. da Lei Maior, mas apenas a relação de trabalho. [...]

É claro o inciso I do art. 114. da Lei Maior em abranger as relações de trabalho em que são parte “a administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios”. Não fazendo referência a empregador, significa que os funcionários públicos da União, Estados, Distrito Federal e municípios terão direito de ação na Justiça do Trabalho.” 33 (Grifo meu)

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No mesmo sentido, Mauro Schiavi:

“Com a nova redação do art. 114, I, da CF, dada pela EC n. 45/04, restou inconteste a competência da Justiça do Trabalho para apreciar as lides entre trabalhadores com vínculo estatutário e o Estado. [...]

Mesmo antes da EC. N. 45/04, nunca conseguimos entender porque a Justiça do Trabalho não tinha competência para apreciar as demandas que envolvam servidores estatutários. Ora, os servidores estatutários trabalham de forma pessoal, não eventual, subordinada e com onerosidade, ou seja, ainda que o vínculo entre servidor e Estado seja regido pelo regime administrativo, trata-se de uma autêntica relação de emprego, presentes todos os requisitos dos arts. 2º e 3º, ambos da CLT. [...] De outro lado, a Justiça do trabalho sempre esteve melhor municiada para apreciar as lides que envolvam trabalho subordinado, o que, muitas vezes, não é rotina das Justiças Estaduais e Federal. [...]

Não há sentido na Justiça do Trabalho apreciar as lides em que o Estado contrata pelo regime da CLT, mediante concurso e não ter competência quando o Estado contrata, mediante concurso por regime estatutário.”34

Leone Pereira35 por sua vez, elenca três fundamentos para sustentar que o servidor público estatutário deve ser julgado na Justiça do trabalho, sendo: a EC n. 45/04 teve por escopo ampliar a Justiça do Trabalho; o art. 114, inc. I, da CF não trouxe qualquer ressalva em relação ao servidor público estatutário; e, por fim, declara que o servidor público estatutário possui uma relação de trabalho com o Estado.

Na mesma linha, Gustavo Filipe Barbosa Garcia36 advoga que os servidores públicos em geral possuem uma relação de trabalho com a Administração Pública. Sendo assim, estes devem ingressar com ações na Justiça do Trabalho, em razão desta ser competente para apreciar demandas que envolvam relação de trabalho e não somente as relações de emprego. Defende também que não se utiliza o Direito Material para definir competência. É importante seu magistério:

“Cabe ainda reiterar que o ramo do Direito Material a ser aplicado na solução do conflito não é critério para definir a competência. No caso, de acordo com a atual disposição constitucional, o juiz do trabalho certamente terá de aplicar, por exemplo, disposições de Direito Civil para solucionar controvérsias pertinentes ao trabalho eventual e autônomo. Da mesma forma, não haveria óbice quanto à aplicação do Direito Administrativo para decidir questões pertinentes aos servidores públicos estatutários e temporários.”37

A partir da ideia do citado autor, conclui-se que não é pelo fato de o servidor público ser regido por um estatuto que este deverá ser excluído da competência da Justiça Laboral.

É importante salientar que há uma vasta relação de juristas que defendem essa segunda corrente. Dessa maneira, percebe-se que há duas correntes a respeito do tema, cada uma expõe sua visão e argumenta com veemência de acordo com seu ponto de vista.

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