Imunidade religiosa na Constituição Federal: aspectos jurídicos e sociais em relação aos templos de qualquer culto

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 3 O ALCANÇE DA IMUNIDADE RELIGIOSA E O USO ILÍCITO DA NORMA IMUNIZANTE

             Uma das principais polêmicas em torno da imunidade religiosa diz respeito ao seu alcance. Isto é, a extensão da proteção contra o pagamento de impostos, se isso abarca somente o templo ou as demais atividades relacionadas ao templo religioso. Para solucionar essa questão, os estudiosos de direito fizeram uma análise sobre a interpretação da norma, ou seja, se a mesma deve ser analisada a partir de uma interpretação restritiva ou extensiva.

Esses métodos de interpretação inerentes à ciência jurídica auxiliam na análise do alcance das normas jurídicas. São chamados como tipos de interpretação da norma, sendo que, na interpretação restritiva, o operador de direito se atém ao que a lei determina, ou melhor, a vontade da lei por meio de considerações teleológicas e axiológicas, sem fazer qualquer expansão do significado da norma. Recomenda-se o uso dessa forma de interpretação em relação às normas contidas no texto constitucional, sobretudo aquelas relativas às garantias e direitos fundamentais MAXIMILIANO ( 2003).

A interpretação extensiva, por sua vez, busca ampliar o sentido da norma para além do que está descrito, de modo a estabelecer maior significado ao espírito da lei. Alguns ramos do direito fazem uso desta forma de interpretação, dentre os quais o Direito do Trabalho e o Direito Civil, como forma de buscar soluções para a omissão e lacunas da lei.

Mas, qualquer que seja o parâmetro utilizado para a análise do alcance da imunidade tributária, primeiramente é preciso tentar estabelecer qual foi à intenção do legislador constituinte nesse sentido.

Segundo SILVA (2015), o que valida à existência da norma imunizante pelo constituinte originário é não desfalcar o patrimônio dos templos de qualquer culto e tampouco atrapalhar as atividades das igrejas. Sendo essa a intenção contida na Carta Magna, o alcance da norma abrange todos os tributos que poderiam incidir sobre o mesmo, ou seja, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), o Imposto Sobre Transmissão Inter Vivos (ITBI) etc.

Nesse sentido, a jurisprudência, ou melhor, o Egrégio Tribunal Regional da 3º Regição assim se pronunciou:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RELIGIOSA. ALCANCE OBJETIVO NÃO ABRANGENDO II NEM IPI. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 150, III, b E § 4º, DA LEI MAIOR. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. 1. É a imunidade tributária uma limitação constitucional ao Poder de tributar. 2. As limitações constitucionais proibitivas ao Poder de Tributar (imunidades) devem ser compreendidas nos estritos limites em que positivadas. 3. O alcance objetivo da mesma recai quanto a impostos sobre renda, patrimônio e serviços, ainda assim no que relacionado aos fins essenciais da entidade. 4. A previsão da alínea b do inciso VI do art. 155, Lei Maior, não tem o condão de impedir a incidência de impostos que não recaiam “sobre o patrimônio, a renda e os serviços”, como o II e o IPI. 5. A não abranger dita imunidade o II nem o IPI, independentemente da finalidade, assim irrelevante. 6. Nenhum vício na conduta administrativa atacada, ausência, pois, de proibição constitucional a respeito da tributação combatida. 7. Apelo e remessa providos. Denegação da segurança. (TRF-3 - AMS: 4523 SP 2001.61.04.004523-1, Relator: JUIZ CONVOCADO SILVA NETO, Data de Julgamento: 20/07/2005, TERCEIRA TURMA)

Pelo entendimento proferido na sentença acima, pode-se inferir que os desembargadores fizeram uma interpretação restritiva da norma tributária que recai sobre os tempos de qualquer culto. Como dito em linhas anteriores, o tema é polêmico, havendo diversas interpretações na doutrina e jurisprudência.   

Nesse sentido, COELHO (2002) preleciona em seu trabalho que a norma imunizante em relação aos templos de qualquer culto deve ser vista como uma forma de vedar a incidência de qualquer tipo de imposto sobre os templos de qualquer culto, pois a garantia da liberdade de crença e a igualdade em seu exercício, que são direitos fundamentais, não pode ter como obstáculo a cobrança de impostos. O autor em comento faz uma interpretação restritiva da norma, pois defende a ideia de que a mesma alcança somente os templos, não devendo a fé ser utilizada em prol de abusos da imunidade tributária ou de qualquer ao ilícito.  

De acordo com MORAES (2014), o exercício ao culto religioso é uma garantia que tem lastro nos direitos fundamentais e não sendo contrária aos costumes e ao sossego público, a liberdade de crença religiosa deve ser sempre interpretada de forma ampla, bem como a questão da incidência de tributos, desde que isso não seja utilizado para encobrir práticas ilícitas.

BALEEIRO (2006), seguindo uma interpretação extensiva da norma, perfilha do entendimento que todos os bens e atividades relacionadas ao culto religioso deve necessariamente ficar isentas do pagamento de impostos. O douto tributarista perfilha do entendimento que o templo abrange não apenas o lugar onde o culto se realiza, bem com todo e qualquer patrimônio da igreja, inclusive a residência do pastor, desde que essa seja patrimônio da Igreja e que este não seja empregado com fins econômicos. Essa questão já foi objeto de apreciação da jurisprudência:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. TEMPLO RELIGIOSOS, IMÓVEL DA ENTIDADE RELIGIOSA DESTINADO À RESIDÊNCIA DO PASTOR. 1. Trata-se de ação declaratória de inexigibilidade de cobrança de imposto sobre imóveis destinados a templo religioso e residência do pastor. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido reconhecendo a imunidade em relação ao templo, mas afastando-a do imóvel destinado a residência do pastor. 3. As partes apelaram, o autor pugnando pela procedência total do pedido e o Município réu, insurgindo-se contra a sua condenação ao pagamento dos ônus da sucumbência. 4. A Constituição da República, em seu art. 150, inciso VI, alínea b, parágrafo 4º confere imunidade tributária aos templos religiosos de qualquer culto, estando abrangidas as demais instalações que guardem estrita finalidade com a prática, o desenvolvimento e a difusão da doutrina religiosa. 5. Os imóveis de propriedade da igreja destinados à moradia de sacerdotes, ainda que não contíguos e afastados do templo religioso, gozam da imunidade tributária. Precedentes do STF. 6 (0011444-73.2010.8.19.0002 - APELAÇÃO - 1ª Ementa Des(a). BENEDICTO ULTRA ABICAIR - Julgamento: 08/02/2017 - SEXTA CÂMARA CÍVEL APELAÇÕES, (PROVIMENTO DO RECURSO ADESIVO.PREJUDICADO O APELO DO MUNICÍPIO)

A jurisprudência tem-se revelado um campo fértil para a discussão da imunidade religiosa, pois diversos julgados proferidos pelos tribunais superiores analisam a incidência sobre os livros e os templos religiosos, sobre o templo, a residência do pastor, aluguel de patrimônio da dos templos para terceiros, etc.

Os tributos incidentes sobre artigos religiosos, uma prática muito comum entre templos de qualquer culto e que consiste na comercialização e venda de livros, quadros, estátuas, etc. Essa sentença foi proferida em 2018, pelo egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RELIGIOSA. TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. ART. 150, VI, B, E § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA N.º 724 DO STF. ICMS. COMERCIALIZAÇÃO DE ARTIGOS RELIGIOSOS EM LIVRARIA DA DIOCESE. ABRANGÊNCIA. IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÔNIO, RENDA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS FINALIDADES ESSENCIAIS DA ENTIDADE. PRESUNÇÃO NÃO ELIDIDA PELO FISCO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. IMPOSSIBILIDADE. TRIBUTO INDIRETO. AUSÊNCIA DE PROVA DE ASSUNÇÃO DO ENCARGO PELO CONTRIBUINTE DE DIREITO, OU DE QUE ESTEJA AUTORIZADO PELO CONTRIBUINTE DE FATO A RECEBER A DEVOLUÇÃO. ART. 166 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E SÚMULA N.º 546 DO STF. PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA. APELO E RECURSO ADESIVO DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70075979476, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 08/03/2018).

Com base nos fundamentos da sentença, é possível deduzir que prevaleceu o entendimento de que os preceitos constitucionais relativos a imunidade tributária devem ser observados, assim com as disposições contidas na Súmula 724 do STF, que reforça a imunidade para templos de qualquer culto, partidos políticos, entidade social de educação, em locação de imóvel para terceiros, desde que a renda seja revertida em prol das atividades dessas entidades.

Além da amplitude da incidência da norma imunizante em relação aos templos de qualquer culto, existe ainda outra questão preocupante e que também tem sido objeto de investigação por parte dos operadores de direito que são os abusos que podem ocorrer por parte dos dirigentes (pastores) de qualquer templo em razão da imunidade religiosa.

Nesse sentido, existem evidências que a religião, em alguns casos tem sido utilizada como forma de promover a exploração do homem de boa fé e como forma de ocultação do patrimônio. Tanto é verdade que:

Algumas religiões ou cultos, por assim dizer, praticam atos abusivos e condenados socialmente. Sob o manto da religião, algumas pessoas praticam atos ilegais e imorais com o intuito de satisfazer sua lascívia ou obter alguma vantagem financeira. Aproveitando-se da ignorância alheia, tantas outras prometem grandes conquistas ou curas milagrosas. Entretanto, fé é uma questão indiscutível, não há explicação ou qualquer parâmetro que indique o que é certo ou errado. O objetivo da crítica em questão não é direcionado a qualquer religião ou sua manifestação em específico, mas sim aos atos abusivos praticados sob o seu manto (GARRET, 2010, p.04).

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Com efeito, há inúmeros exemplos de exploração da fé das pessoas em benefício dos templos de qualquer culto. O Brasil, nesse sentido acabou se tornando um campo fértil para os abusos de direito, classificado pela doutrina civilista como um ato ilícito se o titular de um direito exceder os limites impostos pela lei, especialmente no que tange ao seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes. Eis que essa é inteligência do artigo 187 do Código Civil, que versa sobre o abuso do direito.

Esse abuso se manifesta na exploração da fé alheia, e na utilização da imunidade tributária como meio de ocultação do patrimônio e de enriquecimento ilícito em alguns casos. Ou seja, os dirigentes de alguns tempos, usam a imunidade tributária para fugir da tributação auferindo benefícios e vantagens para si e que não são compatíveis com a ética e a moral que se espera dos templos religiosos.

Segundo Caldas, é preciso que, em matéria tributária, o abuso de direito em relação a imunidade religiosa tenham maior aplicabilidade. Pois, segundo suas palavras, o instituto civilista não tem tido larga aplicabilidade nos casos de abuso. Isto é, não há disposição expressa em relação a isso. 

O abuso de direito não foi incorporado expressamente no âmbito tributário, podendo assim a lei tributária alterar, inclusive, sua definição, nos termos do art. 110 do CTN. Mesmo na ausência de legislação dando suporte, forte é a doutrina que se forma no sentido favorável a tal aplicação, sendo encabeçada pela Receita Federal do Brasil, no sentido de que o magistrado deve julgar a causa com base na analogia, nos princípios gerais do direito tributário, nos princípios gerais do direito público, na equidade, sendo o abuso de direito um princípio basilar no ordenamento jurídico. Assim, mesmo sem disposição expressa, essa pesquisa segue a corrente de possibilidade de aplicação no âmbito das imunidades tributárias caso o contribuinte se utilize de determinado instituto do direito de maneira que, no âmbito do próprio direito, seja desproporcional, excessiva em relação as características daquele mesmo instituto, fazendo com que a imunidade funcione unicamente como um mecanismo para fugir da tributação e visando o enriquecimento CALDAS, (2017, p.04).

De fato, o argumento do operador de direito prospera se for levado em consideração as informações veiculadas pelos meios de comunicação e pelos próprios fieis das condutas que os dirigentes e pastores de igrejas adotam para promover o próprio enriquecimento.

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Sobre os autores
Eduardo Rodrigues dos Santos

Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professor de Direito Constitucional da Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Professor de Direito Público (Constitucional, Administrativo e Tributário) da Faculdade UNA e do ICL - Cursos e Preparatórios para Concursos

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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