A prisão preventiva apesar de medida de natureza cautelar, excepcional e extremada, atualmente vem sendo utilizada como medida de antecipação da pena, pois dois de seus requisitos, quais sejam: “ordem pública” e “ordem econômica” têm sido significativos para fundamentação de sua decretação.
O significado da expressão “garantia da ordem pública”, um dos requisitos exigidos para decretação da prisão preventiva e trazido pela Lei n. 12.403/11, não é pacífico, nem na jurisprudência, e nem na doutrina, encontrando diversos entendimentos sendo alguns a favor da constitucionalidade e outros contra.
Observando o Art. 312, do Código de Processo Penal, encontramos o requisito da garantia da ordem pública como fundamento para a decretação da prisão preventiva, porém, trata-se de um conceito jurídico indeterminado, mas que basicamente significa a existência de indícios de que o réu voltará a delinquir, caso permaneça livre na sociedade.
Deste modo, aquele que se encontra envolvido na vida do crime tem sua restrição de liberdade justificada em razão de um interesse público maior.
Acreditamos que a própria brutalidade extraída do delito pode provocar grande comoção no meio social e assim dando uma sensação de impunidade e descrença na demora na prestação jurisdicional, de tal forma que, havendo motivo justificante, ou seja, justa causa, não convém aguardar o trânsito em julgado do processo para só então privar o indivíduo de sua liberdade.
O ministro do STF, Celso de Melo pontua que:
“A prisão preventiva, que não deve ser confundida com a prisão penal, pois não objetiva infligir punição àquele que sofre sua decretação, mas sim atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal, não pode ser decretada com base no estado de comoção social e de eventual indignação popular, isoladamente considerados. Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação de segregação cautelar, a alegação de que o acusado, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem pública.” [1]
Através da inovação legislativa provocada pela Lei n. 12.403/11, entendemos que, garantir a ordem pública significa evitar a prática reiterada de infrações penais, conforme aduz o Art. 282, inciso I, do CPP.
Enquanto aqueles que defendem a constitucionalidade do referido requisito se apoiam na garantia da paz/tranquilidade social; credibilidade da justiça; periculosidade do réu; clamor público, dentre outros. Aqueles que entendem ser inconstitucional se baseiam no fato de que a garantia da ordem pública contraria o princípio da estrita legalidade, posto que seu conteúdo é vago, indefinido e subjetivo, resultando em uma insegurança jurídica.
O requisito da “garantia da ordem pública” para fundamentar a prisão cautelar provisória é muito subjetivo, pois envolve um grande juízo de valor por parte da autoridade competente pela decretação da medida preventiva.
Para Roberto Delmanto Júnior, tal requisito implica em uma dupla presunção de culpabilidade do réu, conforme suas palavras:
“Não há como negar que a decretação de prisão preventiva como fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos baseia-se, sobretudo, em dupla presunção de culpabilidade: a primeira, de que o imputado realmente cometeu um delito; a segunda, de que, em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro crime ou, ainda, envidará esforços para consumar o delito tentado.”[2]
Assim, entendemos que em razão dessa dificuldade de se definir concretamente a ordem pública, o instituto se torna inconstitucional, pois afronta os princípios da legalidade, o da dignidade da pessoa humana e o princípio da presunção de inocência, motivo pelo qual não poderia ser utilizado como base para decretação da prisão preventiva.
Em relação à “garantia da ordem econômica”, trazida como requisito para decretação da prisão preventiva (Art. 312, do CPP), foi introduzida no dispositivo penal pela Lei Antitruste – Lei nº. 8.884/94, que institui a repressão aos crimes financeiros, sobretudo os que lesem ou afetem de forma significativa a ordem financeira, como por exemplo, os crimes de “colarinho branco”.
Outra Lei que também trata a expressão em análise é a Lei nº. 7.492/86, a qual verifica a potencialidade da lesão, admitindo-se assim, a possibilidade da prisão do agente, pois trata dos crimes contra o sistema nacional financeiro. Esse fundamento não se sustenta, afinal, a necessidade do cárcere não pode estar pautada na magnitude da lesão, que é consequência do crime e não justificativa prisional.
Ainda que fosse o caso de considerar como válido o argumento utilizado para a prisão provisória, convenhamos que a conduta delituosa deveria ser exorbitantemente absurda a ponto de abalar de modo concreto a ordem econômica, ou seja, a aplicação de tal requisito se situa mais em um campo abstrato do que no nível de aplicação prática cotidiana.
Alexandre Morais da Rosa pontua que este deve “se vincular à conduta imputada/apurada e não em aspectos genéricos, sua gravidade e potencialidade coletiva decorrente da manutenção da liberdade do agente”[3], ou seja, não podendo se pautar em critérios de ordem genérica.
Fato este que demonstra a desnecessidade da presença do requisito no Código de Processo Penal, vez que já recebe o devido tratamento em leis específicas e não se pauta em pilares concretos sob o manto constitucional.
Notas
[1] STF, HC nº 80.719/SP, 2ª Turma, Rel. Min, Celso de Melo.
[2] DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
[3] ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. 3ªEd. 2016.