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Poderes executórios do juiz

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As medidas executivas atípicas visando a efetividade do processo devem ser aplicadas apenas de forma subsidiária, tão somente quando as medidas típicas não lograrem êxito.

O CPC/2015, por força do seu artigo 139, ampliou significativamente os poderes do juiz na condução do processo.

Dentre esses poderes do magistrado destaca-se o previsto no inciso IV, ao prescrever ser incumbência do juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

Ao inserir no texto legal tal dispositivo, o objetivo do legislador foi, seguramente, proporcionar o máximo de efetividade ao processo, para que as decisões judiciais fossem integralmente cumpridas.

Consagrou-se em âmbito legislativo, desse modo, o princípio da atipicidade das formas executivas.     

Acerca do assunto, Daniel Amorim Assumpção Neves, na obra Novo Código de Processo Civil Comentado, 3ª edição, Editora JusPODIVM, 2018, pág. 256, expende o seguinte comentário:

“Trata-se da consagração legislativa do princípio da atipicidade das formas executivas, de forma que o juiz poderá aplicar qualquer medida executiva, mesmo que não expressamente consagrada em lei, para efetivar as suas decisões.”

Cumpre no azo esclarecer que o dispositivo em questão (CPC, 139, IV), autoriza a aplicação do princípio da atipicidade das formas executivas a qualquer espécie de execução, não havendo restrição em razão da natureza da obrigação.

Neste momento, chamamos a depor o escólio do Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, in Curso de Direito Processual Civil, Execução, Volume 5, 8ª edição, Editora JusPODIVM, 2018, pág. 107:

“O art. 139, IV, CPC, aplica-se a qualquer atividade executiva: a) seja fundada em título executivo judicial (provisória ou definitiva), seja fundada em título executivo extrajudicial; b) seja para efetivar prestação pecuniária, seja para efetivar prestação de fazer, não fazer ou de dar coisa distinta de dinheiro.”          

Convém frisar que o Poder Judiciário, quando da entrada em vigor do CPC/2015, forte no seu artigo 139, inciso IV, adotou medidas executivas atípicas tencionando dar efetividade às suas decisões.

A propósito, a primeira decisão conhecida que aplicou artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, foi proveniente do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, nos autos do processo nº 4001386-13.2013.8.26.0011 (2ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros).

Nela, assim pronunciou-se a eminente magistrada:

“(…) Se o executado não tem como solver a presente dívida, também não tem recursos para viagens internacionais, ou para manter um veículo, ou mesmo manter um cartão de crédito. Se porém, mantiver tais atividades, poderá quitar a dívida, razão pela qual a medida coercitiva poderá se mostrar efetiva.

Assim, como medida coercitiva objetivando a efetivação da presente execução, defiro o pedido formulado pelo exequente, e suspendo a Carteira Nacional de Habilitação do executado (…), determinando, ainda, a apreensão de seu passaporte, até o pagamento da presente dívida. Oficie-se ao Departamento Estadual de Trânsito e à Delegacia da Polícia Federal.

Determino, ainda, o cancelamento dos cartões de crédito do executado até o pagamento da presente dívida. Oficie-se às empresas operadoras de cartão de crédito Mastercard, Visa, Elo, Amex e Hipercard, para cancelar os cartões do executado. (…)”

Após essa decisão se seguiram outras no mesmo sentido o que gerou constantes debates doutrinários e também nos Tribunais decorrentes de insurgências recursais desafiando tais decisões.

Vozes abalizadas da doutrina se posicionam contrariamente à aplicação do dispositivo da forma como inicialmente se aplicou e por alguns ainda tem se aplicado, sustentando que o que se tem visto na prática forense é que as medidas são bastante abrangentes e ilimitadas e, dessa forma, violam as garantias estabelecidas na Constituição Federal bem assim no próprio CPC.

Vejamos a lição de Alexandre Freitas Câmara:

“O Estado Democrático brasileiro exige um processo civil democrático. Um processo civil que seja construído para os jurisdicionados, que somos todos nós. Através de um processo cooperativo (artigo 6º), que se desenvolve com observância de um contraditório prévio (artigo 9º) e efetivo (artigo 10), com todos os sujeitos nele atuando de boa-fé (artigo 5º), sendo tratados de forma isonômica (artigo 7º), no qual se observe a primazia do mérito (artigo 4º) e se produzam decisões verdadeiramente fundamentadas (artigo 11), ter-se-á respeitado o que consta do artigo 1º do novo CPC, e que nada mais é do que a reafirmação do que está à base do modelo constitucional de processo civil brasileiro: o devido processo constitucional.”[1]

Logo, pouco a pouco foi tomando fôlego no âmbito jurídico, seja na doutrina, seja na jurisprudência, o entendimento no sentido de que essas medidas executivas atípicas não podem ser adotadas indiscriminadamente por violar as garantias fundamentais previstas na Carta Política e no texto do CPC/2015, sobretudo as regras previstas para o processo de execução.

Eduardo Talamini tem lição a respeito:

“Logo, não há sentido em supor que o art. 139, IV, pura e simplesmente aniquilaria, tornaria inútil, faria tabula rasa daquele sistema detalhadamente disciplinado nas regras dedicadas à execução. É insustentável a ideia de que todas aquelas regras deveriam ser deixadas de lado, com o juiz liberado para adotar providências atípicas. (...) Mas o emprego generalizado de medidas coercitivas não é necessariamente a providência adequada.”[2]  

Destarte, não devem ser adotadas medidas executivas atípicas de forma ilimitada, até mesmo porque essas medidas são de aplicação subsidiária, cabíveis apenas quando as medidas típicas não lograrem êxito, bem como deve ser respeitado a todo custo o contraditório com a intimação do executado para se manifestar antes de decidir acerca do requerimento de adoção das medidas atípicas, sendo relevante ainda ressaltar que para ser tomada pelo juiz uma medida atípica deve ele fundamentar adequadamente a sua decisão (CPC 489).

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Esse entendimento encontra conforto nas palavras de Daniel Amorim Assumpção Neves:

“Por outro lado, a adoção das medidas executivas atípicas, portanto, só deve ser admitida no caso concreto quando ficar demonstrado que não foi eficaz a adoção do procedimento típico, ou seja, o binômio penhora-expropriação não foi capaz de satisfazer o direito de crédito do exequente.”[3]

Em sentido conforme é a jurisprudência:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. TÍTULO JUDICIAL. ADOÇÃO DE MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS FUNDADAS NO ART. 139, IV, DO CPC/2015. NÃO CABIMENTO. EXISTÊNCIA DE MEDIDAS EXECUTIVAS TÍPICAS. CARÁTER SUBSIDIÁRIO DAQUELAS EM RELAÇÃO A ESTAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. As medidas executivas fundadas no art. 139, IV, do CPC/2015, em razão de sua atipicidade, devem ser adotadas excepcionalmente, de forma subsidiária àquelas típicas já previstas no ordenamento jurídico. É dizer, só devem ser utilizadas após esgotados todos os meios tradicionais de execução, de forma subsidiária.”[4]

Some-se a isso o fato de que o novo processo civil brasileiro foi alicerçado sob um ideal democrático, não sendo permitido ao juiz, repita-se, desrespeitar quando da aplicação das medidas executivas atípicas os direitos fundamentais garantidos na Carta Magna.

Além disso, o limite de criatividade do juiz na adoção dessas medidas não pode ter o efeito de desbordar os estritos limites de atingir o patrimônio do devedor, não podendo ter o efeito de atingir a pessoa do executado a quem é garantido o mínimo existencial (não pode o juiz aplicar medidas executivas atípicas que não têm como ser praticadas, como, por exemplo, tratando-se de devedor insolvente), inclusive deve o juiz observar o princípio da menor onerosidade da execução.

Reza o art. 805 do CPC:

“Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.”            

Por todos os aspectos acima aduzidos, os Tribunais pátrios, quando constatam ofensa a direitos fundamentais previstos na CF, têm indeferido a adoção de medidas executivas atípicas, conforme deflui da leitura dos seguintes arestos:

“EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Ausência de bens penhoráveis. Determinação nos autos de bloqueio de CNH e cartões de crédito dos executados. Inadmissibilidade. Impossibilidade de, com base no artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, impor restrição de modo unilateral a direitos individuais do devedor. Medida desproporcional, que não teria o condão de modificar a circunstância de ausência de bens, ou, ainda, de assegurar o cumprimento da obrigação ora discutida. Decisão que deferiu o pedido reformada. Recurso provido.” [5]                      

“AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. AUSÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS. PEDIDO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS COERCITIVAS, COM BASE NO ARTIGO 139, IV, CPC/2015. Restrição de passaportes, bloqueio de cartões de crédito, suspensão da Carteira Nacional de Habilitação. Indeferimento. Agravo de instrumento. Princípio da dignidade da pessoa humana, razoabilidade e proporcionalidade que se sobrepõem, no caso, ao princípio da efetividade da execução. Doutrina. Precedentes TJSP. Decisão mantida. Recurso desprovido.”[6]

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DA CNH E BLOQUEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO. INVIABILIDADE. EXCEPCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 139, INCISO IV DO CPC, SOB PENA DE AFRONTA A DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. DECISÃO MANTIDA. 1. Muito embora a redação do art. 139, inciso IV, do CPC permita a utilização de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, tal deve ser aplicado com cautela, a fim de se preservarem os direitos e garantias fundamentais do devedor. 2. A ausência de indícios hábeis a concluir pela tentativa de frustrar a execução, bem como a mínima possibilidade de sucesso das medidas à solvência da dívida, inviabiliza o deferimento do pleito. 3. Recurso conhecido e desprovido.”[7]

Por tudo o quanto exposto, as medidas executivas atípicas visando a efetividade do processo devem ser aplicadas apenas de forma subsidiária, tão somente quando as medidas típicas não lograrem êxito em seu desiderato, mediante decisão fundamentada e sempre obedecido o contraditório.

Agregue-se a tudo isso o fato de que não devem ser aplicadas tais medidas em ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana, razoabilidade e proporcionalidade, isto é, devem ser respeitadas as garantias fundamentais previstas na Constituição Federal.


REFERÊNCIAS:

[1] https://www.conjur.com.br/2016-jun-23/alexandre-freitas-camara-cpc-ampliou-poderes-juiz

[2] http://www.justen.com.br/pdfs/IE121/IE121-Eduardo-poder-geral-medidas-executivas139IV.pdf

[3] Op.Cit.,p. 257.

[4] TJSP - Agravo de Instrumento: AI 20175118420178260000 SP 2017511-84.2017.8.26.0000. Órgão Julgador 31ª Câmara de Direito Privado. Publicação 11/04/2017. Julgamento 11 de Abril de 2017. Relator Adilson de Araujo. (g.n.)

[5] TJSP - AI: 20406018720188260000, Relator: PAULO PASTORE FILHO, DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 04/05/2018.   

[6] TJSP - AI: 20068614120188260000, Relator: VIRGILIO DE OLIVEIRA JUNIOR, VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 03/05/2018.

[7] TJPR - AGINSTR: 16945765, Relator: LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN, DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/04/2018.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Marco Antônio Fernandes Barros. Poderes executórios do juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5513, 5 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67181. Acesso em: 2 nov. 2024.

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