Eficácia do sistema correcional do modelo socioeducativo aplicado no Brasil

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A partir da vigência do ECA, a aplicação de medidas socioeducativas tornou-se uma das principais ferramentas de reintegração dos menores infratores. Mas algo não vai bem nos resultados deste sistema. Saiba mais.

Resumo: A partir da vigência da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), ficou instituída a aplicação de medidas socioeducativas como forma de reintegrar os menores infratores à sociedade ordeira, bem como coagir a prática de novos atos infracionais. O Estatuto da Criança e do Adolescente, apesar de ser considerado de excelente elaboração, nem sempre alcança os objetivos propostos, não proporcionando portanto, o que é necessário para o indivíduo que está em seu estágio de formação intelectual, para que esse não venha, novamente, a cometer outros delitos, uma vez que a adolescência é fundamental para a formação do caráter do indivíduo. Estando esse menor sendo tratado sob a proteção do ECA, novas aplicações sistêmicas requerem mudanças no que tange ao fator aplicacional. A partir da institucionalização do sistema socioeducativo, bem como a sua evolução histórica, busca-se verificar a eficácia do modelo correcional aplicado a menores infratores no Brasil. No entanto, é possível notar os elevados índices de reincidência do cometimento de atos infracionais, encontrando-se como motivação diversos fatores, dentre eles, a má aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Considerando que, muitas vezes, os órgãos executores do estabelecido no Estatuto não o aplicam de forma satisfatória, ficando clara a existência de falhas no emprego dos dispositivos apregoadas na Lei, deixando de priorizar a ressocialização de individuo de tenra idade, tendo em vista a aplicação de maneira ineficiente dos recursos públicos disponíveis.

Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente; Medidas Socioeducativas; Ato Infracional.


INTRODUÇÃO

Novas realidades são introduzidas na sociedade moderna, dentre elas, o enfrentamento das mazelas que afligem o corpo social por meio de debates sobre os resultados obtidos a partir da aplicação das políticas públicas aos casos concretos.

Não obstante, as preocupações em território nacional se voltam para as atuais conturbações sociais manifestadas pelo aumento da violência e da criminalidade. Um segmento da sociedade acredita que uma vertente da criminalidade se demonstra gigantescamente aflorada, consubstanciando-se na participação de indivíduos que se encontram abaixo da linha da maioridade em ações que incidem diretamente contra o Código Penal.

Tendo em vista a necessidade de regulação acerca da incidência de atospraticados por adolescentes, e que vão de encontro com a legislação penal, instituiu-se a Lei nº 8.069/90, definindo, assim,o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mesmo com a intenção principal de proteger os direitos das crianças e adolescentes, houve a previsão de se estabelecerem medidas de reeducação a serem aplicadasa indivíduos considerados penalmente inimputáveis, assim definidos pelo Artigo 27 do Código Penal Brasileiro, quando do acometimento de atos criminosos.

A visão mais estampada, amplamente divulgada na literatura, expõe apenas a vertente protetiva do ECA, aduzindo maciçamente sobre a necessidade de proteção integral à criança e ao adolescente. Dessa forma, fixando-se na peculiaridade de estar em condição de pessoa em desenvolvimento, o referido instituto determina a garantia dos direitos fundamentais da infância e da juventude(LIBERATI. 2010, p. 15 – 16).

Contudo,o debate sobre a extensão do ato coercitivo e sancionador que consta no estatuto recai para um segundo plano de estudo, necessitando verificar se a aplicação dos dispositivos que instituem penas ao menor que comete atos descritos pelo código penal diz respeito aos os atos infracionais.

Nesse sentido, cabe verificar, dentro do contraposto social existente entre “criminalidade juvenil e aplicação de medidas socioeducativas”, se as ações praticadas pelo poder publico atingem a finalidade pretendida de reeducação para a vida em sociedade. Para alcançar o objetivo proposto, cumpre realizar uma busca pelas origens do sistema correcional aplicado ao menor, apresentar as mudanças que foram implementadas com a implantação do ECA, corroborar os aspectos legais necessários para aplicação da medida socioeducativa e averiguar a aplicação prática das medidas estipuladas e sua efetividade.

Diante das preocupações apresentadas na sociedade brasileira do início do Século XXI, e tendo em vista quese tem noticiado que populares são cada vez mais atingidos pela prática de atos marginalizados,além da massificação veiculada de uma crescente elevaçãodos índices da criminalidade juvenil, plausível se faz um estudo sobre a aplicação das medidas socioeducativas definidas pelo ECA.

Apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente, com mérito, apresentar uma elegante estrutura, digna de elogios, a aplicação prática se tornou falha, uma vez que não atinge o objetivo proposto, como visto a partir dos elevados índices de reincidência dos menores infratores. Como resultado, aufere-se que as medidas socioeducativas não mais atingem sua força coativa, uma vez que não coíbem a prática de delitos por parte dos menores devido à brandura das punições, constatando-se, por fim, um investimento errôneo do dinheiro público.

Este estudo tem por base uma pesquisa teórica bibliográfica, iniciando por uma revisão da literatura que foi produzida acerca do tema na busca por alcançar o conhecimento necessário para atingir ao objetivo proposto pelo estudo. Assim, busca-se, entre os doutrinadores brasileiros modernos que expõem sobre o tema, uma vertente explicativa da situação do aumento da criminalidade por parte dos indivíduos de tenra idade.


BREVE HISTÓRICO DA APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NO BRASIL

A aplicação de medidas sancionadoras de atos praticados por indivíduos na faixa etária compreendida pela infância e juventude não é uma medida adotada em tempos recentes. No passado, foram empregados métodos coercitivos ou correcionais para coibir a incidência de atos infracionais, porém a aplicação da penaacontecia de forma diferente das aplicadas modernamente, bem comoos direitos fundamentais do homemtambém tinham uma conotação diferenciada.

Analisando as constituições brasileiras, desde a primeira outorgada no período imperial até a última constituição da república, há grandes mudanças com relação a direitos individuais, bem como no tratamento de indivíduos em formação da personalidade e caráter.

De inicio, há uma constatação de um lapso omisso no que tange à proteção dos menores infratores em 1824 e 1891. Em 1830, o código criminal tornou inimputáveis aqueles que, menores de quatorze anos, praticassem algum crime que, posteriormente, receberia a nomenclatura de “ato infracional”, conforme a definição feita pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990.

O Código Penal de 1890, em seu Artigo 227, trata do discernimento quanto à prática criminosa, sendo os menores de nove anos inimputáveis, bem como jamais chamados de criminosos. No que tange à faixa etária dos maiores de nove e menores de quatorze anos, esses seriam responsabilizados tão somente se tivessem discernimento quanto ao ato praticado. Constatado tal discernimento, esses menores eram recolhidos a estabelecimentos industriais pelo tempo que o juiz considerasse conveniente, desde que os apenados não ultrapassassem os dezessete anos de idade.

Em 1921, elimina-se o critério de discernimento e modifica-se a classificação dos delitos, bem como a intensidade das penas, passando o menor de quatorze anos, em termos penais, a ser denominado de irresponsável.

José Cândido de Mello Mattos, em 12 de outubro de 1927, formulou a primeira legislação brasileira que continha algum tratamento de matéria relativa a menores no Brasil. O decreto que institui a lei estabelece o primeiro código de menores da América Latina. Acrescentam-se, então, novos conceitos quanto ao tratamento dos menores no Brasil, como, por exemplo: a criação do juizado de menores, a elevação da irresponsabilidade penal do menor para quatorze anos, liberdade vigiada, conforme seu Artigo 92, a internação em reformatório por um período de três a sete anos nos casos de adolescente considerado pervertido ou perigoso ou estar na condição de abandonado, dentre outros (GOUVÉA, 2006).

Esse decreto seria revogado com a nova legislação denominada Código de Menores de 1979, Lei 6.697, de 10 de outubro de 1979. A idade mínima, a partir daí, foi fixada em dezoito anos para a responsabilização dos menores, sendo esse fato uma forte influência do Código Penal de 1940, sendo esses menores, então, estabelecidos como em situação irregular.

Em 13 de julho de 1990, foi promulgada a Lei 8.069, revogando oCódigo de Menores de 1979. A Lei n°8.096/90 institui o Estatuto da Criança e do Adolescente, apresentando uma posturadiferenciada pautada na abordagem dos direitos infanto-juvenis em conluio com a Constituição de 1988. Dessa forma, fica claro que a evolução histórica não deixa de apresentar incansáveis discussões quanto à eficácia das doutrinas que tratam dos menores, sendo esse um tema presente em vários momentos de reformulação das normas.

...fala-se em um direito da criança e do adolescente. Referido direito, substituiu o direito do menor e possui como base a doutrina da proteção integral. Cronologicamente, o direito brasileiro menorista conheceu três períodos; (I) o direito penal do menor; (II) o período do menor em situação irregular e, finalmente (III) o período da doutrina da proteção integral. O primeiro período tem como base a delinquência menorista e abrange os códigos penais de 1830 e 1890. Passa pelo Código Mello Mattos de 1927. O segundo período inicia-se com o Código de Menores de 1979 (Lei nº 6.697/79), orientando o chamado Direito do Menor. O art. 2º do Código de Menores definia as seis situações irregulares. Finalmente, surge o próprio ECA, passando a abranger uma gama variada de disciplinas voltadas à proteção dos direitos da criança e do adolescente (ISHIDA. 2011, p. 3).

Vale destacaros três períodos evolutivos no Direito brasileiro no que concerne à proteção do menor. Tem-se, conforme a visão do primeiro período, que eraconsiderado menor o indivíduo entre 7 a 18 anos, sendo a ele imputadasas mesmas penas que eram aplicadas de acordo com o Código Penal dos adultos, mas com redução parcial da pena.

No segundo período, o do menor em situação irregular, os menores infratores eram retirados do seio da sociedade e colocados em fundações para recuperação. O tratamento não dispensava o respeito que é necessário ao ser humano, bem como o termo “menor” era empregado em sentido pejorativo.

 Por fim, no período da proteção integral, surge uma nova visão sobre os indivíduos considerados menores.Há, nesse caso,uma subtração do abandono legal ou doutrinário, alterando-se a legislação com o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direito.Percebe-se, assim, que a faltade dispositivos legais não podeser apontada como retrocesso ou efetividade para aplicação das medidas socioeducativas.

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Historicamente, é possível perceber um atraso evolucional, trazendo resultados na efetividade do sistema tutelar infanto-juvenil, constando, dentre os vários fatores: a péssima distribuição da renda brasileira, oaviltante regime de escravidão ainda existente nas regiões menos desenvolvidas, a fragilização das relações familiares, a pouca aptidão das escolas e do próprio sistema educacional para acompanhar as evoluções tecnológicas e a precária atuação do Estado brasileiro (SOUZA. 2008, p. 71).

Diante disso, vários fatores alheios ao tema favoreceram negativamente, tornando ineficazes os dispositivos legais e fazendo com que o insucesso seja óbvio nesse contexto, ainda mais quando se pontuam certos fatores,visto que, afinal, ficam evidentes os altos índices da evasão escolar.Assim, atéalcançar o objetivo almejado, torna-se indispensável trilhar os caminhos que viabilizem a efetivação das medidas protetivas definidas pelo ECA.


PRINCÍPIOS NORTEADORES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Dentre os princípios norteadores que regem o Estatuto da Criança e do Adolescente, indispensável aduzir os seus pilares, não nos esquecendo de aqui mencionar o princípio constitucional que permeia toda área jurídica cujas bases se fundam na dignidade da pessoa humana.

No ECA, é possível vislumbrar os princípios da prioridade absolutista, do melhor interesse do menor, da cooperação e, por fim, não menos importante, da municipalização. Antes de conferir os conceitos atribuídos a esses princípios, cabe apontar a distinção entre princípio e norma, conforme entendimento de José Gomes Canotilho.

Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização compatíveis com vários graus de concretização, consoante com condicionalismos fáticos e jurídicos, as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida; a convivência dos princípios é conflitual, a convivência de regras antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se(CANOTILHO, 2008).         

É nessa esteira diferenciadora de normas e princípios que conceituaremos os princípios norteadores que regem o Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme dito anteriormente, visto que esses princípios se tornam importantes para a efetivação de qualquer dispositivo legal por sua forma impositiva e viabilidade de se compatibilizar com os fatos jurídicos.

Buscando dentre os princípios que definem os contornos das ações do ECA, iniciamos pelo Princípio da Prioridade Absolutista. Com previsão no Artigo 227 da Constituição Federal de 1988, em consonância com o Artigo 4º da Lei 8.069/90, ou seja, Estatuto da Criança e do Adolescente, o referido princípio dispensa ao indivíduo em formação, crianças e adolescentes, absoluta prioridade nas questões inerentes aos seus direitos, bem como no agraciamento advindo das aplicações de políticas públicas.

Assim, conforme o trecho do texto constitucional, trazido in verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,           discriminação,exploração, violência, crueldade e opressão (Constituição Federal de 1988, art. 227).

Em campo paralelo,com suas origens fundadas no costume anglo-saxão, que estabelecia como papel do Estado recepcionar as responsabilidades por aqueles que eram considerados limitados (loucos e os menores), nasce o Princípio do Melhor Interesse. Esse instituto separado posteriormente, sendo o princípio do melhor interesse abarcado pelo sistema jurídico inglês.

O Princípio da Cooperação se consolidou por meio da Declaração dos Direitos da Criança. Estando presente na doutrina da situação irregular, esse princípio ganhou destaque no Art. 5º do Código de Menores.

Já o Princípio da Municipalização está voltado à interpretação do trecho literário discorrido no Artigo 227 da CF/88, o qual prescreve que todos, compreendendo o Estado, a Sociedade, a Família e a Comunidade, têm o dever de zelar pelo bem-estar da criança e do adolescente, assegurando-lhe efetivamente a garantia do seu direito.

O Princípio da Municipalização, também previsto na Constituição Federal de 1988, traz, em seu Artigo 204, sua efetivação literária; já o Artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente aduz essa descentralização das atribuições do Estado, que também visa ao cumprimento e assegura o direito da criança e do adolescente por meio das políticas públicas municipais. Daí decorre o chamado Princípio da Municipalização, conforme descrito no trecho constitucional, em seu Artigo 204.

As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no artigo 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes (CF/1988, art. 204).

É dessa visão assistencialista que deriva a presença do Estado e, por meio da descentralização, incorre na aplicabilidade descrita como diretrizes da política de atendimento. Portanto, o Princípio da Municipalização se efetiva com o atendimento integral, devendo ser observado o bom atendimento prestado àqueles a quem pertencem o direito.

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Sobre os autores
Maykon Azevedo

Graduando no curso de Direito Pela Faculdade UNA de Uberlândia.

Edinamar Aparecida da Costa Silva

Professora orientadora e doutorando em sociologia e criminologia jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo científico apresentado à disciplina de TCC II do Curso de Direito da Faculdade Una Uberlândia.

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