Vistorias em locações. O que é ata notarial? Pode ser utilizada como meio de prova do estado de conservação do imóvel?

03/07/2018 às 09:37
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Vistoria na locação, antes da ocupação do imóvel e quando da desocupação. As provas produzidas unilateralmente pela parte. A ata notarial como documento inequívoco, comprobatório do estado do imóvel, servindo como prova qualificada para todos os fins.

A importância da vistoria na locação de imóvel

A vistoria deve ser realizada no imóvel destinado à locação, para comprovar as condições em que se encontrava antes de ser entregue ao locatário. O objetivo da vistoria é elaborar um documento assinado por ambos os contratantes, para fazer constar o estado de conservação do imóvel locado, de maneira que possa servir de prova quando da desocupação do mesmo ao final do contrato.

Na locação de imóveis urbanos, é obrigação do locador entregar o imóvel para que atenda sua destinação comercial ou residencial, em condições de habitabilidade, estando o mesmo em perfeitas condições de uso e gozo. Cabe ao locatário devolver o imóvel locado, ao final da locação, no mesmo estado em que lhe foi entregue quando do início do contrato, salvo os danos decorrentes do uso normal.

Consoante redação da lei de locações (Lei 8.245/91), seguem abaixo as obrigações do locador e do locatário, no tocante ao estado do imóvel:

“Art. 22. O locador é obrigado a:

I - entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina;

V - fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes;

Art. 23. O locatário é obrigado a:

II - servir - se do imóvel para o uso convencionado ou presumido, compatível com a natureza deste e com o fim a que se destina, devendo tratá- lo com o mesmo cuidado como se fosse seu;

III - restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal;”

Quando da devolução das chaves, no término da locação, o locatário deverá repor o imóvel locado no estado anterior ao contrato, de modo que o mesmo esteja apto a ser imediatamente habitado por qualquer outra pessoa. Contudo, não deverá o locatário devolver um imóvel novo, mas sim um imóvel nas mesmas condições em que lhe foi entregue, salvo os danos decorrentes de sua utilização esperada. Com efeito, ficará o locatário responsável apenas pela reparação dos desgastes resultantes de sua utilização inadequada.

A vistoria então deve registrar o estado de conservação do imóvel locado, se o mesmo possui condições de habitabilidade. Deve narrar as condições das instalações do imóvel, a parte elétrica, hidráulica, sanitária, pintura, mobiliário e equipamentos que o guarnecem.

Dano de corrente do uso normal e do uso anormal

Deste modo, a vistoria deve ser um documento inequívoco, assinado por ambas as partes, de modo a ser utilizado como meio de prova quando da rescisão do contrato de locação, para que não haja desinteligências com relação às obrigações do locatário e aos direitos do locador, no que concerne ao estado de conservação do imóvel.

A questão da devolução do imóvel por si só já é problemática o bastante, já que o principal foco é o estado de conservação do imóvel locado, que deve ser o mesmo do início da locação. Neste ponto, a utilização do imóvel durante a locação e o decurso de tempo provocam desgastes no estado de conservação do mesmo, que não são resolvidas com uma simples pintura, por exemplo.

Temos o desgaste do imóvel como um todo, muitas vezes imperceptível, outras vezes de fácil detecção. Na utilização do imóvel, por maior zelo que se tenha, não há como evitar o desgaste das cerâmicas do piso, o envergamento das portas e janelas com os movimentos de abertura e fechamento, o envelhecimento de alguns materiais como madeira dos armários e rodapés, a deterioração do alumínio das torneiras, a perda de vida útil dos sistemas construtivos (as estruturas hidráulica, elétrica e sanitária, por exemplo), trazendo questões não são de fácil apuração objetiva.

Nesta linha de raciocínio, dano decorrente do uso normal e dano decorrente do uso anormal são pontos complexa identificação, existindo uma linha tênue entre ambos conceitos, o que muitas vezes dão margem à interpretação subjetiva das partes.

Fragilidade das provas produzidas unilateralmente pela parte.

A questão principal deste texto é a produção unilateral de provas, ou seja, quando a vistoria é realizada apenas uma das partes, não havendo o reconhecimento do outro contratante quanto à realização da mesma. É necessária a participação de ambas as partes, locador e locatário, para que o documento não seja questionado depois, em juízo ou fora dele.

A vistoria realizada unilateralmente, quer antes da contratação por qualquer das partes, como na entrega das chaves quando da rescisão, ou ainda, quando o locatário abandona o imóvel no curso da ação de despejo, deve possuir a chancela de ambos os contratantes, para que não haja contestação quanto à sua validade, afinal, um documento produzido apenas por um dos contratantes não perde a sua característica de unilateralidade, o que pode ser refutado pela outra parte, que contestará sua validade.

Assim, se o locador recebe as chaves do locatário para vistoria do imóvel e prepara um documento comprovando o estado de conservação em que o mesmo foi entregue, sem a assinatura do locatário, tem por prejudicada a prova, pois terá dificuldades em cobrar do locatário as indenizações e reparos a serem realizados no imóvel, caso este discorde em realizá-las.

Em termos de processo civil, cabe ao autor o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito, na forma do artigo 373, inc. I do Código de Processo Civil, razão pela qual para ser ressarcido judicialmente dos danos causados ao imóvel pelo locatário, deve possuir prova inequívoca do estado de conservação do imóvel antes da entrega das chaves e quando de sua devolução, em sede de ação indenizatória.

Ata Notarial

A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.

A ata notarial é o instrumento pelo qual o notário, com sua fé pública, autentica um fato, descrevendo-o em seus livros. Sua função primordial é tornar-se prova em processo judicial. Pode ainda servir como prevenção jurídica a conflitos.

Trata-se de um instrumento público que chancela os fatos, em forma narrativa, o estado e tudo aquilo que é atestado pelo tabelião por seus próprios sentidos sem a emissão de opinião, juízo de valor ou conclusão, tudo aquilo presenciado e relatado.

É um meio de prova admitido pelo direito processual brasileiro, conforme redação do art. 384 do CPC, que bem a define:

“Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião. Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial”.

A ata notarial goza de PRESUNÇÃO de VERACIDADE e AUTENTICIDADE, o que não ocorre com vistorias extrajudiciais unilaterais realizadas sem a participação do locatário. Melhor explicando, elas possuem força de documentos confiáveis, sobre os quais não pairem dúvidas sobre seu teor, sendo provas qualificadas, somente sendo afastadas por meio de robusta prova em contrário. São documentos autênticos, pois o artigo 6º, inciso III, da Lei dos Notários e Registradores é categórico ao afirmar que aos notários compete autenticar fatos.

Nas vistorias unilaterais, por serem documentos produzidos sem a participação da outra parte, além de facilmente refutáveis, violam as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Ata notarial como documento comprobatório do estado do imóvel

Pelo exposto, se aduz que a ata notarial é o testemunho oficial de fatos narrados pelos notários no exercício de sua competência, em razão de seu ofício, gozando de presunção legal de veracidade e tendo a chancela pública de autenticação de fatos presenciados pelo notário, dotado de fé pública.

Neste sentido, a ata notarial poderá ser utilizada para a comprovação do estado de conservação do imóvel quando de sua entrega, normalmente nos casos de abandono do imóvel no curso de uma ação judicial de despejo ou quando o locatário se recusa a assinar uma vistoria de saída do imóvel, evidenciando os danos causados ao imóvel. Também pode ser utilizada pelo locatário, para comprovar o estado em que devolveu o imóvel ao locador, resguardando-se de contestações futuras.

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Características da ata notarial:

  • É uma prova qualificada.
  • Tem presunção de veracidade e autenticidade.
  • É um documento preparado por serviço notarial e tem fé pública.
  • O tabelião comparecerá ao local para lavrar a respectiva ata, com descrição minuciosa dos danos encontrados.
  • Mais eficiente do que a medida cautelar preparatória ou a produção antecipada de provas em juízo, pois consome menos tempo e recursos financeiros.

Abaixo algumas decisões judiciais envolvendo indenizações em imóveis, vistorias e produção de provas.

Necessidade de medida cautelar preparatória ou a produção antecipada de provas para ser indenizado

“LOCAÇÃO – DANOS AO IMÓVEL – PERÍCIA NÃO PRODUZIDA – RECURSO IMPROVIDO. Para ser indenizado por danos ocasionados à pintura do imóvel cabe ao locador provar que houve mau uso, valendo-se, para tanto, de medida cautelar preparatória ou perícia no curso da ação indenizatória. Somente a prova técnica se revela hábil à constatação dos estragos, apontando-lhes os valores a fim de estabelecer o custo exato da indenização evitando, com isso, qualquer tipo de vantagem financeira” (Apelação nº 0013681-67.2008.8.26.0451.

Importância da prova do estado do imóvel quando da devolução do mesmo

TJ-RJ - APELAÇÃO 00163240319998190000 (...) Se a parte autora alega que o imóvel foi devolvido após locação com danos deve comprovar sua alegação trazendo ao feito prova do estado do imóvel quando entregue ao locatário, posto que cabe ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. (...).

 Importância da vistoria realizada antes da celebração do contrato de locação, para configuração dos danos ocasionados ao imóvel.

TJ-SP - Apelação APL 91457231920088260000 SP 9145723-19.2008.8.26.0000 (TJ-SP)Ação de reparação de danos em prédio urbano c.c. pedido de lucros cessantes. (...) Alegação de pré-existência dos danos. Ausência de provas do estado do imóvel quando da contratação. Falta do laudo de vistoria realizado no início da locação impossibilita o reconhecimento da má utilização do bem. Lucros cessantes. Inexistência. Não comprovação de que os danos advieram do período em que o imóvel estava locado aos apelantes. Impossibilidade de indenizar dano incerto. (...) Recurso provido

 Reconhecimento da ata notarial pelos Tribunais

 A utilização da ata notarial ainda é demasiado tímida em nosso ordenamento jurídico, quer por resistência de alguns cartórios de notas em realizarem-na, quer pelo desconhecimento das pessoas quanto à sua existência, relevância e força probatória.

TJ-RJ 0367778-91.2009.8.19.0001 - APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VISTORIA DE IMÓVEL REALIZADA APÓS A ENTREGA DAS CHAVES, COM A PRESENÇA APENAS DO LOCADOR, DOCUMENTADA ATRAVÉS DE ATA NOTARIAL. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS GASTOS COM A REFORMA E DO VÍNCULO AFETIVO COM OS MÓVEIS SUBSTITUÍDOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº7 DO STJ. DESPROVIMENTO DE AMBOS OS RECURSOS

 TJ-RJ. 0155725-96.2008.8.19.0001 Apelação cível. Ação de despejo. (...) 3. Desocupação ou abandono do imóvel no curso do processo. Perda do objeto do pedido de desalijo. Declaração de rescisão contratual. 4- Termo final da locação não delimitado na sentença. Recusa ao recebimento das chaves dada a inconformidade do estado de conservação do imóvel ao que fora pactuado. Posterior imissão na posse, mediante vistoria escriturada em Ata Notarial, que evidenciou o irregular estado de conservação do imóvel. Parâmetro para a fixação do termo final da avença. (...). Parcial provimento do apelo

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Sobre o autor
Francisco Machado Egito

Advogado com pós-graduação em Direito Imobiliário e pós-graduação em Direito Notarial e Registral. Graduado em Gestão de Negócios Imobiliários. Administrador de condomínios e imóveis. Graduado em administração e contabilidade. Sólida experiência em negócios imobiliários. Professor universitário nas disciplinas de Direito Condominial, tributação em negócios imobiliários e Aspectos contábeis, tributários e previdenciários em condomínios. Coordenador da pós graduação em Direito e Gestão condominial e da pós graduação em Direito Condominial. Mestrando em administração pela UFF. Presidente da comissão de Direito Condominial da ABA-RJ. Coordenador da Comissão de Contabilidade Condominial do CRC-RJ. Membro das comissões de Direito Imobiliário da OAB Niterói e OAB RJ.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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