A responsabilidade civil por dano material e moral decorrente da prestação ineficiente dos serviços públicos no Brasil

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O desprezo pela eficiência e qualidade na prestação dos serviços públicos no estado brasileiro não é um fenômeno atual, parte de uma perspectiva variada.

A RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO MATERIAL E MORAL DECORRENTE DA PRESTAÇÃO INEFICIENTE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL

Cícero Felipe Silva Gomes Carvalho[1] (FACESF)

[email protected]

Leonardo Barreto Ferraz Gominho[2] (Estácio FAL)

[email protected]

RESUMO

O desprezo pela eficiência e qualidade na prestação dos serviços públicos no estado brasileiro não é um fenômeno atual, parte de uma perspectiva variada, com influência de relevantes marcos da história brasileira que contribuíram para a criação da estrutura estatal atual. Diante disso, a presente pesquisa tem o escopo de demonstrar partindo de uma análise histórica e cultural, o real problema que atinge a administração pública, tanto direita como indireta, e seus efeitos prejudiciais à coletividade e aos indivíduos, bem como os reflexos que estes proporcionam na cultura de aceitação que paira sobre o pensamento da sociedade. Por conseguinte, os eventuais danos de ordem moral e material que ocasionam aos interesses coletivos, difusos e individuais. Além do mais, visa o presente estudo trazer a baila os principais tipos específicos de atos praticados pelo poder público com as suas referidas teorias, desde as três esferas de poder, quais sejam o Legislativo, Executivo e o Judiciário. Tendo como base normativa para fundamentar as teses a serem expostas tanto parâmetros constitucionais como aspectos de ordem legal. Tratando também das principais diferenças relativas aos conceitos de dano moral, material, com as suas respectivas fontes materiais, ou seja, os fatos sociais.

Palavras Chave:

Responsabilidade Civil; Dano moral; Dano material; Ineficiência dos serviços públicos; Reparação do dano.

1 INTRODUÇÃO

Atrelar a palavra ineficiência à atividade administrativa brasileira já é atividade corriqueira nas relações sociais. O Brasil, como é notório, tem um dos estados mais burocráticos do mundo, razão pela qual não seria estranho afirmar que se trata de um dos mais custosos do globo. Isso está bastante atrelado aos moldes como se deu a formação do estado nacional, principalmente o abismo ético e moral evidenciado em momentos históricos como: a escravidão e o apadrinhamento político. O Direito, como instrumento garantidor da ordem, deve utilizar de mecanismos com o intuito de diminuir ou reparar os danos decorrentes de tal displicência.

A responsabilidade civil surge como um dos atores que podem possibilitar com que os malefícios decorrentes da falta de compromisso com a coisa pública podem ocasionar. Ela surge como reflexo do desenvolvimento e maturidade de um determinado sistema jurídico, tendo em vista que na antiguidade vigorava a chamada “vingança privada”[3]. Logo, se evidencia que a utilização de mecanismos para reprimir abusos administrativos é própria de sistemas jurídicos que têm uma íntima relação com a democracia.

Acerca do tema a ser analisado será tratado um confronto de ideias e perspectiva a cerca de como se deu a aceitação social diante da prestação ineficiente do serviço público, bem como quais as prerrogativas dos administrados frente a tais abusos, e quais os institutos que deverão ser utilizados para coibi-los e repará-los. Bem como, serão esboçados no presente artigo, os elementos históricos e atuais que levam a morosidade na prestação jurisdicional, assim como a falta de cordialidade dos agentes públicos nos atributos de suas funções.

Abordaremos, consequentemente acerca dos principais danos matérias e morais decorrentes da falta de eficiência e compromisso dos agentes públicos com a prestação efetiva dos serviços públicos em todas as esferas de poder, desde a morosidade que paira sobre o Poder Judiciário, o rompimento da representatividade do Legislativo, até a imoralidade no ingresso dos cargos do Executivo.

2 A RESPONSABILIDADE CIVIL NUMA ACEPÇÃO HISTÓRICA

O Brasil é um país cuja legislação privada teve forte influência do Direito Francês, principalmente no que atine ao Código Civil da França de 1804, chamado por muitos de Código de Napoleão, tendo em vista que fora editado sobre a égide do seu governo[4]. Logo, o referido diploma legal é a principal norma de regulamentação privada no ordenamento jurídico pátrio, é notório que exerce forte influência nas relações privadas brasileiras.

A formação do Estado Brasileiro se confunde com outros marcos históricos de relevância ímpar para compreender a matéria, principalmente com o fim do Estado Absolutista que vigorou durante a Idade Média na Europa. O Estado não possuía responsabilidade alguma sobre os atos praticados pelos seus súditos, razão pela qual com a ruptura dessa forma de controle partindo da Revolução Francesa, surge a ideia de um Estado menos opressor, e menos intervencionistas nas relações privadas, consequentemente seus abusos passam a partir de então a ter um maior controle, e, por conseguinte devem ser reparados[5]. Esses marcos históricos influenciaram não só a formação do pensamento jurídico nacional, mas a do mundo como um todo, ao menos em sua parte ocidental. Assim assinala o civilista Carlos Roberto Gonçalves[6]:

A Responsabilidade exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito, e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social.

É de se notar que o referido jurista assenta a noção de responsabilidade a própria reparação do dano, ou seja, a uma tentativa de manutenção da equidade na relação jurídica.

Sob o domínio dos Governos absolutos, negou-se a responsabilidade do Estado, secularizada na regra inglesa da infalibilidade real – “The King can do no wrong” –, extensiva aos seus representantes; sob a influência do liberalismo, assemelhou-se o Estado ao individuo, para que pudesse ser responsabilizado pelos atos culposos de seus agentes; finalmente, em nossos dias, atribui-se à Administração Pública uma responsabilidade especial de Direito Público[7]. Ante isso, não restam duvidas que o período de irresponsabilidade do Estado, próprio de tempos absolutistas foi superado.

3 A RESPONSABILIDADE JURÍDICA E RESPONSABILIDADE MORAL

A moral tem âmbito bem mais amplo do que o Direito, posto que inúmeras de suas regras, estabelecidas apenas como deveres, escapam do universo normativo do Direito. Pode-se afirmar, que tanto a moral como a ética são elementos formadores que influenciam a legislação escrita e lhe dão o necessário substrato e conteúdo de validade e credibilidade que precisa ter[8]. Assim, não é difícil perceber que moral e direito se entrelaçam, na medida que a primeira é fonte material da segunda, e o direito reprime ou aprova determinadas condutas morais e imorais, respectivamente. Nas palavras de Paulo Nader[9]:

Enquanto a Moral estabelece critérios de conduta, visando à realização do bem em seu sentido mais amplo, o Direito fixa parâmetros para a convivência, pretendendo garantir a harmonia social com aquele mesmo valor, mas tomando em sentido restrito: o mínimo necessário ao equilíbrio da sociedade. A gama de deveres morais, consequentemente, é mais extensa do que a de deveres jurídicos; igualmente a esfera da responsabilidade moral em face da jurídica. Enquanto a moral visa ao aperfeiçoamento da pessoa natural, o Direito ordena a conduta com a finalidade de garantir a ambiência social.

Frente as palavras do nobre autor, percebe-se que a moral tem em seu raio de atuação uma maior amplitude do que o Direito, pois este deve está amparado pela norma jurídica, na medida que a moral se ancora na própria consciência humana.

3.1 A responsabilidade civil do agente público e reparação do dano moral

A configuração da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos está necessariamente relacionada à ação ou omissão de determinado agente público no exercício da atividade administrativa. Portanto, o agente público ocupa papel de destaque na responsabilização do Estado[10], conforme a Constituição Federal de 1988[11]:

Art. 37º A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§6º.As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa;

Fica claro, com o que está disposto no diploma constitucional que o ordenamento jurídico brasileiro adotou quanto a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadores de serviços públicos a teoria do risco, que defende que independentemente do elemento subjetivo, qual seja, a culpa ou o dolo, o Estado tem o dever de reparar o eventual dano. Confirmando assim uma responsabilidade objetiva por parte do poder público.

Acerca da teoria do risco administrativo são as palavras de Dirley da Cunha Júnior[12]:

 É a teoria do risco que serve de fundamento para a ideia de responsabilidade objetiva ou sem culpa do Estado. Ela toma por base os seguintes aspectos: (1) o risco que a atividade administrativa potencialmente gera para os administrados e (2) a necessidade de repartir-se, igualmente, tanto os benefícios gerados pela atuação estatal à comunidade como os encargos suportados por alguns, por danos decorrentes dessa atuação. Assim, em suma, e como o próprio nome sugere, essa teoria leva em conta o risco que a atividade estatal gera para os administrados e na possibilidade de causar danos a determinados membros da comunidade devem concorrer, através dos recursos públicos, para a reparação dos danos.

 A teoria em questão, sustenta que a simples existência do nexo de causalidade entre a conduta dos entes acima relatados e o resultado (nesse caso o dano), já é suficiente para o surgimento da responsabilidade civil estatal.

Já no que se refere a responsabilidade de seus agentes o sistema jurídico pátrio adotou a teoria da culpa do serviço. Assim preleciona Hely Lopes Meirelles[13] acerca da referida teoria:

A teoria da culpa administrativa representa o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois leva em conta a falta do serviço para dela inferir a responsabilidade da Administração. É o estabelecimento do binômio falta do serviço/culpa da Administração. Já aqui não se indaga da culpa subjetiva do agente administrativo, mas perquire-se a falta objetiva do serviço sem si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro. Exige-se também, uma culpa, mas uma culpa especial da Administração, a que se convencionou chamar de culpa administrativa.

Desta feita, esta teoria reflete a maior vulnerabilidade que os servidores públicos possuem em relação aos órgãos que eles representam, na medida que permite à sua responsabilidade quando presente o nexo de causalidade, bem como o elemento subjetivo, o dolo ou a culpa em sentido amplo. Pondera Paulo Nader[14]:

O dano moral não é o propriamente a dor, a angustia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem os pais pela morte violenta do filho, o padecimento ou complexo de que suporta um dano estético, a humilhação de quem foi publicamente injuriado são estados de espírito contingentes e variáveis em cada caso, pois cada pessoa sente a seu modo.

Nessa acepção, o dano moral tem uma amplitude conceitual extensa, pois deve se adequar a caso concreto, para se delimitar se realmente ocorreu ou não.

Se o Estado causou o dano, ou seja, se o dano decorreu de um comportamento positivo seu, ele responde objetivamente, pois o dano teve origem direta em uma ação estatal. A responsabilidade é objetiva, sendo suficiente demonstrar se a ação estatal, o dano e o nexo de causalidade entre ambos. É preciso ressaltar que a responsabilidade objetiva do Estado pode decorrer de comportamentos lícitos e ilícitos[15]. Diante disso, o dever do poder público de reparar o dano não está adstrito somente aos atos ilícitos, abarcando também os atos lícitos, ou seja, amparados pela lei, costumes e princípios gerais do Direito.

Referente a reparação do dano moral são as palavras de Carlos Roberto Gonçalves[16]:

Tem prevalecido, no entanto, o entendimento de que a reparação pecuniária do dano moral tem duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor. Ao mesmo tempo, que serve de lenitivo, de consolo, de uma espécie de compensação para atenuação do sofrimento havido, atua como sanção ao lesante, como fator de desestímulo, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem.

Ante o exposto, a reparação do dano moral é importante, na devida medida que tanto reprime o ato ofensor como previne os futuros, tentando assim manter uma certa pacificação da pretensão do ofendido.

3.2 A reparações do dano material cometido pelo agente público

O Direito Constitucional moderno possui como um de seus pilares a sujeição de todas as pessoas, sejam físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, a uma ordem jurídica. Desta maneira, qualquer lesão a um bem jurídico de terceiro implica na obrigação de reparação por parte do agente causador do respectivo dano[17]. Nessa esteira, não seria razoável isentar o poder público frente às suas condutas que de certa forma causem algum dano aos cidadãos, principalmente por sua posição de superioridade conferida pelo próprio ordenamento jurídico.

Referente ao conceito de dano patrimonial alude Paulo Nader[18]:

O dano se diz patrimonial quando provoca a diminuição do acervo de bens materiais da vítima ou, então, impede o seu aumento. Materializa-se por danos emergentes, com a diminuição do patrimônio, ou por lucros cessantes, quando a vítima se vê impedida da atividade que lhe traria proveito econômico.

Logo, como o próprio nome diz, o dano material atinge o patrimônio do individuo.

No desempenho das funções estatais o Poder Público produz, teoricamente, danos de maior amplitude do que os causados por particulares e, portanto, sua responsabilidade é regulada por princípios específicos, adaptados à peculiaridade de sua situação jurídica[19]. Isso é o que justifica com que o Estado responda objetivamente pelos danos causados por seus agentes, pois possui maior força de atuação nas relações jurídicas frente a seus administrados.

Preceitua Carlos Roberto Gonçalves[20]:

Compete á vítima da lesão pessoal ou patrimonial o direito de pleitear a indenização. Vítima é quem sofre o prejuízo. Assim, num acidente automobilístico, é o que arca com as despesas de conserto do veículo danificado. Não precisa ser, necessariamente, o seu proprietário. Terceiro, a quem o veiculo foi emprestado, pode ter providenciado os reparos e efetuado o pagamento das despesas, devolvendo-o ao proprietário em perfeito estado. Mas, por ter suportado as despesas todas, está legitimado a pleitear o ressarcimento, junto ao causador do acidente. O Superior Tribunal de Justiça acolheu essa orientação.

Diante do relatado pelo ilustre doutrinador, é da vítima a legitimidade para a reparação dos eventuais danos sofridos; adaptando à relação entre o Estado e seus administrados; cabe aos destinatários dos sérvios públicos lesados em seu patrimônio, o interesse para o ressarcimento dos prejuízos sofridos.

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4 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA REPARAÇÃO DO ESTADO FRENTE À INEFICIÊNCIA DOS SEUS SERVIÇOS

O Direito pátrio oscilou entre as doutrinas subjetivas e objetivas da responsabilidade civil da Administração. Desde o Império os nossos juristas mais avançados propugnavam pela adoção da responsabilidade sem culpa fundada na teoria do risco que se iniciava na França, mas encontraram decidida oposição dos civilistas apegados à doutrina da culpa, dominante no Direito Privado, porém inadequada para o Direito Público[21]. Logo, fica evidente que desde a Constituição do Império de 1924, o Brasil já adotava a responsabilidade civil do poder público como sendo objetiva, não obstante, não havia expressão a respeito da responsabilidade do Estado propriamente dita, mas sim, do servidor, o que havia eram leis ordinárias regulamentando uma responsabilidade solidária entre ambos. Assim as palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[22], sobre tal responsabilidade:

A teoria da irresponsabilidade do Estado não foi acolhida pelo direito brasileiro, mesmo não havendo normas legais expressas, os nossos tribunais e doutrinadores sem repudiaram aquela orientação. As Constituições de 1824 e 1891 não continham disposição que previsse a responsabilidade do Estado; elas previam apenas a responsabilidade do funcionário em decorrência de abuso ou omissão praticados no exercício de suas funções. Nesse período, contudo, havia leis ordinárias prevendo a responsabilidade do Estado, acolhida pela jurisprudência como sendo solidária com a dos funcionários: era o caso dos danos causados por estrada de ferro, por colocação de linhas telegráficas, pelos serviços de correios.

Nessa perspectiva histórica, o Brasil desde a sua formação como Estado Nação, nunca pôs seus serviços à sociedade sem garantir um mínimo de proteção jurídica, até em níveis constitucionais. A responsabilidade do Estado pode ser encontrada em vários dispositivos constitucionais, até mesmo no rol de direitos e garantia fundamentais previstas no artigo 5º, da Constituição Federal de 1988[23]:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LVXX – O estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o tempo que ficar preso além do tempo fixado na sentença;

O legislador originário de 1988 reputou a responsabilidade do Estado em tal importância que a colocou como elemento pétreo da constituição, na medida que está inserida nos dispositivos referentes aos direitos e garantias fundamentais.

A responsabilidade conferida no dispositivo acima reflete a afinidade entre a evolução do Estado Democrático de Direito com a própria noção de responsabilidade civil seus atos, ponto de parte da doutrina afirma que a possibilidade de responsabilidade civil por erro judiciário, bem como por tempo além do fixado na sentença, se trata de atuação da teria do risco integral.

Para parte da doutrina, o direito a reparação numa acepção constitucional tem íntima relação com o principio da dignidade da pessoa humana, que é um princípio fundamental, conforme afirma Celso Ribeiro Bastos[24]:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Com isso, é evidente que os pilares de um Estado Democrático de Direito, que são justamente os princípios fundamentais, servem de base incontestável com desiderato de proteger o cidadão dos abusos decorrentes do poder público.

5 A IRRESPONSABILIDADE DO ESTADO

Até a metade do século XIX, a ideia que prevaleceu no mundo ocidental era a de que o Estado não tinha qualquer responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes. A solução era muito rigorosa para com os particulares em geral, mas obedecia às reais condições políticas da época[25]. Isso foi consequência do recente sistema política que vigou no mundo, o sistema absolutista, tendo como seu ápice o século XVIII, e que todo poder se concentrava nas mãos de um soberano, que, por conseguinte, não possui responsabilidade alguma.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, pondera[26]:

O tema da responsabilidade civil do Estado tem recebido tratamento diverso no tempo e no espaço, inúmeras teorias têm sido elaboradas, inexistindo, dentro de um mesmo direito uniformidade de regime jurídico que abranja todas as hipóteses. Em alguns sistemas, como o anglo-saxão, prevalecem os princípios de direito privado; em outros, como o europeu-continental, adota-se o regime publicístico. A regra adotada, por muito tempo, foi a da irresponsabilidade; caminhou-se, depois, para a responsabilidade subjetiva, vinculada à culpa, ainda, hoje aceita em varias hipóteses; evolui-se, posteriormente, para a teoria da responsabilidade objetiva, aplicável, no entanto, diante de requisitos variáveis de um sistema para outro, de acordo com normas impostas pelo direito positivo.

Ante as palavras da ilustre professora, é notório que a responsabilidade civil dos Estados, ao menos na parte ocidental do planeta, é fato permanente, sendo em valores atuais impensável a possibilidade de se ter um Estado democrático, sem possuir um mínimo de responsabilidade frente aos seus atos.

6 A IMPORTÂNCIA DA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO COMO DOGMA DA REPARAÇÃO DO DANO PELO ESTADO

Como se sabe o poder público possui certa superioridade na relação jurídica com seus subordinados, razão disso sempre que o Estado põem seus serviços à disposição da população acaba por assumir um certo grau de responsabilidade, justamente para que as pessoas de uma maneira geral possam ter um maior segurança, mantendo assim o sentimento de paz social, de normalidade que deve se manter na sociedade. Assim defende José dos Santos Carvalho Filho[27]:

Esses fundamentos vieram à tona na medida em que se tornou plenamente perceptível que o Estado tem maior poder e mais sensíveis prerrogativas do que o administrado. É realmente o sujeito jurídico, política e economicamente mais poderoso. O individuo, ao contrario, tem posição de subordinação, mesmo que protegido por inúmeras normas do ordenamento jurídico. Sendo assim, não seria justo que, diante de prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito à reparação dos danos.

Logo, a aludida teoria surge como um instrumento para conferir uma determinada simetria jurídica a relação entre o Estado e seus respectivos administrados, na medida que existe uma relação assimétrica do ponto de vista fático, ou seja, o Estado tem mais poder, é o sujeito jurídico, político e econômico mais poderoso.

7 A TEORIA DA CULPA ADMINISTRATIVA

A teoria da culpa administrativa representou um avanço na noção de responsabilizar o Estado por atos de seus servidores públicos, nessa esteira passou-se a não mais considerar como condição necessária para formação da responsabilidade extracontratual do Poder Público a individualização do agente ou do serviço público. A partir de então, o cidadão conseguiu ampliar o rol de garantias frente ao Estado, pois a culpa em sentido estrito para tal teoria passou a ser uma culpa anônima, ou falta do serviço[28].

Sobre a falta do serviço preleciona José dos Santos Carvalho Filho[29]:

A falta do serviço podia consumar-se de três maneiras: a inexistência do serviço, o mau funcionamento do serviço ou o retardamento do serviço. Em qualquer dessas formas, a falta do serviço implicava  o reconhecimento da existência de culpa, ainda que atribuída ao serviço da Administração. Por esse motivo, para que o lesado pudesse exercer seu direito à reparação dos prejuízos, era necessário que comprovasse que o fato danoso se originava do mau funcionamento do serviço e que, em consequência, teria o Estado atuado culposamente. Cabia-lhe, ainda, o ônus de provar o elemento culpa.

Fica claro, que no Brasil existe um certo abismo no que se refere a eficiência dos serviços públicos de maneira geral. Pois a administração pública, ainda possui uma ideia de superioridade frente aos seus administrados. Basta observar as repartições públicas e o seu nível de cordialidade e educação com os cidadãos; o que se percebe na maioria das vezes é um tratamento desqualificado, aquém daquilo do que se espera dos servidores, onde na maioria das vezes o que reina é arrogância, atingindo a honra, ou seja, a moral dos cidadãos.

8 DAS CAUSAS EXCLUDENTES E ATENUANTES DA RESPONSABILIDADE

Como a responsabilidade objetiva do Estado está fundada na relação de causalidade entre o comportamento estatal e o dano, é evidente que, existindo uma causa que quebre essa relação de causa e efeito, ela deve ser qualificada como excludente de responsabilidade[30]. Assim, se presente na relação alguma causa que rompa com nexo de causalidade que liga a conduta administrativa com o seu resultado, não há que se falar em responsabilidade. Diante disso, tais excludentes não são compatíveis nos atos em que se tenha como fundamento a teoria do risco integral.

As causas que são colocadas como excludentes são: culpa da vítima, culpa de terceiros, força maior. E ainda como causa atenuante tem-se a culpa concorrente.

A administração pública se isenta totalmente da obrigação de indenizar quando se desincumbe satisfatoriamente do ônus, que lhe pertence, de demonstrar que o fato decorreu de culpa exclusiva do ofendido[31].

O fato de terceiro exclui a responsabilidade do causador direto do dano quando equiparável ao caso fortuito, ou seja, quando é de tal intensidade que exclui a liberdade de atuação deste[32].

Dúvida na doutrina surge em relação à diferença entre caso fortuito e a força maior, a esse respeito são as palavras de Maria Silvya Zanella Di Pietro[33]:

Sem maiores aprofundamentos sobre a controvérsia, temos entendido, desde a primeira edição deste livro, que força maior é acontecimento imprevisível, inevitável e estranho à vontade das partes, como uma tempestade, um terremoto, um raio. Não sendo imputável à Administração, não pode incidir a irresponsabilidade do Estado; não há nexo de causalidade entre o dano e o comportamento da Administração. Já o caso fortuito, não se configura como causa excludente de responsabilidade, ocorre nos casos em que o dano seja decorrente de ato humano ou de falha da Administração; quando se rompe, por exemplo, uma adutora ou um cabo elétrico, causando dano a terceiros, não se pode falar em força maior, de modo a excluir a responsabilidade do Estado.

Nessa acepção, a força maior exclui a responsabilidade, já o caso fortuito não, na medida que este existe certa parcela de ação da administração.

Há ainda uma causa atenuante da responsabilidade, qual seja, a culpa concorrente, nesse caso, não ocorre o rompimento do nexo de causalidade, mas apenas um abrandamento no dever de indenizar.

9 A RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO POR ATOS JURISDICIONAIS

Num Estado Democrático de Direito, o Estado responde por todos os seus atos (administrativos, legislativos e judiciais), quando lesivos a esfera juridicamente protegida do cidadão[34]. Diante disso, a possibilidade de responsabilização do Estado na esfera judicial é muito mais do que um instituto da responsabilidade civil, é sim um baluarte do Estado de Direito.

A morosidade da justiça tem como um ponto antagônico o princípio da celeridade processual, que surge como sendo um preceito novo no cenário jurídico nacional[35]. Tal principio é de grande valia, na medida que a prestação jurisdicional brasileira é uma das piores do mundo, seja pela própria ineficiência do serviço, seja por morosidade, essa sem dúvida o principal prejuízo que acomete o poder judiciário atualmente. Assim aduz o artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal de 1988[36]:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LXXVIII – a todos, no Âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação;

Logo, é evidente que o preceito da celeridade processual se torna uma fonte de grande valia para a prestação do serviço jurisdicional no Brasil, bem como, deixa claro que até mesmo o Poder Judiciário tem o dever de prestar seus serviços, de maneira adequada (com cordialidade), e eficiente.

Salienta Clémerson Merlin Cléve[37], a respeito do erro por omissão decorrente da demora na prestação jurisdicional:

A demora injustificada no processo judicial configura omissão desproporcional e, em última análise, negativa da prestação jurisdicional. Trata-se, em síntese, de erro judiciário praticado por omissão. Nesse caso, em razão da falta do serviço ou culpa anônima, o Estado deverá ser responsabilizado.

Ante o que foi exposto, fica claro que o Estado, mais objetivamente o poder judiciário, pode ser responsabilizado por atos decorrentes da displicência dos seus serviços jurisdicionais, desenhando-se três hipóteses de cabimento de tal responsabilidade, que são nas palavras de Rafael Carvalho Rezende Oliveira[38]: a) erro judiciário; b) prisão além do tempo fixado na sentença; e c) demora na prestação jurisdicional.

9.1 Responsabilidades por erro judiciário

Reconhecida a responsabilidade do Estado pelo erro judiciário, a indenização há de ser a mais completa possível. E que a indenização por perdas e danos deve compreender os prejuízos materiais e morais que sofreu o ofendido, e que serão apurados em execução, por arbitramento[39]. Não se pode deixar de frisar que o erro não pode ser simples, tem que ser relevante que ocasione realmente um dano.

A celeuma doutrinária surge acerca da possibilidade da reparação, seja na esfera civil ou na criminal. Assim afirma José dos Santos Carvalho Filho[40]:

A responsabilidade restringe-se ao erro judiciário oriundo da jurisdição penal, inexistindo responsabilidade por eventuais erros cometidos na jurisdição cível, pois o art. LXXV, da CRFB, ao consagrar a responsabilidade por erro judiciário e prisão além do tempo fixado na sentença, teria abarcado a previsão contida no art. 630 do CPP para reforçar, com status de direito fundamental, a garantia de responsabilidade no âmbito da jurisdição penal, sem estender, contudo, tal garantia ao âmbito da jurisdição civil.

Logo, percebe-se que o referido jurista advoga a ideia de que somente em matéria criminal poderá o Estado ser responsabilizado por seus eventuais erros, tento intima relação com a própria natureza do Direito Penal, qual seja, pelo fato deste se o ramo do Direito que se preocupa em proteger os bens jurídicos mais relevantes da sociedade.

Outra corrente doutrinária que se formou no bojo do pensamento jurídico, é de que o Judiciário estaria obrigado a responsabilizar os eventuais danos decorrentes de suas condutas também na esfera civil. Nesse sentido são as palavras de Sergio Cavaliere Filho[41]:

Encontra inserido no catálogo de direitos fundamentais que devem ser interpretados de maneira extensiva e não restritiva, com o intuito de garantir maior efetividade na responsabilização do Estado e na proteção dos indivíduos. É oportuno registrar que a norma constitucional não fez qualquer distinção entre as jurisdições, sendo vedado ao interprete restringir seu alcance.

Com esse raciocínio o aludido jurista concorda que o Estado não pode ficar isento da responsabilização por seus erros no âmbito civil, pois segundo ele tal direito de reparação tem natureza de direito fundamental, na medida em que está inserido no rol dos Direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição da República de 1988.

9.2 Responsabilidades por prisão além do tempo fixado na sentença

Não é novidade que as prisões no Brasil estão superlotadas, com isso não seria razoável que tal conduta imprudente do Estado não fosse responsabilizadas pelas normas jurídicas. Antes de se falar na responsabilidade propriamente dita, é necessário entender um pouco da estrutura que comporta as prisões no país. Primeiramente, o órgão responsável pela eventual prisão é o Juiz da Vara de Execuções Penais, além deste, outro de grande importância é o diretor do estabelecimento penitenciário, figura que é responsável pela parte administrativa do cumprimento da pena.

Conceitua Rafael Carvalho Rezende Oliveira[42]:

É evidente que a maioria dos casos, envolvendo a prisão além do tempo fixado na sentença é proveniente da esfera penal, em que a sanção privativa de liberdade é admitida como regra. No entanto, em hipóteses excepcionais de prisão civil (ex.: prisão por divida alimentícia) ou administrativa (ex.: prisão na esfera militar), a eventual prisão além do tempo fixado na sentença também acarretará a responsabilidade estatal.

Ante isso, não restam dúvidas de que os estabelecimentos prisionais têm um papel relevante na compreensão do problema. Nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt[43]:

Quem não estremece de horror ao ver na história tantos tormentos atrozes e inúteis, inventados e empregados friamente por monstros que se davam o nome de sábios? Quem poderia deixar de tremer até ao fundo da alma, ao ver os milhares de infelizes que o desespero força a retomar a vida selvagem, para escapar a males insuportáveis causados ou tolerados por essas leis injustas que sempre acorrentaram e ultrajaram a multidão, para favorecer unicamente um pequeno número de homens privilegiados?

Frente a isso, é plenamente real o abismo que existe entre o Direito no seu aspecto teórico e a realidade que assola as penitenciárias no Brasil. Além do aspecto o humanitário, o Estado peca no sentido de atraso na possibilidade de soltura do apenado. Logo, como já dito anteriormente, o Estado terá de indenizar caso o apenado venha a ser preso por tempo superior ao fixado na sentença.

9.3 A responsabilidade por demora na prestação jurisdicional

Um direito constitucional de grande relevância é sem dúvidas o direito a duração razoável do Processo, pois faz com que o sentimento de injustiça não floresça, bem como que o individuo possa ter um serviço de qualidade. Tal direito, tem tal importância que recentemente adquiriu status de princípio constitucional. Alude o jurista Rafael Carvalho Resende Oliveira[44]:

É preciso, contudo, cautela na responsabilidade estatal por demora na prestação jurisdicional. O simples descumprimento de determinado prazo processual pelo magistrado não possui o condão de gerar, por si só, a responsabilidade do Estado. Nesse ponto, além da violação do prazo processual ou da demora desproporcional, é fundamental a comprovação de dano desproporcional ao jurisdicionado, o que deve ser analisado e ponderado em cada caso concreto.

A demora injustificada do processo penal configura certa omissão por parte da prestação jurisdicional do Estado, configurando um erro judiciário por omissão. Contudo, a simples demora por parte do magistrado não ensejará a responsabilidade propriamente dita, é necessário que o lesado comprove realmente o dano.

9.4 Prisão de natureza cautelar e posterior absolvição

As prisões cautelares são hábitos corriqueiros na prática forense brasileira, pois têm como principal respaldo assegurar com que o processo penal se dê, sem maiores incidentes, e consequentemente que ocorra a aplicação do direito material. Parte da doutrina diverge no sentido de que o uso excessivo desse tipo de prisão violaria a dignidade humana. Pondera José dos Santos Carvalho Filho[45]:

A privação da liberdade do individuo é medida excepcional que deve ser adotada nos estritos termos da lei. Evidentemente, no caso de prisão ilegal, restaria caracterizada a atuação ilícita do Estado a sua responsabilidade. Há controvérsias, no entanto, sobre a configuração da responsabilidade do Estado na hipótese de prisão cautelar, decretada de forma da legislação em vigor, com posterior absolvição do acusado por negativa da autoria ou inexistência do fato, ou quando caracterizada a licitude do comportamento.

Ante o que foi mencionado pelo nobre jurista, é vislumbre que o princípio da dignidade da pessoa humana tem relação direita com a possibilidade do indivíduo ficar solto diante da possibilidade de condenação. Na medida que é um norte para a concretização do Estado Democrático de Direito.

Outra corrente da doutrina defende a possibilidade de manutenção das medidas cautelares, retirando, por conseguinte a responsabilidade do Estado. Afirma Maria Sylvia Zanella Di Pietro[46]:

Ausência de responsabilidade do Estado, tendo em vista que a prisão cautelar, decretada em conformidade com o ordenamento jurídico, configura ato lícito e não pode ser considerada como “erro judiciário”. Ademais, a medida cautelar tem por objetivo garantir a instrução penal, não se exigindo juízo de mérito sobre a responsabilidade penal do acusado.

A brilhante autora defende justamente que as cautelares são possíveis em razão de o próprio ordenamento jurídico brasileiro albergar a possibilidade de tais cautelares para garantir a instrução criminal; vê que a referida autora adota uma postura totalmente legalista.

9.5 A responsabilidade pessoal do Juiz

Tema de grande polêmica envolve a possibilidade da responsabilização pessoal do magistrado nos respectivos atos. Primeiramente, há de se levar em conta o caráter histórico desse órgão que compõe o poder Judiciário.

No período romano, o Juiz era visto como uma divindade, onde suas decisões tinham além da carga jurídica também valoração religiosa, dificultando ainda mais a possibilidade de impugnação das mesmas. No período absolutista, a figura do Juiz também recebe grande quantidade de poder político, pois somente o Rei poderia rever suas decisões[47].

Muito embora ainda seja difícil responsabilizar pessoalmente o magistrado, existe no Brasil normas legais que dispõem sobre essa possibilidade. Dispõe o artigo 49, da Lei Complementar 75/1993[48]:

Art.49 – Responderá por perdas e danos o magistrado, quando:

I – no exercício de suas funções proceder com erro ou dolo;

II – recusar, omitir, ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar o ofício, ou a requerimento das partes.

Parágrafo único: Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no inciso II somente depois que a parte, por intermédio do Escrivão, requerer ao magistrado que determine a providência, e este não lhe atender o pedido em dez dias.

Embora ainda muito distante daquilo que se espera na responsabilização dos magistrados, e consequentemente a consagração de valores republicanos, é notório que o país ainda é carente na legislação. Isso decorre muito pelo espírito corporativistas que afeta certos setores importantes do Estado, entre eles, a magistratura.

10 DO DIREITO DE REGRESSO POR PARTE DO ESTADO FRENTE AOS SEUS SERVIDORES

O direito de regresso nada mais é do que a garantia que tem o Estado de direcionar o ônus a reparação do dano ao seu agente causador. É necessário olhar o direito a responsabilidade do Estado sob dois desenhos, o primeiro com base na relação que existe entre o poder público e o particular, e o segundo entre o Estado e os seus agentes[49].

Sobre o tema alude José dos Dirley da Cunha Júnior[50]: “Por fim, cumpre anotar que a propositura de ação regressiva contra o agente público que causar, por dolo ou culpa dano a terceiro, é obrigatória, após o trânsito em julgado da decisão que condenar o Estado”.

Logo, é de se obervar, que o direito de regresso é uma maneira de o Estado tentar canalizar o ônus sofrido por condenação para reparar o dano; entretanto, presente os requisitos do direito de regresso e após o trânsito em julgado da decisão, a Fazenda pública é obrigada a recorrer.

11 A RESPONSABILIDADE POR ATOS DECORRENTES DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Outro tema de suma importância é a possibilidade de responsabilidade pelos atos do Ministério Público, haja vista à sua própria função, que é de representar a sociedade, e consequentemente acaba se confrontando com interesses particulares, podendo assim ocasionar algum dano. A respeito do tema pondera Paulo Nader[51]:

Especialmente nas ações criminais, em que se apresenta como parte, o representate do Ministério Público se torna vulnerável a pedidos de indenização, pois acusa o réu e este muitas vezes confunde o jus narrandi com o jus injuriandi. Enquanto se limita à exposição dos fatos e avalia a conduta do acusado à luz dos valores éticos, sociais, e jurídicos, o membro da Instituição permanece adstrito ao cumprimento do seu dever, no exercício de sua função, não se sujeitando a responder por danos morais.

Então, o Ministério Público mesmo no decurso do processo criminal, não será responsabilizado pelos eventuais danos causados aqueles que se coloquem na posição de ofendidos (via de regra os réus), pois está no exercício regular de suas funções; ressalvas são feitas, quando for comprovado algum tipo de fraude.

12 CONCLUSÃO

Diante dos fatos e dos fundamentos jurídicos anteriormente narrados, é notório que o Estado quando realiza o acordo social com o individuo possui um conjunto de direitos e garantias, não obstante a isso, também tem em contrapartida certos deveres, essa relação deve ser observada a luz da assimetria que existe entre os sujeitos envolvidos, haja vista a superioridade jurídica que ele possui. Tomando por base os deveres que o poder público têm para com o individuo nasce as obrigações, estas consequência da necessidade da manutenção da ordem no bojo social; caso o vinculo obrigacional seja desrespeitado emerge consequentemente a responsabilidade, esta pode ser suprida mediante uma solução mais pacifica dos conflitos, qual seja, a conciliação, ou por meio da chamada heterocomposição, que via de regra é levado as cancelas do Poder Judiciário.

É clarividente que o dever do Estado de reparar os danos decorrentes de seus atos não surgia de maneira repentina, é de se olvidar que foi a construção histórica ao passar de anos, décadas, por muito marcos históricos narradas anteriormente, a exemplo a grande Revolução Francesa. Além do mais, a própria noção de Estado foi alterada com o passar do tempo, pois em certo período ele era encarado apenas como um mantenedor da ordem, assegurando com que as relações privadas se dessem no melhor meio possível; posteriormente, foi encarado como o centro de poder, com o encargo de tentar distribuir com equidade as condições de vida entre os indivíduos que compõem a sociedade, por conseguinte, surge como o responsável pela garantia de direitos basilares como: o acesso à saúde, à educação, dentre outros direitos.

Certo é que, quando se estuda a responsabilidade civil do Estado frente à prestação dos seus serviços, ficou mais do claro a cultura de aceitação formada na consciência do brasileiro em relação a determinados maus feitos por parte do poder público. Logo, tal estudo foi feito de maneira pormenorizada, ou seja, foi necessário dividir em tópicos a análise da eventual responsabilidade, na medida que possibilita uma análise mais fiel dos institutos em análise. Passando desde a parte histórica, às suas  principais correntes doutrinárias, suas excludentes, até de se chegar a responsabilidade daquele que é sem sombra de dúvidas um dos últimos resquícios de autoritarismo na República, ou seja, a responsabilidade do poder judiciário nos seus atos.

Não se pode deixar de olvidar, tomando por base princípios gerais do Direito, mais especificamente a razoabilidade e da proporcionalidade, baluartes de um Estado Democrático de Direto, em que não se norteia apenas pela rigidez metodológica das normas jurídicas, mas sim ao real objetivo normativo delas, qual seja, a sua finalidade, que o Estado tem na figura dos seus servidores a possibilidade de regresso dos atos gravosos praticados por estes. Nessa acepção, se faz necessário que o ente público diferentemente de sua responsabilidade demonstre o elemento subjetivo presente na conduta de seus agentes, seja ela dolosa, quando então o servidor pode ter a real intenção de cometimento do dano, ou assume o risco de produzir tal resultado; seja ela culposa, quando o agente público incorreu em imprudência, imperícia, falta de cautela. Ante isso, o arcabouço jurídico nacional consagra a possibilidade do direito de regresso do Estado contra os seus funcionários, ou concessionários de seus serviços, desde que comprove o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado mais o elemento subjetivo, consagrando assim a teria da culpa administrativa como uma consequência de democracias em amadurecimento ou maduras.

Um fator que deve ser determinante na prestação dos serviços não só públicos, mas de maneira geral é justamente a ética, ou seja, o compromisso com a coisa pública, este parâmetro tem efeitos gerais em relação as relações sociais, na medida em que confere uma maior lisura. Possuindo uma consequência bastante positiva nos institutos do Direito, qual seja, a prevenção, pois quando existe ética dificilmente ocorrerá conflitos decorrentes das relações, seja por parte do poder público, seja por parte de seus administrados. Além do mais, a moralização dos serviços públicos possui uma íntima ligação com a cordialidade, esta tão ausente na praxe administrativa, seja nas cancelas da justiça (Fóruns, Varas do Trabalho, Juizados Especiais); seja nos portões dos palácios, seja nas casas legislativas, bem como nos serviços públicos de menor relevância, na sua maioria o cidadão é refém da falta de bons modos dos agentes públicos.

Não se pode deixar de mencionar por fim, que a mudança de paradigma em relação à qualidade dos serviços públicos faz parte de um processo longo e custoso, pois tal intenção deve partir não somente daquele que presta o serviço público, qual seja, o ente público ou suas concessionárias, e sim de todos que são sujeitos a tais serviços, sejam os administradores, os administrados, ou próprio Estado. A mudança deve ser antes de qualquer coisa, cultural, ou seja, as pessoas têm que entender que o serviço público deve ser prestado com a mesma qualidade dos privados, e mais, até mesmo melhor, porque a grande maioria da população ainda depende de tais serviços.

Um tema de grande importância que também deve nortear a lógica da prestação dos serviços públicos é justamente o respeito a diversidade ambiental, na medida que deve seguir uma ideia de serviço público com sustentabilidade, fator esse importantíssimo para as futuras gerações. A responsabilidade decorrente dos danos ambientais é norteada pela teoria do risco integral, esta advoga que basta a ocorrência do dano para que o Estado tenha o dever de indenizar.

REFERÊNCIAS

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JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de direito administrativo. 11. ed. rev. atual. Salvador: JusPodivm, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 40. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.

NADER, Paulo. Curso de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. 16. ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2016.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO: 2014.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 10. ed. rev., atual. e reform. com acréscimo de acórdãos do STF e STJ. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

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Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Cícero Felipe Silva Gomes Carvalho

Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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