CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo o que fora exposto, verifica-se que a legislação ambiental conservacionista - aqui abordada por meio do SNUC - acaba entrando em conflito, ainda que de maneira indireta, com a legislação que trata dos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Ao prever a retirada desses povos dos territórios tradicionalmente ocupados por eles, a legislação viola não apenas as normas infralegais mencionadas anteriormente, como também tratados internacionais ratificados pelo Brasil e, de maneira mais grave, a Constituição Federal de 1988.
Além da cristalina incongruência jurídica, a legislação conservacionista é, sobretudo, injusta. Isto porque, se há uma grande biodiversidade nas áreas que os biólogos preservacionistas têm interesse em preservar, isso se deve principalmente às técnicas de manejo que foram praticadas pelas populações que ali viveram e seus ancestrais. Nesta perspectiva, ao invés de desterritorializar os povos e comunidades tradicionais, o Estado deveria gratificá-los pelas grandes contribuições que estes deram à preservação da natureza e sua diversidade.
Há ainda uma incongruência na postura política estatal, tendo em vista o fato de que o Estado demonstra ser, de um lado, estritamente conservacionista, e de outro, flexível em relação à legislação ambiental. Quando se tratam de grandes empreendimentos, o Estado abandona a sua bandeira da conservação e adquire nova roupagem apresentando sua imagem de propulsor do desenvolvimento econômico. Mais uma vez, os direitos dos povos e comunidades tradicionais são subjugados, agora em benefício do capital.
Em meio às ameaças dos mais variados tipos – fazendeiros, empreiteiras, organizações internacionais conservacionistas – os povos e comunidades tradicionais são exemplo de resistência de defesa de sua identidade. Observa-se atualmente um grande movimento desses povos que vêm se articulando em redes e enfrentando os mais diversos inimigos em defesa de seus territórios, sua cultura, memória e identidade.
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