Capa da publicação Amianto: CONAR proíbe propaganda e reforça ética
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O amianto e a ética na propaganda

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O CONAR manteve a proibição de campanha que exaltava o amianto como inofensivo. A decisão reafirma o dever ético da publicidade e a proteção do consumidor e da saúde.

Criado no final da década de 1970, como alternativa à censura prévia que seria imposta pelo Governo Federal ao mercado publicitário, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR 1 vem exercendo um trabalho revestido de incomensurável relevância e legitimidade social. Com composição plural e multidisciplinar, que conta não só com publicitários, mas também com jornalistas, advogados, médicos e administradores, o CONAR vela de maneira intransigente pela ética na propaganda, impedindo o florescimento da publicidade abusiva e enganosa, sem, contudo, por um só momento, abandonar a defesa da liberdade de expressão.

No dia 3 de março de 2005, uma amostra sensível desse relevante trabalho veio à tona, com o julgamento final 2 de representação instaurada pela Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – ABREA 3, por meio de seus representantes legais, Alino & Roberto e Advogados, contra campanha publicitária de responsabilidade do segmento empresarial ligado à exploração comercial do amianto no Brasil. Mediante a manutenção, em grau de recurso, da recomendação de sustação dos anúncios que seriam veiculados em rádio, televisão, jornais, revistas e outdoors, o CONAR, em votação unânime, rechaçou a abusiva tentativa de atribuir uma imagem positiva ao referido mineral, cujo alto potencial lesivo à saúde humana ensejou seu banimento irrestrito na grande maioria dos países desenvolvidos.

Com efeito, sob o slogan “Amianto Crisotila. Respeitando a vida, fazendo o Brasil crescer”, a campanha publicitária visava atribuir ao amianto uma imagem de inocuidade à saúde humana, desconsiderando os inúmeros trabalhadores que tiveram suas vidas e as de suas famílias irremediavelmente transformadas após o desenvolvimento de cânceres e outras afecções decorrentes do acúmulo de suas fibras na cavidade pulmonar.

Não é só isso. Os anunciantes argumentavam, ainda, em defesa da campanha, que a exploração do mineral, em sua modalidade crisotila, seria legalmente permitida no Brasil, conforme expressa disposição da Lei nº 9.055/95 4. Deliberadamente omitiam, contudo, que o mencionado diploma legal confere tratamento absolutamente restritivo à matéria, determinando, inclusive, a realização de exames periódicos nos trabalhadores envolvidos, para fins de registro e acompanhamento pelo Sistema Único de Saúde – SUS, em inequívoco reconhecimento estatal das propriedades patológicas inerentes ao amianto.

Adicione-se a isso a existência de demandas judiciais que objetivam a obtenção de indenizações decorrentes de doenças ocupacionais causadas pela exposição ao amianto – algumas com sentença de mérito favorável aos trabalhadores –, circunstância que impede o tratamento publicitário conferido à matéria.

De fato, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária 5 é expresso ao proclamar que toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana (art. 19). No caso, ao atribuir ao amianto os atributos de respeitador da vida e de fomentador do crescimento nacional, a campanha confere ao tema um viés estritamente econômico, desprezando o grave problema social e de saúde pública inerente à questão, evidenciado, sobretudo, pelos inúmeros trabalhadores doentes e mortos em razão do exercício de sua atividade laboral.

Além disso, em seus artigos 23 e 27, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária veda a exploração da falta de conhecimento do consumidor, determinando que o anúncio contenha uma apresentação verdadeira do produto oferecido. Na hipótese em exame, contudo, não bastassem os inúmeros estudos científicos existentes – em sua grande maioria conclusivos quanto ao alto potencial cancerígeno inerente ao amianto –, ressalta-se a total ausência de conhecimento técnico do consumidor para avaliar essa circunstância. Por isso, a recomendação de sustação da campanha publicitária encontra abrigo não só no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, mas também no Código de Defesa do Consumidor, que é categórico ao proibir a publicidade enganosa ou abusiva, amparada em afirmação inteira ou parcialmente falsa, ou capaz de induzir o consumidor em erro quanto à natureza, características e propriedades do produto (art. 37, § 1º).

Por todos esses fatores, é digna de divulgação essa importante decisão tomada pelo CONAR, não apenas porque demonstra o respeito do meio publicitário brasileiro ao cidadão-consumidor, mas sobretudo por representar mais uma significativa vitória rumo ao definitivo banimento do amianto no Brasil.


Notas

1 Em https://www.conar.org.br/html/quem/historia.htm?Documento=629

2 Em https://www.conar.org.br/html/noticias/010305a.htm

3 Website: www.abrea.com.br

4 Em https://www.abrea.com.br/19l9055.pdf

5 Em https://www.conar.org.br/html/codigos/todos%20os%20capitulos.htm

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Sobre os autores
Fernanda Giannasi

Engenheira Civil, Auditora-Fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego e Gerente do Projeto Amianto na Delegacia Regional do Trabalho em São Paulo, fundadora da ABREA-Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto e da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina

Eliezer João de Souza

Presidente da ABREA - Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto

Aldo Vicentin

Advogado e diretor da ABREA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIANNASI, Fernanda ; SOUZA, Eliezer João et al. O amianto e a ética na propaganda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 688, 20 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6748. Acesso em: 12 dez. 2025.

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