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Pagamento indevido e enriquecimento sem causa.

Obrigação legal cuja fonte difere dos contratos e da responsabilidade civil

24/06/1998 às 00:00
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Este artigo foi elaborado sob a vigência do Código Civil de 1916.


1. INTRODUÇÃO

1.1. NOÇÕES

O Legislador Pátrio, ao elaborar o Código Civil, estabeleceu que todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir.

Portanto, verifica-se que a obrigação de restituir o que foi pago indevidamente, isto é, o pagamento indevido, tem origem na Lei, mais especificamente no Livro III, Título II, Capítulo II, Seção VII, artigos 964 a 971 do Código Civil Brasileiro, cujo teor transcrevemos a seguir:

"(...)

Do Pagamento Indevido

Art. 964. - Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir.

A mesma obrigação incumbe ao que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.

Art. 965. - Ao que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro.

Art. 966. - Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto nos arts. 510. a 519.

Art. 967. - Se, aquele, que indevidamente recebeu um imóvel, o tiver alienado deve assistir o proprietário na retificação do registro, nos termos do Art. 860.

Art. 968. - Se, aquele, que indevidamente recebeu um imóvel, o tiver alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente pelo preço recebido; mas, se obrou de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos.

Parágrafo único. Se o imóvel se alheou por título gratuito, ou se, alheando-se por título oneroso, obrou de má-fé o terceiro adquirente, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação.

Art. 969. - Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o por conta de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a ação ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas o que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador.

Art. 970. - Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação natural.

Art. 971. - Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei.

(...)"

Segundo Orlando Gomes, o pagamento indevido é fonte de obrigação, em face do princípio da equidade, pelo qual não se permite o ganho de um, em detrimento de outro, sem causa justificada. Assim sendo, através da ação de "in rem verso" , o prejudicado pode retornar ao "status quo ante" .

O pagamento indevido é uma modalidade de enriquecimento sem causa, ou seja, a primeira é espécie da qual a segunda é gênero.

No Direito Civil Pátrio, o Legislador não estabeleceu à teoria do enriquecimento sem causa um preceito específico, mas sim genérico e de forma difusa. O que foi estabelecido foi uma regulamentação do pagamento indevido de forma ampla.

O ônus da prova é de quem paga indevidamente, isto é, para alguém que alega o pagamento indevido, é fundamental provar o erro em que incidiu, pois aquele que deliberadamente efetua um pagamento indevido, apenas comete uma liberalidade, não configurando, assim, o enriquecimento sem causa.

Além do erro, outro item de fundamental importância na caracterização do pagamento indevido, é a inexistência de causa que justifique a aquisição e a ausência de outra forma de ação capaz de obter a reparação do direito.

Desta forma conclui-se que o prejudicado pelo pagamento indevido, para invocar o restabelecimento da situação anterior, deve fazer prova substancial do erro quanto ao pagamento, da inexistência de causa que justifique o seu empobrecimento e o enriquecimento do que recebeu o pagamento, bem como da inexistência de outra forma de ação que possa restituir o seu direito, pois a inobservância de tais requisitos resultará no fracasso da futura demanda.

Como foi exposto acima, o pagamento efetuado, sem que ocorra erro ou coação, será uma mera liberalidade, e, assim sendo, não há que se falar em repetição, por lhe faltar causa. No pagamento voluntário, onde o pagador está consciente da inexistência da dívida, ocorre apenas liberalidade, que é causa jurídica suficiente para sustentar o ato, tal como se passa na doação comum.

Entretanto, conforme ensina Aliomar Baleeiro, atualmente, em se tratando de obrigação tributária, a lei assegura a repetição do indébito, sem exigir a prova do erro cometido pelo contribuinte, conforme prescreve o art. 165. do CTN, por ser inadmissível, em matéria tributária, presumir vontade do contribuinte recolher tributo por simples liberalidade.

1.2. ORIGENS

Segundo Washington de Barros, os Romanos já consagravam o pagamento indevido como modalidade de enriquecimento ilícito, cujos requisitos eram o pagamento, ser este devido, o erro do "solvens" , a boa fé de quem recebeu e que o indevido não fizesse incorrer na pena do dobro aquele que o negasse. Ainda sobre os requisitos exigidos pelos Romanos, cabe observar que no caso de má fé por parte do "accipiens" , o caso era de "condictio furtiva" .

Caio Mário da Silva Pereira, da mesma forma, cita que os Romanos tentaram desenvolver princípios referentes à aplicação da teoria do enriquecimento indevido com base na equidade, mas no entanto, eles não conseguiram atribuir a esta modalidade de obrigação o desenvolvimento desejado, cabendo aos legisladores contemporâneos a evolução e o aprimoramento do instituto.

Entre os Romanos, o pagamento indevido era uma espécie de enriquecimento ilícito, onde o lesado podia contar com a ajuda de um processo chamado de "condictiones" para reaver o que pagou erroneamente. As "condictiones" eram usadas em dois casos: 1) por aqueles que pagavam supondo dever, e , portanto, tinham o direito de repetir o que pagaram; 2) aqueles que pagavam por causa inexistente ou em razão de evento futuro, que não se consumou. No primeiro caso ocorria a "condictio indebiti" , e na segunda hipótese a "condictio ob rem" . Outras formas de "condictiones" eram conhecidas pelos Romanos, entretanto, não tinham como pressuposto a existência de um pagamento indevido.

Entre as "condictiones" , existem as "condictio sine causa" que os Romanos, usavam nos casos em que as partes, num mesmo negócio, tiveram o propósito de realizar atos distintos, ocorre que um pensou estar efetuando um empréstimo, e o outro, quando recebeu o suposto empréstimo pensou tratar-se de uma doação. Havia ainda a "condictione causa data non secuta" , onde a repetição de coisa dada em função de causa futura, mas que não se realizava.

Segundo o Professor Orlando Gomes, além das "condictio indebiti" e "condictio ob rem" , haviam as "condictio ob causam finitam" e a "condictio ob turpem causam" . Conforme citação do jurisconsulto baiano, a primeira "pela qual a obrigação de restituir a prestação recebida decorrida do desaparecimento da causa que a justificava, seja pela anulação seja pela resolução do contrato, legítima, no fundo, uma ação de repetição do pagamento". Já a segunda, "se aquele que recebeu a prestação a aceitou para fim ilícito ou imoral, constituindo a aceitação fato proibido por lei, quem a cumpriu pode pleitear à restituição. Mas, se deu alguma coisa para obter tais fins, não terá direito à repetição. Está excluída também quando a torpeza é dos dois."

1.3. DIREITO COMPARADO

Várias legislações alienígenas regulam o assunto de modo diverso, conforme exemplifica o Professor Washington de Barros, ao citar como exemplo o Código Suíço que trata do tema como sendo causa geradora das obrigações. Já o Código Alemão considera-o uma relação de direito, enquanto os chilenos, espanhóis e franceses entendem tratar-se de um quase contrato.

Todavia, o Professor Caio Mário da Silva Pereira cita que tanto o Legislador suíço quanto o alemão, generalizaram uma teoria ampla, denominada enriquecimento indevido, na qual assinalam todas as ocasiões em que faltando ou vindo a faltar causa que justifique a aquisição, fica assegurado o dever de restituição.

Caio Mário também cita que o Código Italiano de 1942 criou a "ação geral de enriquecimento", disponível ao lesado, quando não dispuser de outra forma de ressarcimento ou não exista outro modo de reaver o que perdeu. Cita ainda que os Soviéticos, os Mexicanos e os Japoneses seguiram o mesmo caminho dos Italianos. Por sua vez, os Franceses e Espanhóis aderiram a tese de Justiniano, segundo a qual o pagamento realizado indevidamente cria uma obrigação de devolução, que se assemelha à dívida oriunda do contrato. E , finalmente, explica que os Austríacos e Portugueses, não desenvolveram a teoria do pagamento indevido, como fizeram os demais, mas garantiram ao que pagou por erro o direito à restituição.

O Ilustre Jurista supracitado, ao mencionar o posicionamento do Legislador Brasileiro, afirma que o nosso Código Civil, seguiu os passos da Legislação Austríaca e Portuguesa, pois atribui um trecho específico do Código para tratar do assunto, onde não enumerou todas as hipóteses cabíveis, parecendo admitir que alguém poderia enriquecer com a pobreza de outrem, mas graças ao trabalho da doutrina e da jurisprudência, foram acrescentadas várias outras incidências que consolidaram a aplicação do pagamento indevido como é realizado hoje em dia.


2. DESENVOLVIMENTO

2.1. ELEMENTOS CARACTERIZADORES

Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir. A mesma obrigação incumbe ao que recebe dívida incondicional, antes de cumprida a condição. Ao que voluntariamente pagou o indevido, no entanto, incumbe a prova de tê-lo feito por erro. Todavia, fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o por conta de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a ação ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas o que pagou dispõe de ação regressiva contra verdadeiro devedor e seu fiador.

O pagamento indevido cria para o "accipiens" um enriquecimento sem causa, e, portanto, gera para o "solvens" uma ação de repetição para reaver o pagamento indevido.

Para que fique caracterizado o pagamento indevido, necessário se faz a presença de alguns pressupostos. Primeiramente, é necessário a existência de um pagamento. Em seguida, deve-se provar inexistência de causa jurídica que justifique o pagamento, pois se não há vínculo preexistente, falta a razão que justifique a obrigação do pagamento pelo lesado. Finalmente, o lesado deve demonstrar que cometeu um erro ao efetuar o pagamento. Assim sendo, uma vez reunidos os três pressupostos, estará caracterizado o pagamento indevido. Necessário frisar que estes elementos devem ser comprovados pelo "solvens" para que obtenha sucesso em sua demanda.

Um exemplo típico, ocorre quando vários credores pretendem receber um pagamento de um único devedor. Este por sua vez, sem ter certeza de que é o verdadeiro credor, opta por pagar a um dos credores. Posteriormente, verifica-se que o verdadeiro credor é outro diverso daquele que recebeu. Portanto, verifica-se o erro, a inexistência de causa jurídica e o pagamento. Assim sendo, o devedor tem direito a repetição do pagamento.

É mister que, além de necessitar provar todos os elementos caracterizadores acima mencionados, o "solvens" , não deve dispor de outro tipo de ação para que possa se valer da repetição. Vale lembrar, ainda, que somente em se tratando de matéria tributária, não necessidade de prova quanto ao erro, pois a liberalidade não se presume em matéria de tributo.

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2.2. EFEITOS DO PAGAMENTO INDEVIDO

Quando se trata de valor pecuniário pago indevidamente, uma vez demostrado os elementos caracterizadores do pagamento indevido, haverá condenação do "accipiens" na restituição do valor pago. Todavia, para que haja restituição, em se tratando de coisa, necessário se faz que esta mesma coisa ainda esteja no patrimônio de quem a recebeu. Caso tenha sido alienada, o "acccipiens" será condenado a restituir o valor equivalente. No segundo caso, ou seja, quando ocorre a transferência de um bem imóvel, e o "accipiens" já a vendeu a um terceiro de boa-fé, este estará acobertado pela ação reivindicatória.

Orlando Gomes enumera cinco hipóteses de alienação de imóvel recebido indevidamente em pagamento, senão vejamos:

"(...)

1ª, o accipiens o aliena de boa-fé, por título oneroso;

2ª, aliena-o de boa-fé, por título gratuito;

3ª, aliena-o de má-fé, por título oneroso;

4ª, a má-fé é do terceiro adquirente;

5ª, de má-fé agem o alienante e o adquirente, seja em negócio a título oneroso, seja a título gratuito.

(...)"

Na primeira hipótese, o "accipiens" fica obrigado a entregar ao "solvens" , o preço que recebeu do adquirente. Caso a alienação tenha se dado a título gratuito, o "accipiens" fica obrigado a assistir na ação reivindicatória aquele que entregou por erro de pagamento. Se alienou de má-fé a título oneroso, além de restituir o valor, responde por perdas e danos. Quando houve má-fé por parte do terceiro adquirente e do alienante, o lesado tem direito de reivindicação, sendo que nesta última hipótese, entendemos ser cabível, também uma indenização por perdas e danos.

Conforme previsão do Código Civil, em seus artigos 967 e 968, comentados com brilhantismo pelo Ilustre Jurista Baiano, estas são as principais conseqüências oriundas do pagamento indevido. Como se pode observar, em todas elas há que se verificar o enriquecimento de alguém, o empobrecimento de outrem, a relação de causalidade entre o empobrecimento e o enriquecimento e a inexistência de uma causa que justifique tal fato.

Modernamente, outro caso em que tem cabimento a repetição de indébito, está previsto no Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, art. 42, parágrafo único, onde está disposto o seguinte:

"(...)

Seção V

Da Cobrança de Dívidas

Art. 42. Na cobrança de débitos o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

(...)".

2.3. AUSÊNCIA DE DIREITO À RESTITUIÇÃO

Da mesma forma que regulamentou as causas em que o pagamento é indevido e os seus efeitos, o Código Civil indica os casos em que o pagamento indevido não confere direito à restituição, conforme previsto no art. 969.

"(...)Art. 969. - Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o por conta de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a ação ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas o que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador.(...)".

A primeira exceção à regra geral do art. 964. do Código Civil ocorre quando o "accipiens" inutilizou o título da dívida, deixou prescrever a ação ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito.

Quando o credor recebe de boa-fé o pagamento de dívida verdadeira, normalmente inutiliza o título ou deixa de preocupar-se com a dívida, mesmo que o pagador não seja o verdadeiro devedor. Em rigor recebeu o indevido, pois quem pagou nada lhe devia. Mas ao ser inutilizado o título, foi também inutilizada a prova do seu direito. Portanto, o "accipiens" seria prejudicado se tivesse que restituir ao "solvens" aquilo que este último lhe pagou por descuido. Neste caso, seria injusta a restituição, pois o credor ficaria, literalmente, no prejuízo. Por isso, em observância ao mesmo princípio da equidade, a Lei assegura ao que pagou, o direito de ação regressiva contra o verdadeiro devedor ou contra seu fiador.

Do mesmo modo ocorre quando o "accipiens" demonstra que a dívida estava prescrita ou que as garantias da mesma dívida estavam extintas.

A segunda exceção ocorre quando o pagamento se destinava a solver obrigação natural. Está insculpida no art. 970. do Código Civil.

"(...) Art. 970. - Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação natural.(...)".

Em princípio, urge definir o que vem a ser obrigação natural. Destarte, nos utilizaremos dos ensinamentos do Mestre Silvio Rodrigues, ao citar Colin et Capitant, "in litteris" :

"A obrigação natural é uma obrigação despida de sanção. O credor não pode executar o devedor. Este último fica, portanto, livre de cumpri-la ou não; é negócio entre ele e sua consciência. Apenas uma vez que ele reconheceu a existência de sua obrigação, ela se transforma em obrigação civil perfeita e, desde então, o pagamento que faz ao credor é válido e não pode ser repetido."

Diante da exposição supra, fica fácil concluir que não há como se admitir "in casu" a ação de repetição.

Finalmente, a última exceção ocorre quando pagamento visa a obter fim ilícito, conforme estabelecido no art. 971. da Lei Substantiva Civil.

"(...)Art. 971. - Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei.(...)".

Pelo que se subtrai do texto do artigo supra, verifica-se que o Legislador teve o cuidado de aplicar o princípio de que ninguém pode ser ouvido alegando a sua própria torpeza. Desta forma, o ordenamento jurídico não acolhe os atos que por ventura abalem sua estrutura por não estarem ajustados à moral a aos bons costumes.

Exemplo clássico é o do indivíduo que suborna outro para praticar ato ilegal. Se o subornado não pratica o ato, preferindo embolsar o produto do suborno, não há que se falar em repetição.


3. CONCLUSÃO

3.1. DA AÇÃO DE IN REM VERSO

A ação de repetição se baseia no princípio da equidade, que significa dizer que não é permitido a ninguém locupletar-se, sem causa, à custa de terceiros. Assim, caso o "solvens" não disponha de outro meio para obter a restituição, o direito lhe assegura o uso da ação de "in rem verso" .

Segundo a doutrina do Professor Orlando Gomes, a ação de enriquecimento terá cabimento, toda vez que, existindo direito de pedir a restituição de bem adquirido sem uma justa causa, o lesado não disponha de outra ação para resgatar seu direito.

Destarte conclui-se que a relação jurídica processual decorrente do enriquecimento sem causa, tem como sujeito ativo da ação de "in rem verso" o "solvens" , o que sofreu prejuízo, o lesado, ou ainda seus herdeiros. Já no pólo passivo deve figurar o "accipiens" , o que auferiu riqueza indevida ao seu patrimônio ou seus respectivos sucessores.

A "actio in rem verso" é de natureza pessoal, haja vista que sua finalidade consiste na reparação de um dano sofrido.

Diante do exposto, conclui-se que o enriquecimento sem causa tem como fator condicionante o locupletamento injusto, porque a lei impõe o dever de restituir aquilo que foi recebido indevidamente, ou seja, é uma obrigação legal, decorrente da lei.

3.2 PRESSUPOSTOS DA AÇÃO DE IN RE VERSO

A ação de enriquecimento tem como pressupostos básicos o enriquecimento por parte do réu, um empobrecimento por parte do autor, um nexo de causalidade entre os dois fatos, ausência de causa que justifique o enriquecimento e o empobrecimento e a inexistência de qualquer outra ação para socorrer a vítima.

Como enriquecimento do réu, podemos entender o aumento patrimonial ou quando recebendo uma prestação de serviços, deixa de efetuar gastos que seriam efetuados para se alcançar o resultado desejado. Todavia, segundo o entendimento de Silvio Rodrigues, o fato também pode ser caracterizado pela omissão de uma despesa, e, assim, cita como exemplo o caso em que uma pessoa se aproveita de uma sentença prolatada em razão de ação proposta por outrem em posição idêntica a sua, poupando os gatos judiciais e advocatícios que deveria fazer.

Sobre o empobrecimento do autor, é fácil entender que este será representado pela diminuição do seu patrimônio ativo, ou pelo incremento de seu passivo, como no caso da cobrança de tributo indevido, ou ainda, no caso da pessoa que pagou valor superior ao devido, quando da aquisição de um produto. (Lei nº 8.078/90, art. 42, parágrafo único)

Quanto à relação de causalidade, na seara do direito, esta relação é entendida como sendo a certeza inequívoca de que a ocorrência de um fato, ocasionou, por si só, uma conseqüência. Assim, para que a ação de "in rem verso" seja cabível, é mister a ocorrência de relação de causalidade ente o enriquecimento de uma e o empobrecimento de outra parte.

O derradeiro pressuposto para eficácia da ação de "in rem verso" , é justamente a inexistência de outra ação para socorrer a vítima. Aí encontramos o fundamento de seu caráter subsidiário, ou seja, se o ordenamento jurídico vigente oferece uma ação que irá socorrer o prejudicado de forma direta, não há porque buscar alternativas indiretas.

Silvio Rodrigues menciona que François Goré, demonstrou que não é oferecido ao prejudicado optar entre a ação de enriquecimento e a de responsabilidade civil, haja vista que nesta última está implícita a idéia de culpa, o que não ocorre na primeira. Isto é, se o enriquecimento é fruto do dolo ou da culpa, a ação adequada é a de responsabilidade civil; se não houve dolo ou culpa, a ação é a de "in rem verso" .

3.3. POSICIONAMENTO FINAL

Finalmente, chegamos ao momento de demonstrar, de forma resumida, o nosso posicionamento final a respeito do que vem a ser o pagamento indevido e o enriquecimento sem causa. Destarte, concluímos que o enriquecimento sem causa é a consequência do pagamento indevido, pois sem a ocorrência do pagamento, não há que se falar em enriquecimento. Este foi o entendimento dos Romanos, ou seja, os mentores da idéia inicial, bem como foi o entendimento lógico dos legisladores ao tratar desta obrigação em seus respectivos ordenamentos jurídicos, ao estabelecer o princípio da equidade, como sendo princípio de justiça universal.

A ocorrência de variações com relação ao tratamento dado à matéria nas diversas legislações espalhadas pelo mundo, é fruto da diversidade de culturas, de costumes e até mesmo de raciocínio lógico, no que diz respeito ao tratamento dado a esta modalidade de obrigação, no momento da elaboração da Lei.

No que diz respeito à legislação civil brasileira, coube à doutrina e à jurisprudência aparar as arestas do instituto, até chegar ao entendimento que predomina o meio jurídico contemporâneo.

Observamos que alguns doutrinadores, como Caio Mário da Silva Pereira, afirmam que, é necessário desenvolver o instituto com autonomia e disciplina legal própria, e observa que, deveria haver previsão legal para a hipótese em que ocorre a diminuição patrimonial do lesado através da obstação a que nele tenha entrada um objeto ou valor cuja aquisição era seguramente prevista. Temos a ousadia de discordar de tal posicionamento, uma vez que esta hipótese pode ser encarada como uma questão de lucro cessante, cuja a regulamentação encontra espaço em nosso Código Civil, quando trata das perdas e danos nos artigos 1.059, 1.060 e 1.061. Portanto, não vislumbro a necessidade de se tratar da matéria no capítulo específico sobre enriquecimento sem causa.

Interessante também a necessidade de que se comprove o erro do "solvens" , a relação de causalidade entre o empobrecimento deste com o enriquecimento do "accipiens" , reforçada pela ausência de causa que justifique tal fato, além da necessidade de outra forma de ação que não a de "in rem verso" para retornar a situação ao seu "status quo ante" .

Observamos também que, contemporaneamente, no tange a sua área de aplicação, o instituto encontra mais uso na seara do direito tributário, que aliás, nos pareceu ser a única hipótese em que há uma exceção com relação a dispensa da prova do erro por parte do "solvens" , pela simples observância da inadimissibilidade da presunção de vontade de recolher tributos por simples liberalidade, como bem observou o Professor Aliomar Baleeiro.

Também verificamos a previsão de utilização da ação de repetição no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em seu art. 42, parágrafo único, onde está imbutida uma cláusula penal, pois estabelece que aquele consumidor que pagou em excesso, tem direito à repetição do indébito por valor igual ao dobro do que pagou .

Finalmente, verificamos que a partir do artigo 969 do Código Civil, o legislador seguiu a regra romana para regular as causas de exclusão da repetição, ou seja, a "condictio ob turpem causam" e a "condictio ob causam finitam" .


4. BIBLIOGRAFIA

1 - MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, 4º Volume - Parte Geral das Obrigações, São Paulo, Ed. Saraiva, 1997.

2 - RODRIGUES, Silvio, Direito Civil, Volume 2, Parte Geral das Obrigações, São Paulo, Ed. Saraiva, 1997.

3 - GOMES, Orlando, Obrigações, Forense, Rio de Janeiro, 1997.

4 - PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, Volume VII, Forense, Rio de Janeiro, 1998.

5 - NÁUFEL, José, Novo Dicionário Jurídico Brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 1997.

6 -NEGRÃO, Theotônio, Código Civil Brasileiro e Legislação Civil em vigor, São Paulo, Ed. Saraiva, 1997.

7 - BALEEIRO, Aliomar, Direito Tributário Brasileiro, Forense, Rio de Janeiro, 1977.

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Sobre o autor
Jadson Dias Correia

advogado em Aracaju (SE), pós-graduado em Obrigações e Contratos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORREIA, Jadson Dias. Pagamento indevido e enriquecimento sem causa.: Obrigação legal cuja fonte difere dos contratos e da responsabilidade civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1834, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/675. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho realizado durante curso de pós-graduação em Direito Civil (Obrigações e Contratos) na Universidade Tiradentes, sob a coordenação dos professores Reis Friede e Rodrigo Ribeiro Bastos.

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