A necessidade da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública da União

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A concessão da autonomia funcional, administrativa e financeira à DPU é medida imprescindível para sua expansão e fortalecimento.

RESUMO: O artigo abordará sobre a necessidade de conferir a autonomia funcional, administrativa e financeira à Defensoria Pública da União. Versará sobre pontos considerados importantes para o alcance da autonomia e, ainda, questões essenciais que carecem de melhor abordagem e efetividade do sistema. Destaca a importância do acesso à justiça para os menos favorecidos, devendo ser garantida a sua aplicabilidade. Os direitos referentes à dignidade humana são garantia a todos e indispensável ao ser humano, tendo que assegurar a assistência judiciária ao necessitado. A intenção do legislador é construir uma sociedade mais livre, justa e solidária e é isso que a justiça proporciona. Procurou-se estudar as leis e novas Emendas que tratavam sobre o tema, compreendendo as mudanças ocorridas ao longo dos anos através de livros, artigos e no próprio ordenamento. Conclui-se que o alcance de autonomia, foi fator substancial para obter o pleno exercício das suas funções, indispensável para o fortalecimento da instituição que tanto faz pela sociedade. A Defensoria Pública como um todo deve ser reconhecida como a mãe de todas as lutas. É primordial para a função jurisdicional do Estado, possuindo, por sua própria natureza, habilidade democrática e tem como finalidade oferecer a assistência judiciária.

Palavras-chave: Acesso à Justiça; Autonomia; Defensoria Pública; Emenda Constitucional 74/2013 e 80/2014.

SUMÁRIO: Introdução; 1. O Princípio do Acesso à Justiça como Garantia Constitucional; 2. A Defensoria Pública como Mecanismo de Democratização do Acesso à Justiça; 3. Da Autonomia Funcional, Administrativa e Financeira; 3.1 A autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública do Estado pela Emenda Constitucional de nº 45/2004; 3.2 A necessidade de extensão da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública da União; Conclusão; Referências.


Este trabalho trata sobre a imprescindibilidade da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública da União. A princípio, busca demonstrar conceitos sobre justiça e aborda breve histórico até a conquista da obtenção de seu pleno acesso.

No Brasil, somente na Constituição Federal de 1988 que o Estado passou a garantir a assistência jurídica integral e gratuita aos menos favorecidos. Esse acesso à justiça, que é direito indubitável a todos indistintamente, passou a se tornar realmente efetivo com a criação das Defensorias Públicas, que atuam em função de assegurar os direitos dos mais necessitados, sendo uma instituição indispensável para o Estado Democrático de Direito.

Evidencia-se a responsabilidade da Defensoria Pública frente à sociedade, nos seus constantes desafios em tornar os direitos previstos constitucionalmente, realmente efetivos e de forma célere.

Aludindo precisamente os princípios e objetivos prestados pela instituição, dando ênfase aos problemas que a Defensoria Pública enfrenta decorrente da sua desvalorização, falta de verbas, más estruturas, e ainda, pequeno números de Defensores para o atendimento nas comarcas para a população.

Explanou-se que, ao longo do tempo, ocorreram mudanças que conferiram força às Defensorias Públicas. As grandes responsáveis por isso são especificamente as Emendas Constitucionais de nº 45/04, 75/13, 80/14, também abordadas no referido trabalho, que possibilitam a autonomia funcional, administrativa e financeira da instituição, a tornando-a independente de Poderes Estatais, fazendo por meio disso, que a sua eficácia e força sejam ainda maiores. 

Justifica-se, por ser inegável a sua importância perante a sociedade, por possuir função essencial de acessibilidade de justiça aos necessitados, focando também, nas necessidades de funcionamento para que se tenha plena efetividade e concretização na aplicabilidade dos direitos, que são fundamentais para a dignidade de todo e qualquer ser humano. Sustentando a ideia de ser o acesso à justiça o garantidor dos demais direitos, por ser a base fundamental do ordenamento jurídico.

Nesse sentido, um dos focos principais é demonstrar a necessidade que a instituição tem de obter total autonomia em exercer o seu funcionamento, a sua administração e, ainda, poder elaborar a sua própria proposta orçamentária.

Portanto, perante esses motivos, pretende-se demonstrar com clareza a necessidade de observar a Defensoria Pública como instituição fundamental, conferindo a ela a valorização devida, da necessidade da sua autonomia e, ainda, defendendo os direitos dos hipossuficientes, levando em consideração a igualdade no meio social.


1. O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL

O acesso à justiça é um direito constitucional garantido a todos indistintamente, visando a avaliar o que é correto, direito e justo nos casos que são postos em análise. Compreende-se, essencialmente, em alcançar a paridade de garantia aos menos favorecidos quando estes buscarem a efetividade do seu direito, tendo como intenção real garantir o seu cumprimento. 

O conceito de justiça e do seu próprio acesso pode ser apreciado além do seu significado em caminhar na diretriz correta. Deve observar a sua percepção diante da sociedade. Essa percepção está ligada a reparar o que se faz e sofrer as devidas consequências quanto a isso.

Por vezes, existe a interligação entre igualdade e justiça, porém, a sociedade passa a enxergar distinções entre elas, quando na ocorrência de escolha de uma, sentem-se prejudicados, entendendo que tratar em igualdade não significa conceder oportunidades idênticas. Conferir o direito seria o ponto de igualdade, mas oportunizar não.

Nesse sentido, seria como observar três meninos assistindo a um jogo por trás de um muro, obtendo cada um deles estatura diferente. O primeiro consegue assistir sem esforço algum. O segundo, falta poucos centímetros para conseguir enxergar, enquanto o terceiro está longe de conseguir ver o jogo. Dar a cada um deles um banquinho seria a aplicação da igualdade, porém, o menor ainda continuaria sem enxergar o jogo, ou seja, a igualdade não daria a oportunidade dos três alcançarem o objetivo, porém, a justiça sim.

A apreciação da doutrina diante do caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 é pacífica. Reconhecem que a igualdade formal está explícita, de modo que o correto é tratar a todos da mesma forma, independente de qualquer situação em que haja a desigualdade de fato.

Enquanto na relação de justiça, existe a proposta de conceder tratamento desigual a pessoas que estão em desigualdade, simplesmente com o intuito de garantir a existência da igualdade. Compreendendo então, que a justiça busca equilibrar as relações de fato, levando em consideração as pessoas envolvidas. 

O que se pode afirmar, portanto, é que nem sempre agir com igualdade irá promover a aplicação do justo. Chegando ao entendimento de que para promover a igualdade, basta usar o mesmo critério para todos, enquanto que, para ser justo, é necessário ir muito além, devendo-se olhar o mundo na perspectiva do mais fraco.

Os primeiros conceitos de justiça que apareceram na Constituição Brasileira foi em 1934, que previa o seguinte:     

Art. 113 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

32) A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos. (BRASIL, 1934, página única) 

Porém, essa assistência judiciária aos necessitados concedida na Constituição de 1934, foi revogada, passando a ser tratada novamente apenas na Carta Magna de 1946 que determinava o que se segue:

Art. 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

§ 35 - O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados. (BRASIL, 1946, página única)

Todavia, somente com a Constituição Federal de 1988 é que o acesso a justiça passou realmente a ser garantido a todos pelo Estado, vindo de forma mais ampla, contemplando no seu novo texto assegurar de forma integral o direito dos menos favorecidos, sendo o acesso à justiça incluído como um dos princípios constitucionais de garantia, previsto no artigo 5º da Constituição, tratando especificamente sobre o tema no inciso LXXIV:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. (BRASIL, 1988, página única)

Os autores Mauro Cappelletti e Bryant Garth defendem em sua obra “Acesso a Justiça” a ampliação da seguridade dos direitos que garantem aos indivíduos menos favorecidos a possibilidade da assistência jurídica, afirmando o seguinte:

O progresso na obtenção de reformas da assistência jurídica e da busca de mecanismos para a representação de interesses “públicos” é essencial para proporcionar um significativo acesso à justiça. Essas reformas serão bem sucedidas – e, em parte, já o foram – no objetivo de alcançar proteção judicial para interesses que por muito tempo foram deixados ao desabrigo. Os programas de assistência judiciária estão finalmente tornando disponíveis advogados para muitos dos que não podem custear seus serviços e estão cada vez mais tornando as pessoas conscientes dos seus direitos. Tem havido progressos no sentido da reivindicação dos direitos, tanto tradicionais quanto novos, dos menos privilegiados. (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 67)

 Afirmam, ainda, que o acesso a todos não empobrece a justiça, mas, pelo contrário, a enriquece, por estar expandindo o seu alcance, se tornando legítima tanto para aquele que é considerado rico, quanto para o menos favorecido.

A finalidade não é fazer uma justiça “mais pobre”, mas torná-la acessível a todos, inclusive aos pobres. E, se é verdade que a igualdade de todos perante a lei, igualdade efetiva — não apenas formal — é o ideal básico de nossa época, o enfoque de acesso à justiça só poderá conduzir a um produto jurídico de muito maior “beleza” — ou melhor qualidade — do que aquele de que dispomos atualmente. (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 59)

É, portanto, o acesso à justiça uma garantia constitucional e direito fundamental, sendo que por meio dele existe a chance em concreto de alcançar as demais regalias, pois ele é quem dará a abertura para conquistar a amplitude do direito. Sem a conquista do acesso à justiça, os demais direitos não poderiam ser garantidos, portanto é ele quem efetiva de fato os princípios constitucionais.

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Segundo Aluísio Iunes Monti Ruggeri Ré:

O direito de acesso à justiça é o direito primeiro, é o direito garantidor dos demais direitos, é o direito sem o qual todos os demais direitos são apenas ideais que não se concretizam. A assistência jurídica voltada para os hipossuficientes é, pois, o móvel indispensável para a realização dos direitos e, em consequência, da igualdade. (RÉ, 2013, p.38)

Porém, para abarcar situações em geral, percebeu-se que a orientação jurídica deveria ser integral, atendendo os necessitados, tanto para orientar juridicamente, quanto para prestar serviços extrajudiciais, em que necessitam de apoio maior.

Essa assistência é dita como garantia constitucional que tem como fim assegurar os direitos essenciais previstos constitucionalmente. Os direitos constitucionais podem se distinguir das garantias constitucionais, porém, ressalta-se, que ambos são os alicerces da estrutura do ordenamento jurídico. É o ponto mais importante do nosso direito, devendo proteger os valores do cidadão.

A assistência judiciária é regulada pela Lei 1.060/50, que nasceu com a finalidade de estabelecer normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. Seu artigo 1º, compreende para fins legais como necessitado, todo aquele, cuja situação econômica não lhe permita pagar às custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

No sentido literal da palavra “necessitado”, o significado remete como sendo algo ou quem não disponha nem mesmo do mínimo necessário para sobreviver, se tornando por tais motivos, um indigente, pobre e miserável. Alguém que precisa de ajuda.

Esse necessitado, que têm o direito disponível, poderá exercê-lo através da Defensoria Pública, instituição criada pela Constituição Federal de 1988 para defender gratuitamente estes que há muitos, viviam na precariedade do acesso à justiça, carecendo de recursos para contratação de bons advogados para buscarem os seus direitos diante de diversas situações.

No entanto, o papel da Defensoria Pública não se restringe à propositura de ações ou defesa judiciais em favor dos necessitados. Compreende algo muito maior, que é o alcance da cidadania pelos grupos vulneráveis, seja pela orientação jurídica extrajudicial para solução dos conflitos e efetivação de direitos, ou pela difusão dos direitos que pertencem, contribuindo por uma ordem jurídica justa e igualitária. Nesse sentido, Paulo Osório se manifesta afirmando que:

[...] a atuação da Defensoria Pública, na defesa dos grupos vulneráveis, não se limita a intervenções judiciais. Pelo contrário, a orientação extrajudicial aos necessitados reflete, definitivamente, um essencial escopo do sistema normativo constitucional, pois possibilita a prevenção de litígios, além de educar estes grupos vulneráveis na consolidação de seus direitos e garantias fundamentais. (ROCHA, 2009, p. 228, apud ARAÚJO, 2013, p. 18)

Destarte, pode ser observado que o intuito do legislador é inserir na sociedade um sistema onde as desigualdades sociais, econômicas, ou dentre tantas outras, sejam aniquiladas.

Salienta-se que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabelece em seu artigo 3º que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...].” (BRASIL, 1988, grifou-se).

A ideia de justiça abrange valores inerentes ao ser humano, quais sejam: a dignidade, igualdade, liberdade, moralidade, honestidade, segurança, enfim, engloba direitos transcendentais que são mínimos para qualquer pessoa.

Mas, ainda que a justiça seja o equilíbrio das relações no meio social nessa sociedade moderna, acabou se tornando algo tardio, o que gera automaticamente violência aos direitos humanos, afetando diretamente a dignidade da pessoa, que deveria ser um dos princípios defendidos. Um dos motivos é a própria lentidão do sistema. Ou seja, a ineficácia que por vezes é sentida, não é da proposta do significado de justiça e das lutas que ela possibilita, mas sim, pelo demorado sistema de aplicabilidade.

Diante disso, a justiça é um direito que sofre constantes modificações, tendo em vista que os valores por ela defendidos são abertos, ou seja, são todos aqueles guarnecidos desde os primórdios, e que tanto se fala no direito natural. O direito, portanto, na busca incansável da justiça, está caminhando sempre em sentido a evolução.

Assim sendo, pode-se afirmar que a finalidade do direito é a consumação da justiça, e que por consequência, a finalidade da justiça é a realização da transformação social. Alcançando então, a construção da sociedade justa, livre e solidária, sem preconceitos e desigualdades sociais. Petrunko da Silva descreve o seguinte:

Desta forma, o direito da acessibilidade, não significa somente o ingresso no Judiciário, mas também o acesso a uma prestação jurisdicional completa. A Constituição Federal, bem como diversas leis ordinárias, trazem sempre em destaque princípios e garantias (individuais e coletivas), que unidos, constituem o caminho da ordem jurídica justa. O acesso à justiça está como ideia central neste caminho, para transformar essas garantias concretamente em direitos efetivados. (SILVA, 2013, p. 13)

Por fim, Cappelletti defende que “o acesso à justiça pode, ser encarado como o requisito fundamental de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.” (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 11 e 12). Ou seja, é o responsável em garantir que os demais direitos sofram a aplicabilidade devida.

Portanto, ter a possibilidade de acesso à justiça, já é um passo largo para aqueles que durante anos sofriam com a não assistência jurídica, e que por tantas vezes, deixaram de lado o seu direito, por não possuir condições financeiras, ou por sequer ter o conhecimento da existência do seu direito. 

A Constituição Federal garante, então, o acesso, tornando a justiça direito igualitário, quebrando as barreiras do rico e pobre na possibilidade de garantir seus direitos. Devendo este, ser buscando através da instituição da Defensoria Pública, que busca insaciavelmente, em promover a proteção e preservação dos direitos fundamentais inerentes do ser humano. 

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Sobre os autores
Igor de Andrade Barbosa

Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Universidade Cândido Mendes. Faculdade Católica do Tocantins – FACTO. Defensor Publico. Professor e Orientador na Faculdade Católica do Tocantins – FACTO. Diretor Revista ESA/TO

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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