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Assédio moral no ambiente de trabalho

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23/07/2018 às 15:10
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7.    CONSEQUÊNCIAS PARA O EMPREGADOR

O assédio moral ocorrido no âmbito da relação de emprego, conforme dito, caracteriza o inadimplemento contratual, além de violação ao “dever jurídico” traçado pelo ordenamento, pois o empregador viola as normas de proteção inseridas na CLT, bem como viola garantias fundamentais do trabalhador, previstas em normas internacionais e na CF/88, assumindo o gesto, ato ou comportamento assediante, a feição de ato ilícito que macula a relação jurídico-trabalhista, e, como bem coloca Maria Helena Diniz,

toda relação jurídica é tutelada pelo Estado mediante proteção jurídica contida em norma, que prescreve sanção para os casos de sua violação, autorizando o lesado a exigir respeito aos seus direitos, requerendo do órgão judicante a sua aplicação (coação); (...)[11].

Assim, muito embora não haja tutela jurídica específica para o assédio moral, como se trata de um caso concreto e onipresente no mundo do trabalho, devemos aplicar o ordenamento jurídico preexistente, valendo lembrar a lição do memorável Carlos Maximiliano no sentido de que a aplicação do Direito consiste em enquadrar um caso concreto em a norma jurídica adequada. Submete às prescrições da lei uma relação da vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado. [12]

Visando à aplicação do Direito, no próximo tópico discorreremos sobre o enquadramento do assédio moral na dispensa indireta (CLT, art. 483) pelo descumprimento por parte do empregador ou superior hierárquico dos deveres legais e contratuais; rescisão por justa causa do colega de serviço, gerente, supervisor, diretor responsável pela conduta do assediante (CLT, art. 482); além de prejuízos morais e materiais oriundos desse ilícito e o consequente dever de reparação do dano, sem embargo das consequências penais.

7.1 CARACTERIZAÇÃO DA RESCISÃO INDIRETA

O assédio moral se traduz em prática degradante e humilhante, atingindo a dignidade da pessoa do trabalhador, outrossim, impede um meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado (CF, art. 225) e é capaz de tornar insuportável a continuidade da relação de emprego, em razão da grave violação pelo empregador ou pelo preposto deste das obrigações contratuais trabalhistas.

Sob o prisma das obrigações contratuais, todas as atitudes, gestos, comportamentos, palavras caracterizadoras do assédio moral se enquadram nas hipóteses tipificadas no art. 483 da CLT, consubstanciando grave violação.


8.    A PROVA DO ASSÉDIO MORAL

Quando entramos na análise do processo probatório do assédio moral, verificamos que resta pacífico que o ônus probatório nessa matéria recai, a princípio, sobre o assediado. A ele cabe provar os fatos constitutivos de seu direito.

É nesse norte a seguinte decisão do E. TRT da 20ª Região:

DANO MORAL – ÔNUS DA PROVA DO AUTOR. O dever de provar adequadamente o fato constitutivo é daquele que o alega, nos termos do art. 818 da CLT. Existindo prova robusta do fato gerador do dano moral, revela-se acertado o decisum que deferiu a indenização reparatória. (TRT 20ª Região. RO 00509-2006-001-20-00-3. Juiz Jorge Antônio Andrade Cardoso. Publicado em 27 de jun. de 2007. Disponível em: http://www.trt20.jus.br. Acesso em: 8 de jun. de 2008, 06:05:44).

Com referência ao dano moral de forma geral, o que o trabalhador precisa provar é a ocorrência do ilícito. Provado este, o dano moral estará configurado in re ipsa. Assim, resta pacificado que na aferição do dano moral não será necessário provar a dor, o sofrimento, a angustia, o estresse, a vergonha, porém, será necessário provar o ato que provocou esses sentimentos, ou seja, o fato gerador da dor, do sofrimento.

Afinal, exatamente por repercutir no íntimo das pessoas, a violência impregnada no assédio moral é de difícil aferição, impossibilitando a constatação segura de sua ocorrência, não se podendo exigir do lesado a prova de repercussão. No entanto, é perfeitamente possível depreender que determinadas situações geram desconforto e incomodo a qualquer ser humano. Embora seja impossível demonstrar a dor, o sofrimento e outros abalos psíquicos por prova direta é possível afirmar que, sujeita a determinadas situações, a espécie humana padece interiormente.

Por isso, resta pacificado que o dano moral é in re ipsa, independentemente de comprovação do prejuízo sofrido. Além disso, pela própria sutiliza da violência do assédio, diferente de outros ataques à moral que se caracterizam de maneira mais pública e notória, o assédio moral é uma agressão por vezes disfarçada, sendo mais difícil a busca de provas, especialmente quanto à caracterização do dano e do nexo causal.

Em que pese a Justiça do Trabalho decidir pela reparação dos danos morais por assédio moral no trabalho, independentemente da comprovação de dano psíquico-emocional, a prova da materialização do sofrimento é um elemento relevante no convencimento do julgador. Esta premissa verifica-se na decisão do E. TRT da 6ª Região:

INDENIZAÇAO. DANOS MORAIS E MATERIAIS: Evidenciando-se da prova dos autos que, no curso do contrato de trabalho, sofreu a autora assédio moral por parte do superior hierárquico, com consequente acometimento patológico, restou claro que a doença, da qual é portadora, se manifestou em face da relação laboral, causando-lhe sequelas que necessitam de tratamento e acompanhamento médico psicológico. Caracterizado o dano à trabalhadora, de ordem moral, cabe à reclamada arcar com o ressarcimento consoante arts. 186 e 927 do Código Civil. (TRT 6ª Região. 1ª Turma. RO 02363-2002-143-06-00-3. Juíza Ligia Maria Valpis Albuquerque de Abreu. Publicado em 8 de abr. de 2004. Disponível em: http://www.trt6.gov.br. Acesso em: 2 de jun. de 2008, 09:20:11).

Outros julgados, no entanto, consideram a verificação do dano um dos requisitos necessários à configuração do assédio moral, como versa a seguinte decisão do E. TRT da 16ª Região:

ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇAO. REQUISITOS. Para a configuração do assédio moral nas relações de trabalho, três requisitos são necessários: a conduta abusiva, a repetição dos ataques e o dano. O primeiro consiste na intenção do agressor de expor a vítima a situações incômodas e humilhantes, a fim de retirá-lo do seu caminho ou mesmo do emprego. O segundo implica na repetição das condutas de forma sistematizada, ou seja, exige-se duração mínima (seis meses, em média) e que os ataques se repitam numa frequência de duas vezes por semana. O último requisito é o dano à integridade psíquica ou física da pessoa. INDENIZAÇAO. AMPARO JURÍDICO. PROVA ROBUSTA. A vítima da coação moral pode buscar a reparação pelos danos lesados à sua personalidade, com fundamento no art. 5º, incisos V e X, da CF/88, que garantem indenização a danos causados à imagem, à honra, à dignidade, à integridade física e até a própria vida, bem como no Código Civil (capítulo II do título IX). Todavia, para a indenização desse dano específico, há necessidade de produção de prova robusta, principalmente quando se trata de alegação de assédio vertical (praticado por superior hierárquico), porque o julgador terá de distinguir condutas próprias do poder diretivo com o abuso dessas condutas. Presentes as provas, tem-se por configurado o assédio moral. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TRT 16ª Região. RO 01224-2006-002-16-00-8. Desembargador Luiz Cosmo da Silva Júnior. Publicado em 15 de fev. de 2008. Disponível em :http://www.trt16.jus.br/indexex/index.php. Acesso em: 5 de jun. de 2008, 06:15:17).

Não se pode, contudo, cegar ao extremo de presumir-se a existência do assédio moral vertical ou descendente, por exemplo. Afinal, conforme vetusta lição de Malatesta, convertida em verdadeiro adágio jurídico, “o ordinário se presume, o extraordinário se comprova”. E ainda será exigido um acervo probatório muito mais robusto e convincente para demonstrar o assédio horizontal e, principalmente, o ascendente.

Por isso, os Tribunais têm entendido que a prova em assédio moral deve ser robusta. É nesse sentido a seguinte decisão do E. TRT da 2ª Região:

ASSÉDIO MORAL. O assédio moral é a exposição do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. A prova de sua existência há de ser cabal e robusta para o reconhecimento do dano moral. No caso em análise não existem elementos para se indicar a presença do assédio moral, pois nenhuma testemunha afirmou ter presenciado qualquer ato neste sentido. (TRT 2ª Região. 12ª Turma. RO 01310200505202002. Juiz Marcelo Freire Gonçalves. Publicado em 22 de fev. de 2007. disponível em: http://www.trt02.gov.br. Acesso em: 25 de maio de 2008, 08:33:06).

Por outro lado, tendo o autor apresentado elementos suficientes para a presunção de veracidade, para uma parcela dos doutrinadores isto propicia a inversão do ônus da prova, revertendo, a partir daí, para o agressor o encargo de provar a inexistência de assédio.

A inversão do ônus da prova justifica-se pelo entendimento de que para a vítima é muito difícil fazer a prova do nexo etiológico entre o dano e a conduta do sujeito perverso, na medida em que o dano do terror psicológico deriva de um conjunto de comportamentos de reduzida dimensão no espaço e no tempo, se apreciados singularmente, mas de gravidade inimaginável se apreciados pela ótica da continuidade de atos programados em serie e por isso idôneos para caracterizar a conduta repetida de assédio moral.

A autora afirma que a orientação quanto à repetição do ônus da prova advém do dogma da igualdade formal. Nesse contexto, a inversão do ônus da prova implica a relativização do princípio da autonomia privada e da substituição do dogma da igualdade formal pelo da igualdade real.

Para ilustrar, Guedes relata:

Dando provas de sensibilidade à moderna visão teleológica e instrumentalista do processo, o legislador Frances, através da lei de modernização do trabalho, que define o assédio moral e as hipóteses de sanção, recentemente aprovadas, adotou o princípio da inversão do ônus da prova; assim, diante da verossimilhança das alegações cabe ao agente provar sua inocência em relação àqueles atos. Cremos que essa conduta do legislador Frances está em consonância com a doutrina da prevalência dos direitos fundamentais da pessoa humana em contraposição ao agigantamento do poder privado e ao enfraquecimento do primado da liberdade individual. (Disponível em: http://www.assediomoral.org. Acesso em: 12 de jun. de 2008, 06:12:23).

Contrariamente à defesa de Guedes, Silva lembra que, apesar de o TST já ter decidido que o ônus da prova no Direito do Trabalho não cabe necessariamente à parte que alega o fato (RR 649939/2000), tal decisão deve ser aplicada somente quando a parte contraria é detentora de documentos ou informações que comprovam as alegações da reclamante, não estando ao alcance desta. São casos típicos relacionados a controle de ponto, recibos e outros documentos de mesma natureza.

Assim o autor afirma:Se tais documentos puderem, de alguma forma, comprovar o assédio moral, aí sim poderiam ser requisitados para comprovar o alegado. No entanto, dada a complexidade de conformação do assédio moral, outras provas mais específicas e decisivas devem ser produzidas pela pretensa vítima, para que possa embasar seu pedido de forma concreta. (SILVA, 2006. Disponível em: http://estudantedodireito.blogspot.com. Acesso em: 23 de maio de 2008, 06:21:16).

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Quanto à possibilidade de aplicação da regra do in dúbio pro operário, Teixeira Filho (1991) defende a não incidência da referida regra em matéria probatória afirmando que “ou a prova existe, ou não se prova”. Para o autor, a insuficiência de prova gera a improcedência do pedido e, portanto, o resultado será desfavorável àquele que detinha o ônus da prova, seja ele o empregado, seja ele o empregador. Segundo ele, caso ambos os litigantes produzam as suas provas e esta ficar dividida, deverá o magistrado utilizar-se do princípio da persuasão racional, decidindo-se pela adoção da prova que melhor lhe convenceu, nunca tendendo à utilização da in dúbio pro operário, já que neste campo não há qualquer eficácia desta norma. 

Um dos elementos caracterizadores do assédio moral no trabalho é a reiteração da conduta ofensiva ou humilhante, devendo, por isso, haver prova de uma relação desumana e antiética de longa duração. É o que é ressalvado pela seguinte decisão:

ASSÉDIO MORAL. NÃO CARACTERIZADO. Para se caracterizar o assédio moral, alguns aspectos são essenciais: a regularidade dos ataques, que se prolongam no tempo, e a determinação de desestabilizar emocionalmente a vítima, visando afastá-lo do trabalho. Não restaram comprovados os três elementos necessários para a responsabilidade civil, quais sejam conduta, nexo causal e dano. Recurso conhecido e improvido. (TRT 11ª Região. RO 00187/2007-052-11-00. Publicado em 18 de jan. de 2008. Disponível em: <http://www.trt11.jus.br/index.php>. Acesso em: 5 de jun. de 2008, 04:57:46).

Por isso, um ponto importante e delicado na caracterização do dano próprio do assédio moral é que ele não se configura em situação vexatória esporádica ou ocasional, por mais constrangedora e danosa que seja, ainda que isoladamente enseje reparação por aquele dano moral em si. Para que se constate a ocorrência de assédio moral, especificamente, é necessário ficar provado que a violência empregada ocorre de maneira prolongada.

Alguns autores estabelecem que deve haver, pelo menos, um tempo de seis meses de violência para restar caracterizado o assédio. Todavia, autores como Melo (2007, p. 89) discordam que possa ser fixado um tempo de exposição constante a reiterados ataques para a aludida caracterização.

Nosso entendimento é de que, sendo a convivência laboral diária, é bem possível caracterizar a ocorrência de assédio em tempo bem inferior, contanto, que possa haver nesse período reiteradas agressões desumanas e antiéticas contra uma das partes de relação profissional.

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Sobre a autora
Camila Gonçalves de Macedo

Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Pós-graduada em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas - MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Camila Gonçalves. Assédio moral no ambiente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5500, 23 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67535. Acesso em: 24 abr. 2024.

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Este artigo foi realizado na conclusão do meu curso de pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera- UNIDERP

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