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Aproximações legais e doutrinárias ao júri popular no Brasil e nos Estados Unidos

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SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Tribunal do júri brasileiro; 2.1. Procedimento processual dos crimes de competência do tribunal do júri; 2.2. Características; 2.2.1. Os advogados, os juízes e o Ministério Público; 2.2.2. Os jurados, o julgamento e o veredicto; 2.2.3. Cortes e recursos; 3. Tribunal do júri norte-americano; 3.1. Considerações iniciais; 3.2. Origem; 3.3. Características; 3.3.1. Os advogados, os juízes e o Ministério Público; 3.3.2. Os jurados, o julgamento e o veredicto; 3.3.3 Cortes; 4. Análise dos institutos: similitudes e contradições; 5. Considerações finais; 6. Referências Bibliográficas.

Palavras-chave: Tribunal do Júri. Júri. Brasil. EUA.


1. INTRODUÇÃO.

O Tribunal do Júri tem sido discutido no mundo jurídico devido à sua importância como forma de realização de justiça pela sociedade.

A Constituição Federal elenca o Júri no rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, conforme art. 5º, XXXVIII, ‘d’, eis que tal a instituição é considerada como uma conquista no exercício de direitos, figurando inclusive, no rol de cláusulas pétreas em vigor.

Historicamente, observa-se que a origem do Tribunal do Júri remonta à Antigüidade, tendo seu apogeu com a Carta Magna de 1215, na Inglaterra, após a abolição, pelo 4º Concílio de Latrão, das ordálias e os juízos de Deus. [1] Disseminou-se pela Europa continental, incorporou-se na maioria dos sistemas jurídicos ocidentais e "transformou-se num símbolo de democracia e liberdade pública". [2]

O presente estudo visa desenvolver estudo comparativo entre o Tribunal do Júri Brasileiro e o Norte-Americano, eis que este por sua tradição corporifica a idéia que inspirou a presente reflexão.

Serão analisados aspectos referentes aos procedimentos de escolha dos jurados, as origens, bem como as características de cada um dos modelos. Após será realizada análise comparativa entre os dois institutos.


2.TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO.

2.1 Procedimento processual dos crimes de competência do Tribunal do Júri no Brasil.

Procedido ao Inquérito Policial – que é o conjunto de informações sobre a prática da infração [3] – com as investigações realizadas, os autos são encaminhados à Justiça para o prosseguimento da persecução criminal que terá inicio com a denúncia do Ministério Público. [4] Desta forma, instaura-se a Ação Penal contra o acusado pela prática de um delito.

O Tribunal do Júri possui duas fases: a judicium accusationes e a judicium causae. A primeira inicia-se com o oferecimento da denúncia e termina com a decisão transitada em julgado. A segunda inicia-se com o libelo e termina com a sentença do juiz-presidente. [5]

Na denúncia, devem constar, além da descrição da conduta criminal cometida, a capitulação do crime imputado ao acusado, bem como o rol de testemunhas, e poderá haver pedido de realização de outras diligências. [6]

O interrogatório é a oportunidade do acusado manifestar-se perante o juiz e produzir sua própria defesa, ao expor, com suas respostas, os fatos ocorridos. O Ministério Público e o defensor podem assistir tal ato, mas não poderão intervir, pois tal fase é exclusiva do juiz e do acusado (art. 394, Código Processo Penal).

A partir do interrogatório, correrá o tríduo legal para apresentação de defesa prévia (art. 395, Código Processo Penal). Nesta oportunidade, poderá o advogado de defesa começar a argumentar acerca de suas teses, as quais serão confirmadas quando da instrução processual. [7]

A seguir, temos a oitiva das testemunhas de acusação e, posteriormente, de defesa (art. 396, Código Processo Penal). Nesta fase, todas as provas deverão ser produzidas (art. 399, Código Processo Penal), tais como: perícia médica ou técnica, apresentação e requisição de documentos, exames, reconhecimento de pessoas ou coisas, acareação, busca e apreensão, entre outras.

Encerrada esta fase, inicia-se o prazo para alegações finais (art. 407, Código Processo Penal) da acusação e defesa, após o que serão os autos encaminhados ao juiz-presidente do Tribunal do Júri para saneamento, absolvição liminar ou remessa dos autos ao juízo competente, se entender que a imputação não é passível de julgamento pela Corte Popular (art. 407/412, Código Processo Penal).

Uma vez transitado em julgado a sentença de pronúncia do acusado, inicia-se nova fase de instrução processual, desta vez afeta exclusivamente ao Júri. Finda a judicium accusationes, inicia-se a judicium causae. Ao Ministério Público é concedido prazo para apresentação do libelo acusatório (art. 416, Código Processo Penal) e, após, é dado vista ao defensor do acusado para apresentação da contrariedade ao libelo.

Realizadas as justificações e perícias necessárias e saneado o processo, será designada a data para o julgamento (art. 425, Código Processo Penal).

Anunciado o processo que será julgado, é feito o pregão das partes e das testemunhas. Então, é realizado o sorteio de 07 pessoas para a formação do Conselho de Sentença. Poderá haver 03 recusas imotivadas por cada parte. Formado o conselho, os jurados não mais poderão se comunicar com ninguém, nem entre si mesmos, muito menos manifestar sua opinião sobre o processo.

O jurado que não comparecer incorrerá em multa, a teor do art. 443, Código Processo Penal.

Para o início do julgamento, é necessário estar completo o quadro dos 21 candidatos a jurados, embora haja o mínimo legal (art. 442, Código Processo Penal), ou seja, 15 jurados para instalação da sessão. Neste caso, será realizado o sorteio dos suplentes para que seja alcançado o número de 21 candidatos a jurados (art. 445, Código Processo Penal).

O juiz poderá acolher escusas dos jurados, as quais deverão ser decididas antes do sorteio dos 07 jurados que comporão o conselho de sentença.

Verificado o comparecimento do réu, defensor e Ministério Público, o juiz adverte os jurados acerca dos impedimentos da incomunicabilidade, até o fim do julgamento (art. 458, § 1º, Código Processo Penal).

Formado o conselho, inicia-se o interrogatório do réu, quando poderá haver a leitura de peças que o juiz entender pertinentes, inquirição das testemunhas de acusação e, após, da defesa, e a leitura do libelo.

Neste momento, é dada a palavra ao Ministério Público para apresentar suas teses de acusação, por duas horas. Após, é dada a palavra à defesa, pelo mesmo tempo, para apresentação das teses de defesa.

Poderá haver a réplica do Ministério Público e a tréplica para a defesa. Contudo, esta decisão cabe ao Ministério Público, posto que somente haverá tréplica se houver réplica, independentemente da não concordância da defesa com a negativa do Mistério Público.

Após as explanações, o juiz-presidente indaga aos jurados se já estão os mesmos habilitados a efetivar o julgamento. É feita a leitura dos quesitos e a explicação dos seus significados.

Então, a sessão passa a ser secreta, sendo este o momento crucial de todo o procedimento afeto ao Júri, eis que ocorrerá a votação dos quesitos que resultará no veredicto.

Na sala secreta, ficam presentes o juiz-presidente do Júri, o escrivão, o Ministério Público, o defensor, os jurados e o Oficial de Justiça.

Após a votação, é lavrado o termo de votação e proferida a respectiva sentença, a qual é lida ainda durante a sessão de julgamento, contra a qual cabe recurso de apelação para a Instância Superior, no caso o Tribunal de Justiça do Estado.

2.2 Características.

2.2.1 Os Advogados, os Juízes e o Ministério Público.

São direitos constitucionais do acusado o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, além de toda uma constelação de outros direitos que pretendem assegurar, constitucionalmente, as liberdades individuais.

Em contrapartida ao direito de ampla defesa, temos que o acusado deverá estar, sempre, assistido por advogado, caso contrário ocorrerá nulidade processual por cerceamento de defesa.

A presença do advogado, no processo criminal brasileiro, é condição sine qua non de validade. A defesa criminal do acusado tem que ser efetivada por profissional capacitado. E tal direito é assegurado, constitucionalmente, a teor do art. 5º, LXIII, da Constituição Federal.

Caso o acusado não possua advogado habilitado ou este não compareça à sessão, ou até mesmo a abandone, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido e o juiz designará outro advogado para atuar como defensor do acusado. [8]

Conforme já mencionado, o procedimento do Júri é conduzido por dois juízos, em momentos diferentes. O primeiro, judicium accusatione, que se inicia com a denúncia, estende-se até a sentença de pronúncia, é o momento crucial para a acusação, uma vez que é reconhecido, pelo juiz, que há indícios de autoria e materialidade do acusado. Esta fase é conduzida por um juiz singular e também é designada por alguns, como sumário de culpa. [9] O segundo, judicium causae, inicia-se com o encaminhamento dos autos ao juiz-presidente do Tribunal do Júri para apresentação do libelo acusatório pelo Ministério Público. Esta fase vai até o veredicto final dos jurados e é a fase realizada pelo Tribunal do Júri propriamente dito.

O juiz, no procedimento criminal brasileiro, pode requisitar ou determinar a produção de provas para fundamentar o seu livre convencimento. No Júri, o convencimento é dos juízes leigos, cabendo ao presidente apenas presidir a sessão, zelando pelo normal desenvolvimento dos trabalhos, elaborar os quesitos e prolatar a sentença, bem como determinar o quantum da pena, observando-se as respostas dos quesitos pelos jurados.

O Código de Processo Penal, em seu art. 497, elenca as atribuições do presidente do Tribunal do Júri, cuja enumeração não é taxativa, quais sejam: poder de polícia; regular os debates; tutelar o direito de defesa, quando este não estiver sendo exercido pelo defensor, devendo destituí-lo e dissolver o conselho de sentença; suspender a sessão, quando necessário (diligências, repouso dos jurados, lanche etc.); ordenar, de ofício ou a requerimento das partes, as diligências que se fizerem necessárias. [10]

Ao Ministério Público cabe a acusação, com a possibilidade de produzir todas as provas necessárias a tal intento.

A interrupção da sessão para descanso dos jurados pode, inclusive, ocorrer durante a fala das partes (Revista dos Tribunais 492/285). [11]

A presença do juiz-presidente, durante toda a sessão do Tribunal do Júri, é imprescindível, sendo causa de nulidade do julgamento a sua ausência do plenário durante os debates, de acordo com decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Ação Criminal 67.714. (Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo 122/476). [12]

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O não comparecimento, justificado ou não, do Promotor Público acarretará adiamento do julgamento. Neste caso, o juiz-presidente deverá verificar se houve ou não justa causa. Em havendo, será designada nova data para julgamento, que será o primeiro dia útil desimpedido. Caso não haja justificativas, o juiz também comunicará o fato ao Procurador-Geral, que determinará a convocação do substituto legal do promotor faltoso. [13]

2.2.2 Os Jurados, o Julgamento e o Veredicto.

Todo ano é realizada a escolha de 300 jurados, dentre cidadãos idôneos, conforme art. 436, Código Processo Penal.

O juiz presidente do Tribunal do Júri requisita aos chefes de repartições públicas e presidentes de sindicatos ou associações de classes e bancos indicações de pessoas idôneas para o serviço no Júri.

Após as indicações, são escolhidas 300 pessoas por ano. Dez ou quinze dias antes de cada dia designado para a realização de cada sessão de julgamento do Júri, são escolhidos 21 jurados. Destes, no dia do julgamento, são escolhidos 7 que formarão o Conselho de Sentença.

O Conselho de Sentença decide por maioria de votos e os jurados não podem se comunicar, entre si, nem com outras pessoas. Tal incomunicabilidade justifica-se pela garantia de independência dos jurados, que julgam com sua própria convicção, objetivando a verdade dos fatos.

O julgamento acontece num único dia, sem interrupções. Caso ocorra necessidade de interrupções, após o início dos trabalhos, os jurados são mantidos incomunicáveis ou, então, é dissolvido o Conselho de Sentença e designado novo dia para o julgamento.

O Conselho de Sentença, ao responder os quesitos, decide sobre a culpabilidade do acusado, sobre as qualificadoras e sobre as circunstâncias agravantes ou atenuantes e causas de aumento ou diminuição de pena ou, ainda, decidem pela absolvição.

Os jurados não necessitam fundamentar suas decisões, pois julgam de acordo com sua íntima convicção, alicerçados apenas em seus conhecimentos (senso comum), nas alegações realizadas pelas partes e nas provas apresentadas no plenário do julgamento.

O jurado não está adstrito à obrigatoriedade de fundamentar suas decisões, como os juízes togados são obrigados a fazê-lo, eis que, neste caso, tal requisito "envolve, além do problema da legalidade, o problema da legitimidade". [14]

Observe-se, no entanto, que o jurado deverá julgar conforme as provas dos autos, não podendo desconsiderá-las e proferir julgamento diverso, sob pena de, em sede de recurso, a decisão ser reformada e o réu submetido a novo julgamento, preservando-se, com isso, o princípio da soberania dos veredictos.

Ao jurado é atribuído o poder de julgar segundo a sua consciência. Este poder não deve, no entanto, colidir com os princípios da reserva legal e de ampla defesa em que se inclui o contraditório.

O jurado, na valoração da conduta do acusado, pode ignorar e sobrepor-se à lei – ou não seria leigo – criando a necessidade de controles destinados a contê-lo nos limites da legalidade. [15]

A sentença é prolatada pelo juiz que faz a dosimetria da pena, ou seja, o quantum da pena é aferido pelo juiz a partir das respostas dos jurados aos quesitos. [16]

2.2.3 Cortes e recursos.

Vários recursos cabem contra as decisões proferidas no procedimento processual afeto ao Tribunal do Júri.

Inicia-se quando da apresentação da denúncia, eis que se esta não for recebida pelo Juiz, cabe recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, I, Código Processo Penal.

Cabe recurso em sentido estrito, também, da decisão que pronunciou, impronunciou ou absolveu sumariamente o réu (art. 581, IV).

Quando ocorrer a hipótese de remessa dos autos ao juízo competente, e isto ocorre quando os autos são encaminhados ao juiz-presidente do Júri para pronúncia, e o mesmo conclui que o crime não é de sua competência, após a sentença prolatada pelo Juízo competente, cabe apelação.

Da sentença final, com a decisão dos jurados, condenatória ou absolutória, cabe recurso de apelação, a teor do art.593, III, Código Processo Penal.

Todos os recursos acima mencionados são interpostos para apreciação do Tribunal de Justiça do Estado, que é um Tribunal de 2ª instância. Poderão, ainda, ocorrer recursos para a 3ª instância, para apreciação do Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal, em recursos ordinários, especiais ou extraordinários, conforme a matéria a ser suscitada.

O condenado à pena de reclusão por 20 anos ou mais poderá interpor protesto por novo Júri, cujo recurso é privativo da defesa (art. 607, Código Processo Penal).

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Sobre a autora
Themis Alexsandra Santos Bezerra Buna

Assessora Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão/Professora e Coordenadora do Curso de Direito do UNICEUMA / Mestre em Direito Público – UFPE; Especialista em Direito Processual Civil – UNICEUMA/Especialista em Docência do Ensino Superior e Língua Portuguesa: Visão Discursiva – UFRJ/Autora do livro: TRIBUNAL DO JÚRI: COMPOSIÇÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA, ale de vários artigos pubicados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUNA, Themis Alexsandra Santos Bezerra. Aproximações legais e doutrinárias ao júri popular no Brasil e nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 685, 21 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6754. Acesso em: 25 nov. 2024.

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