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Aproximações legais e doutrinárias ao júri popular no Brasil e nos Estados Unidos

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4. ANÁLISE DOS INSTITUTOS: similitudes e contradições.

O exame das características essenciais dos Júris Norte-Americanos e brasileiros faz emergir relevantes diferenciações sobre os procedimentos do julgamento em cada país.

Como é facilmente perceptível, o Júri Norte-Americano apresenta peculiaridades marcantes que o diferenciam do Júri Brasileiro, vejamos alguns pontos importantes:

Os jurados, no Júri Norte-Americano, têm orgulho de serem convocados para tal tarefa, participam como exercício de cidadania. No Brasil, o serviço no Júri é obrigatório, podendo ser imputada multa ao jurado faltoso.

A legislação brasileira assegura privilégios aos jurados: constitui serviço público relevante; estabelece presunção de idoneidade moral e assegura direito à prisão especial; preferência, em igualdade de condições, em concorrências públicas; mas não remunera os jurados, que não têm a falta ao trabalho descontada em seus vencimentos mensais. A recusa em participar, motivada por convicção religiosa ou política, importa na perda dos direitos políticos do infrator. Na legislação americana, os jurados são remunerados.

A escolha dos jurados, em nosso país, é feita pelo juiz, que requisitará às autoridades locais, associações de classe, sindicatos profissionais e repartições públicas a indicação de pessoas que reúnam as condições legais. Nos Estados Unidos a escolha é feita através de uma investigação individual, onde os jurados são avaliados. Tal avaliação consiste em verificar se os jurados poderão desprender-se de seus preconceitos pessoais para julgar com a mais pura imparcialidade.

Em ambos os sistemas poderá haver recusa de jurados. No sistema do Tribunal do Júri Norte-Americano, a recusa de um Jurado passa pelo ritual antecipado, onde o mesmo passa por uma criteriosa verificação de seus pensamentos, sua capacidade para atuar no julgamento e se está moralmente idôneo para decidir de modo justo, pois pessoas tendenciosas, preconceituosas ou comprometidas com princípios incompatíveis com a função de Jurado são de pronto rejeitadas, enquanto que no Brasil, os jurados são recusados no momento que se inicia a sessão de julgamento.

Os jurados durante o julgamento no Tribunal do Júri Brasileiro ficam incomunicáveis, somente podendo se dirigir ao juiz para solicitar esclarecimentos acerca de algum ponto que ficou obscuro ou duvidoso e a votação é sempre necessária, oportunidade em que decidem por maioria.

Nos Estados Unidos, os jurados podem se comunicar entre si, não podendo se dirigir ao juiz ou às partes, e, se não chegarem a uma decisão unânime, reconhecendo que existe dúvida razoável, o Júri é desfeito e não há decisão condenatória nem absolutória. Não há votação individual, o líder dos jurados comunica a decisão do corpo de jurados.

Sobre a matéria, traz-se à baila o enunciado da lição de LOPES [105], verbis:

A unanimidade é a chave de compreensão e garantia do Júri Norte-Americano. As soluções de consenso evitam, normalmente, os exageros acusatórios e as franquias irresponsáveis, gerando um forte sentimento de responsabilidade à atividade do jurado como expressão não apenas de uma convicção pessoal, mas comunitária que se guarda no veredicto.

Em ambos os sistemas, os jurados não se manifestam com terceiros alheios ao julgamento. As deliberações são realizadas a portas fechadas em ambos os sistemas, sendo que, no Brasil, comparecem à sala secreta, o juiz, os oficiais de justiça, o Ministério Público, o defensor, o escrivão e, nos Estados Unidos, durante as deliberações dos jurados, somente estes poderão participar.

Os acusados têm direito à defesa por profissional técnico, ou seja, por advogado, em ambos os sistemas, não podendo dispor de tal direito, sob pena de lesão aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, além da presunção de inocência.

O Ministério Público fiscaliza e é o responsável pela acusação. O juiz é o Presidente do Tribunal do Júri e preside o interrogatório. No Brasil, tal magistrado é concursado e deve ater-se ao veredicto proclamado pelos jurados e, nos Estados Unidos, o juiz é eleito e pode rejeitar a decisão dos jurados.

As partes formulam perguntas diretamente às testemunhas, no Júri Norte-Americano e, no Brasil, as perguntas são feitas através do magistrado.

Nos dois sistemas, prevalece a busca da verdade real, com a utilização de todos os meios de provas existentes para atingir tal fim, com igualdade de condições para defesa e acusação.

No sistema americano, o juiz permanece inerte frente à produção das provas, apenas resolve questões suscitadas pelas partes, deferindo ou não a sua realização. No Brasil, o juiz tem a iniciativa de produzir provas que o levem ao convencimento quando da pronúncia. Algumas provas ou peças da acusação e defesa podem ser feitas fora das audiências, tais como denúncia, defesa prévia, perícias, alegações finais, libelo e contra-libelo.

Outro aspecto a considerar é que, no Brasil, o Ministério Público não é suficientemente ágil em relação à produção de provas no Inquérito Policial, não possuindo autonomia nas investigações e não supervisionando os trabalhos, processando-se de forma oposta ao sistema americano, pois, nesse país, o Ministério Público tem liberdade para iniciar os trabalhos inerentes à fase policial conjuntamente com esta e tem autonomia na busca de provas e investigações, inclusive com verbas destinadas para isso e pessoal especializado, podendo, ainda, supervisionar os trabalhos.

No Tribunal do Júri Norte-Americano, existem ainda duas particularidades não observadas no modelo brasileiro, quais sejam: possibilidade de um juízo preliminar, como um juízo de admissibilidade para o ajuizamento ou não da ação criminal propriamente dita, como forma de verificar se, realmente, existem indícios da prática de algum crime; e a possibilidade de negociação de um acordo com a acusação, onde o acusado confessa o crime praticado em troca de uma pena menor.

Noutro aspecto, constata-se que o tempo de duração do julgamento do Tribunal do Júri Norte-Americano não tem prazo determinado, podendo haver várias sessões, suspensões e até durar meses, contrariamente ao Júri Brasileiro que se inicia e termina numa única sessão.

No Brasil, apenas são de competência do Tribunal do Júri os crimes dolosos contra a vida, enquanto que, nos Estados Unidos, existe Júri até para julgamento de questões cíveis.

Convém ressaltar, sobre o aspecto da sentença americana, transcrevendo-se as linhas doutrinárias de Lopes, [106] in verbis:

Reconhecidos os fatos delituosos, a autoria e a responsabilidade penal do réu, é ele declarado convicted e uma sentença é imposta (to impose a sentence), dependendo dos Estados, seja pelo Júri, seja pelo juiz, seja pelo Júri com possível reforma pelo juiz. A ceutense, no processo penal dos EUA, pode ser consistente em: multa de caráter monetário (fine), ou perda de liberdade, emprisonment in jailt ou prision ou in penitentiary; em alguns Estados da Federação dos EUA, admite-se a pena de morte (capital punishment, ou death penalty), comutável em pena de perda da liberdade pelo Governo ou pelo US President, dependendo da jurisdição criminal ter sido estadual ou federal.

Diferentemente do sistema brasileiro, uma vez que o Conselho de Sentença manifesta-se pela condenação ou absolvição, reconhecendo a existência de agravantes ou atenuantes, e a sentença, bem como a dosimetria da pena, é realizada pelo juiz togado. Tal pena será sempre de prisão, oscilando entre o mínimo e máximo estipulado pelo Código Penal para cada crime.

Sobre o recurso, no sistema americano, manifesta-se o autor supramencionado, in verbis:

O recurso cabível de uma sentença condenatória é o appel (appel from a conviction) e, no caso de o tribunal acolhê-lo, pode modificar a decisão recorrida (reversal) e ordenar novo julgamento (remand). Em virtude da proibição constitucional da dupla incriminação, doublé jeopardy, não se admite recurso de uma sentença de absolvição (reversal of na acquittal). [107]

No Brasil, o recurso da sentença condenatória também é a apelação, contudo pode haver recurso pelo Ministério Público, no caso de absolvição do acusado.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As primeiras motivações para o presente estudo referiam-se à tentativa de demonstrar as especificidades do Tribunal do Júri no Brasil e nos Estados Unidos, para após análise dos dois modelos conclui-se que aquele necessita de urgente modernização.

O Júri Norte-Americano possui forma de escolha de jurados moderna e investigativa, totalmente diferente do modelo brasileiro, eis que busca, embora que de forma ideal, a neutralidade dos jurados enquanto julgadores, não apenas a imparcialidade.

Ambos os princípios – imparcialidade e neutralidade – quando se fala em julgamento, são aspectos importantes e merecem ser alcançados, ou pelo menos almejados.

Conforme ficou demonstrado a busca da neutralidade não é tarefa de fácil acesso, eis que não há possibilidades do indivíduo desprender-se totalmente de suas características pessoais para efetivar um julgamento que deverá faze-lo usando apenas sua íntima convicção.

O modelo brasileiro possui suas características positivas e negativas, o que é objeto de freqüentes manifestações da doutrina contra e a favor. Diante de tal aspecto tentou-se demonstrar a posição de alguns doutrinadores, chamando-se sempre atenção para os aspectos mais discutidos e relevantes acerca do tema.


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Sobre a autora
Themis Alexsandra Santos Bezerra Buna

Assessora Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão/Professora e Coordenadora do Curso de Direito do UNICEUMA / Mestre em Direito Público – UFPE; Especialista em Direito Processual Civil – UNICEUMA/Especialista em Docência do Ensino Superior e Língua Portuguesa: Visão Discursiva – UFRJ/Autora do livro: TRIBUNAL DO JÚRI: COMPOSIÇÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA, ale de vários artigos pubicados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUNA, Themis Alexsandra Santos Bezerra. Aproximações legais e doutrinárias ao júri popular no Brasil e nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 685, 21 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6754. Acesso em: 6 mai. 2024.

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