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Aplicação das medidas despenalizadoras nos crimes tributários

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12/07/2018 às 11:46
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Capítulo 2 . PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E CRIMES TRIBUTÁRIOS

Neste capítulo será realizada uma breve descrição do procedimento administrativo para apuração de um ilícito tributário, até que finde com uma decisão administrativa e sua constituição definitiva. Em seguida serão analisados os principais crimes tributários que o contribuinte pode cometer, sendo estudados os artigos primeiro e segundo da Lei 8.137/90 e o crime de descaminho, destacando suas peculiaridades e requisitos.

2.1 BREVE DESCRIÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO tributário ATÉ FINDAR NO PROCESSO PENAL

Analisados os princípios do direito penal tributário e os bens jurídicos que este visa resguardar, resta discorrer de forma sucinta as etapas para constituição do crédito tributário, bem como sucintamente, o processo administrativo para apuração de infrações tributárias com suas respectivas sanções, até o momento de instauração do processo penal, para que se tenha uma visão mais ampla de todo procedimento, desde a prática do ato até uma possível cominação no processo penal.

Para que esta pesquisa não fique muito extensa, será tratado apenas do processo administrativo federal, que encontra amparo no artigo 5º, LV da Constituição Federal86, no Código Tributário Nacional e no decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.

Maria Socorro Carvalho de Brito em artigo publicado no site Jus Navigandi, narra que a todo momento em que uma obrigação tributária não seja satisfeita pelo contribuinte ou pessoa que a lei transfira tal responsabilidade, dá ao fisco o direito de exigir o pagamento do tributo, juntamente com a penalidade pecuniária dele decorrente. Este direito é realizado através do lançamento tributário, o qual poderá acarretar em um conflito e, partir daí a instauração do procedimento administrativo.87

Por obrigações tributárias, pode-se destacar duas espécies previstas no artigo 113 do Código Tributário Nacional;88 as obrigações principais e as obrigações acessórias.

Obrigação principal, é definida pelo parágrafo primeiro do artigo 113 do Código Tributário Nacional89 e está afeta ao pagamento de um tributo ou penalidade pecuniária. Nas palavras de Eduardo Sabbag, “representa, assim, uma ‘obrigação de dar’, com cunho de patrimonialidade”.90

Por outro turno, obrigação acessória possui previsão nos parágrafos segundo e terceiro do referido dispositivo91 e está relacionada a obrigações suplementares ao pagamento do tributo, como por exemplo emitir notas fiscais e escriturar os livros fiscais. Segundo versa Eduardo Sabbag, obrigação acessória é:92

[...] a prestação positiva ou negativa, que denota atos “de fazer” ou “não fazer”, despidos do timbre de patrimonialidade. Assim, o agir ou o não agir, dissociados do ato de pagar, podem representar obrigações tributárias acessórias ou “deveres instrumentais do contribuinte”.

Vale salientar, que mesmo que inexista obrigação principal, ou esta deixe de existir, persiste a obrigação acessória, assim, mesmo em casos de isenção ou imunidade, o responsável pode vir a ser autuado por inobservância de uma obrigação acessória, conforme entendimento extraído da obra de Eduardo Sabbag.93

O não cumprimento pelo sujeito passivo de alguma das obrigações tributárias, sejam elas principais ou acessórias, dão ao fisco o direito de cobrá-las. Para tanto, pode haver o início de uma fase que se instaura uma investigação para apuração de eventuais valores não recolhidos ou obrigações não satisfeitas.

Os procedimentos de fiscalização são instaurados, via de regra94, mediante Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal (TDPF)95, tal documento constitui uma ordem da autoridade superior (em regra delegado da Receita Federal do Brasil) para que um Auditor-Fiscal realize determinada fiscalização. O Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal tem o condão de delimitar o objeto da fiscalização, especificando quais tributos serão fiscalizados e referente a quais períodos. Em caso de constatação de infrações ocorridas fora da competência do auditor-fiscal, ele deve requerer um Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal de “complementação” para que se amplie o objeto da fiscalização, tal entendimento é extraído da obra de Leandro Paulsen ao analisar o decreto 3.724 de 2001.96

Como instrumento para operacionalizar o início do procedimento fiscal, o auditor-fiscal lavra o Termo de Início de Fiscalização (TIF), que conforme Cátia Cristina de Oliveira Bethonico, é o instrumento do qual os agentes administrativos dão ciência aos sujeitos passivos e os notificam para apresentar seus livros e documentos fiscais, a fim de buscar eventual tentativa de burla à lei fiscal.97

Com o início da fiscalização, fica afastada do contribuinte o benefício da denúncia espontânea, conforme prevê o artigo 7º, parágrafo primeiro do decreto 70.235 de 197298 e parágrafo único do artigo 138 do Código Tributário Nacional.99 A denúncia Espontânea possui previsão legal no caput do artigo 138 do Código Tributário Nacional100, e Alexandre Mazza a define como:101

[...] a autodelação premiada no Direito Tributário. O próprio infrator confessa ao Fisco a prática de um comportamento irregular antes do início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização relacionada com a infração, acompanhado do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do pedido para que o Fisco arbitre o valor devido.

Encerra-se o procedimento fiscalizatório com o Termo de Encerramento da Ação Fiscal (TEAF), neste documento é emitida a conclusão sobre a ocorrência ou não de infração referente às obrigações principais (pagamento de tributo e multa) e/ou acessórios (deveres formais). No caso de ser verificada a ocorrência de infração, é lavrado Auto de Infração (AI), que possui o condão de constituir o crédito tributário, apontando o tributo devido e aplicando as multas correspondentes. O Auto de Infração, portanto, consubstancia lançamento de ofício do crédito tributário.102

Constatada a prática de uma infração tributária, o fisco lançará o respectivo crédito faltante por intermédio de auto de infração, onde também será lançada a respectiva penalidade.103 As penas administrativas tributárias limitam-se apenas a punições de cunho patrimonial, Hugo de Brito Machado define tais sanções como “aquelas que só indiretamente afligem a pessoa natural, e se caracterizam por seu conteúdo patrimonial, e que por isto mesmo somente podem ser suportadas por quem disponha de riqueza”.104

Leandro Paulsen ao versar sobre as sanções tributárias alega que possuem caráter sancionatório e visam inibir e reprimir a prática de atos ilícitos, e mesmo as sanções administrativas devem observar os critérios de pessoalidade e proporcionalidade das penas, em suas palavras:105

As relações de natureza punitiva (ou sancionadora) têm como pressuposto de fato o cometimento de infrações à legislação tributária. Essas infrações consistem no descumprimento de obrigações contributivas (pagar tributo) ou de colaboração com a administração tributária (e.g., descumprimento de obrigações acessórias). A aplicação de penalidades está fundada, mediatamente, no dever de cumprir as leis e, diretamente, na lei que impõe a penalidade associada à que impõe a obrigação contributiva ou de colaboração descumprida. Tem como finalidade inibir e reprimir a prática de ilícitos. E deve observar critérios como a pessoalidade, a culpabilidade e a proporcionalidade.

O referido autor enumera as principais sanções administrativas sendo de multa, perdimento e restrição à direitos.106

A multas consistem em punições pecuniárias impostas pelo descumprimento de alguma norma tributária. São respostas a uma infração tributária e possuem caráter sancionatório. As multas configuram-se como obrigações tributárias principais, juntamente com a obrigação de pagar tributo, sendo elas objeto de lançamento e até mesmo cobrança executiva.107

Como o direito tributário é pautado pelo princípio da legalidade108, as sanções tributárias não podem ser diferentes, possuindo previsão no artigo 97, inciso cinco do Código Tributário Nacional.109 Dentre algumas das multas previstas em nosso ordenamento jurídico, elenca-se algumas a título de exemplo:

Em caso de falta recolhimento ou pagamento de tributos será aplicado de ofício uma multa de 75% sobre o valor deste ou a diferença não recolhida, conforme artigo 44, inciso I da Lei 9.430/96.110 Para a hipótese de falta de antecipação de tributos sujeitos a ajuste, será aplicada multa de ofício de 50%, conforme artigo 44, inciso II, da Lei 9.430/96.111 Nos casos de omissão do contribuinte ao efetuar o pagamento, nos termos do artigo 44, inciso I da Lei 9.430/96, utilizando-se de fraude, sonegação ou conluio, a multa de 75% será aplicada em dobro, alcançando o percentual de 150%, conforme regra prevista no parágrafo 1º do artigo 44 da Lei 9.430/96.112 Ainda, conforme norma prevista no artigo 44, parágrafo 2º, da Lei 9.430/96113 a falta de colaboração do contribuinte quando chamado a esclarecer e a apresentar documentos relacionados à possível infração cometida leva ao agravamento da multa em mais 50%.

Contudo, vale salientar que o Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário 833.106 de Goiás, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, entendeu que a aplicação de multa acima de 100% sobre o valor do tributo possui caráter confiscatório, sendo dessa forma, eivada de inconstitucionalidade.

Dentre as demais sanções tributárias, há também a pena de perdimento que é aplicada na hipótese de irregularidades graves na importação de bens. Conforme entendimento de Leandro Paulsen, é cabível nas hipóteses de importação ou exportação irregular, porém traz a ressalva que caso a irregularidade se dê sem a constatação do dolo do agente e não havendo prejuízo ao erário, a pena não pode ser aplicada. Assim conforme seu entendimento:114

Eventual importação irregular enseja autuação e apreensão por parte da Inspetoria da Receita Federal, com subsequente aplicação da pena de perdimento, nos termos dos arts. 104/105 do Decreto-Lei 37/66, 23/27 do Decreto-Lei 1.455/76 e 675ss do Dec. 6.759/09. Entende-se, porém, que mera irregularidade formal, sem dolo e sem prejuízo ao erário, não autoriza a aplicação da pena. Na exportação, também pode haver aplicação da pena de perdimento no caso de clandestinidade e de utilização de documento falso.

Por fim, existem as penas restritivas de direitos, as quais o referido autor trata que, apesar de não serem propriamente classificadas como penalidades, impedem o exercício de certas prerrogativas por contribuintes em situação irregular.115 Ainda traz como exemplo algumas dessas restrições como:116

A participação em licitações, por exemplo, é condicionada à regularidade fiscal do interessado, o que se justifica porquanto o Poder Público não está obrigado a contratar com quem não vem cumprindo suas obrigações fiscais, constituindo, a restrição, também, um incentivo aos contribuintes que se mantêm em dia. Da mesma maneira, válida é a legislação que condiciona à regularidade fiscal o acesso a linhas de financiamento públicas. Além disso, em novembro de 2013, o STF decidiu pela constitucionalidade da admissão ao Simples Nacional apenas das empresas que ostentem regularidade fiscal. É o que se vê do RE 627.543, em que restou afirmada a constitucionalidade do art. 17, V, da LC 123/2006. Trata-se de mais uma restrição ao exercício de direitos que restou chancelada.

Com o lançamento do auto de infração, o contribuinte será notificado para oferecer impugnação ou pagar o montante devido.117 A impugnação é o meio pelo qual o contribuinte demonstra sua irresignação quanto ao crédito lançado, iniciando-se assim, a fase contenciosa118 do procedimento administrativo.

Nas lições de Alexandre Mazza119:

Uma vez realizado o lançamento ou lavrado o Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM), e notificado o devedor, poderá ser interposto recurso contra a exigência indevida, chamado pelo decreto de “impugnação”, instaurando a fase litigiosa do procedimento (art. 14).

Feita a impugnação por parte do contribuinte, esta seguirá seu curso onde o contribuinte poderá apresentar provas, requerer diligências e perícias120, para que, então seja proferida decisão final em primeira instância. Da qual cabe o duplo grau de jurisdição, podendo, a parte interessada, interpor recurso à instancia superior.121

Em caso de constatação da prática de um ilícito tributário e encerrado o processo administrativo com resultado desfavorável ao contribuinte ou antes de seu início, seja intimado para pagar ou impugnar e não o faz em tempo e modo adequados, o tributo será definitivamente constituído, conforme leciona Hugo de Brito Machado Segundo122:

Caso não seja oferecida impugnação, e em não havendo na legislação específica previsão para julgamento de ofício, o lançamento considera-se finalizado, e o crédito tributário, definitivamente constituído. [...] Após a conclusão de um processo administrativo de controle da legalidade do lançamento, caso seja mantido, no todo ou em parte, o crédito tributário, este considera-se, nas palavras do CTN, “definitivamente constituído”. Deve ser feita, então, a chamada cobrança amigável, depois da qual a quantia devida deve ser inscrita em dívida ativa e executada judicialmente.

Quando for constatada a prática de ilícito tributário e não mais couber discussão na via administrativa, a autoridade fiscal além de efetuar a cobrança do quantum devido, lavrará representação à autoridade competente para oferecer a ação penal cabível, com o objetivo de responsabilizar o autor do delito. Assim, é elaborada uma representação fiscal (pois oriunda de autoridade fiscal) para fins penais (porque o objetivo é a responsabilização penal do infrator) ao representante do Ministério Público, que é o titular exclusivo da ação penal pública, conforme entendimento extraído das lições de Ricardo Alexandre.123

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Contudo, vale ressaltar que somente é possível a apresentação da representação fiscal para fins penais quando não caiba mais discussão na esfera administrativa, não sendo possível sua lavratura durante o procedimento administrativo, conforme se infere na obra de Hugo de Brito Machado124:

Questão de grande interesse e atualidade em matéria de crimes contra a ordem tributária consiste em saber se o Ministério Público pode oferecer denúncia antes da decisão final da autoridade no processo administrativo. Admitir-se que sim, implica admitir o uso da ação penal como instrumento para constranger o contribuinte ao pagamento de tributo, que pode não ser devido. Assim, para que sejam preservados os direitos constitucionais do contribuinte, entre os quais o de pagar apenas os tributos devidos, e de utilizar-se, para esse fim, do direito ao contraditório e à ampla defesa, inclusive no processo administrativo, não se pode admitir denúncia sem o prévio exaurimento da via administrativa.

Tal entendimento veio a ser consolidado pela súmula vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal125, bem como ao julgar o Habeas Corpus número. 81.611/DF, de 2003126, Supremo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sentido de que a ação penal não deve ser utilizada como instrumento de coação contra o contribuinte visando impedir que o mesmo conteste, pelas vias legais, a cobrança de tributo indevido.127

Para concluir, com a lavratura da representação fiscal para fins penais, o contribuinte poderá ser demandado em uma execução fiscal cobrando o valor devido acrescido das multas sancionatórias como visto alhures, e ainda poderá ser demandado criminalmente, estando sujeito à prisão e multa penal.128 Segundo elucida Hugo de Brito Machado as sanções criminais possuem caráter pessoal atingindo diretamente a pessoa natural, e se caracterizam pela possibilidade de qualquer pessoa suportá-las, independentemente de sua atividade profissional, de sua riqueza, ou qualquer outra qualificação. Nas palavras do autor “são as penas ditas corporais”.129

2.2 CRIMES TRIBUTÁRIOS

Como tratado alhures, o direito penal possui caráter fragmentário, sendo utilizado como ultima ratio do Estado para proteger determinado bem jurídico.

Visando esclarecer o tema, Cezar Roberto Bitencourt leciona que o direito penal é caracterizado pela imposição de sanções penais específicas, como solução para os conflitos que lhe são afetos. Tais sanções, são aplicadas através de atribuições de responsabilidade, possuindo critérios objetivos e subjetivos para a imputação de determinado ato ilícito. Destaca ainda, que para grande parte da doutrina pátria o direito penal possui uma dupla função: de punir o agente infrator e coibir a sociedade de praticar o ato tido como ilícito, devido a possibilidade da aplicação da sanção caso o faça.130

Sobre o assunto, o autor arremata:131

Pode-se afirmar, nesse sentido, que o Direito Penal caracteriza-se por sua finalidade preventiva: antes de punir o infrator da ordem jurídico-penal, procura motivá-lo para que dela não se afaste, estabelecendo normas proibitivas e cominando as sanções respectivas, visando evitar a prática do crime. Também o Direito Penal, a exemplo dos demais ramos do Direito, traz em seu bojo a avaliação e medição da escala de valores da vida em comum do indivíduo, estabelecendo ordens e proibições a serem cumpridas. Falhando a função motivadora da norma penal, transforma-se a sanção abstratamente cominada, através do devido processo legal, em sanção efetiva, tornando aquela prevenção genérica, destinada a todos, numa realidade concreta, atuando sobre o indivíduo infrator, concretizando a finalidade de prevenção especial, o que constitui a manifestação mais autêntica do seu caráter coercitivo.

Cezar Roberto Bitencourt ainda destaca, que devido a autonomia sistemática e teórica dos direitos penal e tributário, leva a conclusão que existem diferenças entre crime tributário (“infração penal”) e ilícito tributário (“infração tributária”). O autor distingue o ilícito tributário e o crime tributário em dois sentidos:132

O primeiro ponto diz respeito a ideia que o delito tributário deve representar uma ofensa a um bem jurídico, não apenas o descumprimento de uma norma imposta pelo direito tributário. Nesse sentido, Cezar Roberto Bitencourt destaca:133

Se partimos da premissa fundamental de que o Direito Penal tem como função a proteção subsidiária de bens jurídicos importantes, não podemos admitir a criminalização de condutas constitutivas de mera infração de dever. De modo que sempre e quando o comportamento tipificado não represente uma ofensa à preservação do bem jurídico ordem tributária, não há que se falar na deflagração do poder punitivo de Estado.

Corroborando com tal entendimento, Sérgio Valladão Ferraz entende que a mera inadimplência do tributo não pode ensejar a aplicação da sanção penal por ser mero descumprimento de lei tributária:134

A simples inadimplência no pagamento dos tributos, ou, em linguagem mais técnica, a não promoção da extinção do crédito tributário por uma das maneiras autorizadas pelo Código Tributário Nacional e pela legislação pertinente, não representa jamais gravidade suficiente a ensejar a aplicação da ultima ratio que deve ser a pena de Direito Penal. Apenas as condutas dolosas tipificadas na Lei nº 8.137/90 fazem com que o ilícito transcenda a esfera estritamente tributária para repercutir também no âmbito penal.

O segundo ponto tratado por Cezar Roberto Bitencourt diz respeito a persecução dos delitos, tendo em vista que os crimes tributários devem observar os princípios e regras de imputação próprios do direito penal. Sendo requisitos essenciais para a imputação delitiva a constatação da responsabilidade penal objetiva e subjetiva, bem como a declaração da culpabilidade. Que são pressupostos irrenunciáveis para a aplicação da pena.135

Os crimes tributários encontram-se disciplinados na Lei 8.137 de 1990, além de outros diplomas legais. Conforme elucida José Alves Paulino, estes delitos são condutas que afrontam o “sistema de órgão e instituições preservadoras da ordem tributária”, visando resguardar os direitos e deveres dos contribuintes como uma coletividade.136

Segundo o referido autor, o objetivo da instituição da Lei 8.137/90 foi de proteger a legislação tributária e remeter ao contribuinte a observância das regras editadas pelo Fisco. Ainda, com a intenção de coibir condutas voltadas a sonegação fiscal, buscou aumentar a arrecadação tributária.137

Vale ressaltar, que conforme entendimento defendido por Sérgio Valladão Ferraz, a violação de uma norma tributária, pode resultar em apenas um ilícito tributário, sendo aplicada somente a sanção tributária respectiva, ou, caso a conduta seja mais gravosa e tenha lesionado ou exposto a perigo o bem jurídico penalmente protegido através das condutas previstas na Lei 8.137/90, sofrerá simultaneamente as sanções administrativa e penal pelo ato. Enfatiza o autor que para “existência de um crime tributário pressupõe a de um ilícito tributário, apenável na esfera administrativa”.138

Em consonância com tal entendimento Cezar Roberto Bitencourt leciona:139

Com efeito, todo ilícito penal será, necessariamente, um ilícito civil ou administrativo, mas, como afirmamos, a recíproca não é verdadeira, isto é, nem sempre o ilícito civil ou administrativo será obrigatoriamente um ilícito penal, pois este terá de ser sempre e necessariamente típico, surgindo como traço distintivo a tipicidade, que é aquele plus exigido pelo princípio de legalidade.

Para arrematar, Hugo de Brito Machado corrobora com o entendimento acima exposto:140

Os atos de descumprimento de leis tributárias continuam ensejando as sanções administrativas - as multas. E ensejam também sanções penais quando não constituam puro e simples inadimplemento da obrigação principal, vale dizer, quando não signifiquem simplesmente o não pagamento do tributo, sem qualquer prática tendente a ocultar ou retardar a exteriorização de seu fato gerador.

Acrescido a essa relação entre a sanção penal e a administrativa, ainda há o fato de que os crimes tributários são “típicas normas penais em branco”.141 Isto significa que, o direito penal deve socorrer-se dos conceitos e significados jurídicos trazidos pelo direito tributário para poder definir sua tipicidade. Entendimento este que é ratificado por Sérgio Valladão Ferraz, que alega que essa correlação não se deu por mero acaso, mas devido a própria natureza das infrações tributárias:142

[...] os crimes contra a ordem tributária apresentarem-se como típicas normas penais em branco, repletas de conceitos que vão haurir diretamente no Direito Tributário o seu significado, em uma interdependência semântico-normativa bastante acentuada. Essa correlação é inevitável diante da própria natureza das infrações – contra a ordem tributária –, e não algo acidentalmente implementado pelo legislador pátrio.

O autor acrescenta ainda, que essa correlação se dá devido a necessidade de o direito penal buscar no direito tributário, alguns conceitos operacionais manejados pelas autoridades administrativas. Bem como, para a ocorrência de ilícito penal tributário é necessário que ocorra um ilícito não-penal, administrativamente punível.143

Na mesma linha José Alves Paulino:144

A norma penal especial – Lei n.º 8.137/90 –, ao tipificar as condutas enumeradas exaustivamente, utilizou-se de conceitos normativos retirados do Direito Tributário e, sem dúvida, é esse ramo do Direito que deverá ser consultado para precisar e detalhar o alcance daquela norma penal.

Os principais crimes tributários que podem ser cometidos pelo contribuinte, estão previstos nos artigos 1 e 2 da Lei 8.137 de 1990. Podem ser classificados como de natureza material ou de mera conduta.

Os delitos que são classificados como de natureza material, são aqueles previstos no artigo primeiro da Lei 8.137 de 1990.145 Ou seja, para que sejam materializados, é necessário a comprovação do resultado, “reduzir ou suprimir tributos”. Este entendimento é consubstanciado por Sérgio Valladão Ferraz em seu artigo publicado.146

Já os delitos definidos pelo artigo segundo da Lei 8.137 de 1990147, são definidos pela doutrina de crimes formais, ou de mera conduta. Não exigindo um resultado no plano fático para restar comprovada sua consumação, sendo que a simples prática das condutas nele descritas, já ensejaria a sanção penal, mesmo que não se obtenha uma supressão ou redução de tributo.148

Cezar Roberto Bitencourt faz a distinção entre os delitos tipificados nos artigos primeiro e segundo da aludida lei, trazendo uma crítica a redação do caput do artigo segundo nos seguintes termos:149

Além disso, a técnica de tipificação diferencia-se da utilizada no art. 1º, na medida em que não se requer, em nenhum dos incisos do art. 2º, para a consumação do crime, a produção de resultado material (supressão ou redução de tributo). De modo que as condutas incriminadas no art. 2º são constitutivas de crimes de mera conduta, isto é, distintos daqueles contidos no art. 1º.

Diferentemente dos ilícitos administrativos, é requisito essencial para apuração de um crime tributário que esteja presente a figura do dolo, pois, como o direito penal não comporta a responsabilidade objetiva do agente, se faz necessária a comprovação da intenção de quem cometeu a conduta. Nas palavras de Hugo de Brito Machado, essa sistemática ocorre em todo o mundo civilizado, sendo que a responsabilidade penal é “sempre subjetiva e pessoal”.150

O autor Cezar Roberto Bitencourt, corrobora com tal entendimento, acrescentando ainda, que nos delitos tributários não são cabíveis na modalidade culposa, sendo a única forma de se constatar a prática de um crime tributário, a comprovação do dolo. O que, segundo o autor, muitas vezes se faz de forma “presumida, para facilitar a incriminação do comportamento do agente, que não passa de um mero devedor do fisco”.151

Tal entendimento é reforçado pelo pensamento de Paulo José da Costa Júnior:152

[...] se nas infrações tributárias a responsabilidade é objetiva, pois independe da intenção do agente, nos estritos termos do art. 136 do Código Tributário Nacional, o que torna irrelevante a prospecção do elemento subjetivo, o delito fiscal não se configura sem a demonstração da conduta dolosa. Ou seja, sem dolo não há infração penal tributária.

Sobre o tema, Hugo de Brito machado leciona que o dolo específico é elemento essencial do tipo penal, quando trata sobre os delitos previstos nos artigos primeiro e segundo da Lei 8.137 de 1990:153

O dolo específico é elemento essencial do tipo, tanto no crime definido no art. 1º, como no crime definido no art. 2º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990. Pode parecer que este último é um crime formal, ou de mera conduta. Não é. Para que o tipo se complete é necessário que a conduta descrita na lei seja apta a impedir o conhecimento, pela autoridade (lançadora do tributo, da situação de fato que enseja o lançamento deste. Podemos, então, afirmar que no art. 2º, inciso I, é descrita conduta que configura a tentativa da prática do crime previsto no art. Iº, posto que é conduta apta a suprimir ou reduzir tributo.

Como critério elementar do tipo, Hugo de Brito machado, explana que inexiste crime tributário quando o contribuinte deixa de recolher, ou recolhe tributo a menor do que deveria, caso não tenha o dolo de fazê-lo. Ou seja, se o contribuinte recolhe o tributo acreditando que está agindo de acordo com a legislação tributária vigente, configura-se a figura do erro de tipo, que exclui o dolo do agente. Não podendo haver punição penal ao contribuinte por uma conduta da qual não há um requisito elementar do tipo penal.154

2.2.1 Dos crimes de natureza material

O entendimento doutrinário prevalente, é no sentido que os delitos previstos no artigo 1º da Lei 8.137/90155 possuem natureza material, ou seja, para restar comprovado a prática de um ilícito tributário, deve-se primeiramente, comprovar que houve um ilícito administrativo. Entendimento este que é extraído da obra de Leandro Palsen:156 “O art. 1º define crimes materiais que, portanto, tem como condição objetiva de punibilidade o lançamento definitivo dos respectivos tributos (Súmula Vinculante nº 24)”.

Nesta linha, entende Cezar Roberto Bitencourt:157

A classificação dos crimes contra a ordem tributária, segundo sua estrutura típica, como crimes de resultado ou crimes de mera conduta, não oferece maiores problemas. Existe, inclusive, um amplo consenso na doutrina no sentido de que a figura típica do art. 1º da Lei n. 8.137/90 é constitutiva de um crime de resultado, enquanto as figuras típicas do art. 2º são constitutivas de crimes de mera conduta.

José Alves Paulino, ao discorrer sobre o crime de sonegação fiscal, previsto no artigo 1º, inciso I da Lei 8.137/90, reforça o entendimento ressaltando a importância da comprovação da materialidade delitiva para a apuração da prática da conduta, em suas palavras: “O crime de sonegação fiscal é crime de resultado, não bastando para sua concretização a simples conduta descrita; há a necessidade de coexistirem a ação, o resultado e o fim”.158

Ao descrever as condutas previstas no artigo 1º da Lei 8.137/90, José Alves Paulino faz um comparativo com a Lei 4.729/65159 (que regulava o crime de sonegação fiscal até a edição da Lei 8.137/90), assevera que as condutas descritas no referido artigo, deixaram de ser crimes formais, como descritos pelo diploma anterior e passaram a exigir um resultado, sendo necessária a sua ocorrência no mundo físico. Para o autor, com o advento da Lei 8.137/90, o dolo, “que consiste na consciência e na vontade de suprimir e reduzir tributos”, não pode mais se depreender da conduta descrita pelo tipo penal sem alcançar o resultado almejado.160

Cezar Roberto Bitencourt ressalta a diferença dos crimes que exigem um resultado material, dos crimes de mera conduta (a serem tratados no tópico seguinte), quanto o seu momento consumativo. Sendo que os crimes materiais são consumados com a efetiva prática da lesão ou perigo em concreto. Já os crimes de mera conduta têm sua consumação antecipada para o momento da prática da conduta delitiva, independentemente da produção de um resultado naturalístico ou não.161

Ainda acerca do momento consumativo do delito, Cezar Roberto Bitencourt ressalta que deve haver o prejuízo ao erário, sendo necessário para comprovação deste requisito que o crédito tributário esteja formalmente constituído nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional:162

[...] no crime de resultado tipificado no art. 1º, a consumação, em princípio, ocorre quando se produz o prejuízo ao erário público, isto é, quando o agente consegue que se reduza ou suprima tributo. Para determinar, na prática e em sentido técnico, o momento consumativo, é preciso, contudo, levar em consideração o tipo de ação praticado e a espécie tributária afetada. E isso porque para tratar propriamente de redução e supressão de tributo é necessário que, em face da existência de uma obrigação tributária, o crédito tributário esteja formalmente constituído através do lançamento (art. 142 do CTN).

Por fim, assevera o referido autor que para que reste comprovada a materialidade do delito não necessita somente a conduta praticada pelo contribuinte, mas se faz necessário uma ação do Fisco a fim de constituir o crédito tributário, podendo estender o inter criminis por um longo período de tempo. Conforme suas palavras:163

Em outras palavras, significa que somente haverá redução ou supressão de tributo após o período de constituição do crédito tributário, e na medida em que o agente logre, em detrimento do erário público, pagar menos do que era realmente devido, ou evitar completamente o pagamento de tributo pela falta de constituição do crédito tributário. E se levarmos em consideração as distintas modalidades de lançamento previstas pela legislação tributária, segundo a espécie de tributo (lançamento de ofício, por declaração e por homologação), não podemos chegar a outra conclusão senão a de que o iter criminis pode estender-se por muito tempo, especialmente na hipótese prevista no art. 150, § 4º, do CTN, quando a homologação do lançamento efetue-se ao cabo de cinco anos.

Com base nestes apontamentos, é cediço que os delitos previstos no artigo primeiro da Lei 8.137 de 1990, possuem natureza de crime material, sendo necessário para sua tipificação a prévia constituição do débito tributário, conforme Súmula Vinculante número 24.164

2.2.2 Dos crimes formais

Segundo entendimento de doutrina majoritária, os delitos previstos no artigo 2º da Lei 8.137/90165 possuem natureza de crime formal, em outras palavras, não exige um resultado no plano fático para restar comprovada a prática do ato delitivo.166

Corroborando com este entendimento Cezar Roberto Bitencourt elucida:167

Nos crimes de mera conduta o tipo penal não requer a produção de nenhum resultado material, de modo que a simples ação ou a simples omissão descrita já é suficiente para a sua consumação. Nesses termos, quando o agente realiza o comportamento incriminado no art. 2º e seus incisos, estamos diante de um crime contra a ordem tributária consumado.

À contrário senso do posicionamento doutrinário dominante Hugo de Brito Machado leciona que, o artigo 2, inciso I da Lei 8.137/90168, apesar de parecer um crime formal ou de mera conduta, não é. Ressalta o autor, que para a aferição do tipo penal é necessário que a conduta seja apta a impedir o conhecimento pela autoridade tributante de valor a ser arrecadado. Afirma ainda, que o referido delito se enquadra como modalidade tentada do crime previsto no artigo 1ª, inciso I do mesmo diploma legal.169

Tendo em vista o que os crimes tipificados pelo artigo 2º da Lei 8.137/90 consumam-se com a prática da conduta descrita no tipo penal, Cezar Roberto Bitencourt ressalva que, para o agente ser criminalmente punido é requisito esgotar o procedimento administrativo. Elucida o autor, que o procedimento administrativo serve para formar um juízo de valor sobre a existência de obrigação principal ou acessória, sobre sua exigibilidade também o valor do débito ou o não cumprimento dos deveres formais.170

Nesse ponto, o autor conclui:171

Dessa forma, o encerramento do processo administrativo-fiscal é necessário para que se possa formar um juízo mínimo de convicção acerca da prática de um crime, independentemente de tratar-se de crime de resultado ou de mera conduta. Quando, no entanto, o objeto de discussão no processo administrativo-fiscal versa sobre o quantum do débito, o encerramento da via administrativa justifica-se para que o agente possa beneficiar-se das medidas despenalizadoras previstas, mediante o pagamento do que é devido.

Ainda, Cezar Roberto Bitencourt ressalta a necessidade da conclusão do procedimento administrativo antes de se iniciar o procedimento penal, a fim de preservar os direitos do contribuinte a um julgamento simultâneo entre duas instâncias podendo chegar a um resultado contraditório entre elas, ilustrando com o seguinte exemplo:172

Imagine-se, por exemplo, a hipótese da sentença proferida no juízo cível que, com anterioridade à prolação da sentença penal, reconhece a origem fortuita (não intencional) de um dano patrimonial determinado: constituiria verdadeiro despautério jurídico admitir que a sentença penal, por se tratar de instância independente, pudesse até condenar o autor do mesmo dano pela prática de um crime doloso. Mutatis mutandis, é o que vem ocorrendo, desafortunadamente, no quotidiano forense, especialmente perante alguns dos tribunais federais, em que se admite a condenação por sonegação fiscal em hipóteses que a própria Receita Federal reconhece não haver tributo devido, sob o falacioso argumento de que se trata de instâncias independentes e distintas.

No entanto, a fim de pacificar a matéria surgiu a Lei 12.350 de 2010, que em seu artigo 43, deu nova redação ao artigo 83 da Lei 9.430/96 exigindo expressamente que a representação fiscal para fins penais nos crimes dos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 somente serão encaminhadas ao Ministério Público após a decisão final em processo administrativo. In verbis:173

Art. 43. O art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Portanto, para que se constate a prática de uma infração penal tributária, se faz necessária a prévia constituição definitiva do tributo, seja nos crimes de natureza material, como elucidado alhures, seja nos crimes de natureza formal previstos pela Lei 8.137 de 1990.

2.2.3 Do crime de descaminho

O crime de descaminho possui previsão atual no artigo 334 do Código Penal, cominando pena de 1 a 4 anos de reclusão a quem iluda no todo ou em parte o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.174

Vale ressaltar, que o artigo 334 do Código Penal em sua redação anterior à Lei 13.008 de 26 de junho de 2014175 possuía previsão dos crimes de descaminho e contrabando no mesmo diploma, possuindo a seguinte previsão:

Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (...).

Ao analisar o dispositivo supra, Amaury Reis destaca que a primeira parte do tipo penal, “importar ou exportar mercadoria proibida”, era conduta referente ao crime de contrabando. Já a segunda parte do diploma legal, “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria” se tratava da conduta referente ao crime de descaminho. Porém, critica o autor, que com a redação anterior, o artigo 334 do código penal previa a mesma pena para condutas com grau de lesividade diferentes, surgindo a Lei 13.008 de 26 de junho de 2014 distinguindo os tipos penais e adequando a penas de acordo com a gravidade da conduta.176

O ministro Gilmar Mendes ao julgar o Habeas corpus 110.964/SC diferenciou o crime de contrabando do crime de descaminho, sendo o primeiro a conduta de importar ou exportar produto proibido, e o segundo importar ou exportar produto permitido nacionalmente, porém suprimindo no todo ou em parte o tributo devido:177

No ponto, cumpre destacar as diferenças entre os tipos objetivos do contrabando e do descaminho. Enquanto o contrabando corresponde à conduta de importar ou exportar mercadoria proibida, o descaminho corresponde à entrada ou à saída de produtos permitidos, todavia elidido, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou de imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo da mercadoria.

Quanto a necessidade da constituição definitiva do crédito tributário para configurar o crime de descaminho, Rogério Sanches Cunha, assevera que o entendimento majoritário perpetrado pelo STF e STJ é no sentido que este delito se trata de crime formal, portanto sendo desnecessária a constituição definitiva do crédito tributário para sua caracterização. Porém, ressalta que há grande discussão acerca do tema, possuindo entendimentos divergentes dentro das próprias cortes supracitadas.178

2.2.4 Da Aplicação do princípio da insignificância

Em relação a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários, aplica-se por analogia o disposto na Lei 10.522, de 19 de julho de 2002, em seu artigo 20, o qual, regula que não serão exigidas as execuções fiscais da união devidas cujo valor não ultrapasse R$ 10.000,00 (dez mil reais):179

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Tal entendimento é extraído da obra de Fernando Capez, ressaltando o posicionamento do Superior Tribunal de justiça ao considerar o fato atípico, visto que tal quantia seria irrisória, não sendo vantajoso a instauração de execução fiscal, assim, em suas palavras:180

Na hipótese de crime de descaminho de bens, serão arquivados os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) (cf. art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redação determinada pela Lei n. 11.033/2004). Assim, no caso de o débito tributário e a multa não excederem a esse valor, a Fazenda Pública está autorizada a se recusar a efetuar a cobrança em juízo, sob o argumento de que a irrisória quantia não compensa a instauração de um executivo fiscal, o que levou o Superior Tribunal de Justiça a considerar atípico o fato, por influxo do princípio da insignificância.

Tal entendimento é reiterado pela Corte Superior ao julgar o Habeas Corpus 307791, julgado em 5 de março de 2015, de relatoria do Ministro Felix Fischer:181

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, INCISO I, DA LEI N. 8.137/1990). TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. VALOR DO ICMS ILUDIDO INFERIOR A DEZ MIL REAIS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. TRIBUTO DE COMPETÊNCIA ESTADUAL. INAPLICABILIDADE DO PATAMAR DISPOSTO NO ART. 20 DA LEI N. 10.522/2002. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL APENAS AOS TRIBUTOS DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

Sendo este também o entendimento praticado pelo Supremo Tribunal Federal, como se observa no Habeas Corpus, nº 100366 PR, de relatoria do ministro Eros Grau, julgado em 1º de dezembro de 2009:182

HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. DÉBITO TRIBUTÁRIO INFERIOR AO VALOR PREVISTO NO ART. 20 DA LEI Nº 10.522/02. ARQUIVAMENTO. CONDUTA IRRELEVANTE PARA A ADMINISTRAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

Sendo tal posicionamento sedimento pela Suprema corte, como pode-se observar nos Habeas Corpus número 104407 DF183 e 99284 RS184, sendo certo da aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários, quando o valor do débito sonegado mais o dos juros e multa não ultrapassar a monta de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

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Sobre o autor
Alexandre Casas

Andrade Jr. Advogados Associados, escritório estabelecido no centro da cidade de Brusque, com 19 anos de atuação, com ética, empenho e compromisso.

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