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Aplicação das medidas despenalizadoras nos crimes tributários

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12/07/2018 às 11:46
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Capítulo 3. DA APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DESPENALIZADORAS AFETAS AOS CRIMES TRIBUTÁRIOS

Neste Capítulo será realizado uma análise dos institutos despenalizadores mais comuns, porém, de grande relevância no ordenamento pátrio.

Tratar-se-á inicialmente da transação penal e da suspensão condicional do processo. Será buscado apresentar suas possibilidades de utilização nos crimes tributários, bem como seus requisitos.

Em seguida será tratado sobre a extinção e suspensão da pretensão punitiva estatal, que é o tema fundamental da presente pesquisa. Assim, inicialmente será realizado um estudo sobre as legislações que já regeram e regem o assunto, afim de demonstrar qual o entendimento do legislador pátrio acerca dos crimes tributários.

Por fim, será tratado especificamente da extinção da punibilidade pelo pagamento e da suspensão da pretensão punitiva do estado pelo parcelamento do débito tributário, fazendo uma análise das legislações vigentes sobre a matéria. Buscando elucidar também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

3.1TRANSAÇÃO PENAL E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

Inicialmente, será discorrido sobre duas medidas despenalizadoras de grande relevância para o direito, porém com aplicação mais restrita aos crimes tributários185, que são os institutos da transação penal e da suspenção condicional do processo. Tratando, nos tópicos que seguem, seus conceitos, requisitos e sua aplicação em nosso ordenamento pátrio.

3.1.1 Transação penal nos crimes tributários

A transação penal é um instituto aplicado nas infrações de menor potencial ofensivo, que segundo artigo 61 da Lei dos Juizados Especiais, possuem pena máxima não superior a dois anos.186 Este instituto está previsto no artigo 76 da Lei 9.099 de 1995, e, consiste em aplicação de penas restritivas de direitos ou multa.187

Fernando Capez define transação penal como:188

[...] um acordo celebrado entre o representante do Ministério Público e o autor do fato, pelo qual o primeiro propõe ao segundo uma pena alternativa (não privativa de liberdade), dispensando-se a instauração do processo. Amparada pelo princípio da oportunidade ou discricionariedade, consiste na faculdade de o órgão acusatório dispor da ação penal, isto é, de não promovê-la sob certas condições, atenuando o princípio da obrigatoriedade, que, assim, deixa de ter valor absoluto.

Apesar de o Representante do Ministério Público ser o legitimado para oferecer a proposta de transação penal, e sua oferta ser uma discricionariedade de seus membros, tal liberdade não é absoluta. Por regra expressa pelo artigo 76, parágrafo segundo da Lei dos Juizados Especiais, existem alguns requisitos que devem ser observados para que o réu tenha direito a este benefício:189

Art. 76. [...] § 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

Ao discorrer sobre os requisitos da transação penal, Marisa Ferreira dos Santos e Ricardo Cunha Chimenti, elucidam que em respeito ao princípio da vedação constitucional às penas de caráter perpétuo, bem como a aplicação analógica do inciso segundo do artigo 76 da Lei 9.099/95, condenações transitadas em julgado a mais de cinco anos não impedem, por si só, o oferecimento da transação penal, nem mesmo condenações por contravenções panais. Contudo, tais condenações e mesmo inquéritos policiais arquivados podem gerar maus antecedentes, conforme consta da tese 136 da reunião ordinária do Setor de Recursos Extraordinários e Especiais do Ministério Público do Estado de São Paulo, realizada em 8-5-2003.190

Ao autor do fato é facultado aceitar ou não a proposta de transação penal, caso não a aceite, será oferecida denúncia, nos termos do artigo 77 da Lei 9.099 de 1995.191 Caso a proposta seja aceita, será submetida ao magistrado, que aplicará a medida ofertada pelo parquet (pena restritiva de direitos ou multa). Ainda, o aceite da transação penal não implica em reincidência ou mesmo admissão de culpa, sendo que sua homologação não possui efeitos civis.192 Somente haverá o registro da concessão da transação penal para que o suposto autor do fato não se aproveite do mesmo benefício duas vezes, pois nos termos do artigo 76, parágrafo segundo, inciso dois, da Lei 9.099/95193, o réu não terá direito a tal benefício duas vezes no prazo de cinco anos.194

Vale salientar que de acordo com o Enunciado 114 do FONAJE195, “A Transação Penal poderá ser proposta até o final da instrução processual”. Ainda, de sua sentença homologatória cabe apelação, nos termos do artigo 76, parágrafo quinto da Lei dos Juizados Especiais.196

Ao estudar o instituto da transação penal nos crimes tributários, vislumbra-se sua aplicação, porém de forma mais restrita, visto que somente é aplicável nos delitos com pena máxima cominada de até dois anos197. Hipótese que incide somente nas condutas tipificadas pelo artigo segundo da Lei 8.137/90198, sendo que as demais tipificações desta lei possuem pena máxima superior a dois anos, da qual não é possível a aplicação da transação penal, somente de outras medidas despenalizadoras, como será tratado adiante.

3.1.2 Suspensão Condicional do Processo nos crimes tributários

A Suspensão Condicional do Processo é uma medida despenalizadora prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95, e, segundo previsão expressa da norma é aplicável aos delitos que tramitam sob o rito dos juizados especiais ou mesmo de outros ritos, com pena mínima não superior a um ano, conforme in literis: 199

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.

Ricardo Cunha Chimenti, define a Suspensão Condicional do Processo como:200

A suspensão condicional do processo, comumente denominada “sursis antecipado” ou “sursis processual”, é um instituto que permite a extinção da punibilidade sem a imposição de pena (desde que cumpridas as condições).

Nesta senda, Rafael Paula Parreira Costa, define como:201

[...] instituto que preconiza a resolução amigável dos conflitos, por meio de um acordo realizado entre o Ministério Público e o réu primário, aplicando-se a todos os crimes cuja pena mínima não exceda a 1 ano.

Além da pena mínima prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95, existem outros requisitos que devem ser observados para a concessão do benefício do SURSIS, sendo alguns deles previstos no próprio artigo 89202, quais sejam, “o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime” e também no artigo 77 do Código Penal, que são:203

Art. 77 [...] I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;

A proposta de Suspensão Condicional do Processo é oferecida por representante do Ministério Público junto do oferecimento da denúncia. Aceita a proposta, o autor do crime será submetido a um período de prova de 2 a 4 anos, sob as condições elencadas nos incisos I a IV do parágrafo 1º do art. 89 da Lei dos Juizados Especiais, quais sejam: reparação do dano, comparecimento mensal em Juízo, proibição de frequentar determinados lugares, proibição de ausentar-se da comarca onde reside sem autorização judicial e outras que o magistrado entender por necessárias, fixadas conforme parágrafo segundo do mesmo dispositivo.204

Já quanto a possibilidade de revogação do benefício Rafael Paula Parreira Costa, menciona que a reparação do dano causado é elemento fundamental para que o acusado possa obter o SURSIS, e caso não o faça, é causa de revogação obrigatória da benesse.205

Contudo, com base no disposto no parágrafo primeiro, inciso um do artigo 89 da Lei 9.099/95, percebe-se disposição expressa que a reparação do é requisito essencial, “salvo a impossibilidade de fazê-lo”. Nesta toada percebe-se que quando for impossível ao autor do fato a concessão da suspensão da pretensão punitiva Estatal, seja pela preclusão do momento de sua concessão, seja pela impossibilidade do réu reparar o dano, cumprindo os demais requisitos é seu direito à concessão da Suspensão Condicional do processo.206

3.2 LEGISLAÇÕES JÁ VIGENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO QUANTO A SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO NOS CRIMES TRIBUTÁRIOS

Neste item, cabe estudar as legislações já vigentes no ordenamento jurídico pátrio sobre a matéria da extinção da punibilidade e a suspensão da pretensão punitiva como medidas despenalizadoras clássicas, afim de demonstrar a intenção do legislador brasileiro sobre o tema. Ainda, cabe ressaltar que tal instituto não possui origem nacional, sendo importado de diversas legislações alienígenas, como menciona Cezar Roberto Bitencourt:207

As cláusulas de regularização fiscal que condicionam a punibilidade dos crimes fiscais não constituem um instituto de origem nacional. Como manifesta Iglesias Río, há mais de um século que as cláusulas de regularização fiscal existem no ordenamento jurídico alemão e austríaco, estando também presentes em outros países europeus como Suíça, Itália, Espanha e Portugal. Para a doutrina espanhola, a natureza jurídica da regularização fiscal efetuada pelo contribuinte é a de causa pessoal de exclusão da pena, também chamada de escusa absolutória.

Diversos foram os ordenamentos que regularam as matérias de extinção e suspensão da pretensão punitiva estatal no ordenamento pátrio. Como observa Maximiliano Führer:208

No Direito Penal Tributário, o pagamento integral do tributo é, de longe, a causa mais importe de extinção da punibilidade. O histórico da legislação que regula a matéria se assemelha a uma novela romântica, com idas e vindas e momentos de grande emoção.

Nesta toada, também elucida Hugo de Brito Machado:209

A questão da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo tem sido objeto de sérias divergências. De um lado os que pretendem um direito penal desprovido de utilitarismo, sustentando que admitir a extinção da punibilidade pelo pagamento implica favorecer os mais abastados, que poderão livrar-se da sanção pagando o tributo cobrado. De outro, os que sustentam que a criminalização do ilícito tributário é, na verdade, desprovida de conteúdo ético, prestando-se mesmo como instrumento para compelir o contribuinte ao pagamento do tributo e que, por isto, deve ser premiado o que paga porque permite seja alcançado o objetivo a final buscado com a cominação da sanção penal.

A fim de evidenciar essas “idas e vindas”, como menciona Maximiliano Führer, é que se propõe discorrer sobre cada lei que já esteve vigente no Brasil. Com o intuito de elucidar qual o objetivo do direito penal tributário e qual a vontade legislativa vigente em cada período.

3.2.1 Lei 4.729, de 14 de julho de 1965

A Lei 4.729 de 1965, foi o primeiro diploma legal a tratar especificamente sobre os crimes contra a ordem tributária, sendo esta legislação responsável por definir o crime de Sonegação Fiscal.210 Inaugurando no ordenamento jurídico juntamente com o crime de Sonegação Fiscal, o mesmo diploma legal tratou de criar a primeira hipótese de extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo, com previsão no seu artigo segundo, in litteris:211

Art. 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes previstos nesta Lei quando o agente promover o recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal própria.

Contudo, tal dispositivo não apresentava eficácia prática, visto que somente se admitiria a extinção da punibilidade pelo pagamento, caso este viesse a ser realizado antes da instauração de investigação administrativa, o que equivale a denúncia espontânea prevista no artigo 138 do Código Tributário Nacional. Como segue:212

Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Como pode-se observar da leitura dos dispositivos supracitados, apesar de ser o diploma inaugural de uma das mais relevantes mediadas despenalizadoras nos crimes tributários213, possuía pouca eficácia prática, visto que os requisitos para que se operasse a extinção da punibilidade pelo pagamento eram os mesmos da denúncia espontânea.

3.2.2 Decreto-Lei 157, de 10 de fevereiro de 1967

Com a edição do Decreto-Lei 157 de 1967, houve significativa mudança na matéria, tendo em vista que a norma prevista em seu artigo 18 ampliou o momento que poderia ser realizado o pagamento dos tributos, permitindo que o faça mesmo após o início do procedimento fiscal. Diferindo assim do instituto da denúncia espontânea.

Tal entendimento é difundido por Danillo Vilar Pereira em artigo publicado, como segue:214

Surgiu, então, o art. 18 do Decreto-Lei n.º 157, de 10 de fevereiro de 1967, norma mais ampla, estabelecendo a extinção da punibilidade dos crimes definidos na Lei n.º 4.729/65 caso, mesmo iniciada a ação fiscal, o agente promovesse o recolhimento dos tributos e multas devidos, de acordo com as disposições do Decreto-lei n.º 62, de 21 de novembro de 1966.

Ao analisar o artigo 18 do Decreto-Lei 157 de 1967, é possível observar que a intenção do legislador da época era de dar maior ênfase ao recolhimento do tributo, mesmo nos casos já com discussão administrativa, pois, nos termos da legislação anterior, com a instauração do procedimento administrativo, pouco benefício traria a condição do contribuinte infrator, caso viesse a ser condenado. Em seus termos:215

Art 18. Nos casos de que trata a Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, também se extinguirá a punibilidade dos crimes nela previstos se, mesmo iniciada a ação fiscal, o agente promover o recolhimento dos tributos e multas devidos, de acôrdo com as disposições do Decreto-lei nº 62, de 21 de novembro de 1966, ou dêste Decreto-lei, ou, não estando julgado o respectivo processo depositar, nos prazos fixados, na repartição competente, em dinheiro ou em Obrigações Reajustáveis do Tesouro, as importâncias nele consideradas devidas, para liquidação do débito após o julgamento da autoridade da primeira instância.

§ 1º O contribuinte que requerer, até 15 de março de 1967, à repartição competente retificação de sua situação tributária, antes do início da ação fiscal, indicando as faltas cometidas, ficará isento de responsabilidade pelo crime de sonegação fiscal, em relação às faltas indicadas, sem prejuízo do pagamento dos tributos e multas que venham a ser considerados devidos.

§ 2º Extingue-se a punibilidade quando a imputação penal, de natureza diversa da Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, decorra de ter o agente elidido o pagamento de tributo, desde que ainda não tenha sido iniciada a ação penal se o montante do tributo e multas fôr pago ou depositado na forma dêste artigo.

Com o surgimento o artigo 18 do Decreto-Lei 157 de 1967 observa-se movimentação por parte do legislativo a fim de incentivar o recolhimento dos tributos por parte dos contribuintes infratores em prejuízo da persecução criminal.

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3.2.3 Lei 5.498, de 9 de setembro de 1968

No ano seguinte a edição do Decreto-Lei 157, o legislador pátrio estendeu o benefício da extinção da punibilidade pelo pagamento aos contribuintes que cometeram infrações tributárias e que realizassem o pagamento integral do tributo ou iniciasse o parcelamento, no prazo de trinta dias a contar da edição da Lei.216

Tal benesse veio prevista no artigo 1º da Lei 5.498 de 1968, como segue:217

Art 1º Extingue-se a punibilidade dos crimes previstos na Lei número 4.729, de 14 de julho de 1965, para os contribuintes do impôsto de renda que, dentro de 30 (trinta) dias da publicação desta Lei, satisfizerem o pagamento de seus débitos na totalidade, ou efetuarem o pagamento de 1ª (primeira) quota do parcelamento que lhes tenha sido concedido.

§ 1º Fica igualmente extinta a punibilidade dos contribuintes, mencionados neste artigo, que tenham pago seus débitos ou que os estejam pagando na forma da legislação vigente. [...]

Com a extensão desta medida, ressalta a intenção do legislador em dar ênfase ao recolhimento aos cofres públicos, buscando ampliar as receitas percebidas, como já ocorria com a legislação regente do crime de sonegação fiscal.

3.2.4 Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990

Posterior regulação se deu por meio da Lei 8.137 de 1990, que é responsável por regular os crimes contra a ordem tributária até os dias presentes. A referida legislação previa em seu artigo 14 a extinção da punibilidade nos crimes previstos em seus artigos 1º à 3º. Tal regulamentação ampliou em muito o bojo de aplicação desta mediada despenalizadora, visto que somente era aplicável a poucos tipos penais, estendendo-se a diversos outros.218

Ainda, além da ampliação dos tipos penais, o artigo 14 trouxe regra mais benéfica ao contribuinte ao prever que a extinção da punibilidade se operaria mesmo após o oferecimento da denúncia, estabelecendo como marco limite o recebimento desta219, assim nos termos do artigo 14 da Lei 8.137/90:220

Art. 14. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1° a 3° quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Pela observância das normas até aqui elencadas, percebe-se que o legislador vinha progressivamente ampliando as possibilidades de que os contribuintes infratores se beneficiassem das medidas despenalizadoras pagando seus débitos tributários.

3.2.5 Lei 8.383, de 30 de dezembro de 1991

Ocorre, que a norma benéfica prevista no artigo 14 da Lei 8.137/90 teve pouco tempo de vigência, sendo no ano seguinte foi revogada expressamente pelo artigo 98 da Lei 8.383/91.221 Momento este, que foi extirpado do ordenamento pátrio a extinção da punibilidade pelo pagamento dos débitos tributários. Notando-se maior prioridade, por parte do legislador pátrio, à persecução penal pela prática do ilícito, do que uma política de incentivo à arrecadação.

3.2.6 Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995

A aplicação da medida despenalizadora, extinção da punibilidade pelo pagamento, somente veio a ter lugar no ordenamento jurídico brasileiro novamente quatro anos após sua revogação, com a edição da Lei 9.249 de 1995.

Nas palavras de Danillo Vilar Pereira:222

O pagamento como causa extintiva da punibilidade somente foi excluído no período acima mencionado em razão do advento da Lei n.º 8.383/91, porém retornou a possibilidade de extinção da punibilidade com a lei n.º 9.249/95, desde que o pagamento fosse realizado antes do recebimento da denúncia.

Tal medida foi inserida no ordenamento pátrio com redação muito semelhante à anterior, sendo o tempo para pagamento também até o recebimento da denúncia, assim nos termos do artigo 34 da Lei 9.249/95:223

Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Com tal norma, voltou a viger a medida despenalizadora da extinção da punibilidade pelo pagamento, mostrando uma ineficácia da norma penal em coibir a prática de ilícitos penais, buscando-se ao menos ressarcir os cofres públicos dos valores não arrecadados.224

3.2.7 Lei 9.964, de 10 de abril de 2000

Com a edição da Lei 9.964 de 2000, conhecida como REFIS, o legislador brasileiro inovou no ordenamento jurídico trazendo a hipótese da suspensão da pretensão punitiva do Estado no seu artigo 15, in litteris:225

Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2º O disposto neste artigo aplica-se, também:

I – a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, que adotem, no que couber, normas estabelecidas nesta Lei;

II – aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13.

§ 3º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal.

O Programa de Recuperação Fiscal (REFIS) surgiu com o intuito de regularizar os débitos com vencimento até o dia 29 de fevereiro de 2000, conforme narra Cezar Roberto Bitencourt:226

[...]. Essa hipótese foi instituída por meio do art. 15, da Lei n. 9.964/2000, que criou o Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), abrangendo os crimes tributários praticados por agentes cujas empresas aderissem ao aludido Programa, para a regularização do pagamento de débitos tributários com vencimento até 29 de fevereiro de 2000, antes do recebimento da sentença. [...]. Vale a pena ainda ressaltar que, de acordo com o § 1º do art. 15, “A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva”.

Assim, aqueles que aderissem ao programa fazendo o parcelamento teriam a pretensão punitiva estatal suspensa, e com o adimplemento total do débito, seria extinta. Restando evidente o incentivo dado pelo Estado para a regularização fiscal.

3.2.8 Lei 10.684, de 30 de maio de 2003

No ano de 2003, dando continuidade à política de incentivo à regularidade fiscal e arrecadação dos tributos foi editada a Lei 10.684, a qual instituiu o Parcelamento Especial (PAES), trazendo em seu artigo 9º, norma mais benéfica ao contribuinte, estendendo o momento para a realização do parcelamento ou o pagamento integral do débito para qualquer momento, mesmo que o magistrado já tenha recebido a denúncia, como segue seu texto:227

Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

Acerca do artigo 9º da Lei 10.684 de 2003, Fernando Capez leciona:228

Referido diploma legal: (a) previu a suspensão da prescrição punitiva do Estado enquanto a pessoa jurídica relacionada com o agente estivesse incluída no regime de parcelamento do débito tributário; (b) determinou a extinção da punibilidade assim que o sujeito efetuasse o pagamento integral dos débitos tributários e seus acessórios. Como se percebe, a Lei em estudo admitiu o pagamento do tributo a qualquer tempo. Não dispôs a Lei acerca de qualquer limite temporal consubstanciado na expressão “antes do recebimento da denúncia”, de forma que o pagamento realizado, inclusive, em grau recursal extinguiria a punibilidade do agente.

Hugo de Brito Machado, corrobora com o entendimento acima descrito e ainda vai além, alegando que é possível a ocorrência da extinção e suspenção da punibilidade criminal, mesmo após o transito em julgado da sentença condenatória.229

3.2.9 Lei 11.941, de 27 de maio de 2009

Seguindo a mesma linha de incentivo à arrecadação tributária o legislador pátrio editou a Lei 11.941 de 2009. Sobre a motivação legislativa, Cezar Roberto Bitencourt trata: “Recentemente, ainda imbuído do propósito de facilitar a regularização fiscal, em prol da pretensão arrecadadora do Estado, instituiu-se nova possibilidade de parcelamento, bastante ampla [...]”.

A Lei em comento traz em seus artigos 68 e 69 as regras sobre a suspensão e extinção da pretensão punitiva estatal, através do parcelamento e do pagamento, novamente sem estabelecer um limite temporal para que o contribuinte possa realiza-los. Com a redação dos artigos que segue:230

Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1º a 3º desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei.

Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.

Parágrafo único. Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no § 15 do art. 1º desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal.

Com advento desta legislação mostra novamente um incentivo às políticas descriminalizadoras nos crimes tributários, a fim de facilitar a captação de recursos por parte do Estado.

3.2.10 Lei 12.382, de 25 de fevereiro de 2011

Por fim, em legislação mais recente sobre o tema, o legislador pátrio editou a Lei 12.382 de 2011, que deu contornos mais rígidos à matéria. A referida lei em seu artigo 6º acrescentou ao artigo 83 da Lei 9.430 a seguinte redação:231

Art. 6º O art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1º a 5º, renumerando-se o atual parágrafo único para § 6º:

Art. 83. ...........................................................

§ 1º Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.

§ 2ºÉ suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.

§ 3º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.

§ 5º O disposto nos §§ 1º a 4º não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento.

§ 6º As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.

Contudo, Fernando Capez faz a ressalva alegando que a Lei 12.382 de 2011 é eivada de inconstitucionalidade, visto que trata de matéria relativa ao salário mínimo e aos crimes tributários, ferindo assim a Lei Complementar 95/98. Em suas palavras:232

[...] faz-se mister mencionar que a nova disciplina traz consigo uma grave mácula relativa ao seu procedimento legislativo, pois veiculou num mesmo texto legislativo matéria atinente a salário mínimo e crimes tributários, portanto, objetos completamente diversos, com explícita ofensa à Lei Complementar n. 95/98, a qual prescreve em seu art. 7º que cada norma tratará de um único objeto e não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este vinculada por afinidade, pertinência ou conexão.

Sobre a referida legislação Danillo Pereira Vilar enaltece, que a lei surgiu com o condão de frear a protelação por parte dos contribuintes, os quais durante a instrução criminal realizavam sucessivas adesões a programas de parcelamento. Limitando, a partir da edição da lei, para a possibilidade de suspender a pretensão punitiva até o recebimento da denúncia.233

3.3 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO E DA SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PELO PARCELAMENTO

Com estes breves apontamentos sobre as legislações pátrias que já regeram/regem sobre as formas de extinção e suspensão da punibilidade pelo pagamento nos crimes tributários, resta neste momento tratar mais a fundo acerca do instituto da extinção da punibilidade pelo pagamento e da suspensão da pretensão punitiva, bem como demonstrar quais são os ordenamentos jurídicos hora vigentes e o entendimento predominante na atualidade.

Diante de tantas inovações legislativas tratando sobre a suspensão da pretensão punitiva do Estado, bem como, da extinção da punibilidade pelo pagamento nos delitos fiscais, surgem várias discussões acerca da matéria. Principalmente, na falta de norma revogando expressamente os vários dispositivos que regulam a matéria, surge a celeuma de qual norma deve ser aplicada à cada caso em concreto.

Existem entendimentos que a Lei 12.382 de 2011, veio regular somente as matérias relativas ao parcelamento dos débitos tributários, na qual estabelece marco temporal para que a pretensão punitiva do Estado seja suspensa, qual seja, até o recebimento da denúncia. Sendo que o diploma que regula a extinção da punibilidade pelo pagamento integral do débito, continua sendo regulada pela Lei 10.684 de 2003, da qual, estabelece como marco temporal, o transito em julgado da sentença condenatória.234

Nesta linha de pensamento segue Danillo Villar Pereira, ao discorrer, em artigo publicado, sobre a Lei 12.382/2011, ressaltando que o entendimento predominante é que esta regula especificamente as questões relativas ao parcelamento do débito tributário:235

O entendimento majoritário e ao qual se filia o professor Luiz Flávio Gomes é que a lei veio apenas a regular extinção da punibilidade por meio do pagamento indireto, ou seja, precedido de parcelamento. Assim, em nada se alterou sobre o tratamento da matéria quanto à possibilidade de pagamento direto ainda que realizado após o recebimento da denúncia.

Posição idêntica é perfilhada por Sávio Guimarães, aduzindo que a nova lei se referiu apenas aos débitos em parcelamento, ao passo que a única mudança relevante ficou mesmo restrita ao marco limite para a suspensão da pretensão punitiva.

Sobre o tema Rogério Sanches Cunha:236

O STF já decidiu que a Lei n° 12.382/11 convive com o art. 9°, § 2°, da Lei n° 10.684/03. Julgando habeas corpus em processo que apurava sonegação fiscal, o relator esclareceu que o impetrante buscava ver declarada extinta a punibilidade, considerado o pagamento integral de débito tributário constituído. No writ, fez referência ao voto externado no exame da AP 516 ED/DF, segundo o qual a Lei 12.382/11, que trata da extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, não afetaria o disposto no § 2° do art. 9° da Lei 10.684/2003, o qual preveria a extinção da punibilidade em virtude do pagamento do débito a qualquer tempo. O relator ressalvou entendimento pessoal de que a quitação total do débito, a permitir que fosse reconhecida causa de extinção, poderia ocorrer, inclusive, posteriormente ao trânsito em julgado da ação penal. (HC 116.828/SP, rei. Min. Dias Toffoli, DJe 22/08/2013).

Contudo, pensamento divergente possui Cezar Roberto Bitencourt, fazendo a ressalva que as leis 9.964/2000, 10.683/2003 e 11.941/2009 versam especificamente sobre formas de parcelamento diferenciados, não incidindo na regra geral entabulada pelo artigo 34 da Lei n. 9.249/95237, em suas palavras:238

No que diz respeito ao momento em que o pagamento deve ser efetuado para efeito de extinção da punibilidade, tanto o art. 34 da Lei n. 9.249/95 como o § 3º, do art. 15, da Lei n. 9.964/2000 estabelecem que o pagamento deve ser realizado antes do recebimento da denúncia. Enquanto o § 2º, do art. 9º, da Lei n. 10.684/2003, e o art. 69, da Lei n. 11.941/2009, não fixam nenhum prazo. Nesse outro aspecto, a legislação mais recente é mais benéfica ao acusado, permitindo que a extinção da punibilidade beneficie o imputado em qualquer momento.

As legislações mais recentes não revogaram, contudo, o art. 34 da Lei n. 9.249/95. Isso porque a Lei n. 9.964/2000, a Lei n. 10.684/2003 e a Lei n. 11.941/2009 disciplinam especificamente as hipóteses de parcelamento do débito tributário (Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, Parcelamento Especial – PAES, Parcelamento Excepcional – PAEX) projetando seus efeitos somente sobre a casuística contemplada por cada uma dessas leis, dentro do marco temporal fixado pelo legislador. Isso significa, finalmente, que não existem problemas quanto à vigência simultânea dos aludidos diplomas legais, os quais surtirão efeitos sobre os casos especificamente contemplados em cada um.

Fernando Capez ao versar sobre a matéria, faz um comparativo da forma como ocorria o parcelamento dos débitos tributários durante vigência da Lei 10.684/2003, em contraponto com a Lei 12.382/2011, esta última trazendo contornos mais rígidos à matéria, sustentando que esta última legislação regularia a forma de parcelamento dos débitos, estabelecendo como marco temporal o recebimento da denúncia criminal. Em suas palavras:239

No tocante ao parcelamento e pagamento do débito tributário e seus efeitos na esfera penal, a Lei n. 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, acabou por propiciar contornos mais rígidos à matéria. A partir de agora, somente se admitirá a extinção da punibilidade se o pedido de parcelamento de créditos oriundos de tributos e seus acessórios forem formalizados anteriormente ao recebimento da denúncia criminal (cf. nova redação determinada ao art. 83, § 2º, da Lei n. 9.430/94). Antes, no regime da Lei n. 10.684/2003, que instituiu o parcelamento especial (PAES), a qualquer tempo o contribuinte poderia realizar o pedido de parcelamento (inquérito, fase processual ou fase recursal), momento em que se operava a suspensão da pretensão punitiva estatal e da prescrição, até o pagamento integral do débito, quando então sucedia a extinção da punibilidade do agente. Agora, a partir do novo regime legal, só mesmo até antes do recebimento da denúncia, o pedido de parcelamento surtirá efeitos na esfera criminal (suspensão da pretensão punitiva e suspensão da prescrição), com a consequente extinção da punibilidade pelo pagamento integral (art. 83, § 4º).

Sobre a extinção pelo pagamento integral do débito, Fernando Capez argumenta que este é regulado pelo artigo 34 da Lei 9.249/95, impondo como limite temporal para o pagamento do débito, também o recebimento da denúncia criminal, alargando a pretensão punitiva estatal, como discorre:240

[...] de acordo com a nova redação do § 6º do art. 83, “as disposições contidas no caput do art. 34 da Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam -se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz”, isto é, o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, até o recebimento da denúncia extinguirá a punibilidade (Lei n. 9.249/95, art. 34). O novo Diploma Legal acabou por alargar a pretensão punitiva estatal, na medida em que, se antes não havia qualquer marco temporal para formular o pedido de parcelamento, a fim de trazer os benefícios da extinção da punibilidade pelo pagamento na esfera criminal, agora, só poderá ser postulado até antes do recebimento da denúncia.

Há entendimento também que a Lei 9.430 de 1996, com a alteração feita pela Lei 12.382 de 2011, regula a matéria da extinção da punibilidade pelo pagamento integral, bem como pelo parcelamento do débito. Esta linha de pensamento vem sendo utilizada pelo Superior Tribunal de Justiça, como pode ser observado adiante.

3.3.1 Entendimento jurisprudencial: instâncias especial e extraordinária

Procurando esclarecer qual o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, buscou-se realizar uma pesquisa jurisprudencial nas respectivas cortes sobre quais normas seriam aplicadas à extinção da punibilidade nos crimes tributários.

Importante ressaltar que somente foram tomadas como referências decisões após o ano de 2013, visando elucidar o entendimento mais recente das cortes, após a edição da Lei 12.382 de 2011, a qual como já tratado anteriormente, trouxe a última mudança em relação ao tema em comento.

3.3.1.1 Supremo Tribunal Federal

Da análise realizada nos acórdãos extraídos do Supremo Tribunal Federal, chega-se à conclusão que o entendimento firmado pela corte segue no mesmo sentido que o expressado por Danillo Vilar Pereira241 e Rogério Sanches Cunha242. Entendendo que a Lei 12.382 de 2011 regulou somente os casos de parcelamento dos débitos tributários, e possuindo como marco limite para sua concessão, o recebimento da denúncia. Já o pagamento integral pago em única vez é regulado pelo artigo 9º parágrafo 2º da Lei 10.684 de 2003.

Ao julgar o Agravo em Recurso Extraordinário número 1022820 SC, o Ministro Ricardo Lewandowski, enfatizou que apesar de o legislador optar por prever a extinção da punibilidade pelo pagamento, não faz da ação penal uma “espécie de execução fiscal sui generis”, pois o tipo penal busca punir a prestação de informações falsas ao fisco. Assim, reconhece pela possibilidade da aplicação da Lei 10.684/03, porém, afasta a tese de que os tipos penais previstos na Lei 8.137/90 preveem uma espécie de prisão por dívida, como pode-se extrair de seu voto:243

Assim, ainda que seja possível a extinção da punibilidade mediante o pagamento do débito verificado (Lei 10.684/03, art. 9º), a Lei 8.137/90 não disciplina uma espécie de execução fiscal sui generis nem uma cobrança de débito fiscal. Ela apenas dispõe quer a incriminação da prática de fraude em documentação tributária fica sujeita à fiscalização pela autoridade fazendária, sem, no entanto, estatuir ou prever a possibilidade de prisão civil em razão de débito fiscal. Dessa forma, as condutas tipificadas na Lei 8.137/1991 não se referem simplesmente ao não pagamento de tributos, mas aos atos praticados pelo contribuinte com o fim de sonegar o tributo devido, consubstanciados em fraude, omissão, prestação de informações falsas às autoridades fazendárias e outros ardis. Não se trata de punir a inadimplência do contribuinte, a dívida com o Fisco, e, por isso, os delitos previstos na Lei 8.137/1991 não violam o art. 5º, LXVII, da Carta Magna bem como não ferem a condição do Direito Penal como ultima ratio para tutelar a ordem tributária e impedir a sonegação fiscal. (Grifo nosso)

Conforme excerto do Recurso Ordinário Em Habeas Corpus 117.173 – DF de relatoria do Ministro Luiz Fux julgado em 18/02/2014, também reconhece a possibilidade da extinção da punibilidade pelo pagamento nos termos da Lei 10.684/03:244

[...] O pagamento integral do crédito tributário constitui causa de extinção da punibilidade do agente, nos termos do artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/03. Precedentes: HC 84.965, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 11.04.12; HC 93.351, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 1º.07.09; HC 89.794, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 10.08.07. [...].

Complementa o Ministro Dias Toffoli ao julgar o Habeas Corpus 116.828 São Paulo em 13 de agosto de 2013:245

3. O pagamento integral de débito – devidamente comprovado nos autos - empreendido pelo paciente em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação que lhe foi imposta é causa de extinção de sua punibilidade, conforme opção político-criminal do legislador pátrio. Precedente.

4. Entendimento pessoal externado por ocasião do julgamento, em 9/5/13, da AP nº 516/DF-ED pelo Tribunal Pleno, no sentido de que a Lei nº 12.382/11, que regrou a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, não afetou o disposto no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/03, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento do débito, a qualquer tempo.

Nas razões de seu voto, o Ministro Dias Toffoli esclarece que o impetrante requer a extinção da punibilidade do paciente, devido o pagamento integral do débito. Reitera assim, o posicionamento externado na AP nº 516/DF-ED pelo tribunal pleno em 09/05/2013, no sentido que a Lei nº 12.382/11, veio reger a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, já o disposto no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/03, prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento do débito, a qualquer tempo. Ressalta o Ministro, que em seu entendimento pessoal, o pagamento poderia se dar mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória.246

Mesmo entendimento foi mencionado no Recurso Ordinário Em Habeas Corpus 128.245 São Paulo, julgado em 23 de agosto de 2016, cujo relator foi o Ministro Dias Toffoli e acolhido por unanimidade pela segunda turma do Supremo Tribunal Federal:247

Recurso ordinário em habeas corpus. Apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, § 1º, I, CP). Condenação. Trânsito em julgado. Pagamento do débito tributário. Extinção da punibilidade do agente. Admissibilidade. Inteligência do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03. Precedentes. Ausência de comprovação cabal do pagamento. Recurso parcialmente provido para, afastado o óbice referente ao momento do pagamento, determinar ao juízo das execuções criminais que declare extinta a punibilidade do agente, caso venha a ser demonstrada, por certidão ou ofício do INSS, a quitação do débito.

[...]

Por essas razões, no meu entendimento, o pagamento integral empreendido pelo réu, em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação que lhe foi imposta (ressalto que, no meu entender, isso possa ocorrer até mesmo em fase posterior, no curso de sua execução), é causa de extinção de sua punibilidade, conforme opção político-criminal do legislador pátrio, razão pela qual acolho os embargos opostos, de modo que se deve declarar extinta a punibilidade do agente pelo delito que lhe é imputado nos autos”. (grifo nosso)

Com base nos excertos acima é possível concluir que o entendimento perpetrado pelo Supremo Tribunal Federal é de que a Lei 10.684 de 2003 em seu artigo 9º parágrafo segundo, regula a extinção da punibilidade nos delitos fiscais, mediante o pagamento integral do débito, sendo possível fazê-lo a qualquer momento. Já a Lei 12.382 de 2011 veio regular a extinção e suspensão da punibilidade nos crimes tributários, mediante o parcelamento do débito, somente podendo faze-lo até o recebimento da denúncia.

3.3.1.2 Superior Tribunal de Justiça

Nas jurisprudências proferidas pela Corte Especial, o entendimento acerca da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito tributário tem sofrido modificação. Visto que a partir do ano de 2016 passou a admitir a aplicação do artigo 83 da Lei nº 9.430/96, com a alteração realizada pela Lei 12.382 de 2011 (estabelecendo como marco limite para o pagamento do débito o recebimento da denúncia criminal), tornando menor a incidência de decisões que aplicam o artigo 9º da Lei 10.684 de 2003 (admitindo como causa extintiva da punibilidade o pagamento do débito mesmo após o recebimento da denúncia).

Inicialmente, mesmo após a edição da Lei 12.382/2011, a Corte Especial ainda admitia a extinção da punibilidade pelo pagamento do débito mesmo após o recebimento da denúncia, como por exemplo o Habeas Corpus Nº 126.243 – SP, julgado pelo Ministro Nefi Cordeiro em 06 de agosto de 2015, com a seguinte ementa:248

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. EFEITOS PENAIS REGIDOS PELO ART. 9º, § 2º, DA LEI 10.684/2003. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

[...]

2. Comprovado o pagamento integral dos débitos oriundos da falta de recolhimento de contribuições sociais, ainda que efetuado posteriormente ao recebimento da denúncia, extingue-se a punibilidade, nos termos do 9º, § 2º, da Lei 10.684/03.

Entendimento reiterado pelo Recurso em Habeas Corpus 56.665 - PE (2015/0033022-0), julgado em 19 de março de 2015:249

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ART. 9º, DA LEI N.º 10.684/03. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

1. O art. 9º da Lei n.º 10.684/03 trata da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito tributário, antes do trânsito em julgado da condenação, uma vez que faz menção expressa à pretensão punitiva do Estado. Não há que se falar em extinção da punibilidade pelo pagamento, quando se trata de pretensão executória, que é o caso dos autos.

Contudo, a partir do ano de 2016 começou-se a aplicar a Lei 9.430/96, tanto nos casos de parcelamento, quanto nos casos de pagamento integral do débito.

Em julgamento proferido em 28 de junho de 2016, o Ministro Francisco Falcão concedeu ordem de ofício declarando extinta a punibilidade do agente que realizou parcelamento do débito tributário antes do recebimento da denúncia criminal, aplicando o artigo 83, parágrafos 2º e 4º da Lei 9.430 de 1996250, com a ementa que segue:251

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. FURTO DE ÁGUA. ACORDO CELEBRADO ENTRE O CONSUMIDOR E A CONCESSIONÁRIA. PARCELAMENTO DO VALOR ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ADIMPLEMENTO NO CURSO DA AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI 9.430/1996 E SUAS ALTERAÇÕES. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. OCORRÊNCIA. COAÇÃO ILEGAL EVIDENCIADA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

[...]

3. No caso, o parcelamento do débito foi anterior ao recebimento da denúncia, e o pagamento integral do valor deu-se no curso da ação penal, aplicando-se, à espécie, a legislação tributária (art. 83, §§ 2º e 4º da Lei nº 9.430/96, entre outros).

De forma divergente do entendimento perpetrado pelo Supremo Tribunal Federal, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca ao julgar o Habeas Corpus Nº 384.399 - SC252 entendeu por ser aplicável a Lei 9.430 de 1996 mesmo com o pagamento integral do débito, no mesmo sentido Ministro Nefi Cordeiro ao julgar o Recurso em Habeas Corpus 59.656/MG, em 24 de abril de 2016:253

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. SUBTRAÇÃO DE ÁGUA DA COMPANHIA DE ABASTECIMENTO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PAGAMENTO DO DÉBITO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.

Pela análise dos dados apresentados, observa-se que no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a Lei 10.684 de 2003 perdeu eficácia, dando lugar à Lei 9.430 de 1996, com alteração da Lei 12.382 de 2011, que traz hipótese mais rígida para que se opere a extinção da punibilidade pelo pagamento dos tributos, somente sendo aceito caso o contribuinte o faça até o recebimento da denúncia.

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Sobre o autor
Alexandre Casas

Andrade Jr. Advogados Associados, escritório estabelecido no centro da cidade de Brusque, com 19 anos de atuação, com ética, empenho e compromisso.

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