A concepção e aplicação das leis materiais e processuais penais necessitam considerar a capacidade contributiva da ciência para o entendimento do delito e as causas multifacetadas da violência, eis que a absorção de conhecimentos científicos inovadores possui o condão de reformular posições jurídicas e sociais.
De fato, é premente o anseio do desenvolvimento de uma interface harmoniosa entre o Direito e demais esferas de conhecimento científico, pois conferem amparo para importantes decisões, sobretudo, da Medicina (Psiquiatria) e Psicologia (Forense), e os avanços relativos à neurociência atenuam o risco de decisões erráticas na averiguação da capacidade psíquica do indivíduo quando da prática criminosa.
Lado outro, ainda que a Psiquiatria Forense subsidie a Justiça quanto às noções de inimputabilidade, cumpre dizer que a insuficiência das faculdades mentais, morbidez ou estado de inconsciência do juízo frente ao injusto, todos imprescindíveis à compreensão do aspecto criminal, são apreciados tão somente pelo julgador, um operador do Direito, portanto, dotado de convencimento motivado e sem expertise das demais matérias.
Com as devidas vênias, fato notório que parte dos integrantes do Judiciário resiste em admitir o elo entre o crime e a causalidade do comportamento criminoso, que constitui objeto de análise psicológica e antropológica, e a definição de livre-arbítrio, aliada às circunstâncias fáticas, conceitos que circundam a imputabilidade e o discernimento do autor, geralmente, não constantes dos laudos psiquiátricos forenses.
Se o cérebro reage ao espaço, cultura e aprendizado, o homem também apercebe, sente e atua conforme as desordens comportamentais que originam da insanidade mental, ou, ainda, moral, entretanto, conforme o molde atual da imputação penal, tais desordens não têm guarida em nível de escrutínio científico.
Não se deve admitir que reflexos estereotipados de determinados agentes, que foram julgados de forma precedente, determinem julgamentos posteriores de tipos de pessoas distintos e manifestações psicopatológicas diversas, em função do princípio da individualização da pena.
Oras, um sistema penal que não atina para indivíduos portadores de uma condição cerebral, emocional ou caracteriológico-moral que os torna incapazes de contenção de determinados impulsos criminosos, e funda-se, unicamente, no discurso da periculosidade, ambiciona um jus puniendi estatal com claro desinteresse na extenuação da violência no plano social!
Qual procedimento plausível aplicar em relação a um indivíduo detentor de desvios de ordem psíquica que, não raramente, os metamorfoseiam em genuínos robóticos de violentar e matar? A reclusão comum em uma unidade prisional convencional, evidentemente, não terá efetividade na tratativa terapêutica de alienados mentais não categorizados como inimputáveis.
Some-se à gravidade a ausência de critérios padronizados dos laudos de reavaliação da periculosidade, dificuldade empírica de testes psicológicos, profissionais psiquiátricos isentos de especialização secundária e número diminuto destes na extensão geográfica do país, com produção de exames de sanidade mental absolutamente ineficientes para balizar decisões judiciais acertadas.
Não olvida-se que o aumento da criminalidade e violência urbana, por seu turno, enegrecem o horizonte do convívio pacífico, e o Direito, por seus aplicadores, prospecta o auxílio das demais ciências humanas e sociais para adentrar a complexidade das condutas e assimilar as ações criminosas para apontamento se o autor é pessoa comum ou inimputável por enfermidade mental, conforme a via crucis das perícias, porém, Justiça não é Psiquiatria! E as patologias irrecuperáveis persistem.
Se não bastasse, a função de prevenção especial da penalidade tem-se se definido uma ilusão, sobretudo, porque encarceramento estigmatiza, flagela e corrompe, e a medida de segurança inibe a identidade, aliena, segrega e não cura, ambos motivando a reincidência, ao vislumbrarem e exigirem a repressão a qualquer custo.
Por derradeiro, por todos os comportamentos desviantes e gama de dissensões judiciais, insta refletir que o Brasil vivencia um sucateamento psiquiátrico forense, com banalização de conceitos, pantomima com o espírito da Justiça, e a adoção de medidas para resolução da falibilidade é de responsabilidade solidária.
Resta-nos reconhecer os limites pelo pensamento contemporâneo, dissecar o caso concreto e julgar com cautela, de forma exímia e ponderada, evitando-se, pois, gestos erráticos e alheios à sociedade plural, como isentar de pena um culpado e capaz ou encarcerar um inimputável, por sua natureza, avesso aos preceitos da 'ressocialização' imposta pelo sistema.