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Acerca da decadência relativa ao crédito previdenciário no âmbito da execução processada na Justiça do Trabalho

24/05/2005 às 00:00
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O que nos propomos a tratar neste tímido ensaio é problema relativo a argüições procedidas em alguns julgamentos levados a efeito em sede de execução previdenciária operacionalizada na Justiça do Trabalho. Suscita-se, nessas ocasiões, a ocorrência do fenômeno decadencial em relação ao crédito previdenciário.

A identificação da natureza jurídica da contribuição previdenciária é passo primeiro em direção ao que entendemos ser o melhor equacionamento para a questão, convindo registrar, de ingresso, a existência de cizânia doutrinária em relação ao tema.

O pêndulo, que representa o pensamento dos que se ocupam da matéria, oscila entre os extremos representados pela aceitação de que o instituto encerra têmpera tributária e, em oposto, pelos que lhe conferem jaez de exação não-tributária.

O tema, para a doutrina, apresenta-se tormentoso, chegando Wladimir Novaez Martinez [1], ponderando sobre a sua própria opinião, a registrar a crença de "não serem suficientes as soluções. No referente à matéria, quem aceitar ser a contribuição providenciaria espécie exacional não tributária não resolveu todos os problemas, pois precisará esvicerá-la e classificá-la".

Sérgio Pinto Martins [2], acusando a existência de inúmeras proposições doutrinárias voltadas à tarefa de fixar a natureza da contribuição em comento — Teoria do prêmio de seguro; Teoria do salário diferido; Teoria do salário social; Teoria do salário atual; Teoria fiscal; Teoria parafiscal; e Teoria da exação sui generis —, firma posicionamento no sentido de que a "contribuição à seguridade social é tributo".

A experiência jurisprudencial firmou-se no sentido de reconhecer o jaez tributário da contribuição previdenciária. Sobressai, para nós, esse posicionamento, mesmo porque o intento deste trabalho não é esquadrinhar as hipóteses academicamente consideradas acerca do problema da natureza jurídica do instituto supracitado.

Nosso esforço de imiscuição tem como motivação apontar eventual solução para problema que se apresenta na diária forense, em razão do entendimento fixado pelo Poder Judiciário, em sua maioria, e que se traduz, reitero, na assimilação da contribuição previdenciária como inserta no universo dos tributos.

Estabelecida essa conclusão, torna-se indispensável investigar o processo de surgimento do crédito tributário, eis que é no seu curso que tem hipótese de incidência o instituto da decadência.

A gênese do crédito tributário — e via de conseqüência do previdenciário — tem como primeiro evento o fato gerador, do qual deriva a obrigação tributária.

Porém, como anota Luciano Amaro [3], situações há em que,

embora ocorrido o fato gerador, a lei não requer do sujeito passivo nenhum pagamento se e enquanto não houver, por parte do sujeito ativo a prática de um específico ato jurídico, que se reflete num escrito formal (...) do qual se deve dar ciência ao sujeito passivo, a fim de que este fique adstrito a, no prazo assinalado (no próprio documento ou na lei), satisfazer o direito do credor, sob pena de serem desencadeados os procedimentos tendentes à cobrança via constrição judicial.

Esse expediente de índole meramente administrativa corresponde ao lançamento previsto no artigo 142 do Código Tributário Nacional.

Referido instituto jurídico, portanto, seria, desde que aperfeiçoado, a senha para o acionamento do aparelho judicial como via para a satisfação do crédito em comento.

Sucede que o lançamento, como os atos jurídicos em geral, não está imune às repercussões que a ordem jurídica confere ao passar do tempo e, inserto nessa ordem de coisas, é que o artigo 173 do Código Tributário Nacional, com a finalidade de "que não perdure eternamente o direito do fisco de constituir o crédito tributário" [4], estabeleceu que esse direito se extingue em cinco anos, apontando os marcos iniciais da contagem.

Trata-se, portanto, de estipulação de prazo de decadência, assim entendida como "extinção não da força do direito subjetivo (actio), mas do próprio direito que, pela lei ou pela convenção, nasceu com um prazo certo de eficácia" [5].

A dicção do dispositivo legal em comento é esta, verbis:

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

(omissis)

Infere-se, sem uso de maiores recursos exegéticos, que o alvo do prazo decadencial é o direito de "constituir o crédito tributário", ou seja, atinge o próprio lançamento, pois este, na lição de Hugo de Brito Machado [6], "é precisamente o procedimento administrativo de determinação do crédito tributário.", sendo, referido instituto, segundo o mesmo autor, "constitutivo do crédito tributário, e apenas declaratório da obrigação correspondente" [7].

Aqui é possível associar-se a disciplina do Código tributário Nacional à do Plano de Custeio da Seguridade Social (Lei n.º 8.212/1991), já que este, em seu artigo 45, reproduz o dispositivo supracitado, nada obstante os afeiçoados ao Direito Tributário entenderem que, mesmo em matéria previdenciária, aplica-se aquele, já que a este diploma não se confere têmpera de lei complementar. Mas aí a divergência seria apenas em relação ao prazo (cinco ou dez anos), já que os institutos delineados são exatamente os mesmos.

No particular deve ser registrada a opinião de Wladimir Novaes Martinez [8], para quem, em matéria de decadência em sede de Direito Previdenciário, interessa também o destino das contribuições.

Feitas essas anotações, necessário se projetar os efeitos delas sobre órbita dos procedimentos adotados no âmbito da Justiça do Trabalho para a execução do crédito previdenciário.

Esse propósito, no entanto, não se pode operar sem que, dantes, sejam registradas algumas considerações sobre o tema, inclusive doutrinárias e alusivas aos termos do art. 114, VIII, da Constituição da República, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, que conferiu a esta Justiça Especializada competência para a execução das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II da Constituição da República.

A primeira consideração que reputamos útil diz respeito a uma diferença primordial entre os requisitos necessários ao processamento do expediente executivo fiscal a ser promovido pela Justiça do Trabalho e pelos demais órgãos do Poder Judiciário.

É comezinha a circunstância de serem os títulos executivos judiciais ou extrajudiciais um dos requisitos necessários para a deflagração de qualquer execução (CPC, art. 583).

No procedimento de execução fiscal que se processa junto aos órgãos da Justiça Comum, a certidão da dívida ativa da Fazenda Pública, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei, representa o título executivo extrajudicial capaz de deflagrar os procedimentos executórios (CPC, art. 585, VI).

Nesse cenário é inexpugnável a inferência de que o lançamento, no tocante à gênese da referida certidão da dívida ativa, é episódio "sine qua non" (CTN, art. 142 c/c art. 201 e 202), disso derivando a sua relevância processual.

Conjuntura dessas jamais terá vez quando os procedimentos de execução do crédito previdenciários forem deflagrados perante a Justiça do Trabalho, já que, nessa seara jurisdicional, a sentença proferida e não a certidão da dívida ativa é a condição necessária e suficiente para o início, "ex officio", do processo de execução — conforme se extrai dos termos do artigo 114, VIII, da Constituição da República, com redação conferida pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004.

Se assim é — e de fato é — o lançamento tributário é episódio processualmente irrelevante para fins de execução previdenciária levada a efeito pela justiça especializada em comento, sendo, nessa circunstância, de somenos importância, infecunda mesmo, discussão acerca da decadência do crédito tributário.

Todavia, consideremos hipótese diversa e tomemos como processualmente relevante, no âmbito jurisdicional trabalhista, o lançamento tributário.

Isso nos remete a uma segunda ponderação, no sentido de que, se eclode o debate sobre a decadência no âmbito da execução trabalhista, aceito está o fato de que cabe à Justiça do Trabalho emitir pronunciamento sobre a extinção do direito, ainda que tenha sobrevindo a sentença exeqüenda em momento bastante anterior ao episódio da emenda mencionada. Do contrário, impor-se-ia a circunstância de apenas à Justiça Federal Comum caber a resolução dos problemas sobre os quais nos debruçamos.

A propósito dessa competência, registro, por oportuno, posicionamento do Superior Tribunal Justiça, segundo o qual a competência da Justiça Especializada diz respeito inclusive à execução das contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças proferidas antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, verbis:

EMENTA PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS ORIUNDAS DE SENTENÇAS TRABALHISTAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CF, ART. 114, § 3º.

1. Compete à Justiça do Trabalho a cobrança de débitos previdenciários provenientes de suas próprias sentenças. Precedentes. 2. A regra de competência prevista no art. 114, § 3º, da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional 20/98) tem vigência imediata, aplicando-se inclusive à execução de débitos previdenciários ainda não executados nascidos de sentença trabalhista anterior. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da Vara do Trabalho de Escada-PE, o suscitado. (CC 39948 / PE; CONFLITO DE COMPETENCIA 2003/0150360-0 Relator(a) Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124) Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 23/06/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 01.07.2004 p. 16)

Pois bem.

Para Uadi Lammêgo Bulos [9],

Embora a Emenda Constitucional n. 20/98 tenha ampliado a competência ex ratione materiae da Justiça do Trabalho, a instauração da execução fiscal subordina-se à iniciativa da parte. A novidade introduzida pelos depositários do poder de reforma constitucional, no exame de Salvador Franco de Lima Laurino, ‘não consagrou uma hipótese de execução fiscal sem título executivo ou mediante condenação ex officio. De maneira a aprimorar o sistema de fiscalização e recolhimento da contribuição social, atribuiu ao juiz do trabalho, à semelhança da regra contida no art. 40 do Código de Processo Penal, a incumbência de comunicar à autarquia a existência de condenação de verbas sobre as quais incide o tributo. A partir daí, compete à própria autarquia delimitar a pretensão, extrair o título extrajudicial e postular a execução fiscal, que será distribuída de acordo com as regras de competência fixadas pela conjugação de dispositivos da Lei n. 6.830/80 e do Código de Processo Civil. Em comparação com a disposição do art. 262 do CPC – ‘o processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial’ -, incumbe ao juiz do trabalho impulsionar ex officio a execução fiscal, obedecidos, sempre, os limites fixados pelo direito fundamental do ‘due process of law’ (A Emenda n. 20/98 e os limites à aplicação do § 3º do art. 114 da Constituição da República: a conformidade com o devido processo legal, Trabalho e Doutrina, 24:173-4).

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Considerada a proposição do doutrinador, é imprescindível que a autoridade administrativa proceda o lançamento e que, a partir dele constitua-se o crédito, tornando-se ele dotado do requisito da atendibilidade e da exigibilidade, este após vencido o prazo para pagamento.

Nesse cenário, pertinente que se desdobrem, diretamente, os efeitos derivados da inércia administrativa diante da ciência do fato gerador.

Sucede, todavia, que a inclinação jurisprudencial é no sentido de tornar escusado o expediente autárquico para a constituição do crédito previdenciário, transferindo-se a incumbência para o Juízo Trabalhista.

Ou seja, a Justiça do Trabalho, em ocorrência de índole administrativa, inicia e impulsiona, ex officio, a execução das contribuições sociais. Pode-se inferir, sem embargo, que a sentença trabalhista sobrepõe-se ao lançamento, substituindo-o.

Nesse sentido é o fundamento utilizado por Sua Excelência o Ministro Humberto Gomes de Barros, nos autos do Conflito de Atribuições nº 118/2001 – RS, verbis:

PROCESSUAL – CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES – CONDENAÇÃO – CONTRIBUIÇÕES. PREVIDENCIÁRIAS – JUSTIÇA DO TRABALHO – PROCURADORIA DO INSS – QUESTÃO PRÉ PROCESSUAL – CONHECIMENTO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. I - Quando se discute a quem cabe a iniciativa para a execução de sentença, vale dizer: para iniciar o processo, a questão é de natureza administrativa. Por isso, a discussão, neste campo, entre Procuradoria de Estado e Juízo trabalhista constitui conflito de atribuições. II – Nos termos da EC n.º 20/98 compete à Justiça do Trabalho a iniciativa para execução das condenações ao pagamento de contribuições previdenciárias, resultantes de sentenças por ela proferidas. (Acórdão CA 118 / RS ; CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES 2001/0094969-8 Fonte DJ DATA:29/04/2002 PG:00152 Relator Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS (1096) Data da Decisão 13/03/2002 Orgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO)

De mesma têmpera é o entendimento de Sua Excelência a Ministra Laurita vaz, verbis:

PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS ORIUNDAS DE SENTENÇAS TRABALHISTAS. PROVIMENTO DO TRT. INCOERÊNCIA. ATRIBUIÇÃO EXPRESSA NO TEXTO CONSTITUCIONAL. ART. 114, § 3.º, DA CF/88. I - Compete à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições previdenciárias decorrentes da sentença que proferir, consoante o disposto no art. 114, § 3.º, da Constituição Federal. II - É desnecessária, nestes casos, a inscrição da certidão da dívida ativa, uma vez que o pronunciamento judicial encontra-se, a partir do advento da EC n.° 20/98, legitimado como título executivo apto a instruir e a realizar o processo de execução. III - Não cabe ao INSS a iniciativa de promover a cobrança dos créditos oriundos de sentenças trabalhistas. IV - Incoerência do provimento administrativo do Tribunal Regional do Trabalho. V - Conflito conhecido e para declarar competente a Justiça do Trabalho, isto é, o Juízo da Vara do Trabalho de Camaquã-RS. (CA 119 / RS ; CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. 2001/0094966-2 Fonte DJ DATA:16/09/2002 PG:00128 Relator Min. LAURITA VAZ (1120) Data da Decisão 12/12/2001 Orgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO)

Filiando-nos aos influxos jurisprudenciais, consideramos, pois, que a sentença prolatada em juízo trabalhista traduz-se no lançamento administrativo tornado despiciendo já pela alteração constitucional de 1998, reiterada em 2004, conforme mencionado.

O próprio Ministério da Previdência e Assistência Social, por meio de sua Portaria n.º 516, de 07/05/2003, em seu artigo 6º, estabelece que "A sentença homologatória de cálculo da contribuição previdenciária devida supre a inexistência de lançamento administrativo (art. 142 CTN)".

Todavia, nada obstante a existência de tal marco, há controvérsia envolvendo a questão correlata à consideração da sentença de liquidação da contribuição previdenciária como sendo o próprio lançamento.

Há os que, além de terem essa compreensão, consideram também um cenário em que seria a decisão de mérito do processo cognitivo o fato gerador e a sentença de liquidação, com efeito, o lançamento. Para eles, o tempo que media entre esses dois episódios pode, superados os marcos temporais estabelecidos em lei, fazer incidir o fenômeno decadencial.

Dita percepção, "data venia", encerra possibilidade de perpetração de injustiça contra o órgão previdenciário. Ora, se a execução do crédito em comento deve ser processada "ex officio", a tardança do órgão jurisdicional em tornar líquido o título executivo não pode e não deve desdobrar efeitos lesivos às partes, isso se considerado o conceito de decadência supracitado.

Além do contra-senso representado pela idéia de que as partes devem ser penalizadas por uma iniciativa que não lhes cabe tomar — a execução dos créditos previdenciários decorrentes das sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho insere-se no universo de obrigações dela, reitero (CRFB, art. 114, VIII) —, há que se ter em conta os feitos em que já líquida a decisão, o que torna evidente a circunstância de ser este a sentença homologatória de cálculo um evento processual de ocorrência incerta e, portanto, impróprio para ser considerado como sendo o momento do lançamento tributário.

Se assim é, e a sentença trabalhista de mérito também pode equiparar-se ao expediente administrativista, não mais se pode cogitar mais de decadência quando da prolação desta, pois, como leciona Hugo de Brito Machado [10], consumando o lançamento

(...) não se pode mais cogitar de decadência, quando a determinação do crédito tributário não possa mais ser discutida na esfera administrativa. (...)

Saliente-se, todavia, que o Tribunal Federal de Recursos, seguindo orientação proposta pelo eminente Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, e o Supremo Tribunal Federal, acolhendo proposta do eminente Ministro José Carlos Moreira Alves, fixaram o entendimento pelo qual o auto de infração consuma o lançamento tributário, não se havendo mais, depois de sua lavratura, de cogitar de decadência.

Assim, e especialmente em face da posição do Supremo Tribunal Federal, a quem cabe, em nosso sistema jurídico, dizer a última palavra na interpretação e aplicação das leis, as disputas doutrinárias restaram superadas. Considera-se, portanto, consumado o lançamento na oportunidade em que fisco lavra um auto de infração ou, por outra forma, determina o valor do crédito tributário e intima o sujeito passivo para fazer o respectivo pagamento.

Mas não se deve desconsiderar ao fato de se poder argumentar no sentido de que, entre o fato gerador — percepção da remuneração — e a prolação de decisum por parte do Justiça do Trabalho, ou seja, o lançamento, decorreu o prazo decadencial previsto no CTN ou mesmo na Lei n.º 8.212/91.

Necessário socorro à dicção encerrada no artigo 114 do Código Tributário Nacional. Verba legis:

Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

Logo, para se cogitar de fato gerador, não se pode escapar ao trabalho de identificar a "situação definida em lei necessária e suficiente" para a sua caracterização, ou seja, é imperioso atenção à materialização do núcleo legal caracterizador do instituto.

Para isso, e consideradas as peculiaridades da matéria, entendo que maior atenção se deve dar às expressões "definida em lei" e "suficiente".

O uso da primeira locução, na concepção de Hugo de Brito Machado [11], quer significar que

a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, a descrição da situação cuja ocorrência faz nascer essa obrigação, é matéria compreendida na reserva legal. Só a lei é o instrumento próprio para descrever, para definir, a situação cuja ocorrência gera obrigação tributária principal. Veja-se, a propósito, o que expressa o art. 97, inciso III, do CTN, tendo presente que a palavra lei é por este utilizada em sentido restrito. (sem grifo no original)

Sobre a expressão "suficiente", preconiza também Hugo Machado [12] "que a situação prevista em lei é bastante. Para o surgimento da obrigação tributária basta, é suficiente, a ocorrência da situação descrita em lei para esse fim".

Pois bem.

A Constituição da República, por meio do seu artigo 114, VIII, acrescido pela Emenda Constitucional n.º 45, de 08/12/2004, estabelece que incumbe à Justiça do Trabalho a "execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir" (sem grifo no original).

Nesse sentido é também a disposição contida no artigo 876, parágrafo único, da CLT, acrescido pela Lei n.º 10.035/2000 [13].

Infere-se, portanto, que a obrigação tributária deriva, origina-se e tem gênese na prolação de decisão por parte da Justiça do Trabalho. Em torno desse episódio é que deve gravitar a noção de lançamento para fins de execução das contribuições sociais no âmbito da Justiça do Trabalho.

É bem verdade que esse raciocínio conduz à conclusão de que, sendo a sentença trabalhista o fato gerador, não poderia ela, tendo sido prolatada antes da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, gerar obrigação tributária, em razão do disposto no artigo 150, III, "a", da Constituição da República.

Equivocada a ilação e a razão do engano repousa no fato de que a discussão gira em torno do lançamento, único fenômeno jurídico, no cenário em contemplação, sujeito aos efeitos do prazo decadencial. Logo, se a sentença fora proferida antes de iniciada a vigência da já referida Emenda 45, aquela fez as vezes do "procedimento administrativo de determinação do crédito tributário", ou seja, do próprio lançamento, sendo, dito decisum, como já referido, "constitutivo do crédito tributário, e apenas declaratório da obrigação correspondente" — não é demasiado rememorar que àquela época as execuções trabalhistas, já como desdobramento das sentenças de mérito, quantificavam o débito relativo à contribuição previdenciária e instavam o devedor a pagar.

Ainda que assim não fosse — e repisando a afirmação de não decair o direito à contribuição, mas o direito de lançar, de constituir o crédito —, é preciso destacar, além da temática concernente à terminologia e ao alcance do instituto decadencial, o fato de ser a contribuição previdenciária tributo sujeito a lançamento por homologação [14], sendo de especial valia a lição de José Souto Maior Borges [15], verbis:

Inicialmente cabe ressalvar que, dadas suas características especificadoras, no lançamento por homologação, antes do ato homologatório, o crédito tributário já existe, porque, do contrário, não poderia ser extinto (CTN, art. 150, § 1º).

(...)

Já o artigo 149, V, e 150 do Código Tributário Nacional encerram a seguinte dicção, verbis:

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

(...)

V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;

(...)

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. (Código Tributário Nacional)

Sobre a conjugação do lançamento por homologação, sua revisão e a gênese do crédito tributário, vale registrar, mais uma vez, o que diz Maior Borges [16], verbis:

Admitida a diversidade de objeto entre o procedimento de lançamento e o procedimento de sua revisão, e, pois, a diversidade conceitual entre os respectivos atos conclusivos, o crédito tributário tanto pode resultar de lançamento quanto do procedimento de sua revisão. Uma conseqüência da maior repercussão teórica decorrente desse discrime é a de que não há, ao contrário do que pretende, ingenuamente, a doutrina, como aplicar-se termo final de decadência do lançamento ao processo de sua revisão, realidades essencialmente distintas. E não haverá à falta de previsão expressa no Código Tributário Nacional quer do termo inicial, quer do termo final do prazo de revisão.

Mais enfático é Luciano Amaro [17], ao lecionar:

O lançamento por homologação não é atingido pela decadência, pois, feito o pagamento (dito "antecipado"), ou a autoridade administrativa anui e homologa expressamente (lançamento por homologação expressa) ou deixa transcorrer, em silêncio, o prazo legal e, dessa forma, anui tacitamente (lançando por homologação tácita). Em ambos os casos, não se pode falar em decadência (do lançamento por homologação), pois o lançamento terá sido realizado (ainda que pelo silêncio). O que é passível de decadência é o lançamento de ofício, que cabe à autoridade realizar quando constate omissão ou inexatidão do sujeito passivo no cumprimento do dever de "antecipar" o pagamento do tributo

Sucede que, como já dito, na maioria das vezes as relações empregatícias mascaradas ou clandestinas — e, portanto, fraudulentas — só têm reveladas suas verdadeiras têmperas em juízo, circunstância em que o órgão previdenciário, desde que intimado, toma conhecimento do fato e estaria, assim, obrigado ao lançamento de ex officio sujeito ao prazo decadencial.

Ora, se o crédito previdenciário já existe em relação ao tributo sujeito a lançamento por homologação, antes ou independentemente de qualquer ato da administração, e, ainda que assim não fosse, podendo ele surgir por ato revisional desta, muito mais assimilável é a hipótese de que venha ele a nascer e constituir-se de decisão judicial, já que esta torna incontroversos — e amiúde conhecidos do órgão arrecadador — os fatos capazes de fazer surgir a obrigação tributária.

Logo, diante dessas asserções, entendemos não se poder cogitar de prazo decadencial quando deriva o crédito previdenciário de condenação imposta pela Justiça do Trabalho.


Notas

  1. in CURSO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO – TOMO I – NOÇÕES DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO. Editora LTr. São Paulo, 2001. Pág. 270.
  2. in DIREITO DA SEGURIDADE SOCIAL. Editora Atlas S.A.. São Paulo, 2002. Pág. 90
  3. in DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO. Editora Saraiva. São Paulo, 1999. Pág. 313.
  4. MACHADO, Hugo de Brito. CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO. Malheiros Editores. São Paulo, 1998. Pág. 148.
  5. JÚNIOR, Humberto Theodoro. CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL – VOL I. TEORIA GERAL DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PROCESSO DE CONHECIMENTO. Editora Forense. Rio de Janeiro, 1999. Pág. 323.
  6. Op. cit. Pág. 123.
  7. Op. cit. Pág. 123
  8. in CURSO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO – TOMO III – DIREITO PREIDENCIÁRIO PROCEDIMENTAL. Editora LTr. São Paulo, 1998. Pág. 210.
  9. in CONSTITUIÇÃO FEDERAL ANOTADA – 5ª EDIÇÃO. Editora Saraiva. São Paulo, 2003. Pág. 1065
  10. Op. cit. Pág. 150.
  11. Op. cit. Pág. 93
  12. Op. cit. Pág. 94
  13. A Lei nº 10.035/2000, que acresceu um único parágrafo ao artigo 876 consolidado, empregam, em referência ao crédito previdenciário sujeito à autoridade executória da Justiça do Trabalho, as locuções "decorrentes das sentenças" e "resultantes de condenação", deixando assaz clara a circunstância de constituírem as sentenças e as condenações impostas pelo referido órgão judicial a situação cuja ocorrência gera obrigação tributária principal, ou seja, o próprio fato gerador.
  14. Vide STJ, RESP 669418. Relator, Ministro CASTRO MEIRA. DJ DATA:14/02/2005 PG:00188.
  15. in LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. Malheiros Editores. São Paulo, 1999. Pág. 359.
  16. Op. cit. Pág. 361.
  17. Op. cit. Pág. 382.
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Sobre o autor
Vladimir Azevedo de Mello

servidor do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELLO, Vladimir Azevedo. Acerca da decadência relativa ao crédito previdenciário no âmbito da execução processada na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 688, 24 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6773. Acesso em: 21 nov. 2024.

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