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Georreferenciamento:

histórico e questões já nem tão controversas

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28/05/2005 às 00:00
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TRANSMISSÃO E O GEORREFERENCIAMENTO

Aqui deveremos delimitar, ab initio, a que transferência está se referindo o legislador.

Por todo o exposto, temos que a expressão contida no parágrafo 4º do artigo 176 da LRP, "...quaisquer situações de transferência...", deve ser entendida dentro da linha de raciocínio que entrega ao proprietário a obrigação administrativa. Dessa forma, a leitura adequada deve ser: "quaisquer situações voluntárias de transferência".

Imaginemos alguém que há 10 (dez) anos contraiu um empréstimo e deu em garantia hipotecária seu imóvel rural. A partir do presente momento, ainda em plena vigência do prazo para pagamento da dívida, ingressa em mora o devedor. Seu credor, ágil, propõe a execução, o imóvel é levado à praça e adjudicado. E agora? O então credor, agora titulado, terá que fazer o georreferencimento para obter o registro da Carta de Adjudicação? Era essa a regra do jogo contratado? E o direito adquirido?

Parece-nos mais lógico e evidente o sentido adotado pelos registradores, que devolve à norma a aplicação restrita ao titular de domínio nos atos de transmissão voluntária.

Não está em consonância com o texto legal o enquadramento, por exemplo, da transmissão causa mortis e da alienação forçada, devendo, em tais hipóteses, ser dispensado o georreferenciamento. São típicas hipóteses de autos judiciais em que o imóvel não é o centro da demanda. Ora é a efetivação da partilha, ora é a satisfação do crédito, sendo o imóvel elemento estranho ao objeto central e por este reflexamente atingido.


ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E O GEORREFERENCIAMENTO

Primeiramente, faz-se mister esclarecer que não temos conhecimento neste e no próximo tópicos de deliberação institucional, conquanto em relação ao último houve início de discussão no Encontro de Araraquara.

Neste tópico da alienação fiduciária há que se distinguir duas hipóteses: a primeira, que conta com uma antecedente alienação voluntária e uma subseqüente alienação fiduciária de bem imóvel; e a segunda que conta tão somente com a alienação fiduciária de bem imóvel para garantia da dívida.

Na primeira, temos por indubitável a necessidade de georreferenciamento. Há uma alienação voluntária, e para se garantir o crédito utilizado para aquisição se utiliza o adquirente do instrumento da alienação fiduciária.

Entretanto, se o devedor já é o proprietário do bem, ou seja, não houve ato antecedente de aquisição, e ele está tão somente dando em garantia o bem imóvel rural, temos como viável, nos termos do aplicável às hipotecas, a alienação fiduciária com escopo de garantia sem a necessidade do georreferenciamento.

Alguns poderão argumentar com a fase administrativa, no registro imobiliário, de consolidação do bem na pessoa do fiduciário se não paga a dívida. Entretanto, o argumento nos parece de todo frágil, pois a hipótese de ocorrência de fraude é mínima, eis que prevista, em prazo relativamente curto, a realização de público leilão (artigo 27 da Lei 9.514/97), onde não temos novamente a característica de voluntariedade da alienação a obstar o registro.


TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS E CONFERÊNCIAS DE BENS E O GEORREFERENCIAMENTO

Finalmente, para conclusão deste trabalho, falta analisar as hipóteses de transformações societárias (incorporação, cisão, fusão) e de conferências de bens.

Em primeiro lugar, devemos indagar qual o centro de tais transações. Sabemos que é uma discussão doutrinária de longa data, mas o que importa aqui é determinarmos se a restrição administrativa que impõe o georreferenciamento se aplica ou não a tais atos societários.

Parece que a tão só dúvida sobre a existência da efetiva transmissão (stricto sensu) do imóvel já é razão suficiente para afastarmos a necessidade do georreferenciamento. Mas concordamos que o argumento seria por si só extremamente frágil.

Mais do que a incerteza, deve prevalecer a certeza que o foco de tais transações não é a transmissão imobiliária, mas sim a transmissão patrimonial, no caso das transformações, e a formação ou aumento de capital, no caso da conferência de bens.

O que se busca não é central e pontualmente transferir voluntariamente o bem imóvel rural pertencente a empresa A para a empresa B, mas todo o acervo patrimonial de uma para a outra (incorporação total), parte do acervo patrimonial uma a outra (incorporação parcial), parte do acervo patrimonial para constituição de nova sociedade (cisão) ou a reunião de acervos patrimoniais das duas empresas para formação de uma nova sociedade (fusão).

Na conferência de bens, da mesma forma não se busca nuclearmente transferir voluntariamente um bem imóvel de pessoas físicas ou jurídicas para formação ou aumento do capital, mas sim este é o ato principal. O que se busca em primeiro lugar é formar capital de empresa nova ou aumentar capital de empresa existente para impulsionar diversas atividades de porte e relevância para a economia nacional e geração de empregos. A forma como esse capital será integralizado é uma questão periférica. Pode ser em dinheiro, bens móveis, imóveis, e se estes, eventualmente rurais.

O que deverá ser evitado, isto sim, é que em um ou outro caso, a empresa que recebeu o bem imóvel, seja por tranformação, seja por conferência de bens, faça a voluntária transmissão do bem imóvel, singularmente, sem georreferenciamento. Em outras palavras, não poderá uma pessoa se valer da desnecessidade do georreferenciamento para transferir o imóvel a uma pessoa jurídica pensando que esta estará imune do cumprimento da obrigação administrativa se fizer uma voluntária e singular transmissão do bem imóvel rural.

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Podemos ainda trazer à balha parecer da lavra do eminente magistrado, Sua Excelência, Doutor Francisco Eduardo Loureiro, emitido nos autos do Processo CG nº 1.572/97, em 20 de outubro de 1997 e aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Márcio Martins Bonilha, em 21 de outubro de 1997, publicada no Diário Oficial de Justiça de 23 de outubro de 1997:

"Pois bem. O órgão próprio para proceder às alterações das transformações societárias é Junta Comercial, nos exatos termos do que dispõem os artigos 8o e 32 da Lei Federal n. 8.934/94, que disciplina o registro público de empresas mercantis.

Cabe, pois, à Junta comercial aferir a regularidade formal dos documentos que lhe são apresentados para os atos de transformação social. Em termos diversos, atribuição qualificadora da legalidade da transformação se dá, pelo órgão de comércio, quando do registro e arquivamento dos documentos relativos à alteração de firmas mercantis individuais e sociedades mercantis e cooperativas . (destaque nosso)

Precedente desta Corregedoria Geral, publicado em caráter normativo (Processo CG 254/93), deixou fixado que, no caso de extinção ou transformação de sociedade comercial, as certidões negativas de débitos previdenciários e fiscais devem ser apresentadas ao registro imobiliários ou haver prova de que já foram apresentadas à junta comercial.

O procedente, porém, deve ser entendido no sentido de que a destinatária primária das certidões é a Junta Comercial. Caso haja prova (inclusive pelo registro e arquivamento da transformação) de que as certidões já tenham sido apreciadas, dispensável nova exigência pelo registro imobiliário. Lembre-se, ademais, ser o precedente administrativo anterior à Lei n. 8.934/94, de modo que deve a ela se adequar."

Ora. Entre uma das atribuições do Registro do Comércio está, conforme se verifica do artigo 35, inciso VII, letra a, verificar "a descrição e identificação do imóvel, sua área, dados relativos à sua titulação, bem como o número da matrícula no registro imobiliário".

A descrição que será averiguada pela Junta Comercial é aquela que, segundo seu critério de qualificação da legalidade da transformação estiver em consonância com este ato. Se por bem entender a Junta Comercial que a descrição deve estar marcada pelo ponto georreferencial, poderá e deverá negar acesso ao registro, nos termos do artigo 35, inciso VII, letra "a", da Lei Federal 8.934/94 cc a Lei 10.267/2001 e sua regulamentação. Se ao revés, entendeu por proceder positivamente à qualificação, espera que o ato de transformação ganhe a publicidade registral quando envolver bens imóveis, nos termos da Lei das Sociedades Anônimas e da Lei Federal 8.934/94.

Note-se, ademais, que no caso do parecer colacionado, há previsão inclusive de sanção, que fulmina de nulidade o ato que se fizer em desobediência ao cumprimento da obrigação previdenciária (artigo 48 da Lei Federal 8.212/91), sanção essa inexistente nas hipóteses de georreferenciamento e que colaboram com a leitura que os registradores vêm fazendo da melhor aplicação da Lei em comento.

Portanto, tendo o ato de transformação ou conferência de bens sido regularmente arquivado na Junta Comercial, entendemos por viável a prática do ato registrário competente se, por aquele órgão, for dispensado o georreferenciamento.

Por conclusão, achamos importante anotar a recente Nota Oficial do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, e os Encontros de Araraquara e Londrina realizados pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, que demonstram o atual estágio de maturidade de notários e registradores, cujas posturas frente a questão do georreferenciamento têm antes de tudo sido responsáveis, pautando-se por uma discussão de alto nível e de busca de dar exeqüibilidade à Lei sem atravancar os negócios jurídicos, os quais, também, estão dentro das suas esferas de atribuições e a eles devem dar efetividade e publicidade (artigo 1º da Lei Federal 6.015/73 cc artigos 1º e 6º, incisos I e II da Lei Federal 8.935/94).

Essas são as conclusões a que chegamos, impregnadas por mais de um ano de estudo, e cujos méritos, se tiverem, devem ser atribuídos a todos os registradores que dedicaram muito de seu tempo para formatação do contexto de aplicação da Lei.

Fica aqui o público agradecimento ao Colégio Notarial do Brasil – Seção de São Paulo, pelo convite para a confecção do presente trabalho, que esperamos possa ser de todo útil ao desempenho das atividades notariais e de registro.


Fonte

www.notarialnet.org.br

Colégio Notarial do Brasil – Seção de São Paulo

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Sobre o autor
Emanuel Costa Santos

2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Araraquara, Estado de São Paulo, coordenou o 19º Encontro Regional do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, realizado em Araraquara – SP, em julho de 2004, tendo como tema central o georreferenciamento de imóveis rurais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Emanuel Costa. Georreferenciamento:: histórico e questões já nem tão controversas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 692, 28 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6780. Acesso em: 28 mar. 2024.

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