A prescrição do ressarcimento do dano nas ações de improbidade administrativa

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03/08/2018 às 12:14
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STF inicia julgamento de recurso com repercussão geral, no qual se discute a prescrição ao ressarcimento de dano, decorrente de ato de improbidade administrativa.

I - RE 852475

Como noticia o site do STF, datado de 3 de agosto do corrente ano, teve início o julgamento de recurso com repercussão geral, no qual se discute a possibilidade da ocorrência de prescrição do ressarcimento de dano decorrente de ato de improbidade administrativa. No Recurso Extraordinário (RE) 852475, é questionado acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que declarou a prescrição de ação civil pública movida contra funcionários da Prefeitura de Palmares Paulista (SP) envolvidos em processo de licitação considerado irregular, e extinguiu a ação.

Foram proferidos no dia 2 de agosto seis votos no sentido do desprovimento do recurso do Ministério Público estadual, entendendo aplicar-se ao caso o prazo de prescrição previsto na legislação de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992), de cinco anos. Outros dois votos entenderam que o ressarcimento do dano oriundo de ato de improbidade administrativa é imprescritível, em decorrência do texto da Constituição Federal e da necessidade de proteção do patrimônio público. O julgamento deverá ser retomado no dia 8 de agosto.

A questão de fundo é a interpretação do sentido do disposto nos parágrafos 4º e 5º do artigo 37 da Constituição Federal. O parágrafo 4º prevê que os atos de improbidade importarão várias penalidades, entre elas o ressarcimento ao erário, “na forma e gradação previstas em lei”. Já no parágrafo 5º, é fixado que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para os ilícitos que causem prejuízo ao erário, mas “ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.

A corrente minoritária até o momento, no julgamento, adotou o entendimento de que a ressalva do texto constitucional implica a imprescritibilidade das ações de ressarcimento, o que resultaria em uma proteção maior ao patrimônio público. A linha até o momento majoritária, entretanto, considera que o texto constitucional pede a complementação de lei específica para tratar do tema, e não implica hipótese de imprescritibilidade. Isso porque, quando ocorre na Constituição, é mencionada expressamente, como no caso de crime de racismo ou ação de grupos armados.

O relator, ministro Alexandre de Moraes, destacou em seu voto a excepcionalidade da adoção da imprescritibilidade em qualquer sistema jurídico, inclusive o brasileiro, mesmo nas ações de natureza penal, observando-se este princípio com ainda mais razão nas questões de natureza civil. “Em face da segurança jurídica, portanto, nosso ordenamento jurídico afasta a imprescritibilidade das ações civis patrimoniais. Como resultado, não deveria ter surgido qualquer dúvida quanto à prescritibilidade de todas as sanções civis por ato de improbidade administrativa”, afirmou.

Ressaltou que tal entendimento não implica prejuízo ao combate à corrupção nem à improbidade, pois nas hipóteses mais graves, que configuram crime, o prazo prescricional será aquele previsto no Código Penal. “A legislação equiparou o prazo para propositura das ações – inclusive de ressarcimento – aos prazos mais acentuados do Direito Penal”, afirmou.

Em seu voto, propôs a fixação da seguinte tese:

“A pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos e terceiros pela prática de ato de improbidade administrativa devidamente tipificado pela Lei 8.429/1992 prescreve juntamente com as demais sanções do artigo 12, nos termos do artigo 23, ambos da referida lei, sendo que, na hipótese em que a conduta também for tipificada como crime, os prazos prescricionais são os estabelecidos na lei penal”

Votaram no mesmo sentido os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

A divergência foi aberta pelo ministro Edson Fachin, adotando a interpretação de que o texto constitucional inclui as ações de ressarcimento decorrentes de improbidade administrativa entre as hipóteses de imprescritibilidade, uma vez que trata de matéria que diz respeito à tutela dos bens públicos. Trata-se no caso de uma constitucionalização do direito civil, introduzindo exceção à regra da prescrição.

“O Poder Constituinte originário houve por bem escolher não apenas o alçamento da boa governança ao patamar constitucional, mas também a compreensão de que a coisa pública, não raro tratada com desdém e vilipendiada por agentes particulares ou estatais, trouxe um compromisso fundamental a ser protegido por todos”, afirmou.

Votou no mesmo sentido, provendo o recurso do Ministério Público do Estado de São Paulo, a ministra Rosa Weber, fazendo, contudo, ressalvas quanto à amplitude do seu entendimento e de sua fundamentação.

A matéria deve ser analisada à luz do artigo 37, § 5º; artigo 142 da Lei nº 8.112/90 e ainda do Código Civil.


II - PRESCRIÇÃO E PRETENSÃO

Prescrição, segundo Câmara Leal, é “a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso”(Da prescrição e da decadência, 1978, pág. 9).

Entenda-se que a prescrição, em princípio, atinge todas as pretensões e ações, quer reais, privados ou públicos. No tema de prescrição, a imprescritibilidade é sempre excepcional.

Pontes de Miranda, no Tratado de Direito Privado, afirmava que a pretensão encobria a pretensão.

Desde que há exigibllidade há pretensão, de modo que o problema se limita à questão do termo ou condição concernente ao vencimento. Mas uma coisa é o exercício da pretensão, judicialmente, e outra, o exercício da ação. Quem judicialmente interpele exerce, judicialmente, a pretensão; não propôs a ação. Exercer pretensão é exigir a prestação, propor a "ação" é pedir a tutela do Estado, deduzindo-se o que se pede.

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No Tratado de Direito Privado, tomo VI, Bookseller, pág. 163, ensinava Pontes de Miranda que a lei nova não pode tornar prescritível a pretensão já prescrita(Supremo Tribunal Federal, 3 de julho de 1942, JSTF 12/2002). Mas a prescrição, em princípio, atinge a todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, quer de direitos reais, privados ou público. A imprescritibilidade é excepcional. À prescrição submetem-se todas as pretensões, inclusive as que correspondem a diretos reais, ao direito de família e ao direito das sucessões. As relações jurídicas e os direitos mesmos não se prescrevem. Incide o prazo decadencial no que concerne às ações constitutivas.

São imprescritíveis: a) as pretensões de direito de família, sempre que tenham por fim estabelecer, ou estabelecer para o futuro situação que corresponda a relações jurídicas da família; ação de investigação de paternidade ou da maternidade; pretensão dos cônjuges para a posse das coisas que entraram na comunhão; a pretensão oriunda de direitos registrados no registro de imóveis, exceto a pretensão à reparação do dano; as pretensões que nasçam em obrigações de vizinhança, exceto as de indenização; a ação de regulação do exercício do direito, em caso de concorrência; a ação de demarcação.

Observe-se que tais ações tem caráter declaratório, daí porque são imprescritíveis. Ora, a ação civil de improbidade administrativa é condenatória, daí porque a pretensão que ali se coloca é sujeita à prescrição, que será de cinco anos.

Agnelo Amorim Filho(Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan./jun. 1961)  assim expõe sobre o tema:

"Entretanto, para demonstrar, de início, e independentemente de qualquer outra consideração, que existem ações imprescritíveis no direito brasileiro, basta atentar para as conclusões absurdas a que conduziria a adoção de ponto de vista diferente. Assim, por exemplo, um contrato firmado por um menor de oito anos, ou por um louco judicialmente declarado como tal, ou a compra e venda de um imóvel de alto valor feita por instrumento particular, apesar de serem atos nulos, passariam a produzir todos os seus efeitos, como se válidos fossem, e não poderiam mais ter sua nulidade decretada, após o decurso do prazo geral de prescrição, e depois de atravessados, com referência aos incapazes, os obstáculos legais que se opõem à fluência dos prazos prescricionais. Outro exemplo: O casamento que um pai contraísse com sua própria filha, apesar de ser ato nulo, passaria a produzir efeitos, como se válido fosse, e também não poderia mais ter sua nulidade decretada, depois que se consumasse o prazo prescricional geral. Ora, ninguém pode admitir conclusões tão estapafúrdias, nem mesmo invocando o texto legal. Assim, forçoso é concluir, desde já, no sentido da existência de, pelo menos, algumas ações imprescritíveis: aquelas ações de nulidade mencionadas nos exemplos citados. E se se admite que há algumas ações imprescritíveis, já fica aberta uma brecha no sistema que, aparentemente, resulta da letra dos mencionados dispositivos. Por ai, então, poderão ser admitidas outras ações igualmente imprescritíveis, pois outras existem. E quais são elas? Como identificá-las a priori? Qual o critério a adotar? São as perguntas que nos propomos responder a seguir. Antes, porém, torna-se mister examinar um assunto de natureza terminológica, que deve ser analisado antes de qualquer outro, para que o problema que temos em vista fique bem equacionado. É o que diz respeito à manifesta impropriedade da expressão "ações imprescritíveis", pois tal expressão não corresponde, com exatidão, ao sentido em que ela é utilizada comumente. Costuma-se usar tal expressão com o objetivo de designar aquelas ações que não estão sujeitas, direta ou indiretamente, a qualquer prazo (prescricional ou decadencial). Esse objetivo não corresponde, todavia, à compreensão lógica e gramatical da expressão. "Imprescritível" significa "que não prescreve" ou “não sujeito a prescrição". Deste modo, lógica e gramaticalmente, a expressão abrange, não só: a) as ações não sujeitas nem a prescrição nem a decadência, como também b) as ações sujeitas a decadência (indiretamente, por força da extinção do direito a elas correspondente), pois estas últimas também são "ações que não prescrevem". A expressão em foco tem, por conseguinte, uma compreensão mais ampla do que o sentido em que é utilizada, pois abrange uma categoria de ações (aquelas sujeitas a decadência) que não se tem em mente abranger quando se faz uso dela. Talvez a anomalia decorra da confusão que muitos faz entre os institutos da prescrição e da decadência, ou da dificuldade que há em distingui-los. Mas, como a precisão dos conceitos é fundamental nos domínios do direito, há necessidade de se substituída a expressão "ações imprescritíveis" por uma outra que corresponda com exatidão à idéia que se pretende exprimir e concilie a realidade com a lógica. Para esse fim não vemos outra melhor do que a expressão "ações perpétuas", que submetemos, neste momento, à apreciação dos doutos. Aliás, no direito romano, essa expressão designava, inicialmente, aquelas ações que não estavam sujeitas a qualquer prazo extintivo, e, depois, quando todas as ações ficaram subordinadas a prazos, passou a designar aquelas ações sujeitas ao prazo mais longo (SAVIGNY, Sistema tomo IV, pág. 185). O problema da identificação das denominadas "ações imprescritíveis" tem sua solução grandemente facilitada com a fixação daquelas duas regras, já deduzidas acima, destinadas a identificar as ações ligadas à prescrição ou à decadência. Sendo a imprescritibilidade um conceito negativo, pode ser definido por exclusão, estabelecendo-se como regra que: são perpétuas (imprescritíveis) todas aquelas ações que não estão sujeitas nem prescrição nem a decadência. Por aí se verifica, facilmente, que são perpétuas (imprescritíveis): a) todas as ações meramente declaratórias; e b) algumas ações constitutivas (aquelas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei). Quanto às ações condenatórias, não há, entre elas, ações perpétuas (imprescritíveis) pois todas são atingidas, ou por um dos prazos especiais do art. 206 ou pelo prazo geral do art. 205. Com efeito, já vimos anteriormente que não há qualquer razão para o legislador subordinar as ações declaratórias a prazos, pois o seu uso, ou não-uso, não afeta, direta ou indiretamente, paz social, uma vez que elas nada criam e nada modificam, apenas declaram a "certeza jurídica”. Já vimos, também, que há até mesmo uma impossibilidade lógica em filiar as ações declaratórias aos institutos da prescrição ou da decadência, uma vez que elas não são meio de se exercerem pretensões, nem meio de exercício de direitos potestativos. Quanto às ações constitutivas, a lei só fixou prazo para propositura de algumas delas. A demais ações constitutivas, não estando, como não estão, sujeita a qualquer prazo, devem ser classificadas como imprescritíveis (ou perpétuas, segundo a denominação que propusemos) . Com relação aos direitos exercidos por meio destas ações constitutivas, fica prevalecendo o principio geral da perpetuidade dos direitos. Convém acentuar que não existe, com referência às ações declaratórias e às constitutivas, qualquer dispositivo fixando prazo geral para aquelas não atingidas por prazos especiais, de vez que os 206 e 205 só se aplica às ações condenatórias. Já temos, assim, elementos para fixar a terceira e última regra: SÃO PERPÉTUAS (ou imprescritíveis) TODAS AS AÇÕES DECLARATÓRIAS, E TAMBÉM AQUELAS AÇÕES CONSTITUTIVAS PARA AS QUAIS A LEI NÃO FIXA PRAZO ESPECIAL DE EXERCÍCIO. Os resultados da aplicação da regra deduzida acima coincidem com a opinião generalizada a respeito da imprescritibilidade das ações declaratórias, da ação de divisão, de várias ações de estado, inclusive a investigatória de paternidade; da ação de demarcação, e de quase todas as ações de nulidade. Com a mesma regra ficam, pois, eliminadas aquelas discussões irredutíveis a respeito da prescritibilidade da ação investigatória de paternidade: ela é imprescritível porque é constitutiva e não tem prazo especial fixado em lei para o seu exercício. O mesmo raciocínio exposto no presente capítulo conduz à solução de um outro problema igualmente tormentoso, que exige desenvolvimento maior do que o permitido pela natureza do presente trabalho: o da imprescritibilidade das exceções. Realmente, sendo as exceções, como são, direitos potestativos se não têm prazo de exercício fixado em lei, prevalece, com relação a elas, o princípio da perpetuidade dos direitos. Ou - para usar a terminologia ainda em vigor - as exceções são, em princípio, imprescritíveis."

Em conclusão, tem-se do que ensinou Agnelo Amorim:

1ª) - Estão sujeitas à prescrição (indiretamente, isto é, em virtude da prescrição da pretensão a que correspondem): - todas as ações condenatórias, e somente elas; 2ª) - Estão sujeitas à decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito potestativo a que correspondem): - as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei; 3ª) - São perpétuas (imprescritíveis): - a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; e b) todas as ações declaratórias.

Ora, repita-se, a ação de improbidade administrativa é uma ação condenatória.

Nessa linha de entendimento, tem-se o artigo 23 da Lei nº 8.429/92:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência)

O entendimento de Marcelo Figueiredo(Probidade administrativa, 2ª edição, pág. 104) é de que a prescrição aludida refere-se à ação para a perda da função e suspensão dos direitos políticos. Em relação ao ressarcimento do dano ao erário, incide a norma do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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