A prescrição do ressarcimento do dano nas ações de improbidade administrativa

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03/08/2018 às 12:14
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III - A PROBIDADE ADMINISTRATIVA E OS PEDIDOS DE REPARAÇÃO AO ERÁRIO

Ensinou Wallace Paiva Martins Júnior que "a Lei federal 8.429/92 instituiu no direito brasileiro um autêntico código da moralidade administrativa” (Enriquecimento ilícito de agentes públicos. Evolução patrimonial desproporcional a renda ou patrimônio. RT 755/94); e, como bem acentuado por Manoel G. Ferreira Filho, a previsão constitucional de punição da improbidade administrativa reflete “a revolta do povo brasileiro contra a corrupção nos escalões governamentais e administrativos”. (Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. l, p. 253). Como bem salienta Ives Gandra da S. Martins: "é irresponsável aquele que macula, tisna, fere, atinge, agride a moralidade pública, sendo ímprobo administrador, favorecendo terceiros, praticando a concussão ou sendo instrumento de corrupção'' (Aspectos procedimentais do instituto jurídico do impeachment e conformação da figura da improbidade administrativa. RT 685/286).

A lei definiu os atos de improbidade administrativa como aqueles que, possuindo natureza civil e devidamente tipificados em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da Administração Pública, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário (José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 337; Gianpaolo Poggio Smannio, Interesses difusos e coletivos. São Paulo: Atlas, 1998. p. 83; Marino Pazzaglini Filho, dentre outros.

A natureza civil dos atos de improbidade administrativa é essencial para a análise da questão prescricional e decorre do comando constitucional, que é bastante claro ao consagrar a independência da responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa e a possível responsabilidade penal, derivadas da mesma conduta, ao utilizar a fórmula "sem prejuízo da ação penal cabível”. Nesse exato sentido, Fábio Konder Comparato ensina que: "a própria Constituição distingue e separa a ação condenatória do responsável por atos de improbidade administrativa às sanções por ela expressas, da ação penal cabível, é, obviamente, porque aquela demanda não tem natureza penal” (Ação de improbidade: Lei 8.429/92. Competência ao juízo do 1° grau. Boletim dos Procuradores da República, ano 1, n. 9, jan. 1999).

Disse bem o ministro Alexandre de Moraes, em seu voto, que a condenação por improbidade administrativa e consequente imposição das respectivas sanções somente poderão ocorrer se, nos prazos fixados em lei, houver o ajuizamento da ação específica, e, após o devido processo legal, garantida a ampla defesa e o contraditório, houver uma decisão judicial condenatória.

Em um Estado de Direito, assim como no campo penal, também na responsabilidade civil por ato de improbidade, o Poder Público tem um prazo legal para exercer sua pretensão punitiva, não podendo, em regra, manter indefinidamente essa possibilidade, sob pena de desrespeito ao devido processo legal. As exceções à prescritibilidade estão única e exclusivamente previstas na Constituição Federal, no campo punitivo penal, nos incisos XLII e XLIV do artigo 5º: XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Prosseguiu o Ministro Alexandre de Moraes em seu voto:

“A simples leitura da expressão “ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”, prevista no § 5º do art. 37 da CF, em sua literalidade, por si só, não permite a afirmação de ter sido adotada a imprescritibilidade de qualquer ação de ressarcimento ao erário, seja por atos ilícitos, seja por atos de improbidade administrativa, cujo comando constitucional, inclusive, se encontra em outro parágrafo, o § 4º. A interpretação do texto constitucional não pode ser legitimada sem que se aprecie o conjunto das normas vigorantes, em uma necessária homogeneidade equilibrada de todo o ordenamento jurídico, sob pena de grave lesão a dispositivo constitucional não só quando é violentada a sua literalidade, mas também quando sua aplicação é apartada de seu espírito e de seu conteúdo.”

Sendo assim, a melhor interpretação que deve ser dada ao artigo 23 da Lei nº 8.429/92 já conduz à hipótese de que tais ações ajuizadas, descrevendo atos de improbidade administrativa, devem ser ajuizadas em prazo legal estipulado. Nesta mesma linha de pensar, está o artigo 142 da Lei nº 8.112/90, que disciplina prazos objetivos.

 O ordenamento jurídico adota o princípio da prescritibilidade como essencial à segurança jurídica das relações em sociedade, como salientado pelo Ministro Dias Toffoli, em voto no julgamento do RE 669069/MG:

“A simples leitura da expressão “ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”, prevista no § 5º do art. 37 da CF, em sua literalidade, por si só, não permite a afirmação de ter sido adotada a imprescritibilidade de qualquer ação de ressarcimento ao erário, seja por atos ilícitos, seja por atos de improbidade administrativa, cujo comando constitucional, inclusive, se encontra em outro parágrafo, o § 4º. A interpretação do texto constitucional não pode ser legitimada sem que se aprecie o conjunto das normas vigorantes, em uma necessária homogeneidade equilibrada de todo o ordenamento jurídico, sob pena de grave lesão a dispositivo constitucional não só quando é violentada a sua literalidade, mas também quando sua aplicação é apartada de seu espírito e de seu conteúdo”.  

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Registro jurisprudência do STF na matéria:

ACO 1368 AgR / RO - RONDÔNIA, AG.REG. NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Julgamento:  01/12/2017, Órgão Julgador:  Primeira Turma, Publicação ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-288  DIVULG 13-12-2017  PUBLIC 14-12-2017

Ementa: Direito Administrativo. Ação Cível Originária. Cobrança de valores. Cessão de Servidora. Prescrição. Extinção da ação. 1. Ação de reparação de danos ajuizada pela União contra o Estado de Rondônia para o ressarcimento de valores despendidos por erro no pagamento de servidora pública cedida. Conforme afirmado no RE 669.069-RG, Rel. Min. Teori Zavaski, “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”. 2. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015. 3. Agravo interno a que se nega provimento.

O ordenamento jurídico adota o princípio da prescritibilidade como essencial à segurança jurídica das relações em sociedade.

Nessa linha, tem-se que não há, portanto, qualquer previsão de imprescritibilidade nos §§ 4º e 5º do art. 37 em relação à sanção de ressarcimento ao erário por condenação pela prática de ato de improbidade administrativa, que deve seguir os mesmos prazos prescricionais do art. 23 da Lei 8.249/1992, com a complementação de que, se o ato de improbidade administrativa também for capitulado como crime, deverá ser considerado o prazo prescricional estabelecido na lei penal, como vem decidindo o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (MS 24.013/DF, Rel. p/Acórdão Min. Sepúlveda Pertence; AgRg RMS 31.506/DF, Rel. Min. Roberto Barroso).  

A isso se some a questão da irretroatividade de providências no campo civil e administrativo por respeito ao princípio da segurança jurídica.

Os agentes públicos e terceiros somente poderão ser responsabilizados nos termos do § 4º do artigo 37 da Constituição Federal, pelo cometimento de atos de improbidade posteriores à edição da Lei 8.429/1992, sendo vedada a aplicação do referido diploma legal retroativamente.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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