Ações imprescritíveis no sistema jurídico brasileiro

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1 INTRODUÇÃO

Criado em 1916 por Clovis Beviláqua, renomado jurista da época, o Código Civil determina as leis de direito privado que regulamentam os direitos e interesses dos cidadãos. Devido às mudanças sociais decorrente da modernidade, o código de Beviláqua se torna obsoleto. O atual Código Civil brasileiro, vigente desde 11 de janeiro de 2003, traça novas diretrizes para a sociedade moderna amparado pelas novas demandas sociais e adequado à nova Constituição Federal, trazendo novos elementos para o direito civil e extinguindo outros. Dentro dessa nova realidade muitos prazos prescricionais e decadenciais foram alterados e incluídos. Esses institutos são imprescindíveis para a lide, pois a perda dos prazos acarreta em perda do direito à pretensão e a perda do direito material, nesta ordem. 

Segundo Venosa (2003), a prescrição é a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva em consequência do não uso delas durante determinado espaço de tempo. A finalidade desse instituto é trazer segurança jurídica. Em regra, todas as ações são prescritíveis salvo algumas exceções.

Diante da relevância do instituto da prescrição, surge a questão para a presente investigação: existem ações imprescritíveis no sistema jurídico brasileiro? Para que tal questionamento seja respondido, inicialmente foi analisado o instituto da prescrição e foi realizada uma breve consideração sobre o seu conceito. Por fim, discorreu-se sobre as ações imprescritíveis, objeto de estudo deste trabalho, suas limitações e efeitos. Assim, o objetivo desse estudo foi analisar na literatura quais ações são imprescritíveis no sistema jurídico brasileiro.

Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica, onde a obtenção dos dados se deu por meio de pesquisa em capítulos de livros jurídicos, artigos científicos disponíveis em meios eletrônicos, sites de tribunais regionais e federais. Foram incluídas as obras que contemplaram o tema da prescrição e as ações imprescritíveis.


2 PRESCRIÇÃO

O Código Civil de 2002 (ANGHER, 2018, p. 179) art. 189, dispõe que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.” Paulo Nader (2004) define a prescrição como a perda de uma pretensão de agir devido a inércia do titular por um período temporal superior ao previsto em lei. A gênese da prescrição se dá no direito romano, na qual em dado período histórico, todas as ações eram perpétuas. Com o objetivo de resolver os rigores da jus civile, surge a presciptio temporalis, que desvinculou o demandado do demandante quando não havia ajuizamento da ação em tempo apropriado (COSTA, 2012). Hodiernamente, a finalidade da prescrição é a estabilidade das relações sociais e a segurança do ordenamento jurídico. Este instituto tem por escopo que determinadas pretensões não perdurem perpetuamente (GONDIM, 2016). O prazo prescricional se inicia a partir do momento que um direito é violado, nascendo assim a pretensão, a actio nata, para o titular do direito (COSTA, 2006).

Os prazos prescricionais não podem ser alterados por convenção das partes, nem para mais, nem para menos, devem ser seguidos os prazos previstos em lei. Iniciado o prazo prescricional contra uma pessoa, a exemplo esta venha a falecer, continuará a contagem contra seus sucessores, salvo se forem absolutamente incapazes, pois neste caso ocorre a suspensão do prazo. Existem causas em que há o impedimento de fluidez dos prazos prescricionais previstos em lei, como por exemplo entre cônjuges, enquanto estiverem casados (ANGHER, 2018; DINIZ, 2013). Por iniciativa da parte, pode acontecer apenas uma vez a interrupção da prescrição, segundo Maria Helena Diniz (2007, p. 387) as causas que interrompem a prescrição “são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que seu prazo recomeça a correr da data do ato que a interrompeu. ”


3 Ações imprescritíveis

Há também ações imprescritíveis. A regra geral é que as pretensões prescrevam, excetuando–se as pretensões imprescritíveis (NADER, 2004). Não prescrevem as ações que tratam sobre:

3.1 Direitos de Personalidade

Os direitos personalíssimos, como a vida, a liberdade, o nome, a identidade, as obras literárias, cientificas entre outras. A relevância desses direitos é tamanha que sua violação caracteriza dano moral e patrimonial indenizável. Os direitos da personalidade não se esgotam pelo uso nem tão pouco pelo desuso, são cláusulas pétreas abarcadas pela constituição federal que a pessoa dispõe para proteger o que lhe é próprio, podendo ser exercido contra terceiros ou contra o Estado (DINIZ, 2013).

3.2 estado da pessoa

O estado da pessoa, como o estado civil, a cidadania, a filiação e o reconhecimento de paternidade (DINIZ, 2013). De acordo com Clóvis Beviláqua (1972) o estado da pessoa são formas de existência particular que compõe cada sujeito (apud DINIZ, 2013). O estado da pessoa pode ser analisado sob três aspectos: familiar, político e individual. O familiar está relacionado a situações que identificam as pessoas no matrimonio, ou seja, se ela é casada, solteira, viúva entre outros. Também situa relações consanguíneas e de afinidade, como por exemplo, a relação entre pais e filhos, e a paternidade sócio afetiva, respectivamente. O político refere-se ao estado da pessoa segundo seu aspecto jurídico, ou seja, se é estrangeiro, nacional ou naturalizado. E por fim o individual, cujos elementos constituintes da capacidade civil envolvem a idade, a saúde mental e física e o gênero do indivíduo. O estado da pessoa é um conjunto de fatores, intrínseco e extrínseco, que a compõe (DINIZ, 2013).

“Estado civil é a qualificação jurídica da pessoa, segundo suas condições e seus vínculos fundamentais na sociedade” (NADER, 2004, p. 204) O estado civil é orientado por preceitos de ordem pública, não se limitando apenas a relação matrimonial, se é casado ou solteiro, esse estado se estende aos casos de naturalização, seguindo o regime jurídico vigente na sociedade (NADER, 2004). Para Orlando Gomes (1995) o estado civil tem por fundamento a indivisibilidade, indisponibilidade e imprescritibilidade (apud NADER, 2004, p. 205) é uno, pois ninguém, concomitantemente, pode ser casado e solteiro, menor e maior. É indisponível por integrar a pessoa natural, não podendo ser negociado nem renunciado. É imprescritível por não se desfazer pelo lapso temporal (NADER, 2004).

O Supremo Tribunal Federal, por meio da súmula 149 convencionou que as ações de investigação de paternidade são imprescritíveis (STF, 2011). De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o reconhecimento do estado de filiação é um direito da personalidade imprescritível e irrenunciável (MALTA, 2016). Outros documentos corroboram com os entendimentos supracitados (BRASIL, 2010a, 2010b). O meio mais preciso para o reconhecimento de paternidade é o DNA. A súmula 301 do STJ traz que em caso de recusa por parte do pai em se submeter ao exame de DNA leva a presunção júris tantum de paternidade (NOGUEIRA, 2010).

3.3 Bens públicos

Os bens públicos (DINIZ, 2007). Em comparação com os bens particulares, os bens públicos recebem um tratamento diferenciado pelo sistema jurídico brasileiro por possuírem caracteres próprios, como: a inalienabilidade relativa, assegurada pela constituição do Estado, a impenhorabilidade, a impossibilidade de oneração dos bens e a imprescritibilidade, sendo que discorreremos mais sobre esta última característica. Não há prazo prescricional para os bens públicos, essa medida visa a preservação do patrimônio público, seja terra ou bens dominicais, excluindo a possibilidade de aquisição por usucapião, podendo o Estado autorizar o uso, mas o domínio permanece com a união (CASSEP, 2013).

3.4 Direito de família

O direito de família no que diz respeito ao direito de pensão alimentícia, à vida conjugal e ao regime de bens (DINIZ, 2013). O Direito de Família, segundo Gonçalves (2016),  é um ramo do Direito Civil que trata das relações entre pessoas unidas pelo matrimônio, o casamento propriamente dito; pela união estável, configurada na convivência pública, contínua e dura duradoura entre o homem e a mulher (BRASIL, 2002) ou pelo parentesco, que na legislação atual, para determinados fins, como o da sucessão, limita-se aos parentes consanguíneos em linha reta e aos colaterais até o quarto grau, mas que por afinidade incluem, até mesmo, os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge. De acordo com Gonçalves (2016), o direito de família também abarca os institutos complementares da tutela e curatela, mesmo que estes direitos protetivos ou assistenciais não tenham sua gênese nas relações familiares, devido a finalidade que apresentam, têm clara ligação com aquele instituto.

Gonçalves (2016) ainda discorre que o objeto do direito de família é o conjunto de disposições, pessoais e patrimoniais, que nasce da ligação entre as diversas relações estabelecidas no bojo da entidade familiar. Portanto, a finalidade daquele é regular relações pessoais, patrimoniais e assistenciais que se desenvolvem no seio familiar.

Quanto à pensão alimentícia, regulamentada na Constituição Federal, em seu art. 5º, LXVII e no Código Civil de 2002, corresponde a um valor estabelecido pelo juiz, que deve ser pago mensalmente pelo responsável para manter os filhos e/ou o outro cônjuge, com a finalidade de subsidiar os gastos com alimentação, habitação e outros elementos de primeira necessidade. Três circunstâncias principais são levadas em consideração para que o Juiz estabeleça o pagamento da pensão: a possibilidade de quem deverá pagar a pensão, a real necessidade de quem está solicitando e a relação de proporção entre esses dois requisitos. (NASCIMENTO, 2018)

Conforme previsto em lei, o pagamento da pensão para filho de ser feito até os 18 anos de idade. Caso o filho esteja na faculdade, ou cursando curso profissionalizante e provar necessidade do sustento para alimentação e estudos, a obrigação aumenta para 24 anos ou até o término dos estudos, situação reforçada pela Súmula 358 do STJ a qual dispõe que o “cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos”. Por fim, por se tratar de uma ação imprescritível, ainda que tal direito tenha deixado de ser exercido por longo tempo, é direito do alimentado procurar as vias judiciais para requerer tal benefício e postular em juízo a pensão alimentícia.

No que se refere ao regime de bens, Gonçalves (2016) o define como sendo o conjunto de regras que regula as relações econômicas entre os cônjuges ou entre estes influenciando sobre terceiros, durante o casamento. Este instituto disciplina especialmente o domínio e a administração bens adquiridos anteriormente, por ambos ou por cada um deles, ao matrimônio e, também, aqueles contraídos durante a prevalência da relação conjugal.

Na legislação nacional, mais especificamente no Código Civil brasileiro, são disciplinados quatro modelos de regimes de bens: o da comunhão parcial – artigos 1.658 a 1.666, o da comunhão universal - artigos 1.667 a 1.671, o da participação final nos aquestos - artigos 1.672 a 1.686 e o da separação - artigos 1.687 e 1.688. Todavia, conforme destaca Gonçalves (2016), esse diploma permite que as partes regimentem as suas relações econômicas fazendo combinações entre os regimes de bens, criando, desta forma, um regime misto. As exceções a esta possibilidade são as hipóteses contidas no art. 1.641, incisos I a III, no qual o regime da separação de bens é imposto compulsoriamente aos casos determinados.

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3.5 Pretensão do condômino

O Código Civil de 2002, segundo Diniz (2013), também prevê que são ações imprescritíveis a pretensão do condômino de a qualquer tempo exigir a divisão da coisa comum, conforme disposto no art. 1320, além da meação de muro divisório, ou seja, o proprietário tem o direito de cercar sua propriedade e pode exigir de seu vizinho a dividir proporcionalmente as custas do serviço realizado, conforme expresso nos arts. 1297 e 1327. Para facilitar o entendimento sobre o assunto, traz-se a definição de condômino segundo Caetano (2018), “condôminos são os proprietários de suas unidades privativas (habitacionais) como também, proporcionalmente, das áreas comuns que são compartilhadas por todos os moradores de um condomínio”.

3.6 Anulação de inscrição de nome empresarial

O Código Civil de 2002, ainda conforme Diniz (2013), regula como ação imprescritível aquela impetrada, pela parte prejudicada, para anular inscrição de nome empresarial feita com violação da lei ou do contrato, conforme enunciado no art. 1167. Para tanto, conforme enuncia Mamede (2010), vale destacar que, por se tratar de um direito próprio de pessoa jurídica e, portanto, ser tratada como uma manifestação da personalidade da empresa, o nome empresarial é considerado insuscetível de cessão ou transferência. Este entendimento torna-se possível ao efetuar relação entre os art. 11, que prevê a intransmissibilidade dos direitos de personalidade, e o art. 52 do Código Civil, que aplica às pessoas jurídicas, a proteção dos direitos da personalidade.

3.7 AÇÃO MERAMENTE DECLARATÓRIA

Como preceitua a súmula 181 do Superior Tribunal de Justiça (STF, 1997):

"Admite-se a ação declaratória para obtenção da    certeza jurídica sobre a existência, inexistência ou modo de existir de uma relação jurídica”.

De acordo com Duarte (2014), a sentença declaratória traz luz para as relações jurídicas, deixando claro se existe ou não uma relação jurídica, se há autenticidade ou falsidade em um documento. Por tal declaração não se constitui, não se condena e não há caráter mandamental, sua essência está em declarar se é ou não é uma relação jurídica. A ação declaratória tem como objetivo afastar as dúvidas que recaem sobre a relação jurídica. São exemplo de ações meramente declaratórias as ações de investigação de paternidade, ação de consignação em pagamento e as ações de usucapião, corroborando com os enunciados jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR, 2018).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE DOMÍNIO POR USUCAPIÃO. AQUISICAÇÃO DA POSSE. CESSÃO DE OBRIGAÇÃO. ANTERIOR COMPROMISSÁRIO COMPRADOR. POSSE PRECÁRIA, INTERPELAÇÃO DIRIGIDA A TERCEIRO E NÃO RECEPCIONADA. AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO PELO PROPRIETÁRIO. TRANSMUDAÇÃO DO CARÁTER DA POSSE. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. VALOR DA CAUSA.

1. Os direitos e obrigações do proprietário, decorrente de compromisso de compra e venda celebrado com terceiro, compromissário comprador é inoponível àquele que obteve a cessão de direitos do último, sem anuência do primeiro.  2. A posse adquirida por mera cessão (transferência) de direitos contratuais outorgado por compromissário comprador, ainda que não se configure como verdadeira cessão de contrato, por não contar com a anuência do compromitente vendedor, configura-se inicialmente, ao menos em relação àquele de quem adquiriu, como posse precária, porque em relação de dependência com ele. 3. A interpelação (notificação) judicial expedida pelo proprietário, compromitente vendedor de imóvel ao compromissário comprador, que não chega sequer a ser recepcionada, não se configura como ato de contestação à posse do terceiro, que a obteve por cessão de direitos do compromitente comprador. 4. A posse precária pode ter sua natureza transmudada para posse plena (art. 1.203/CC), inclusive configurando-se como “ad usucapionem”, quando persiste no tempo de forma mansa, pacífica e sem contestação pelo prazo legal, ensejando a declaração da aquisição do domínio, na forma do art. 1.238/CC. 5. Não se justifica a fixação dos honorários de sucumbência em valor ínfimo (R$ 1.000,00), a pretexto de fixação equitativa (art. 85, § 8º/CPC), quando atribuído valor certo à causa (R$ 41.704,00), o qual não se mostra irrisório, nem muito baixo, retratando o real proveito econômico da pretensão, devendo a decisão orientar-se pela norma do § 2º, do art. 85/CPC. 6. Negado provimento ao recurso do vencido na ação, devem ser majorados os honorários fixados (§ 11, art. 85/CPC). 7. Apelação Cível (2), da requerida, à que se nega provimento, dando-se provimento à Apelação Cível (1), dos autores, com majoração dos honorários de sucumbência. ACÓRDÃO (TJPR - 17ª C.Cível - 0009296-60.2014.8.16.0058 - Campo Mourão -  Rel.: Francisco Carlos Jorge -  J. 24.05.2018)

Dessa forma, como a ação declaratória não efetiva um direito, somente afirmar se há ou não uma relação jurídica, não corre prazo prescricional. (DUARTE, 2014)

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Sobre os autores
Tiago Chaves

Acadêmico de Direito da Faculdade Paranaense - FACCAR, Rolândia, Paraná, Brasil.

Elton Salles

Acadêmico de Direito da Faculdade Paranaense - FACCAR, Rolândia, Paraná, Brasil.

José Eduardo Salomão

Acadêmico de Direito da Faculdade Paranaense - FACCAR, Rolândia, Paraná, Brasil.

Jillian Alves Cardoso

Acadêmico de Direito da Faculdade Paranaense - FACCAR, Rolândia, Paraná, Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Esse artigo foi elaborado para disciplina de Direito Civil do curso de Direito da Faculdade Paranaense.

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