6. Sistemas de Representação Política
Será útil referir, neste ponto, que se colocam fundamentalmente três sistemas de representação política na história recente da democracia, no que respeita à relação entre representantes e representados. Segundo Norberto Bobbio (35): 1) a representação como relação de delegação (delegation), em que o representante é concebido como executor privado da iniciativa e da autonomia das instituições que os representados lhe distribuem – no fundo é uma espécie de "embaixador"; 2) a representação como relação de confiança (trustship), tendo o representante autonomia no exercício do seu mandato político, supondo a sua única orientação o interesse dos representados como foi por ele percebido e que vimos patente em Burke; 3) a representação como "espelho" ou representação sociológica (resembalance) concebendo a organização representativa como um microcosmos que fielmente reproduz as características do corpo político.
Na perspectiva do primeiro modelo descrito por Bobbio, o delegado é uma pessoa que é escolhida para actuar por outra com base em orientações claras e instruções precisas. É como que um embaixador ou um agente de vendas que não é autorizado actuar de acordo com o seu julgamento. Quem prefere este modelo cria mecanismos que asseguram que os políticos estão vinculados – tão perto quanto possível – às perspectivas dos eleitores. Isso inclui o que Paine designa por uma "interacção frequente" entre representantes e seus constituintes, na forma de eleições regulares e mandatos curtos (36). A virtude do que podemos chamar de "delegação de representação" é que o sistema providencia maiores oportunidades para uma participação popular e serve para fiscalizar as inclinações do self-serving dos políticos profissionais. Constitui, portanto, a forma de representação mais próxima do ideal distante da soberania popular. Os principais defeitos do modelo incluem um estreitamento excessivo do mandato representativo, um ponto de fricção entre delegados e eleitores.
O modelo referido encontra-se hoje rejeitado pela proibição explícita do "mandato imperativo" por parte das principais leis constitucionais e eleitorais europeias e ocidentais.
O segundo modelo encarna, segundo Bobbio, a ideia do representante como "fiduciário" tendo a Nação normalmente como centro focal de representação ou pela inoportunidade do colégio eleitoral do representante, entendido como parcela fragmentada do todo que é a Nação.
Não é despiciendo sublinhar que este modelo ganha novo fôlego, nos nossos dias, à medida que o Estado Unitário, incapaz de responder às necessidades, à diversidade territorial e cultural dos países, se descentraliza e regionaliza. As novas regiões autónomas vêm os interesses das suas circunscrições institucionalmente prosseguidos e defendidos por parlamentares que fazem valer os interesses regionais, respondem pelas suas circunscrições eleitorais e intervêm, por vezes como balança e factor de desempate, nas crises políticas de âmbito nacional. (37)
O último modelo é naturalmente o mais utilizado em termos de engenharia eleitoral (38).
O modelo tem menos a ver com a maneira como os representantes são seleccionados do que com a forma como eles tipificam ou "espelham" o grupo que pretendem representar. A noção está imbuída de uma representação alargada – cross-section – como se lhe referem os marketeers políticos. De acordo com esta formulação, um governo representativo deverá constituir um microcosmos de uma sociedade mais vasta, compreendendo membros provenientes de todos os grupos e estratos da sociedade ( em termos de classe social, sexo, etnia, religião, idade, etc) e no mínimo que seja proporcional à dimensão dos grupos sociais em si.
O modelo-espelho sugere que cada pessoa que vem de um dado grupo e partilha as suas experiências e vivências pode se identificar plenamente com os seus interesses. Facto que em si é discutível. Por outro lado, o modelo tem um efeito perverso: configura a representação como algo de restrito e exclusivo, acreditando por exemplo que só uma mulher pode representar as perspectivas das mulheres, um negro ou um indiano as minorias rácicas, um ecologista os amigos do ambiente. A questão que daí resulta é que se os representantes políticos apenas representam os interesses dos grupos donde provêem o resultado será uma profunda estratificação social e conflitualidade latente, já que ninguém será capaz de defender o bem-comum ou o interesse da colectividade.
Por outro lado, um Governo que seja o espelho de uma sociedade, no sentido literal, reflectirá tanto os seus pontos fortes como as suas fraquezas. Ora o modelo só é exequível com fortes restrições à escolha eleitoral e, sobretudo, ás liberdades individuais. Em nome deste modelo, os partidos podem ser pressionados pela opinião dos seus eleitores a escolher quotas para as mulheres, os ecologistas, os homossexuais, os negros, os muçulmanos e outros grupos ditos "minoritários".
Os sistemas eleitorais proporcionais têm sido um eficaz instrumento institucional para reproduzir as características políticas, ideológicas, mas também sociológicas dos grupos populacionais dispersos pelo território nacional mas tem presidido uma preocupação de moderar os ímpetos estratificadores do modelo. Daí que não se possa deixar de conceder que as formações políticas que visavam responder a um "espelho" de determinados estratos da população – como os partidos operários, agrários, confessionais, étnicos ou feministas – ganharam no fim do Século XX uma nova projecção, já que a profissionalização da vida política fomenta uma maior representatividade sociológica relativamente a perfis não-estritamente políticos, caso dos ecologistas. Mas isso não se traduziu no curto-circuitar do modelo do governo representativo.
Há autores que adiantam, ainda, um modelo intermédio, o modelo de mandato, o qual convive com o actual modelo de mediação política através dos partidos.
Este modelo é baseado na doutrina que ao vencer as eleições um partido ganha um mandato popular que o autoriza (e legitima) a executar as políticas e programas com que se comprometeu na campanha eleitoral. Sendo um mandato em benefício de uma entidade colectiva – o partido – e não de políticos individuais, a doutrina do mandato confere uma adequada justificação para a unidade partidária e a disciplina organizativa e de voto.
Nesta perspectiva, os políticos servem os seus constituintes não por julgarem por eles próprios mas por serem leais ás orientações do partido que integram e as suas políticas.
A vantagem decisiva do modelo de mandato de representação é que confere uma lógica aos resultados eleitorais, assegura uma revisitabilidade das promessa eleitorais aquando da campanha para novas eleições e possibilita uma separação mais nítida das opções políticas em confronto numa sociedade plural e democrática.
O modelo peca, no entanto, por algumas assunções precipitadas. Em primeiro lugar acredita que os eleitores votam sempre nos partidos de acordo com as suas fronteiras ideológicas e as suas políticas seriadas nos programas. Os votantes nem sempre são tão racionais e previsionais como a convicção subjacente revela. Hoje, cada vez mais, os eleitores são influenciados (e incutidos) por um vasto leque de factores "irracionais" e extra-ideológicos como a personalidade, o carisma dos líderes, a linearidade das mensagens e condicionamentos sociais e hábitos vários.
Em segundo lugar, é discutível que os eleitores sejam atraídos pelos compromissos assumidos nos "manifestos" eleitorais, na perspectiva que o voto seja um endosso ao manifesto na sua plenitude e não num ou noutro aspecto em que os eleitores e revejam. Finalmente, o modelo é fortemente condicionador: limita as políticos do governo ás propostas que o partido anunciou na campanha eleitoral e deixa reduzida margem á capacidade de as adaptar ou mudar em razão de circunstância supervenientes. A doutrina é significativamente aplicável em sistemas de maioria eleitoral, fundamentalmente em sistemas bipartidários.
7.A génese dos Partidos Políticos
A ambição de ocupar o poder é uma característica essencial da política. O político quer o poder – na forma mais genuína ou propagandística – porque tem uma solução para o interesse público. O Partido é a organização política em que os membros desenvolvem uma acção conjunta com vista à conquista e exercício do poder (39), por meio eleitoral ou qualquer outro, para atribui-lo a uma pessoa, a um grupo ou para fazer vingar uma certa ideologia. O Partido reflecte também este comportamento individual e adiciona e sumaria a energia e os propósitos dos que entendem que só ocupando o Poder lhes permite executar um projecto que na sua forma genuína diz respeito ao futuro da comunidade política e na forma mais perversa à satisfação de interesses sectoriais e privados.
Até ao chamado Estado Liberal de Direito, os titulares dos órgãos do poder político – as Cortes – limitavam-se a exercer o papel de meros núncios ou mandatários a título imperativo. O reconhecimento da natureza representativa do mandato só se verifica com o estabelecimento de mecanismos democráticos para a sua designação, afirma Marcelo Rebelo de Sousa. (40) (41)
Os primeiros partidos modernos nasceram, por um lado, da relação com a tradição parlamentar burguesa das sociedades industrializadas do Ocidente ou com o ambiente das mesmas sociedades, o que adita razões aos que entendem que o desenvolvimento de partidos políticos, a interiorização de um sistema pluripartidário poderão ser identificados como sinais de modernização e pluralismo (42).
Maurice Duverger (43) utiliza, a este propósito, a distinção entre partidos de criação eleitoral e os de criação exterior, consoante surgem relacionados com a citada tradição parlamentar das sociedades liberais ou com circunstâncias históricas excêntricas a esta tradição. Configuram o primeiro tipo, os de criação eleitoral e parlamentar , os partidos fundados com vista ao estabelecimento de uma ligação permanente entre grupos parlamentares, de um lado, comités eleitorais, de outro. O partido cria, a partir do centro, novos comités eleitorais e assim cresce, conferindo a si próprio uma direcção central distintiva da secção parlamentar. Reconhecem-se nos segundos, os de criação exterior – provindos de grupos sociais situados para além do sistema político propriamente dito (44): associações camponesas, sindicais, cooperativas, seitas religiosas, franco-maçonaria, associações de antigos combatentes e outros grupos de interesses ou de pressão, partidos que nascem de certa maneira em oposição ao sistema.
Deverá se ter em atenção, antes de irmos mais adiante, que existem segundo um conhecido cientista político Joseph La Palombara (45) quatro critérios para distinguir os partidos de outros grupos de pressão, clubes, grupos parlamentares ou cliques. Os Partidos deverão ser assim, em primeiro lugar organizações duráveis, cuja esperança de "vida política" seja superior ao dos seus dirigentes, podendo resultar da iniciativa de um grupo ou de um líder carismático. Em segundo lugar, deverão ser uma organização completa da direcção central até ao nível local, ou de base. Em terceiro lugar, deverão ter a vontade explícita de exercer directamente o poder, sozinhos ou em coligação com outros, ao nível local ou nacional. Finalmente, deverão procurar e conquistar o apoio popular, quer seja a nível de militantes ou de eleitores.
Para Max Weber (46) o partido político é uma associação que visa um fim determinado, seja objectivo, como a realização de um plano com intuitos ideais ou materiais, seja "pessoal" , destinado a obter benefícios, poder e, consequentemente, glória para os chefes e os sequazes, ou então voltado para todos esses objectivos conjuntamente. A concepção é francamente mais lata que a de La Palambora.
Os primeiros partidos políticos modernos organizam-se nos Estados Unidos, a partir de 1828, sob o impulso do Presidente Jackson (47). Os partidos britânicos nascem das reformas eleitorais de 1832 (Reform Act) e 1867 que conduzem ao alargamento do sufrágio e à criação das registration societies donde saem as organizações locais dos partidos que se criam após a lei eleitoral de 1832. Em França, os partidos políticos surgem depois de 1848. No Terceiro Mundo, curiosamente os partidos emergem para dar corpo aos movimentos nacionalistas e de autodeterminação contra o poder colonialista e partem, regra geral, de uma situação de ostensiva clandestinidade e ostracismo. Os partidos emergem, na origem, da necessidade de afirmação do poder da classe burguesa contra os privilégios da velha aristocracia e tornam-se com a explosão do movimento socialista e operário porta-vozes do proletariado urbano contra a nova classe possidente. Ou como diria Marx, os parteiros da revolução:
Em suma os comunistas apoiam em todos os países todo o movimento revolucionário contra a ordem social e política existente. Em todos estes movimentos pôem à frente a questão da propriedade, qualquer que seja a forma mais desenvolvida que revista, como a questão fundamental do movimento. Finalmente, os comunistas trabalham para a união e o acordo entre os partidos democráticos de todos os países (…) Proclamam abertamente que os seus objectivos só podem ser alcançados derrubando pela violência toda a ordem existente. Que as classes dominantes tremam ante a ideia de uma Revolução Comunista! Os proletários não têm nada a perder com ela, além dos seus grilhões. Têm, em troca, um mundo a ganhar (48).
Daí que se possa afirmar que os partidos nascem com o liberalismo moderno, quer em sintonia com o seu modelo político-económico de sociedade, quer em ruptura com esse modelo. Não que os partidos nasçam automaticamente com o governo representativo, como que num passo de mágica. Isso ocorre porque os processos de tímida representação política, franqueada pelos aristocratas fundiários e seus partidos, desencadeiam reacções vivas de exigência de participação no processo de formação das decisões políticas, por parte de classes e estamentos inferiores da sociedade, excluídos numa lógica de representação censitária elitista e possidente.
O movimento em direcção à constituição de elites políticas organicamente estruturadas ocorre num tempo de grandes transformações económicas, sociais, culturais que abalam a ordem tradicional da conservadora sociedade liberal e põem definitivamente, em causa, a lógica dos equilíbrios do poder.
É nesta ocasião que emergem grupos mais ou menos organizados que se propõem agir em ordem à ampliação da gestão do poder político a sectores, que excluídos ou marginalizados, propõem uma estruturação política e social diferente e inovadora para a sociedade.
Na Inglaterra do Século XVIII os dois grandes partidos políticos da aristocracia, entretanto surgidos – os tories e os whigs – não tinham fora do controlo parlamentar qualquer relevância ou tipo de organização. Correspondiam a simples labels atrás dos quais se acantonavam os representantes de grupos homogéneos, não divididos por conflitos de interesses ou por diferenças ideológicas substanciais, que aderiam a qualquer deles por tradições familiares, locais ou nobiliárquicas. A eles refere-se Max Weber afirmando tratar-se de séquitos de poderosas famílias aristocráticas tanto que quando um Lord, por qualquer motivo, mudava de partido, toda a estrutura social que dependia dele passava, na mesma hora, para o partido oposto (49).
Só com o Reform Act começam a surgir em Inglaterra algumas estruturas organizativas que têm como finalidade ocupar-se do processo de eleição de representantes para o Parlamento e de recolher votos em favor deste ou daquele candidato. Estas são as primeiras associações locais de suporte eleitoral ás candidaturas ao Parlamento, organizadas por este ou por grupos de aristocratas que se haviam organizado para fazer representar, naquele, os seus interesses confluentes. Associação com um número restrito de "fiéis" que funcionam quási exclusivamente nos períodos eleitorais, dissolvendo-se após estes. A sua identidade partidária, a sua expressão programática começa e acaba no Parlamento, preparando o programa e fazendo eleger os líderes do partido. A isto acrescia que os deputados tinham um mandato absolutamente livre, não sendo responsáveis pela sua actividade política, nem perante o partido, nem frente aos eleitores, respondendo, como se dizia, pela sua «própria consciência».
Nos anos que precederam e se seguiram ao fim do Século XIX, a situação começa a mudar, com o desenvolvimento do movimento operário. As transformações económicas, sociais, populacionais, despertadas pelo fenómeno da industrialização capitalista cataduplaram para a ribalta política as massas populares até aí mantidas ostensivamente à margem da vida pública e da agrupação de interesses. Com reivindicações que inicialmente se expressavam em movimentos espontâneos de protesto contra as miseráveis condições de vida, os magros salários, as condições desumanas de organização do trabalho e alojamento social, rapidamente adquiriram uma dimensão mais política, por acção de intelectuais burgueses que enquadraram essas exigências, aditando-lhe pontos reivindicativos de clara transformação social e de ruptura política com o status quo.
Na verdade, com o desenvolvimento do movimento operário surgem os primeiros partidos de massas - os partidos socialistas - em 1875, na Alemanha, em 1892, na Itália, em 1900, em Inglaterra, e em 1905, na França. Estes distinguem-se dos partidos de notáveis ou de quadros em vários aspectos: têm um vasto apoio de massas, uma organização difusa e estável com um corpo de funcionários profissionalizados (50) e um programa político-sistemático.
Estes aspectos visam responder ao desígnio da criação dos partidos socialistas, enquanto partidos dos trabalhadores adstritos a uma lógica classista de representação horizontal e emancipação económica, social e política das massas laboriosas.
Para esse objectivo era necessário educar as massas, torná-las politicamente activas e conscientes do seu papel. Para que isso ocorresse era necessário mais que uma genérica agitação política aquando das eleições e não tinha grande interesse a actividade parlamentar. Era essencial que se criasse uma estrutura organizativa estável e articulada, capaz de enfrentar uma acção política contínua que envolvesse o maior número possível de trabalhadores e que atingisse toda a esfera da sua vida social, que enquadrasse as suas exigências específicas e as articulasse num programa geral.
A estrutura assim criada desenvolve-se numa geometria piramidal: na base, as uniões locais, secções ou círculos, enquadrando os militantes de base de determinado espaço territorial, têm reuniões periódicas onde discutem os principais problemas políticos e organizativas, ocupando-se da actividade de propaganda e elegendo os seus próprios órgãos de direcção; por sua vez, as secções estão organizadas a nível provincial e regional em federações, que constituem os órgãos intermediários do partido, com funções fundamentalmente de coordenação; finalmente , a cúpula é constituída pela direcção central, eleita pelos delegados enviados pelas secções ao Congresso Nacional, órgão máximo de deliberação dentro do partido, o qual estabelece a linha política a que devem sujeitar-se todos os níveis do partido, desde as secções à direcção central. Todas as funções de responsabilidade são de carácter electivo, sendo função dos Congressos escolher os candidatos às eleições. Estes se eleitos têm um mandato imperativo e são obrigados a uma rígida disciplina partidária na sua actividade parlamentar.
Este era o modelo que podemos chamar hoje em dia de «partido de aparelho» ou «partido de organização de massas» e que se aplica claramente á evolução do partido social-democrata alemão, do Labour, dos partidos socialistas francês, italiano ou espanhol.
A introdução do sufrágio universal, a rápida ascensão dos partidos operários e socialistas no mundo industrializado, a ruptura com os partidos comunistas, a sua parcial ou total integração no sistema político veio produzir mudanças sensíveis nos partidos do sistema. Depois de numa primeira fase revelarem uma acentuada hostilidade em relação aos partidos de massas, os partidos de notáveis não puderam, por fim, mais que render-se à lógica de alargamento da participação popular nos círculos e comités eleitorais, que claramente beneficiava os partidos socialistas, os quais a partir da criação da Internacional Socialista decidem romper a unidade com os comunistas e democrata-revolucionários e jogar dentro do sistema.
É curioso assinalar que tendo nas suas mãos o controlo do poder político, do exército e da burocracia estatal, os partidos burgueses puderam impedir, durante algum tempo, a integração política dos partidos dos trabalhadores e neutralizar a concorrência do seu aparelho mais bem organizado e mobilizador, consolidado nos distritos eleitorais.
Na Grã-Bretanha – onde o Partido Trabalhista, fundado pelas trade-unions foi aceite como aspirante legítimo ao exercício do poder - o Partido Conservador britânico inicia a sua transformação em partido de massas, no fim da 1ª Guerra Mundial. Na Europa continental isto só veio a ocorrer depois da 2º Guerra Mundial, quando os partidos de comités eleitorais são obrigados a criar um aparelho estável para garantir uma eficaz penetração nos eleitores, criando uma clientela de massas e uma malha de coligações com grupos e associações da sociedade civil, capaz de conferir aos partidos uma base estável de mobilização e unicidade programática e política.
Daí que os partidos de notáveis tenham evoluído para partidos eleitorais de massa não dirigidos a uma classe ou estrato social homogéneo da sociedade, não se propondo uma gestão alternativa da sociedade e do poder, mas procurando ganhar a confiança eleitoral dos mais diversos estratos da população, decalcando a sua organização no modelo dos partidos operários. Baseados em plataformas amplas e flexíveis, procurando responder aos mais diversificados anseios e problemas sociais, os partidos eleitorais de massa ganham proeminência.
Precisamente porque os seus objectivos são essencialmente eleitorais, a participação de militantes na formulação da plataforma política e na escolha de dirigentes é puramente formal e ritualista. Mais que o debate político de base, a actividade crucial destes partidos é a ratificação da escolha dos candidatos às eleições, que devem responder a um conjunto de requisitos destinados a aumentar o potencial eleitoral do partido, já que ocupando posições-chave na sociedade podem procurar para o partido novas clientelas e fornecer os meios financeiros necessários ao seu crescimento. O partido eleitoral de massa é o último a surgir no plano europeu.
A conquista de lugares no Parlamento e a gestão dos negócios públicos a nível nacional e local vai permitir o aumento das massas votantes nos partidos eleitorais de massas, que a partir dessa posições podem corresponder às exigências dos vários grupos da população e legitimar o seu apoio. Dado não existir, neste tipo de partidos, uma disciplina partidária que coordene a acção dos vários representantes eleitos para a assembleia parlamentar, pelos círculos eleitorais, nenhuma acção política organizada e unificada, o partido assume tantas «faces» quanto a natureza e expressão societária dos interesses, camadas sociais ou zonas geográficas que agrega e representa. Na ciência política, estes partidos são por vezes designados por partidos-pega-tudo (51).
Em termos de simbólica a normalização do sufrágio e o crescente papel partidário associados ao mandato imperativo conduziram a uma identidade entre o representante e o partido político que faz parte, na qual é polarizada a opção do eleitorado. Com a transição para o chamado Estado Social de Direito, as leis constitucionais começam a acolher no quadro legal os partidos, consagrando neles o exclusivo da representação política geral.
A adopção do modelo de escrutínio proporcional vai pôr em destaque a mediação partidária, destruindo os últimos sinais do Estado Liberal, na vertente da independência do representante face ao eleitorado e ao partido. Paralelamente assiste-se ao reforço da importância da representação política parcelar, estratificada, do papel das minorias no Estado Democrático, do reforço da acção e multiplicação dos grupos de lobbying político, económico e social.
Como o constatam Seymour M. Lipset (52), Stein Rokkan (53), Richard Rose (54) e Derek Urkin (55), de 1945 a 1967, não se verificam grandes mudanças na estratificação e sistema de partidos. A explosão de movimentos independentistas no Terceiro Mundo trará á ribalta um novo tipo de partidos de massas, profundamente nacionalistas, com uma direcção político-censitária decalcada dos partidos de notáveis do século XVIII na Europa, mas legitimados por um fervor ideológico que se irá confundir com os Estados Nacionais que criam das cinzas do colonialismo.
A crise do sistema de representação proporcional que se agrava durante os anos 70 e 80 vai problematizar os anacronismos e as mistificações de um Estado de Partidos que aparecem aos olhos das elites como profundamente redutor e totalitário quanto à representação dos interesses plurais da sociedade. O papel das novas minorias sociais profundamente militantes e não-acomodatícias, o ascenso de novos estratos sociais, o esvaziamento ideológico dos partidos, a partidarização da representação local e municipal de interesses vem pôr em causa a estabilidade do sistema.
O fim dos anos 80 vai assistir ao aparecimento de partidos de contestação que não se revêem na desmobilização programática dos partidos clássicos e lançam novas temáticas políticas, como a defesa do meio-ambiente, a ecologia, o combate à energia nuclear. Questões que pelo seu carácter segmentário escapam á lógica massificadora dos partidos tradicionais, eleitorais de massas. Configurando, no início, um fenómeno particular das sociedades desenvolvidas do Norte da Europa, estas formações partidárias despertam em toda a Europa, pondo em causa a lógica da bipolarização favorecida pelos sistemas de representação proporcional (56). Não obstante algumas opiniões que prevêem a diminuição das acções políticas de protesto e contestação, à medida do desenvolvimento e expansão de influência das sociedades pós-industriais do Ocidente, outros argumentam com a frequência dos protestos e outras formas de acção política "desenquadradas" nos últimos vinte anos, precisamente nas nações mais desenvolvidas (57). Tendência que se reforçará no futuro.