Capa da publicação Intervenção federal: um mal necessário?
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Considerações sobre a intervenção federal

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5. INTERVENÇÃO FEDERAL NO RIO DE JANEIRO

De um lado, a robusta fortaleza bélica que protege os interesses da criminalidade; do outro, forças de segurança publica mal estruturadas e destituídas das condições mais elementares ao eficiente exercício das suas atribuições. No meio, acuada, a população, que se vê refém dos reflexos gerados pelo avanço irrefreável da violência, fruto do domínio desimpedido da criminalidade que, por sua vez, deve origem do seu crescimento à falha do aparato estatal na promoção da proteção coletiva.

O resultado desta embaraçosa equação é traduzido nas impactantes estatísticas que revelam a impotência do Estado no trato da segurança pública. Informações divulgadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontam para a situação de calamidade na qual se enquadra o Rio de Janeiro. De acordo com os dados, o índice de roubos por cada cem mil pessoas disparou no comparativo realizado entre os anos de 2015 e 2016, elevando-se de 893,9 para a casa dos 1.255. Este intervalo equivale a um crescimento de 40, 4%.

Contudo, a violência que impera no Rio de Janeiro não se exaure na esmagadora incidência de crimes patrimoniais, vai além. Os números concernentes ao crime de homicídio são igualmente exorbitantes e desnudam contexto aterrador que enclausura a população ordeira em um misto de terror e revolta. Segundo informações levantadas pelo Instituto de Segurança Publica  (ISP) do governo do Rio, o ano de 2017 apresentou um saldo de 6.731 mortes de natureza violenta. Isto revela o  inequívoco nível de letalidade que reveste a cotidiano daquele ente-federado.

Foi diante deste cenário de absoluta desestabilidade que, no dia 16 de fevereiro de 2018, uma sexta- feira, foi decretada, pela primeira vez na história do Brasil, uma Intervenção Federal. A medida, cuja vigência finda no dia 31 de dezembro do mesmo ano, surgiu diante da inadiável necessidade em se responder, à altura, a conjuntura de furto da paz coletiva alicerçada sobre a falibilidade governamental. O fundamento legal para a implementação da Intervenção Federal na segurança publica do Rio de Janeiro reside nos termos constitucionais do art. 34, III da Constituição da Republica Federativa do Brasil.

Um dos primeiros aspectos verificados com a instituição da Intervenção Federal na segurança publica carioca se relaciona com a mudança na gestão da sua respectiva secretaria, que passa, após a implementação da medida, para a batuta do General Walter Braga Netto, responsável pelo Comando cuja circunscrição contempla o estado do Rio de Janeiro. Nesta perspectiva, importa frisar que a substituição tem caráter temporal, enquanto durar a medida, o que quer dizer que, uma vez findados os motivos que ensejaram a execução da Intervenção Federal, a pessoa que ocupava o cargo de gestão então cedido para o interventor – este nomeado pelo Presidente da Republica no decreto da Intervenção – retoma a sua posse, salvo quando da existência de alguma circunstancia de ordem legal que obste tal retorno.

Reside ainda neste aspecto a distinção entre a Intervenção Federal, aplicada pela primeira vez em um Ente-federado, e a GLO (Garantia da Lei e da Ordem), já protagonista naquele estado e em outros. Ocorre que, enquanto a primeira implica na temporária modificação na gestão da secretaria de segurança publica, durante a GLO o trato da gestão de segurança publica continua com os governos do estado. Isto é, na primeira, o que existe é literalmente uma “intromissão”, fato não verificado quando da incidência da segunda.

Embora tenha sido implementada com o fito de conter o massivo ataque à integridade da segurança pública do Rio de Janeiro, a medida interventiva não tem sido encarada através de uma perspectiva otimista por parte dos especialistas da seara social. Michel Misse, sociólogo e filiado à idéia de manutenção das Unidades de Policias Pacificadoras (UPP) alerta para a efemeridade do sentimento de segurança trazido pela Intervenção.

Em que pese a discordância, ainda é muito cedo para tecer conclusões sobre a real efetividade da Intervenção Federal na segurança publica do Rio de Janeiro, sobretudo em razão do seu caráter inédito. Contudo, a expectativa que tem sido alimentada revela que a população vem depositando confiança no sucesso da medida.


CONCLUSÃO

Embora as situações que ensejam a intervenção se distingam na espécie, isto é, embora as hipóteses ocorram em contextos diversos, há uma característica que recai sobre cada uma em igual medida: a permissividade. 

O alcance da compreensão não é remoto. Todavia, requer o mínimo de reflexão para se entender que a construção do cenário que legitima a implementação de um mecanismo tão radical não é concluída da noite para o dia, mas gradativamente, através dos permissivos ofertados por meio do desrespeito aos pressupostos mais comezinhos para a manutenção da ordem governamental, como, por exemplo, a estruturação das forças de segurança publica. 

Não obstante, é possível que o choque estrutural, causado pela ingerência da Intervenção Federal nas áreas de competência exclusiva de um Governo possa estimular a transformação da perspectiva adotada no trato da gestão interna do Estado-membro atingido pela medida, evitando-se, assim, que o futuro reitere os erros situados no passado e novamente se faça necessário privar o povo do pleno gozo dos seus direitos e liberdades constitucionais.


REFERÊNCIAS:

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BETIM, Felipe. A história das operações e planos de segurança no Rio: três décadas de fracassos. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/19/politica/1519058632_353673.html> Acesso em 02. Abril. 2018.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, João Carlos Almeida. Considerações sobre a intervenção federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5544, 5 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68223. Acesso em: 3 mai. 2024.

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