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A nova lei penal e os crimes de furto e roubo

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14/10/2018 às 14:30
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SUBTRAÇÃO DE EXPLOSIVO OU DE ACESSÓRIOS 

A Lei 13.654/18 inseriu também no art. 155 o § 7º, que pune com reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez anos) – além da multa – a subtração de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. Trata-se, portanto, de punir com mais gravidade a subtração do próprio explosivo e de acessórios, independentemente de sua utilização.

A aquisição de explosivos por criminosos que se dedicam a praticar furtos mediante o uso desses artefatos pode ocorrer de diversas formas. É possível que um grupo criminoso faça a aquisição de forma clandestina. Há notícias, por exemplo, de condenação de militares que promoviam a venda ilegal de explosivos a associações criminosas dedicadas à subtração de caixas eletrônicos.

Mas é também comum a subtração que vitima quem armazena os explosivos de forma legal. Em tais casos, é possível que a subtração se dê tanto pelo próprio grupo que utilizará os explosivos posteriormente quanto por criminosos que atuam somente com a finalidade de suprir a demanda dos furtadores. No primeiro caso, não há nenhum óbice ao concurso de crimes, ou seja, a imputação deve ser relativa ao furto qualificado do explosivo em concurso material com o furto qualificado pelo emprego do explosivo antes subtraído. Trata-se, evidentemente, de condutas absolutamente distintas, que atingem patrimônios diversos e que, portanto, não se podem confundir.

O que é explosivo?

Explosivo é a substância ou artefato que possa produzir uma explosão, detonação, propulsão ou efeito pirotécnico.

Para ser considerado artefato explosivo, é necessário que ele seja capaz de gerar alguma destruição. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. REsp 1627028/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/02/2017 (Info 599).

Se o agente, durante a noite, explode o caixa eletrônico para furtar o numerário, ele também responderá pela causa de aumento do repouso noturno (art. 155, § 1º)? É possível aplicar o art. 155, § 4º-A e mais a causa de aumento do art. 155, § 1º?

SIM. É legítima a incidência da causa de aumento de pena por crime cometido durante o repouso noturno (art. 155, § 1º) no caso de furto praticado na forma qualificada (art. 155, § 4º ou § 4º-A do CP).

Não existe nenhuma incompatibilidade entre a majorante prevista no § 1º e as qualificadoras do § 4º ou do § 4º-A. São circunstâncias diversas, que incidem em momentos diferentes da aplicação da pena.

Assim, é possível que o agente seja condenado por furto qualificado e, na terceira fase da dosimetria, o juiz aumente a pena em 1/3 se a subtração ocorreu durante o repouso noturno.

A posição topográfica do § 1º (vem antes dos §§ 4º e 4º-A) não é fator que impede a sua aplicação para as situações de furto qualificado.

STF. 2ª Turma. HC 130952/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/12/2016 (Info 851).

STJ. 6ª Turma. HC 306.450-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/12/2014 (Info 554).


DAS CAUSAS DE AUMENTO DA PENA E DA QUALIFICADORA DO ROUBO  

A primeira alteração de monta no crime de roubo foi a revogação do inciso I do § 2º., do artigo 157, que previa aumento de pena de um terço até a metade quando o roubo fosse praticado “com emprego de arma”.

Concomitantemente a essa revogação é acrescido outro aumento de pena, agora previsto no § 2º. – A, I, da ordem de dois terços quando “a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo”.

Em breve resumo, o que ocorre é que o antigo aumento de um terço até a metade, abrangendo o emprego de qualquer arma no roubo é substituído por um aumento mais gravoso de dois terços fixos, mas somente para o emprego de arma de fogo.

Na redação original do Código Penal o emprego de qualquer arma para a prática da violência ou grave ameaça no roubo levava à majoração. A arma poderia ser própria (instrumentos ou objetos produzidos com o fim específico de uso em ataque e/ou defesa) ou imprópria (instrumentos ou objetos produzidos com outros fins, mas que podem, impropriamente, serem utilizados em ataque e/ou defesa). São exemplos de armas próprias o revólver, a pistola, a garrucha, o punhal, a espada, a faca militar, a metralhadora, o fuzil etc. São exemplos de armas impróprias uma enxada, um facão, um machado, uma tesoura, um taco de beisebol, uma pedra, uma faca de cozinha etc. Também não importava se arma era branca ou de fogo, armamento leve ou pesado. De qualquer modo, havendo emprego de arma em um sentido amplo, a majorante estava configurada. Agora, embora o aumento previsto seja maior, pode-se considerar que, para uma boa quantidade de casos, o dispositivo constitui “novatio legis in mellius”, pois que não haverá mais o aumento para crimes cometidos com emprego de armas brancas ou impróprias em geral. A majorante somente será aplicada se o agente se utilizar de arma de fogo para a prática da violência ou grave ameaça no roubo. Então, tal legislação deverá retroagir para afastar o aumento em casos de indivíduos que foram assim apenados quando utilizaram na prática do roubo armas brancas ou impróprias. No entanto, a Lei 13.654/18 jamais poderá ser aplicada retroativamente para aqueles que empregaram armas de fogo para a prática da violência ou grave ameaça. Isso porque constitui, neste caso específico, “lex gravior”, elevando o patamar da majorante de 1/3 para 2/3.

A discussão sobre a configuração do aumento quando do emprego de arma de brinquedo ou simulacro continua possível, desde que se trate de instrumento que imite uma arma de fogo, o que, aliás, ocorre na maioria dos casos.

Continuarão, portanto, havendo duas correntes de pensamento sobre a questão:

a) A corrente subjetiva, que dá ênfase ao poder intimidador do instrumento, o qual não se altera se a arma é verdadeira ou um simulacro, já que a vítima pensa ser uma arma de fogo e se intimida igualmente. Para essa corrente, o aumento deve ser aplicado, mesmo se tratando de arma de brinquedo ou simulacro capaz de induzir a vítima a erro.

b) A corrente objetiva, que dá ênfase ao poder lesivo do instrumento, o qual somente existe na arma de fogo real, não no mero brinquedo ou simulacro. Para essa corrente, o aumento de pena não pode ser aplicado aos casos de brinquedos ou simulacros capazes de induzir a erro. O crime é de roubo sim, mas simples.

Essa discussão é injustificada se for analisada a razão de ser do aumento de pena pelo emprego de arma (atualmente só de fogo). Isso porque o aumento se dá não somente por causa da intimidação ou somente pela lesividade. O aumento se funda tanto na maior capacidade intimidativa daquele que emprega a arma, quanto na maior capacidade lesiva, devendo-se lembrar que o roubo é um crime complexo, tutelando vários bens jurídicos para além do patrimônio (liberdade, integridade física e até mesmo a vida). O que acaba levando à grande predominância da corrente objetiva na doutrina e jurisprudência é a análise do problema sob o enfoque do Princípio da Legalidade. Afinal, arma não é brinquedo e brinquedo não é arma. A expressão “arma de brinquedo” é equívoca. Uma arma de brinquedo não é uma arma, é um brinquedo. Portanto, em face da redação original do Código Penal (arma) ou agora da nova redação (arma de fogo) resta claro e evidente que aplicar a majorante quando é utilizada uma “arma de brinquedo” ou simulacro, constitui analogia “in mallam partem”, o que é inadmissível no campo penal. Tanto é fato que o STJ chegou a sumular a questão, pendendo temporariamente para a corrente subjetiva (Súmula 174, STJ). Mas, isso não durou muito, exatamente pela crítica acerba da doutrina quanto à violação da legalidade, resultando no cancelamento da referida Súmula174 pelo próprio STJ. Fui contra, inclusive, tal corrente de pensamento, e pela manutenção da qualificadora quando de uso de arma, mesmo de brinquedo. 

Observe-se, porém, que, embora reconhecendo o acerto da constatação clara e evidente de violação à legalidade na tentativa frustrada de equiparação de armas de brinquedo ou simulacros a armas, entende-se que seria o caso de proceder a uma revisão legal, uma reforma para incluir o simulacro em geral como causa de aumento, exatamente devido ao seu poder intimidativo. Isso solveria o problema de conflito com o Princípio da Legalidade.

As mudanças foram mais significativas em relação ao crime de roubo (art. 157).

Primeiramente, foi revogado o inciso I do § 2º (que previa a seguinte causa de aumento: “se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma”), bem como acrescentado o inciso VI: “se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego”. Sobre este inciso, destaca-se que foi criada uma causa de aumento de pena (majorante) que, no caso de furto, consiste em qualificadora, como já referido.

Quanto ao inciso I, é necessário pontuar as sutis inovações. Antes, havia o aumento da pena em um terço até metade para o caso de emprego de arma (a lei não restringia às armas de fogo, razão pela qual também abrangia as armas brancas, como facas e punhais). Agora, houve a restrição ao emprego de arma de fogo.

Portanto, são duas inovações.

A um, o aumento passou de um terço até a metade para dois terços, constituindo, nesse ponto, uma lei penal mais grave, de modo que se trata de norma que não pode retroagir para atingir os fatos praticados antes da sua entrada em vigor.

A dois, houve uma restrição quanto ao tipo de arma. Antes, a pena era aumentada em razão do emprego de qualquer espécie de arma. Com a nova lei, o aumento da pena somente ocorrerá nos casos em que houver o emprego de arma de fogo, razão pela qual não mais há aumento de pena se for utilizada uma arma branca.

Em razão dessa restrição da majorante quanto ao emprego de arma de fogo, a norma é mais benéfica, devendo retroagir para beneficiar aqueles que foram condenados com a aplicação da causa de aumento em decorrência da utilização de arma branca. Em suma, como não há mais a majorante relativa ao emprego de arma que não seja de fogo, essa norma deve retroagir para beneficiar os acusados/condenados. Sobre esse tema, abordarei os aspectos práticos no final do texto, isso porque é hipótese de retroatividade benigna.

Como bem observou o site “dizer direito”:

“O que podia ser considerado “arma” para os fins do art. 157, § 2º, I, do CP?

A jurisprudência possuía uma interpretação ampla sobre o tema.

Assim, poderiam ser incluídos no conceito de arma:

• a arma de fogo;

• a arma branca (considerada arma imprópria), como faca, facão, canivete;

• e quaisquer outros “artefatos” capazes de causar dano à integridade física do ser humano ou de coisas, como por exemplo uma garrafa de vidro quebrada, um garfo, um espeto de churrasco, uma chave de fenda etc.

O que fez a Lei nº 13.654/2018?

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Revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do CP.

Isso significa que houve abolitio criminis?

NÃO. A Lei nº 13.654/2018 acrescentou um novo parágrafo ao art. 157 prevendo duas novas hipóteses de roubo circunstanciado, com pena maior. Veja:

Art. 157 (...)

§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;

II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

Observa-se de novo no inciso I acima.

O roubo com emprego de arma de fogo deixou de ser previsto no inciso I do § 2º, mas continua a ser punido agora no inciso I do § 2º-A.

Desse modo, quanto à arma de fogo não houve abolitio criminis, mas sim continuidade normativo-típica.

O princípio da continuidade normativa ocorre “quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário.” (Min. Gilson Dipp, em voto proferido no HC 204.416/SP).

Logo, para as pessoas que foram condenadas por roubo com emprego de arma de fogo antes da Lei nº 13.654/2018, nada muda.

Novatio legis in mellius para roubo com emprego de arma que não seja de fogo

Como vimos, o roubo “com emprego de arma” deixou de ser uma hipótese de roubo circunstanciado no art. 157, § 2º.

O roubo com emprego de arma de fogo continua sendo punido como roubo circunstanciado no art. 157, § 2º-A, inciso I:

Art. 157 (...)

§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;

Ocorre que o roubo com o emprego de arma “branca” não é mais punido como roubo circunstanciado. Trata-se, em princípio, de roubo simples (art. 157, caput).

Assim, a Lei nº 13.654/2018 deixou de punir com mais rigor o agente que pratica o roubo com arma branca. Pode-se, portanto, dizer que a Lei nº 13.654/2018, neste ponto, é mais benéfica. Isso significa que ela, neste tema, irá retroagir para atingir todos os roubos praticados mediante arma branca.

Exemplo: em 2017, João, usando um canivete, ameaçou a vítima, subtraindo dela o telefone celular. O juiz, na 1ª fase da dosimetria, fixou a pena-base em 4 anos. Não havia agravantes ou atenuantes (2ª fase). Na 3ª fase (causas de aumento ou de diminuição), o magistrado aumentou a pena em 1/3 pelo fato de o crime ter sido cometido com emprego de arma branca (canivete), nos termos do art. 157, § 2º, I, do CP. 1/3 de 4 anos é igual a 1 ano e 4 meses. Logo, João foi condenado a uma pena final de 5 anos e 4 meses (pena-base mais 1/3). O processo transitou em julgado e João está cumprindo pena. A defesa de João pode pedir ao juízo das execuções penais (Súmula 611-STF) que aplique a Lei nº 13.654/2018 e que a sua pena seja diminuída em 1 ano e 4 meses em virtude do fato de que o emprego de arma branca na prática do roubo ter deixado de ser causa de aumento de pena.”

A 6ª turma do STJ afastou a majorante pelo emprego de arma branca e reduziu a pena imposta a um condenado por tentativa de roubo. Para o colegiado, a nova lei que extirpou o emprego de arma branca como circunstância de aumento da pena no delito de roubo (lei 13.654/18) deve ser aplicada ao caso para beneficiar o réu, cujo crime foi praticado antes de sua edição.

A lei 13.654 entrou em vigor no fim de abril de 2018 e promoveu alterações para afastar a causa de aumento de pena pelo emprego de armas como facas nos delitos de furto qualificado e roubo circunstanciado.

“Há, em verdade, de se reconhecer a ocorrência da novatio legis in mellius, ou seja, nova lei mais benéfica, sendo, pois, de rigor que retroaja para alcançar os roubos cometidos com emprego de arma branca, beneficiando o réu (artigo 5º, XL, da CF/88), tal como pretende a ilustre defesa”, explicou a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora.

No julgamento do AREsp n.1.249.427 foi dito ainda: 

No caso analisado pela 6ª turma, um homem foi condenado por tentativa de roubo circunstanciado com uso de arma branca. Ao calcular a pena, o TJ/SP considerou como fatores agravantes o uso da arma branca e os maus antecedentes do réu.

No recurso apresentado ao STJ, o condenado pediu a reforma da decisão em relação ao aumento de pena referente ao emprego de arma branca – com base na nova lei – e questionou a exasperação baseada em maus antecedentes antigos.

Quanto aos antecedentes, a relatora destacou ser pacífico no STJ o entendimento de que, ultrapassados cinco anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior, as condenações anteriores não prevalecem para fins de reincidência.

Para a ministra, no entanto, as condenações anteriores podem ser consideradas como maus antecedentes, nos termos do artigo 59 do CP: 

“Considerando que o ordenamento jurídico pátrio adota, quanto aos maus antecedentes, o sistema da perpetuidade, e não da temporariedade, como no caso da reincidência, mantenho o entendimento já pacificado por este sodalício de que, mesmo ultrapassado o referido lapso temporal, podem ser consideradas como maus antecedentes as condenações anteriores transitadas em julgado."

Ao recalcular a pena, Maria Thereza de Assis Moura reduziu-a de seis anos e quatro meses para dois anos, um mês e 18 dias de reclusão, mantidos os demais termos da condenação imposta anteriormente pelo TJ.

 É ainda Eduardo Luis Santos Cabeti, quem bem explicita em obra já citada:

“Pois bem, o legislador teve oportunidade para isso com a Lei 13.654/18. E o que fez? Rumou no sentido exatamente contrário. Não somente não acrescentou o aumento para os casos de simulacros e armas de brinquedo em geral, como reduziu o âmbito do aumento (embora hoje maior – 2/3) apenas ao emprego de “armas de fogo”. Ao fazer isso, reforçou ainda mais a tese já prevalente da corrente objetiva. Ora, se a palavra “arma” não permitia analogia com simulacros, o que dizer da expressão “arma de fogo”? É óbvio que continuará prevalecendo a tese da exclusão do aumento, sob pena de franca violação da legalidade. Mais que isso, como já visto, nem mesmo quando armas reais forem usadas (brancas, por exemplo), se poderá cogitar da nova majorante.

É forçoso reconhecer que o legislador novamente andou muito mal. Tendo em vista a verdadeira epidemia de crimes de roubo por que passa a maioria das cidades brasileiras, não somente com emprego de armas de fogo, mas também com simulacros, armas brancas e impróprias, verifica-se uma atuação deprimente do legislador em franca inconstitucionalidade por insuficiência protetiva.

Ademais, já começam a pulular decisões judiciais em controle difuso de constitucionalidade, declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade, não somente pelo prisma do garantismo positivo (insuficiência protetiva), mas também por vício formal na elaboração e aprovação da norma. Isso porque, segundo consta, não havia, no projeto original a supressão do inciso Ido § 2º., do artigo 157, CP, mas ficaria uma causa de aumento menor (1/3) para armas em geral e uma causa de aumento maior (2/3) para armas de fogo, o que, aí sim, seria compreensível, razoável e proporcional. Acontece que a supressão do inciso I do artigo 157, § 2º., CP teria se dado diretamente pela Comissão de Redação, sem que fosse apreciada pelo Congresso Nacional, o que seria um vício do processo legislativo, inquinando a norma de inconstitucionalidade. Há ainda a edição do “Aviso1622/18”, de 03.05.2018, do Ministério Público do Estado de São Paulo, da lavra do Exmo. Sr. Procurador – Geral de Justiça, Gianpaolo Poggio Smanio, com a orientação expressa aos Promotores de Justiça, a fim de que provoquem os Juízes Criminais a reconhecer, incidentalmente em controle difuso, a inconstitucionalidade da legislação em questão, tendo em vista o vício de processo legislativo acima descrito. Fato é que também a 4ª. Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a inconstitucionalidade do artigo4ºº., da Lei1365444/18 que revogou o inciso Ido§ 2º..., do artigo1577CPPP, por vício formal do processo legislativo (Processo: 0022570-34.2017.8.26.0050). Na decisão foi determinada a suspensão do julgamento do mérito do recurso e a instauração de incidente de inconstitucionalidade, remetendo a questão ao órgão especial da Corte para avaliação. O julgamento final terá força vinculante no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo. O seguinte trecho do “decisum” é bastante interessante e esclarecedor:

"Por fim, convém observar, a Lei nº 13.654, de 23 de abril de 2018, nos termos em que sancionada pelo Presidente da República, simplesmente, mesmo com os anúncios de 'endurecimento penal', retirou o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, criando outra causa de aumento para 'armas de fogo', vale dizer, liberando o uso de armas brancas ou quaisquer armas impróprias, tudo a ser considerado roubo simples. A par do evidente absurdo, uma norma destinada a aumentar a repressão aos incontáveis crimes de roubo que ocorrem no diaadia, na verdade liberou o uso de facas para prática de tal crime; é fato que não era essa a intenção inicial, e que a tramitação deste processo legislativo vem eivada de nulidade, padecendo de inconstitucionalidade formal em sua tramitação" (grifos no original).”

No crime de roubo, a primeira modificação introduzida pela Lei 13.654/18 é a revogação do inciso I do § 2º do art. 157.

De acordo com o dispositivo revogado, a pena do roubo sofria aumento de um terço à metade se a violência ou a ameaça fosse exercida com emprego de arma.

O substantivo arma gerava controvérsia na doutrina. Para uns, a expressão abrangia somente os objetos produzidos (e destinados) com a finalidade bélica, como a arma de fogo. Outros, realizando interpretação extensiva, compreendiam também os objetos confeccionados sem finalidade bélica, porém capazes de intimidar, ferir o próximo, como facas de cozinha, navalhas, foices, tesouras, guarda-chuvas, pedras etc. Prevalecia a orientação de que arma deveria ser compreendida em sentido amplo, abrangendo as duas acepções (todo o objeto ou utensílio que servisse para matar, ferir ou ameaçar, independentemente da forma ou do destino principal).

A revogação do inciso I do § 2º se seguiu da inserção do § 2º-A, que, no inciso I, majora a pena se a violência ou a ameaça é exercida com emprego de arma de fogo. Tem-se, portanto, que o legislador optou por excluir da abrangência da majorante os objetos que, embora possam ser utilizados para intimidar, não foram concebidos com esta finalidade. Logo, não majora mais a pena do roubo o emprego de facas, estiletes, navalhas, cacos de vidro, etc., muito embora isso não signifique que a utilização desses objetos seja irrelevante. É sem dúvida mais grave a conduta de quem, para roubar, utiliza uma faca em vez de apenas ameaçar verbalmente a vítima. E isso deve ser considerado pelo juiz no momento em que analisa as circunstâncias judiciais para aplicar a pena-base(artigo 59 do CP).

A restrição promovida pela Lei 13.654/18 é benéfica, ou seja, deve retroagir para retirar a majorante relativa a todos os roubos cometidos com objetos outros que não armas de fogo.

Em compensação, a pena para o roubo no qual se emprega arma de fogo se tornou mais severa, pois a fração de aumento do § 2º-A é fixa em 2/3 (dois terços).

No inciso II do § 2º-A existe outra majorante para as situações em que há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

Trata-se aqui da situação na qual o agente emprega violência ou grave ameaça a pessoa para praticar a subtração por meio de explosivos. Imaginemos o caso em que um grupo criminoso invade um estabelecimento comercial durante o expediente, subjuga as pessoas presentes e instala um dispositivo explosivo para abrir um cofre. Imputa-se o crime de roubo com pena majorada em dois terços.

Cabe aqui ao mesma observação feita nos comentários ao furto a respeito do concurso com o crime do art. 16 da Lei 10.826/03. Seja pelo emprego de arma de uso restrito, seja pelo emprego de explosivo, consideramos inadequada a consunção do art. 16, em virtude de sua natureza hedionda. Se, por outro lado, tratar-se de arma de uso permitido, aplica-se a regra há muito estabelecida: se a arma é utilizada unicamente como meio para a subtração, o porte é absorvido pelo roubo; se, no entanto, o agente é surpreendido com a arma em contexto diverso, imputam-se os crimes em concurso.

Ainda no campo das majorantes, o § 2º do art. 157 passa a contar com o inciso VI, que aumenta a pena de um terço à metade se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. Aplicam-se, no geral, os mesmos comentários da qualificadora do furto, com a óbvia diferença de que aqui a subtração se dá mediante violência ou grave ameaça, como ocorreu, por exemplo, em 2017 no município de Salto de Pirapora, ocasião em que três toneladas de dinamite foram subtraídas.

A Lei 13.654/18 também promoveu duas modificações no § 3º do art. 157, que qualifica o roubo pela lesão corporal grave e pela morte. A partir de agora, o § 3º foi dividido em dois incisos, que tratam, respectivamente, da lesão corporal grave e da morte. Além disso, a pena máxima relativa à primeira qualificadora aumentou de quinze para dezoito anos.

No latrocínio, ao contrário do que ocorre com outras figuras qualificadas pelo resultado (arts. 127, 135, 213 etc.), a morte pode derivar de dolo ou culpa. Se a lógica do Código Penal fosse seguida também no latrocínio, presente o dolo em relação à morte, estaria caracterizado o roubo (não qualificado) em concurso com homicídio doloso (consumado ou tentado), de competência do Tribunal do Júri. Teria sido interessante que o legislador, aproveitando a oportunidade, tivesse adequado o tipo do latrocínio a fim de conferir à morte dolosa a qualificação própria de sua natureza. É certo, porém, que a pena do homicídio – que, na forma simples, é muito baixa (6 anos) – e também a do latrocínio teriam de sofrer ajustes para não se punir o mais (dolo na morte) com menos e o menos (culpa na morte) com mais, prestigiando-se assim os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Como fica a dosimetria da pena em caso de roubo com emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, I) em caso de também incidir alguma majorante do § 2º do art. 157?

Imagine a seguinte situação: João e Pedro, com o emprego de arma de fogo, subtraem os pertences da vítima. Vale ressaltar que os dois combinaram juntos e que nenhum deles pode ser considerado líder.

A conduta dos agentes amolda-se tanto na majorante do inciso II do § 2º como na causa de aumento do inciso I do § 2º-A do art. 157:

Art. 157 (...)

§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:

II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

(...)

§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;

O que fazer?

O tema é tratado no art. 68, parágrafo único, do CP:

Art. 68 (...)

Parágrafo único. No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

Diante disso, o magistrado terá duas opções:

1ª) Aumentar a pena em 2/3 com fundamento no inciso I do § 2º-A do art. 157 e utilizar a circunstância do inciso II do §2º (concurso de pessoas) como circunstância judicial desfavorável (art. 59 do CP). Obs: se o concurso de pessoas fosse previsto como agravante (arts. 61 e 62), então, assim deveria ser considerado.

2ª) Aplicar as duas causas de aumento de pena. Neste caso, o segundo aumento irá incidir sobre a pena já aumentada pela primeira causa. Ex: o juiz fixa a pena-base em 4 anos; depois aumenta 1/3 por força do inciso I do § 2º, chegando a uma pena de 5 anos e 4 meses; sobre esse resultado, aumenta mais 2/3, totalizando 8 anos, 10 meses e 20 dias.

Essa faculdade judicial de escolher uma das duas opções acima é criticada por vários doutrinadores, mas já foi acolhida pelo STF:

(...) 4. Na espécie, o paciente teve sua pena majorada duas vezes ante a incidência concomitante dos incisos I e II do art. 226 do Código Penal, uma vez que, além de ser padastro da criança abusada sexualmente, consumou o crime mediante concurso de agentes. Inexistência de arbitrariedade ou excesso que justifique a intervenção corretiva do Supremo Tribunal Federal. 5. É que art. 68, parágrafo único, do Código Penal, estabelece, sob o ângulo literal, apenas uma possibilidade (e não um dever) de o magistrado, na hipótese de concurso de causas de aumento de pena previstas na parte especial, limitar-se a um só aumento, sendo certo que é válida a incidência concomitante das majorantes, sobretudo nas hipóteses em que sua previsão é desde já arbitrada em patamar fixo pelo legislador, como ocorre com o art. 226, I e II, do CP, que não comporta margem para a extensão judicial do quantum exasperado. (...)

STF. 1ª Turma. HC 110960, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 19/08/2014.

Além disso há a visível aplicação do artigo 29 do CP, levando em conta a teoria monista e ainda a corrente finalista do domínio do fato.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A nova lei penal e os crimes de furto e roubo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5583, 14 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68229. Acesso em: 26 abr. 2024.

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