I – O FATO E O CENÁRIO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA COM RELAÇÃO À CONDENAÇÃO PENAL EM SEGUNDA INSTÂNCIA DO EX-PRESIDENTE LULA
A rigor, o registro da candidatura do ex-presidente Lula à presidência da República, ato puramente administrativo, junto ao TSE, já está fadado ao fracasso. A Lei da Ficha Limpa vai impedir que o ex-presidente seja candidato. Ademais, ele perdeu no STJ a oportunidade de obter efeito suspensivo à condenação que lhe foi imposta.
O ministro Feliz Fisher, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou o pedido da defesa de Lula para que o ex-presidente saísse da cadeia a fim de disputar as eleições de outubro. Os advogados de Lula queriam efeito suspensivo contra sua condenação no caso do tríplex do Guarujá.
No pedido da defesa, foi argumentado que o ex-presidente teve sua libertada impedida e além de ser pré-candidato à presidência da República, lidera as intenções de voto em todas as pesquisas. “[Lula] corre sérios riscos de ter, da mesma forma, seus direitos políticos cerceados, o que, em vista do processo eleitoral em curso no presente ano, mostra-se gravíssimo e irreversível”, disseram os advogados.
Ainda o Ministro Fisher, no entanto, salientou que o caso teria que ser analisado profundamente para que pudesse ser garantido o efeito suspensivo nesse momento. E disse ainda que tal decisão seria uma “verdadeira antecipação” do julgamento de mérito do recurso especial, antes mesmo da admissão de tal recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
“O que se pode vislumbrar é que o recurso especial não foi admitido na origem, valendo registrar, no ponto, o firme entendimento dos tribunais superiores de que apenas com a admissão da irresignação junto ao tribunal competente, no caso a egrégia corte regional, é que se inaugura a jurisdição do Superior Tribunal de Justiça”, pontuou o ministro.
A 5ª Turma do STJ rejeitou, por unanimidade, os embargos de declaração apresentados contra decisão que não suspendeu os efeitos de sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) no caso do tríplex do Guarujá.
A anulação do julgamento em segunda instância é a única maneira de Lula tornar-se ficha limpa. A defesa utilizou um argumento técnico em matéria civil para tentar anular a decisão contrária do STJ, pedindo a realização de um novo julgamento de um agravo regimental.
Ao julgar os embargos de declaração, o relator Felix Fischer lembrou que o regimento interno do STJ, no julgamento de agravo regimental em matéria penal, diz que não há necessidade de inclusão em pauta, nem intimação de advogado.
Segundo o relator, não há previsão de sustentação oral, bastando o recurso ser apresentado em mesa. Houve unanimidade na recusa dos embargos. Também deve ter o mesmo destino o recurso que a defesa do ex-presidente ajuizou no mesmo STJ, querendo o mesmo tratamento dado ao deputado João Rodrigues, acusado de fraude e dispensa de licitação quando era prefeito de Pinhalzinho, em Santa Catarina.
Mas, acontece que a pena de prisão a que o deputado estava condenado prescreveu, e ele recuperou seus direitos políticos. Segundo o artigo 107 do Código Penal, há dois tipos de prescrição, que obedecem a uma tabela previamente estabelecida: a da pretensão punitiva, que é o caso do deputado, ou a da pretensão executória.
Embora condenado, ele recorreu, alegando que sua condenação prescrevera, com o que concordou o STJ. A procuradora-geral da República Raquel Dodge não concordou e recorreu. Mas o caso nada tem a ver, portanto, com a condenação de Lula, que não prescreverá tão cedo devido ao tamanho da pena: 12 anos e 1 mês de prisão.
II – A LEI DA FICHA LIMPA E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO CAMPO ELEITORAL
A Lei Complementar n.º 64/90, com as alterações da Lei Complementar n.º 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), estabelece em seu artigo 1.º, inciso I, alínea e, a inelegibilidade dos que “forem condenados, em decisão (...) proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1) contra (...) a administração pública e o patrimônio público (...)”. O pedido de registro de candidatura a presidente da República, portanto, deverá ser indeferido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se o pretenso candidato tiver sido condenado em segunda instância pela prática de crimes, por exemplo, de corrupção passiva, peculato e outros. Tal pedido formulado perante o TSE deve ser instruído, dentre outros documentos, com “certidões criminais fornecidas pelos órgãos de distribuição da Justiça Eleitoral, Federal e Estadual” (Lei n.º 9.504/97 – Lei das Eleições – art. 11, § 1.º, inciso VII).
Assim, se o pretenso candidato tiver sido condenado em segunda instância, isso constará da certidão, o que obviamente levará o Tribunal Superior Eleitoral, por dever de ofício, a indeferir liminarmente o pedido.
Nesse sentido, é a jurisprudência do TSE. No julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n.º 177-23/RJ, de que foi relator o ministro Dias Toffoli, consta do acórdão unânime o seguinte trecho, verbis: “(...) é necessária a apresentação de certidão de inteiro teor quando apresentada certidão criminal com registros positivos, pois cabe à Justiça Eleitoral examinar, de ofício, a satisfação das condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade” (sessão de 29/11/ 2012). E no acórdão proferido no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n.º 53-56/RJ, de que foi relator o ministro Marco Aurélio, observou S. Exa., verbis: “Acredito que, competindo à Justiça Eleitoral apreciar, de ofício, as condições de elegibilidade e constatando, ante os documentos exigidos para apresentação válida do pedido de registro, não ter o candidato certidão negativa quanto a processos criminais, cabe examinar e, a meu ver, indeferir esse registro”. Presidiu a sessão a ministra Cármen Lúcia, que acompanhou os votos dos relatores nos dois processos.
A Justiça Eleitoral exerce funções administrativas, consultivas e regulamentadoras, além da função jurisdicional. Esta somente ocorre se houver ação judicial – em que há autor e réu – e, após apresentadas suas respectivas razões, o julgamento. Não há, obviamente, lide ou litígio sem partes. O pedido de registro de candidatura não é evidentemente ação judicial, mas tem natureza administrativa, devendo ser indeferido se contrário à Constituição e à lei.
Como bem disse o ex-procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, em texto para o Estadão, publicado em 9 de agosto do corrente ano, o artigo 16-A da Lei n.º 9.504/97 somente tem aplicação nas hipóteses em que o registro de candidatura tenha sido deferido pela Justiça Eleitoral, mas seja objeto de ação judicial de impugnação de registro proposta pelo Ministério Público Eleitoral, por candidatos ou partidos políticos adversários, hipótese em que se mantém o registro até o julgamento pela Justiça Eleitoral. Neste caso, o candidato com registro sub judice poderá participar da campanha eleitoral. Mas não o candidato sem registro, cujo pedido foi indeferido liminarmente por ser contrário à Constituição e à lei.
Finalmente, aplica-se o artigo 26-C da Lei da Ficha Limpa, que prescreve a possibilidade de o órgão colegiado do tribunal ao qual competir a apreciação de eventual recurso relativo à condenação criminal em segunda instância suspender em caráter cautelar a inelegibilidade, que somente ocorrerá se o tribunal considerar que há plausibilidade jurídica na pretensão recursal, conferindo-lhe efeito suspensivo para suspender a execução do acórdão condenatório criminal.
Criou-se a Lei da Ficha Limpa para se acabar com um dos vários pontos cegos da legislação que permitiam que condenados por crimes graves, já em duas instâncias, conseguissem se candidatar e poder obter imunidades para continuarem impunes.
Ao permitir que crimes confirmados no julgamento do recurso do condenado à segunda instância tornem a pessoa inelegível por oito anos, a Ficha Limpa passou a ser um dos marcos legais chave para o combate à corrupção e à sua infiltração no Estado.
O ministro Luiz Fux votou no sentido de negar provimento ao recurso e abriu divergência. Segundo ele, o regime jurídico das condições de elegibilidade e das hipóteses de inelegibilidade “se ancora em critérios políticos e legislativos que possuem racionalidade e fundamentos diversos da natureza de sanções”. “Essa multiplicidade de fundamentos que autorizam o legislador complementar a introduzir novas causas limitadoras da cidadania passiva revela que não é sanção essa inelegibilidade”, avaliou.
Como se lê do site do STF, em seu voto, o ministro destacou que a decisão que reconhece a inelegibilidade somente produzirá efeitos nas esferas jurídica e eleitoral do condenado se ele vier a formalizar registro de candidatura em eleições futuras ou em recurso contra expedição de diploma em se tratando de inelegibilidades infraconstitucionais supervenientes.
Assim, observou que “para se operar o efeito da inelegibilidade deve haver o registro de candidatura”, uma vez que a declaração de inelegibilidade (artigo 22, inciso XIV) não produz efeitos jurídicos eleitorais imediatos na esfera jurídica do condenado, ao contrário da pena de cassação do diploma.
De acordo com o ministro Luiz Fux, o indivíduo que tem a intenção de concorrer a cargo eletivo deve aderir ao estatuto jurídico eleitoral, “portanto a sua adequação a esse estatuto não ingressa no respectivo patrimônio jurídico, antes se traduzindo numa relação ex legem dinâmica”. “É essa característica continuativa do enquadramento do cidadão na legislação que também permite concluir pela validade da extensão dos prazos de inelegibilidade nas ações de controle concentrado da Lei da Ficha Limpa no Supremo”, completou.
O ministro ressaltou que os prazos poderão ser estendidos se ainda estiverem em curso, ou até mesmo restaurados para que cheguem a oito anos em razão de lei nova, desde que não ultrapasse esse prazo. “Trata-se tão somente de imposição de um novo requisito negativo para que o cidadão possa candidatar-se a cargo eletivo e não se confunde com agravamento de pena ou bis in idem”, disse, ao afirmar que o legislador distingue claramente a inelegibilidade das condenações. Por fim, o ministro Luiz Fux considerou que não houve afronta à coisa julgada.
III – A AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE REGISTRO DE CANDIDATURA
A Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) é o instrumento pelo qual se busca atacar o registro de candidatura de certo indivíduo que apresenta limitações no que toca a seus direitos políticos. Trata-se de ação constitutiva negativa que deve ser ajuizada em prazo decadencial, fatal e improrrogável.
Os pedidos de registro de candidatura que não preencherem as condições de elegibilidade ou cujos candidatos tenham incidido em alguma das hipóteses de inelegibilidade, ou ainda, daqueles candidatos que não tenham apresentado documentos indispensáveis, de acordo com o § 1.º, do art. 11 da Lei n.º 9.504/97, poderão ser impugnados por meio da chamada Ação de Impugnação de Registro de Candidatura – AIRC, prevista no art. 3.º da LC 64/90, a qual se trata de verdadeira ação judicial eleitoral prevista especificamente para essa finalidade.
Art. 11, § 10º As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro de candidatura, ressalvadas as alterações fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro afastem a inelegibilidade. (*§ 10º acrescentado pela lei 12.034/09).
O prazo para ajuizamento da AIRC é decadencial e improrrogável, à luz do art. 3º caput da LC 64/90. A partir da publicação do edital relativo ao pedido de registro, começa a contagem de 05 (cinco) dias para seu marco final.
A contagem é feita excluindo-se o dia da publicação do edital e incluindo-se o dia do vencimento. É indistintamente aplicada a todos os legitimados e independe de intimação pessoal do Ministério Público. O TSE no Respe nº 14194 de 04.03.1997 confirmou que [...] “O prazo para impugnação para registro de candidatura tem início com a publicação do edital [...], sendo desnecessária a intimação pessoal do Ministério Público diante do que dispõe o art. 3º caput da LC 64/90 e da existência de celeridade nos processos de registro”.
O art. 3º caput da Lei Complementar 64/90 positiva os legitimados ativos da AIRC. Qualquer candidato, partido político, coligação ou Ministério Público podem ajuizar esta ação.
A resolução do TSE nº 23.373/11, em seu art. 47, permite o indeferimento do registro do candidato, de ofício, pelo julgador, em casos específicos.
Art. 47. O pedido de registro será indeferido, ainda que não tenha havido impugnação, quando o candidato for inelegível ou não atender a qualquer da condições de elegibilidade.
O rito deverá ser sumário e a cognição exauriente a fazer coisa julgada formal e material.
Com eventual procedência dos pedidos apresentados de impugnação da candidatura do presidente da República, terá que ser ajuizado pelo requerente um pedido de efeito suspensivo ao Tribunal Superior Eleitoral e ainda um recurso extraordinário, de difícil solução.