5 Eficácia das decisões de inelegibilidade
Segundo o artigo 15 da LC nº 64/90, em sua nova redação: “transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade, ser-lhe-á negado o registro, ou cancelado se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido”.A nova redação alterou toda a sistemática da matéria no Direito Eleitoral brasileiro: a decisão que acarretar inelegibilidade não será executada apenas após o escoamento de todos os prazos recursais. A partir da LC nº 135/2010, essa decisão terá eficácia com o seu trânsito em julgado ou com a publicação da decisão proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral (TRE ou TSE). No entanto, essa regra deve ser cotejada com o artigo 257, §2º do Código Eleitoral, alterado pela Lei nº 13.165/2015, também conhecida como minirreforma eleitoral:
“Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.
[...]
§ 2º O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo.”
6 Afastamento da inelegibilidade e aplicação das regras do registro
Segundo o artigo 26-A da LC nº 64/90: “afastada pelo órgão competente a inelegibilidade prevista nesta Lei Complementar, aplicar-se-á, quanto ao registro de candidatura, o disposto na lei que estabelece as normas para as eleições.”
O legislador inovou com o reconhecimento da inelegibilidade a partir da condenação por órgão judicial colegiado, independentemente do trânsito em julgado, Assim, também pretendeu minimizar essa situação, permitindo que os porventura prejudicados pudessem suspendê-la por meio de liminar cautelar, a ser postulada na petição de interposição do recurso contra a decisão condenatória, sob pena de preclusão. Dessa forma, reformada a decisão do órgão colegiado, o restabelecimento da inelegibilidade é imediato.
7 Da suspensão da inelegibilidade
Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l endo inciso I do art. 1opoderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.
Segundo o dispositivo, só é possível obter a suspensão da inelegibilidade em relação às ações eleitorais citadas: representações eleitorais de abuso de poder genérico da alínea d(ação de investigação judicial eleitoral – AIJE e ação de impugnação de mandato eletivo – AIME), hipóteses de condenação criminal da línea e, casos de abuso de poder apurado em processo cível da alínea h, representações específicas por descumprimento da Lei das Eleições da alínea j (art. 30-A, 41-A, 73, 74, 75 e 77), hipóteses de condenação por improbidade administrativa da alínea le quando houver reconhecimento de fraude na inelegibilidade da alínea n. Entretanto, o sistema das cautelares do Processo Civil permite a suspensão da eficácia das decisões judiciais de forma autônoma à lei eleitoral. Sobre o artigo 26-C, manifestou-se o TSE no seguinte sentido: “a interpretação do artigo 26-C da Lei Complementar nº 64/1990 compatível com a Constituição Federal de 1988 é no sentido de que não apenas as decisões colegiadas enumeradas nesse dispositivo poderão ser suspensas por força de decisão liminar, mas também outras que lesem ou ameacem direitos do cidadão, suscetíveis de provimento cautelar” (Recurso Especial Eleitoral nº 229-91 – Rel. Min. Gilmar Mendes – j. 22.05.2014)
8 Jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal sobre mudanças trazidas pela Lei da Ficha Limpa
Dois dias após a sua aplicação, o TSE decidiu, por seis votos a um, ao responder à consulta formulada pelo senador Arthur Virgílio, que a lei tem aplicação já nas eleições de 2010, visto que as inovações trazidas não alteravam o processo eleitoral em si, dispensando a exigência de um ano de vigência, como preceitua o artigo 16 da Constituição Federal. No dia 16 de junho, respondendo à consulta formulada pelo Deputado Federal Ilderlei Cordeiro, o TSE decidiu, também por seis votos a um, que a lei se aplica também aos condenados antes da sua sanção e não apenas aos condenados depois. Segundo a tese vencedora, de autoria do Ministro Arnaldo Versiani, não se tratava de retroatividade da lei, mas de sua aplicação conforme fora aprovada e sancionada.
No entanto, as novas causas de inelegibilidade não puderam ser aplicadas em 2010, pois o STF entendeu que, se tal ocorresse, haveria violação do princípio da anualidade eleitoral insculpido no artigo 16 da Constituição.
Já para as eleições de 2012, o Supremo enfrentou na Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 29, julgada com a ADC nº 30 e a ADI nº 4.578, que questionavam se a novel legislação poderia alcançar fatos passados, no tocante ao aumento da inelegibilidade de três para oito anos em vários casos, entrando em jogo aqui o direito adquirido e o princípio da irretroatividade das leis. A Corte decidiu que não é caso de retroatividade da nova lei, mas sim de retrospectividade, em que fatos passados são considerados para a adequação de situações previstas no futuro, estando, portanto, essa previsão da Lei da Ficha Limpa, de acordo com os ditames constitucionais.
Segundo o entendimento da maioria da Corte Suprema: a) não existe direito adquirido ao regime de elegibilidade; b) a candidatura a mandato eletivo pressupõe a adequação ao estatuto jurídico eleitoral; c) inelegibilidade não é pena; d) as condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento do registro de candidatura.[6]
Com base nessas premissas, concluiu-se pela aplicabilidade das novas causas de inelegibilidade trazidas pela LC nº 135/2010 a fatos ocorridos antes da sua vigência, sob a fundamentação de que não se trata de retroatividade, mas de retrospectividade, como ocorre com a alteração do regime dos servidores públicos nas questões previdenciárias. “Tratando-se – as inelegibilidades – de um regime jurídico, o que está sob regência da nova lei não é o fato em si mesmo, mas tão somente os efeitos jurídicos que esse fato produz no tempo (p. 164), explica Edson Resende de Castro, observando que:
“para candidaturas que se apresentarem após vigência e aplicabilidade da lei nova, isto sim, eles são considerados nos seus efeitos futuros, se ainda não ultrapassado o prazo de cessação do impedimento consignado na lei”, pois “o fato, ainda que não afetasse a elegibilidade ao tempo da sua ocorrência – portanto, sem esse efeito jurídico – é marca impagável na vida pregressa da pessoa, produzindo sim efeitos pessoais, sociais e morais.” (p. 165)[7]
A seguir, foi enfrentada a questão sobre a possibilidade prevista na LC nº 135/2010 da declaração da inelegibilidade com base em decisão de órgão colegiado, ou seja, dispensando o trânsito em julgado. O STF reviu o entendimento esposado na ADPF nº 144, que declarou a não auto aplicabilidade do §9º do artigo 14 da Constituição, sustentado por, dentre outras justificativas, que as condenações não passadas em julgado ofendiam o princípio constitucional e cláusula pétrea da não culpabilidade, que é direito fundamental. O relator da ADC 29, Ministro Luiz Fux, propôs a superação do precedente citado, sustentando que o momento histórico exigia da Suprema Corte interpretação socialmente congruente com os anseio da população, que exigia a observância da moralidade da política, clamor que estava sendo atendido de forma razoável pela Lei da Ficha Limpa. Segundo o Ministro: “a presunção de inocência, sempre tida como absoluta, pode e deve ser relativizada para fins eleitorais ante requisitos qualificados como os exigidos pela LC nº 135/2010[8]”.
À medida que os candidatos “fichas-sujas” foram tendo as suas candidaturas barradas, a partir da entrada em vigor da LC nº 135/2018, vários temas foram chegando ao TSE e ao STF para discussão. Os temas mais notórios são a inelegibilidade: pela renúncia ao mandato eletivo para não responder em processo que possa levar à perda do cargo, pela condenação por improbidade administrativa, abuso do poder econômico e político, dentre outros.
Citamos ainda a mais recente decisão do STF sobre a aplicação do prazo de inelegibilidade de oito anos para crimes de abuso do poder econômico a condenações anteriores a 2010, ano de entrada em vigor da lei, com interpretação majoritária do STF assentada em 4 de outubro de 2017. Nesse novo julgamento foi reiterado o julgamento que, em 2012, reconhecia a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, podendo aplicar as suas sanções de maneira retroativa, não ofendendo a coisa julgada, pois, conforme a decisão anterior já assentou, não se trata aqui de retroatividade da lei, mas sim de retrospectividade.
No dia 17 de outubro último, os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello seguiram a posição do relator, Ministro Ricardo Lewandowski, pela qual a aplicação da LC nº 135/2010 só poderia ser admitida para decisões posteriores à vigência da lei. No entanto, a Presidente, Ministra Cármen Lúcia, acompanhou a divergência iniciada pelo Ministro Luiz Fux em seu voto-vista na semana anterior, desempatando o julgamento.
O caso chegou ao STF por meio de um recurso de um candidato que teve o seu registro cassado em decorrência do artigo 22, XIV, da LC nº 64/90:
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: [...]
XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;
Em 2010 já havia terminado o prazo de inelegibilidade de três anos posteriores à condenação do candidato, prazo previsto anteriormente à Lei da Ficha Limpa pela LC nº 64/90. O candidato argumentava que a LC nº 135/2010 não poderia retroagir e ser aplicada ao seu caso. A divergência e a polêmica entre os Ministros foi intensa, como também o foi na decisão de 2012, sendo a decisão tomada por maioria, com o voto de desempate da Presidente do STF, Ministra Cármen Lúcia. Em sessões anteriores, tiveram o mesmo entendimento os ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli. Ficaram vencidos: Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.[9]
Novamente em 2018, o tema retornou ao STF, dessa vez para que os Ministros decidissem sobre a eventual modulação dos efeitos da decisão tomada em outubro de 2017. Na sessão do dia 1º de março de 2018, o plenário do STF, por maioria de votos, aprovou a tese de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 929670, no qual o Tribunal julgou válida a aplicação do prazo de oito anos de inelegibilidade aos condenados pela Justiça Eleitoral antes da edição da LC nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). A tese fixada, proposta pelo relator do processo, Ministro Luiz Fux, foi a seguinte:
“A condenação por abuso do poder econômico ou político em ação de investigação judicial eleitoral, transitada em julgado, ex vi do artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar 64/90, em sua redação primitiva, é apta a atrair a incidência da inelegibilidade do artigo 1º, inciso I, alínea "d", na redação dada pela Lei Complementar 135/2010, aplicando-se a todos os processos de registros de candidatura em trâmite”.
O Plenário rejeitou a proposta de modulação dos efeitos da decisão, formulada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, para que a aplicação da norma ocorresse apenas a partir da análise de registro de candidaturas da eleição de 2018. Para o Ministro Lewandowski, a aplicação retroativa afetaria a confiança dos eleitores, pois seria necessário o recálculo do quociente eleitoral e, eventualmente, eleições suplementares. No entanto, prevaleceu o entendimento do Ministro Luiz Fux de que a aplicação retroativa do requisito de elegibilidade previsto na Lei da Ficha Limpa não prejudicaria a confiança do eleitor, pois, além de haver ciência de que alguns candidatos concorreram apenas porque estavam amparados por liminares, os votos referentes aos que disputaram cargos proporcionais serão somados em favor da legenda, não afetando o quociente eleitoral e a formação de bancadas. Ele esclareceu, ainda, que no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), há somente 11 casos semelhantes aos da tese hoje firmada.[10]