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Ordem pública e periculum libertatis na prisão preventiva

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2 PRISÃO PREVENTIVA

A prisão preventiva se reveste de medida de cautela. Seu objetivo é, esgotadas as demais possibilidades de medidas cautelares diversas da prisão, impedir que eventuais condutas do autor do suposto delito coloquem em risco os rumos da investigação ou do processo.

Se a prisão em flagrante busca sua justificativa e fundamentação, primeiro, na proteção do ofendido, e, depois, na garantia da qualidade probatória, a prisão preventiva revela a sua cautelaridade na tutela da persecução penal, objetivando impedir que eventuais condutas praticadas pelo alegado autor e/ou por terceiros possam colocar em risco a efetividade da fase de investigação e do processo.(PACELLI, 2014, p. 549)

É de se observar, porém, que tal modalidade de prisão resvala em direitos fundamentais do acusado, qual seja, a presunção de inocência e a liberdade, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Assim, bem destaca PACELLI (2014):

Referida modalidade de prisão, por trazer como consequência a privação da liberdade antes do trânsito em julgado, somente se justifica enquanto e na medida em que puder realizar a proteção da persecução penal, em todo o seu iter procedimental, e, mais, quando se mostrar a única maneira de satisfazer tal necessidade. (PACELLI, 2014, p. 549)

Observe-se que há três situações claras em que poderá ser imposta a prisão preventiva: a) a qualquer momento da fase de investigação ou do processo, de modo autônomo e independente (arts. 311, 312 e 313, CPP); b) como conversão da prisão em flagrante, quando insuficientes ou inadequadas outras medidas cautelares (art. 310, II, CPP); e c) em substituição à medida cautelar eventualmente descumprida (an. 282, § 4', CPP).

Regra geral, não cabe prisão preventiva nos crimes culposos. Também não se aplica aos casos de crimes dolosos cujo limite máximo da pena privativa de liberdade cominada seja igual ou inferior a quatro anos, consoante artigo 313, do Código de Processo Penal, nos termos da nova redação dada pela Lei nº 12.403/2011, que diz:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

IV - (revogado).

Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

Frisa-se, porém, que existe possibilidade de decretação de prisão preventiva nos crimes culposos. Trata-se da hipótese prevista no artigo 366, do CPP, em que se permite a decretação da prisão preventiva do réu citado por edital, quando este não comparece ao processo, que fica suspenso:

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

2.1 Conceito

A prisão preventiva encontra fundamentação nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal. É uma espécie de prisão cautelar de natureza processual, consistente na medida restritiva de liberdade, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, a ser decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Prisão preventiva: Detenção do indiciado ou a sua manutenção carcerária, para que o mesmo esteja presente em juízo e não fuja à conclusão da sentença. O CPP, arts. 311 a 316, preceitua o seguinte: “é qualquer detenção ou custódia sofrida pelo imputado, antes ou depois da pronúncia e em qualquer estado da causa, antes de julgada definitivamente (CPP, arts. 311 a 316). (SANTOS, 2001, p. 194)

Ademais, a prisão preventiva só poderá ser decretada quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, o chamado fumus delicti, ou a aparência do delito, equivalente ao fumus boni iuris de todo processo cautelar, no entendimento de PACELLI (2014).

Já para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2017), a prisão preventiva é a prisão de natureza cautelar mais ampla, podendo ser aplicada tanto no inquérito policial quanto no processo penal. Ainda, admite-se sua aplicação sem a instauração do inquérito, “desde que o atendimento aos requisitos legais seja demonstrado por outros elementos indiciários, como os extraídos de procedimento investigatório extrapolicial”.

É a prisão de natureza cautelar mais ampla, sendo uma eficiente ferramenta de encarceramento durante toda a persecução penal, leia-se, durante o inquérito policial e na fase processual. Até antes do trânsito em julgado da sentença admite-se a decretação prisional, por ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial competente (art. 5º, inciso LXI da CF), desde que presentes os elementos que simbolizem a necessidade do cárcere, pois a preventiva, por ser medida de natureza cautelar, só se sustenta se presentes o lastro probatório mínimo a indicar a ocorrência da infração, os eventuais envolvidos, além de algum motivo legal que fundamente a necessidade do encarceramento. (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1252)

Um aspecto de bastante relevância é que a prisão preventiva é medida de exceção. Deve, sempre, ser interpretada de modo restritivo a fim de que seja compatibilizada com o princípio constitucional da presunção da inocência (art. 5º, LVII, da CRFB/88), haja vista que as consequências da prisão para o indivíduo podem ser desastrosas, em caso de equívocos.

É importante destacar que a Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, alterou dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares.

Assim, a prisão preventiva, nos termos do artigo 313, do Código de Processo Penal, somente poderá ser decretada: a) nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; b) se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; c) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; d) quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

Já o artigo 314, do CPP, aponta que a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Código Penal, quais sejam: a) em estado de necessidade; b) em legítima defesa e c) em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Há ainda que ser sempre motivada a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva, consoante o artigo 315, do CPP. Ademais, por força do artigo 316, do CPP, o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

2.2 Prazo

No que se refere aos prazos para a prisão preventiva, é preciso frisar que o Código de Processo Penal não o fixa expressamente. No entanto, cabe salientar que deve atender aos princípios da proporcionalidade e da necessidade.

A prisão preventiva tem a finalidade de assegurar o bom andamento da instrução criminal, não podendo se prolongar indefinidamente, posto que, se isto ocorre, configura constrangimento ilegal. Esse é o entendimento no julgado do Tribunal de Justiça de Sergipe:

Ementa: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇAO DE EXCESSO DE PRAZO. PRISÃO PREVENTIVA OCORRIDA EM 25.07.2011. INSTRUÇAO NAO INICIADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE QUE MILITA EM FAVOR DO PACIENTE. CONCESSAO DO WRIT. I - Não havendo justificativas para a demora no início da instrução processual, tem cabimento a alegação de excesso de prazo que vem a configurar constrangimento ilegal. II - No caso, o paciente encontra-se custodiado preventivamente desde o dia 25/07/2011, sendo que o recebimento da denúncia pelo magistrado de plano só ocorreu em 26/01/2012. III - O princípio da razoabilidade, que nesta Corte tem sido utilizado para afastar a existência de constrangimento ilegal em feitos complexos, no presente caso milita a favor do réu. Constrangimento caracterizado. Ordem de habeas corpus deferida. Decisão unânime.(TJ-SE - HC: 2011323331 SE, Relator: GENI SILVEIRA SCHUSTER, Data de Julgamento: 08/05/2012, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 19/05/2012)

Em que pese inexistir em lei um prazo determinado para a duração da prisão preventiva, a regra é que perdure até quando seja necessário, ou seja, é preciso respeitar a razoabilidade de sua duração, observando-se a proporcionalidade e a necessidade. Todavia, o critério do “razoável” é permeado pela subjetividade. A relatora, in casu, afirma que “o princípio da razoabilidade, que nesta Corte tem sido utilizado para afastar a existência de constrangimento ilegal em feitos complexos”, foi aplicado a favor do réu, diante do constrangimento ilegal caracterizado pelo excesso de prazo de fato demonstrado, eis que o recebimento da denúncia pelo magistrado de piso ocorreu seis meses após a prisão do paciente.

A respeito do excesso de prazo, veja o que apontam Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2017):

A seu turno, se a prisão preventiva é temporalmente excessiva, ofendendo a razoável duração da prisão cautelar, ela se transforma em medida tipicamente ilegal, impondo-se o relaxamento. O expediente judicial de relaxar a prisão (temporalmente excessiva) e renovar o decreto alterando os fundamentos do cárcere preventivo não deve ser tolerado.(TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 1266)

Algumas situações são direcionadoras dessa adequada medida de tempo, tais como a) se ser utilizada como forma de antecipação de pena; b) a decretação da prisão preventiva não pode ser enbasada exclusivamente na gravidade do fato ou do clamor público; e c) deve ser imposta apenas se outras medidas cautelares pessoais revelarem-se inadequadas ou insuficientes, ainda que aplicadas cumulativamente.

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Destaca-se que o juiz, ao decretar ou prorrogar prisão preventiva, já deverá, logo de início, indicar o prazo de duração da medida. Todavia, como o atual CPP não estipula prazos para a prisão preventiva; a jurisprudência, no entanto, fixava em 81 dias o prazo desse instituto até o final da instrução criminal e, conseqüentemente, para o fim da prisão cautelar, haja vista a necessidade de que ao final deste prazo houvesse a prolação de sentença penal.

Ainda, com o mesmo objetivo de sanar a omissão legislativa, consolidou-se o entendimento sobre o tema através de algumas súmulas (Súmulas nº 21, 52 e 64 do STJ), todas no intuito de afastar argumentos sobre o excesso de prazo no processo penal:

Súmula 21/STJ: Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução.

Súmula 52/STJ: Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo.

Súmula 64/STJ: Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.

O Tribunal de Justiça da Paraíba utiliza-se de entendimento do Superior Tribunal de Justiça para elucidar a questão do excesso de prazo na formação da culpa do agente, afirmando que o princípio da razoabilidade precisa atender às circunstâncias peculiares do caso concreto e não somente se esgotar em simples verificações aritméticas para a sua apuração. Todavia, aponta que o trâmite processual em processos complexos justifica o não conhecimento do excesso de prazo:

Ementa: HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. DEMORA NA FORMAÇÃO DA CULPA. PECULIARIDADES DO FEITO. RAZOABILIDADE NO TRÂMITE PROCESSUAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

"A questão do excesso de prazo na formação da culpa não se esgota na simples verificação aritmética dos prazos previstos na lei processual, devendo ser analisada à luz do princípio da razoabilidade, segundo as circunstâncias detalhadas de cada caso concreto." (STJ - RHC 52.541/SP) Tendo em conta as peculiaridades do feito, mormente quando considerada a duplicidade de réus e a expedição de precatórias para citação dos acusados e oitiva de testemunhas, há razoabilidade no trâmite processual, de forma que não se reconhece o excesso de prazo para a formação da culpa.

(TJ-PB - ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00029376720158150000, Câmara Especializada Criminal, Relator DES JOAO BENEDITO DA SILVA. Julgamento: 22/09/2015. Publicação: 02/10/2015)

Veja, portanto, a decisão do Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, no qual elenca justificativas ao demorado trâmite processual:

Ementa: PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. PLURALIDADE DE RÉUS. NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTAS PRECATÓRIAS. COMPLEXIDADE DA CAUSA. DESMEMBRAMENTO DO FEITO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A questão do excesso de prazo na formação da culpa não se esgota na simples verificação aritmética dos prazos previstos na lei processual, devendo ser analisada à luz do princípio da razoabilidade, segundo as circunstâncias detalhadas de cada caso concreto. 2. Na hipótese, examinando a ordem cronológica, a complexidade do feito é evidente, diante da quantidade de acusados envolvidos originalmente – 4 (quatro) réus, sendo o processo desmembrado em relação ao recorrente, além da necessidade de expedição de cartas precatórias para oitiva de testemunhas, circunstâncias que justificam o atual trâmite processual. 3. No que diz respeito ao pedido de desmembramento do feito, verifica-se a manifesta ausência de interesse recursal, haja vista o processo já ter sido desmembrado em relação ao acusado em 25.01.2014. 4. Recurso a que se nega provimento.

(STJ. Recurso em Habeas Corpus. Nº 52.541-SP (2014/0262011-6). SEXTA TURMA DO STJ. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Julgamento: 16/12/2014. Publicação: 03/02/2015)

Apesar das discussões que o entendimento jurisprudencial e as súmulas causam sobre a questão, sobre a possibilidade de avaliar-se o excesso de prazo nas prisões cautelares e, conseqüentemente, sobre um possível constrangimento ilegal do acusado, o prazo "razoável" da prisão cautelar parece estar longe de ser pacificado, havendo muitas decisões divergentes quando se analisa os casos concretos.

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Sobre a autora
Jessiane Carla Siqueira Moreira

Servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região - Sede Administrativa. Assistente na Assessoria de Ordenação de Despesas da Diretoria-Geral. Ordenadora de Despesas Substituta. Graduação em Direito. Graduação em Design Gráfico. Especialista em Direito do Trabalho. Pós-Graduação em Gestão Pública. MBA em Finanças Públicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Jessiane Carla Siqueira. Ordem pública e periculum libertatis na prisão preventiva . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5552, 13 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68524. Acesso em: 25 abr. 2024.

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