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Aplicação do princípio do contraditório e ampla defesa no desfazimento do processo licitatório

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5.SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

A supremacia do interesse público é um princípio geral do Direito segundo o qual os interesses públicos se sobrepõem aos interesses privados. Não está expresso na Constituição Federal, é um princípio implícito, ainda que muitos outros façam alusão a ele. É inerente a atuação do Estado e trata-se de um princípio de observância obrigatória pela Administração Pública.

A supremacia do interesse público sobre o interesse privado se justifica no Estado Democrático de Direito e nas instituições adotadas pelo Brasil, o Estado tem de atuar tendo em vista a coletividade, a vontade geral, tem de atingir a diversas finalidades que lhe são impostas pelo texto constitucional e pela lei e, para isso, é necessário que detenha prerrogativas que não são dadas aos particulares.

Como manifestação da supremacia, pode a Administração, nos termos da lei, exercer poder de polícia, impor cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos, constituir obrigações a terceiros mediante atos unilaterais, etc. Ainda, por força da supremacia do interesse público, em conformidade com o que ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, é que se reconhece a Administração a possibilidade de revogar seus próprios atos quando inoportunos ou inconvenientes e o dever de anular ou convalidar os atos inválidos que possa ter praticado.

Do princípio supracitado decorre o princípio da indisponibilidade do interesse público, que, por sua vez, também é implícito e norteia as vontades e atos da Administração Pública, isso porque o ente administrativo é mero gestor da coisa pública e não seu proprietário e, por isso, não pode renunciar aos poderes que lhe são conferidos pela lei ou agir de forma contrária aos interesses da coletividade.


6. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES

A teoria dos motivos determinantes diz que, quando os atos administrativos forem motivados ficam vinculados aos motivos que foram apresentados. Os motivos determinam e justificam a execução do ato, servem de suporte para a decisão do administrador e, por tal razão, integram sua validade.

Caso haja divergência entre os motivos determinantes e a realidade fática, o ato é inválido. Nem todo ato precisa ser motivado, em alguns casos a lei concede faculdade discricionária ao administrador e a motivação torna-se não obrigatória, porém, caso opte por motiva-lo, a veracidade do motivo passa a ser condição de validade do ato.

De forma a ilustrar a situação apresentada e conforme ensina Hely (Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, Malheiros editores, São Paulo, 2016, p. 224):

“Se o superior, ao dispensar um funcionário exonerável ad nutum, declarar que o faz por improbidade de procedimento, essa "improbidade" passará a ser motivo determinante do ato e sua validade e eficácia ficarão na dependência da efetiva existência do motivo declarado. Se inexistir a declarada "improbidade" ou não estiver regularmente comprovada, o ato de exoneração será inválido, por ausência ou defeito do motivo determinante. No mesmo caso, porém, se a autoridade competente houvesse dispensado o mesmo funcionário sem motivar a exoneração (e podia fazê-lo, por se tratar de ato decorrente de faculdade discricionária), o ato seria perfeitamente válido e inatacável. ”

O Código Civil Brasileiro, em seu art. 140 diz que: o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante. Tal dispositivo pode ser usado também na teoria aqui apresentada pois, se o falso motivo constituiu a razão determinante do ato, então dele passou a ser parte integrante e por isso o vicia caso seja fictício ou simulado.


7. PRINCIPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

O princípio da ampla defesa e contraditório é garantido pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; ”

Entende-se por ampla defesa, em consonância ao que doutrina Alexandrino, o direito que é dado ao indivíduo para trazer ao processo, seja ele administrativo ou judicial, todos os elementos de prova admitidos para provar a verdade ou ainda, o direito de ficar calado ou omitir-se se assim entender melhor, para evitar sua autoincriminação.

Por contraditório entende-se, ainda em correspondência a Alexandrino, o direito que o indivíduo tem de ter conhecimento e contraditar tudo o que é levado pela parte adversa ao processo, isto é, a todo ato praticado pela acusação caberá igual direito a defesa de opor-se, de apresentar uma versão ou interpretação diversa daquela que foi apontada. Em suma, o contraditório assegura a igualdade dos litigantes no processo, pois equipara o direito de acusação e o direito de defesa.


8. EFEITOS DO DESFAZIMENTO PARA OS PARTICIPANTES DO PROCESSO DE LICITAÇÃO

A Administração Pública possui prerrogativas próprias, entre elas o direito de desfazer o processo licitatório a partir da revogação ou da anulação. Tal prerrogativa se sustenta e se justifica nos princípios da autotutela e supremacia do interesse público. Ambos institutos, anulação e revogação, ainda que com fundamentos diferentes, são formas de controle do ente administrativo.

Licitação é um mecanismo de atos sucessivos que, ainda que tenham funções próprias, visam o mesmo fim: permitir que a entidade governamental contrate ou realize os serviços que precisa garantindo as melhores condições de preço, técnica ou os dois. Ao final do procedimento é escolhido o vencedor que, em tese, será o contratado. Em tese porque a Administração não está obrigada a executar a obra ou serviço apenas porque realizou e concluiu a licitação, ter o objeto adjudicado para si não implica no direito subjetivo do licitante vencedor de obter o contrato, mas, tão somente no direito de ser convocado primeiro caso a Administração opte por fazê-lo.

Além disso, a conclusão da licitação não significa que o procedimento foi um sucesso, pode ter ocorrido alguma ilegalidade no transcurso e, nesse caso, o processo deverá ser anulado ou, ainda, pode ter surgido algum fato superveniente que impeça a execução da obra ou serviço por afrontar o interesse público. Em ambos os casos o desfazimento será necessário e repercutirá consequências que, por sua vez, serão distintas entre si pois, embora sejam formas de desmanche da licitação suas aplicações são distintas, isto é, revogação leva em conta considerações de mérito, ao passo que anulação contempla considerações de legalidade.

8.1.ANULAÇÃO

Anulação é o desfazimento do processo licitatório ou de parte dele por motivos de ilegalidade, seu objetivo é retirar do plano jurídico os atos ilegítimos, isto é, os atos eivados de vícios. O ilícito capaz de dar cabo a invalidação é aquele que afronta a Constituição Federal e a lei por não atender uma de suas exigências ou que afronta o instrumento convocatório, por exemplo, se não forem observados os critérios de julgamento.

Os efeitos da anulação são ex tunc, ou seja, retroagem ao início para alcançar a ilegalidade em suas origens e, como consequência desconstituí todos os atos até ali praticados. Como a invalidação pode ser total ou parcial, é possível que seu objeto seja todo o procedimento de licitação ou somente um ato determinado, como a habilitação ou a classificação.

O ato ilegal que não é passível de convalidação tem de ser obrigatoriamente anulado, não se trata de mera faculdade de escolha e sim do poder-dever da Administração Pública de fazê-lo, por essa razão é que, em regra, a anulação do ato não gera para o Poder Público o dever de indenizar, é responsabilidade do ente zelar pela legitimidade de seus atos e de invalidá-los quando desrespeitarem o ordenamento jurídico. Tal entendimento está assentado no §1º, art. 49 da lei 8666/93 que diz:

Art. 49.  A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado. (grifo nosso)

§ 1o  A anulação do procedimento licitatório por motivo de ilegalidade não gera obrigação de indenizar, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei. (grifo nosso)

Como visto, em geral os atos nulos não geram efeitos válidos e, portanto, não ensejam indenização, entretanto, não é uma máxima absoluta, a nulidade não isenta a Administração de indenizar o licitante no referente a parcela do serviço já realizada e outros prejuízos causados que puderem ser comprovados, conforme se infere da leitura do parágrafo único, art. 59 da lei 8666/93:

Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.

Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. (grifo nosso)

Na parte final da redação, o legislador estabelece uma condição para o pagamento da indenização, qual seja, a nulidade não pode ser imputável ao licitante, isto é, o agente não pode ter concorrido para a ocorrência da ilegalidade pois, caso tenha, perderá o direito a indenização e responderá por essa perante a Administração.

É pacífico o entendimento de que não cabe indenização quando o licitante agiu de má-fé ou corroborou de alguma forma para a nulidade, nesse sentido ilustra a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

PROCESSUAL    CIVIL.    ADMINISTRATIVO.   CONTRATO   ADMINISTRATIVO. HONORÁRIOS    ADVOCATÍCIOS.   AUSÊNCIA   DE   LICITAÇÃO.   NULIDADE. CONTRATANTE QUE DEU CAUSA À INVALIDAÇÃO DO INSTRUMENTO. DEVER DE INDENIZAR    AFASTADO.    SÚMULA   83/STJ.   REEXAME   DO   CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO.    INVIABILIDADE.    SÚMULA    7/STJ.    DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO.

1.   O   Tribunal   a quo, em virtude da nulidade de contrato administrativo celebrado sem realização de procedimento licitatório devido, afastou o dever de indenizar da Administração ao entender que os agravantes deram causa à invalidação do instrumento.

2.  No tocante à levantada contrariedade ao art. 22 da Lei 8906/94 e ao art.  59 da Lei 8666/93, o acórdão recorrido harmoniza-se com a orientação pacífica do STJ de que não há o dever de indenizar por parte da Administração nos casos de ocorrência de má-fé ou de ter o contratado concorrido para a nulidade. Incidência da Súmula 83/STJ

3.  A pretensão recursal -  afastar a tese de que a invalidade do contrato é imputável aos agravantes -  esbarra no reexame dos aspectos fáticos da lide, vedado ao STJ, nos termos de sua Súmula 7.

4.  O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fático-jurídica entre   eles.   Ausente   in  casu  a  paridade  entre  os  acórdãos confrontados,   uma   vez   que   o  acórdão  recorrido  analisou  a controvérsia com base no fato de que os agravantes contribuíram para a  nulidade do contrato, enquanto os arestos paradigmáticos tratavam de  situações  em  que  ficou  configurada  a boa-fé do contratante, hipótese afastada nos presentes autos.

5. Agravo Regimental não provido.

Ministro Herman Benjamin 08/10/2013

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De maneira oposta, por óbvio, se o agente não teve culpa e em nada colaborou para o vício, tem o direito a ser ressarcido. Nessa perspectiva, explica Celso Antônio: (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, Malheiros editores, São Paulo, 2009, p. 473):

Se o administrado estava de boa-fé e não concorreu para o vício do ato fulminado, evidentemente a invalidação não lhe poderia causar um dano injusto e muito menos seria tolerável que propiciasse, eventualmente, um enriquecimento sem causa para a Administração.

Além disso, nas situações em que são cabíveis indenização, seu valor será o equivalente necessário a cobrir os que foram gastos realizados pelo interessado e os prejuízos esse que puder comprovar, não haverá majoração do montante para incluir na quantia o que o empresário relativamente deixou de lucrar, isto é, o que ganharia caso o procedimento não tivesse vícios e não precisasse ser desconstituído.

Mesmo nos casos onde a ilegitimidade do procedimento ou do ato é descoberta somente após a adjudicação e efetiva assinatura do contrato, a plena indenização, que incluiria danos emergentes e lucros cessantes, não prevalece, pois, a nulidade do procedimento tem como consequência a nulidade do contrato, conforme prescreve o §2º, art. 49 da lei 8666/93:

Art. 49.  A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.

§ 2o  A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei. (grifo nosso)

Ainda, faz-se mister esclarecer que o momento da anulação influencia no pagamento da indenização, isso porque, se ocorrer durante o andamento do processo licitatório, isto é, antes de escolhido o vencedor da disputa, todos os participantes terão direito a indenização relativa aos prejuízos que tiveram, ao contrário, se a invalidação ocorrer após a escolha do vencedor apenas ele é quem terá direito a ser indenizado.

Em correspondência ao exposto, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, Malheiros editores, São Paulo, 2009, p. 604):

Se a Administração ou o Judiciário invalidam um edital de licitação ou o próprio certame já em andamento antes de conhecido quem deveria ser seu vencedor, todos os que afluíram à disputa e, destarte, foram compelidos a despesas para dela participarem fazem jus a indenização pelos dispêndios incorridos se atuaram de boa-fé e em nada concorreram para o vício invalidante. [...] Se a invalidação ocorrer depois de identificado quem seria seu vencedor na conformidade dos termos estabelecidos, a indenização acobertará tão-somente a este e, e for o caso, também aqueloutro que teria obtido vitória não fora pelo vício reconhecido e proclamado pelo promotor do certame.

Da decisão que declara a nulidade cabe recurso hierárquico em sentido contrário no prazo de 5 dias, conforme art. 109, I, “c” da lei 8666/93, seu efeito é devolutivo apenas, porém, se presentes razões de interesse público, pode a autoridade competente, desde que motivando sua decisão, receber o recurso com efeito suspensivo.

O processo de desfazimento, para que seja considerado válido, tem de respeitar as normas que o regem e deve ser realizado da forma que a lei ordena. Após a invalidação do feito restaura-se a legalidade e, em regra, determina-se o refazimento do ato ou processo, agora, isento de vícios.

8.2. REVOGAÇÃO

Revogação é o desfazimento do processo licitatório por motivos de conveniência e oportunidade, não há aqui qualquer tipo de ilegalidade, os atos e procedimentos praticados são eficazes e legítimos, mas, em razão de fato superveniente, são contrários ao interesse público.

Os efeitos da revogação são ex nunc, isto é, a partir de agora, não desconstituem os atos anteriores. Diferente da anulação, a revogação incide apenas sobre o procedimento acabado, não é possível fazê-la de forma parcial, portanto, ocorrendo fato que justifique a aplicação de tal instituto o desfazimento será total.

O intuito principal da revogação é impedir a celebração do contrato pois a execução da obra ou serviço não mais é conveniente ou foi alcançada de outra maneira, por exemplo, um Município convoca uma licitação para a reforma de uma escola, mas, ao final do procedimento é constatado que o melhor a fazer é fechar o local permanentemente e não restaurá-lo ou, ainda, que outro prédio foi desapropriado para uso escolar e por isso não há mais necessidade do antigo.

Ao revogar a licitação, a Administração Pública libera o licitante vitorioso da proposta, isso quer dizer que, em regra, o vencedor do processo tem de manter a oferta ao qual se dispôs pelo prazo de 60 dias, conforme prescreve o §3º, art. 64 da lei 8666/93, entretanto, revogado o procedimento licitatório a liberação é imediata, não tem o agente que aguardar o decurso do prazo para se considerar livre das obrigações que anteriormente assumiu.

A extinção do contrato decorrente da revogação gera para o licitante o direito de ser indenizado pelos prejuízos que teve, frise-se aqui que, somente o licitante vencedor é quem tem direito a recebê-la, pois, a revogação só é possível no procedimento acabado e, portanto, a identidade do vencedor é sabida. Aos outros participantes não cabe indenização porque foram eliminados em razão da própria lógica do processo, sendo a exclusão mera consequência de sua natureza competitiva.

Quando institui uma licitação, a Administração Pública exige dos participantes uma série de qualificações e firmeza em suas propostas e, portanto, ao revoga-la, não pode, mesmo que amparada em razões de interesse público, agir de forma arbitrária ou desleal. Ao contrário, deve, obrigatoriamente, sustentar os efeitos de sua decisão e reparar o licitante vitorioso em relação aos prejuízos que teve.

Nesse sentido, entende Celso Antônio Bandeira de Mello (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, Malheiros editores, São Paulo, 2009, p. 451):

Não cabe à Administração decidir que revoga e remeter o lesado às vias judiciais para composição patrimonial dos danos. Isto corresponderia à ofensa de um direito e à pratica de um ato ilegítimo que o Judiciário deve fulminar se o interessado o requerer.

O valor da indenização será igual ao importe das despesas, devidamente comprovadas, que o licitante teve para participar do procedimento revogado. Não compõe o valor da indenização, em correspondência ao que ensina Gasparini, os lucros e vantagens que o agente teria caso o contrato fosse efetivamente executado, a esta quantia o licitante não faz jus pois a adjudicação do objeto gera somente a expectativa de direito e não o direito propriamente dito.

Ao revés, se a revogação for imotivada ou arbitrária, cabe ao licitante, através de correspondente ação judicial, anular a decisão e restaurar seus direitos perante a Administração Pública e, não sendo possível recuperar o objeto ou consumar o contrato, terá o direito de ser plenamente indenizado.

De encontro ao exposto, ensina Celso Antônio (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, Malheiros editores, São Paulo, 2009, p. 603):

Se a revogação for ilicitamente efetuada e, por qualquer razão, não mais existirem meios de assegurar a efetivação do contrato, aquele que teria direito a ele fará jus a uma indenização que acoberte, já agora, não apenas as despesas que efetuou para disputar o certame, mas também o que perdeu e deixou de ganhar em decorrência do ato ilícito que lhe frustrou os proveitos que auferiria com o contrato.

Da mesma forma que na anulação, contra a decisão revogatória cabe recurso hierárquico em sentido contrário no prazo de 5 dias contados da publicação do ato ou da intimação, o efeito do recurso é devolutivo, mas, pode vir a ser suspensivo se a autoridade competente entender que estão presentes razões de interesse público e fundamentar sua convicção.

Somente nas hipóteses onde houve arbitrariedade ou a decisão não foi motivada é que o licitante pode levantar-se contra a revogação, nas demais situações não é cabível nenhuma oposição pois, admitir outras hipóteses de insurgência que não as relacionadas a ilegalidades seria subjugar o interesse público ao privado, obrigando a Administração a contratar e desrespeitando o princípio da indisponibilidade do interesse público.


9.CONCLUSÃO

A atuação do Estado deve, obrigatoriamente, estar pautada no interesse público, deve desempenhar suas funções sob a égide dos princípios constitucionais e prezar pela lisura da Administração. Para garantir a isonomia e a igualdade em suas relações, antes de contratar algum serviço o ente governamental precisa licitar a fim de conseguir melhores resultados.

Qualquer interessado, desde que preenchidos os requisitos do certame, pode se candidatar ao processo de licitação. Os particulares esperam e tem direito de exigir da Administração Pública um comportamento regular, legal e formal ao passo que o ente administrativo, ao perceber alguma ilegalidade ou ocorrência de fato superveniente contrário ao interesse público, deve obrigatoriamente anulá-lo ou revogá-lo.

Com efeito, o poder-dever da Administração não lhe outorga o direito de prejudicar particulares em razão de sua conduta, não lhe isenta do dever de indenizar os licitantes pelos danos decorrentes do desfazimento. Os lucros, que compreendem o que o agente deixou de ganhar, não têm de ser pagos na indenização, pois havia, tão somente, a expectativa de direito na contratação e, além disso, o interesse do particular não pode subjugar o interesse público.

Para garantir a honradez do procedimento deve ser respeitado e garantido o direito a ampla defesa e contraditório dos licitantes, ou seja, a Administração deve fundamentar as razões do desmanche e os interessados podem se manifestar, fazer prova em contrário e até contestar a decisão anulatória ou revogatória se entenderem que essa é arbitrária ou ilegítima.

A ilegalidade da decisão é requisito essencial para que o particular possa insurgir contra a dissolução do procedimento, nos casos onde a Administração respeita a forma e as razões de fazê-lo cabe ao interessado apenas o direito a indenização de seu prejuízo.

O desfazimento do processo quando necessário é uma responsabilidade da qual a Administração Pública não pode se eximir, porém, é certo que deve restituir os participantes da licitação naquilo em que foram prejudicados, somente nos casos em que a causa do desfazimento for inteiramente imputável ao interessado e na hipótese má-fé é que a Administração se isentará de indenizar os danos que causou.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 19ª edição. São Paulo: Editora Método, 2011.

ARAGÃO, Alexandre de. Curso de Direito Administrativo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

COUTO, Reinaldo. Curso de Direito Administrativo. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.

LOPES MEIRELLES, Hely. Direito Administrativo Brasileiro. 42ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2016.

PIETRO, DI, Maria Zanella. Direito Administrativo. 30ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp 1394161 SC 2013. Relator: Ministro Herman Benjamin. DJ: 08/10/2013. STJ, 2013. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicacao=informativo&acao=pesquisar&livre=@cnot=014431>. Acesso em: 10 jun. 2018.

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Sobre as autoras
Clarissa Guedes Grossi

Graduanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Anna Gabriela ; GROSSI, Clarissa Guedes. Aplicação do princípio do contraditório e ampla defesa no desfazimento do processo licitatório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5572, 3 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68612. Acesso em: 26 abr. 2024.

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