A compatibilidade constitucional da delimitação do alcance do princípio constitucional brasileiro da presunção de inocência em face da decisão hc 126.292

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28/08/2018 às 15:50
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2 O HABEAS CORPUS 126.292 DE SÃO PAULO

Em de 17 de fevereiro de 2016 o Supremo Tribunal Federal fez um julgamento histórico, o qual mudou radicalmente o paradigma envolvendo o Princípio da Presunção de Inocência e consequentemente os seus efeitos de aplicabilidade. O caso em análise que ensejou o Habeas Corpus se iniciou de um recurso de apelação do réu, Marcio Rodrigues Dantas, que foi interposto ao Tribunal de Justiça de São Paulo, em face da condenação de 5 anos e 4 meses de regime inicial fechado, pelo crime de roubo.

Ocorreu que o recurso de apelação ao chegar ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), foi improvido, e imediatamente ordenada, de ofício, a prisão do réu sem qualquer tipo de fundamentação legal, sendo que o juiz de primeira instância já havia permitido que o réu recorresse em liberdade. Perante o não provimento, a defesa recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por intermédio do Habeas Corpus 313.021/SP, em caráter liminar, pedindo a suspensão da execução antecipada da pena, o que foi rejeita pelo Superior Tribunal de Justiça.

Após novo recurso não provido, a defesa impetrou o Habeas Corpus 126.292 ao Supremo Tribunal Federal contra o relator do HC 313.021/SP, o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Francisco Falcão. No mérito de pedido, a defesa alegou o afastamento da Súmula 691 do STF, tendo em vista a ilegalidade da prisão por ausência de fundamentação, a inexistência de previsão jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal favorável ao modo que a prisão ocorreu e a não observância do artigo 5º, LVII da Constituição Federal de 1988.

No entanto, em 17 de fevereiro de 2016, no julgamento do Habeas Corpus 126.292, o STF, por 7 votos a 4, modificou seu posicionamento, pois que, entendeu que a sentença penal condenatória confirmada em recurso de segundo grau, permite a execução provisória da pena, ainda que seja cabível Recurso Especial ou Extraordinário. O HC teve como relator o Ministro Teori Zavascki, o qual iniciou com voto a favor da execução provisória da pena.

O que ficou constatado com a resolução do HC 126.292, foi que agora há precedentes suficientes para que o Princípio da Presunção de Inocência seja limitado quanto a sua extensão em determinado momento processual. Ou seja, agora é possível relativiza-lo a partir de certo momento processual, quando não houver mais discussões quanto a fatos e provas produzidas. Como resultado do julgamento, houve o mais variado tipo de reações negativas da comunidade jurídica, conforme comenta Lopes Júnior (2016) “A decisão do STF no HC 126.292 ainda segue sendo objeto de muita polêmica e difícil digestão na ambiência do Processo Penal Constitucional e Democrático”.

E segundo Cezar Roberto Bittencourt e Vania Barbosa Adorno Bittencourt (2016) “Ontem o STF rasgou a Constituição Federal e jogou no lixo os direitos assegurados de todo cidadão brasileiro que responde a um processo criminal”. Repercussão que se justificada pela matéria atacada pelo Habeas Corpus 126.292, sendo o Princípio da Presunção de Inocência o alvo da polêmica. Logo, se faz a pergunta: O entendimento do HC 126.292 realmente tem compatibilidade com a Constituição Federal de 1998?

Portanto para elucidar esta questão, se faz necessária a busca pelo verdadeiro significado do Princípio da Presunção de Inocência e pelo seu sentido enquanto direito Fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, para então observar-se o entendimento do HC 126.292 sob a ótica constitucional e analisar a sua compatibilidade com a CF/88.

O Supremo Tribunal Federal na data de 17 de fevereiro de 2016, julgou o HC 126.292/SP, em caráter inter partes, ou seja, com eficácia não vinculante, de maneira a modificar seu último entendimento, que constava no HC de 84078/MG de 2009, relativo ao Princípio da Presunção de Inocência.

O HC 126.292 teve como relator o Ministro Teori Zavascki, e foi julgado pelos 11 Ministros, que nesta ocasião, por 7 votos a 4, votaram acompanhando o relator, no sentido da possibilidade da execução provisória da pena, a partir da confirmação de sentença penal condenatória em segunda instância, pois segundo o entendimento do STF, a decisão não ofende o Princípio da Presunção de Inocência, e que portanto, legitima e abre precedentes para a execução provisória da pena.

O Ministro e Relator, Teori Zavascki, começou o julgamento relatando o Habeas Corpus e posteriormente iniciou a votação de modo a confirmar e fundamentar a decisão da execução provisória da pena após o segundo grau de jurisdição, sendo que a base de sua fundamentação foi sustentada por argumentos inconsistentes e incompatíveis com o Princípio da Presunção de Inocência.

Inicialmente o Ministro Teori Zavascki, em seu voto, apelou perigosamente ao clamor popular, alegando que a execução provisória da pena deve envolver uma reflexão entre o alcance do Princípio da Presunção de Inocência, e o Princípio da Efetividade da Função Jurisdicional Penal, de modo a manter um equilíbrio entre os princípios, para que através desta ponderação, seja possível alcançar não apenas os direitos garantidos do acusado durante a ação penal, como também os anseios da sociedade, relativos a realidade e a complexidade do sistema de justiça criminal brasileiro e suas mazelas.

No entanto, nota-se que a premissa da reflexão do equilíbrio entre o alcance do Princípio da Presunção de Inocência e o Princípio da Efetividade da Função Jurisdicional Penal se mostra devidamente equivocado, pois segundo o Estado Democrático de Direito, adotado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LVII, vislumbra o Princípio da Presunção de Inocência como princípio basilar do Processo Penal Brasileiro, e acima de tudo, como garantia constitucional, sendo que no próprio artigo em questão, o alcance da Presunção de Inocência se demonstra claro e objetivo quanto a sua interpretação, pois se entende até o trânsito em julgado. Logo os anseios da sociedades não podem interferir em garantias constitucionais, de modo a evitar a insegurança jurídica, pois como pode-se ver a seguir. “Art 5º, LVII, CF88 - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”. Ademais, o apelo ao clamor público em muitas vezes pode se demonstrar perigoso, pois nem sempre os anseios da sociedade se respaldam em princípios democráticos, correndo o risco da sociedade, ingenuamente, optar pelo retrocesso ao passado inquisitório e cruel onde não se existia a Presunção de Inocência como se conhece hoje.

Outro fundamento elencado pelo Ministro Teori Zavascki, que se demonstra incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, foi o de que apenas os Recursos Ordinários destinados a órgãos de segunda instância como os Tribunais de Justiça, é que possuem competência para reanalisar matéria de fato e de provas, e para fixar a pena do acusado. Diante disto, segundo o STF, os Recursos Extraordinários e Especiais, que possuem competências excepcionais devido a sua natureza constitucional e supralegal, não tem conexão direta com o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, que se finaliza após a segunda instância, portanto, não se mostrando mais absoluta a Presunção de Inocência nas instâncias superiores, pois não se discute mais matéria de fato ou de prova.

A possibilidade do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição se adequar ao trânsito em julgado pelo fato do encerramento do momento processual da apreciação de matéria de fatos e de provas, se apresenta novamente inconsistente e uma afronta ao texto constitucional, pois como é sabido, antes do Brasil assinar o Pacto São José da Costa Rica e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, o Duplo Grau de Jurisdição já era implícito no ordenamento jurídico brasileiro, no entanto com a ratificação destes tratados, o Brasil previu expressamente a garantia constitucional de recorrer, sendo que para efetivar tal direito é necessário que o réu tenha a oportunidade, se necessário, de recorrer a uma segunda instância. No entanto a intepretação no sentido de que o esvaziamento do Duplo Grau de Jurisdição signifique “trânsito em julgado” e o fim da Presunção de Inocência, se mostra sem lógica, pois caso contrário não haveria sentido algum da possibilidade de Recursos Extraordinários e Especiais no Processo Penal, lembrando que em muitos casos através de recursos desta natureza é possível absolver o acusado, baseando-se em fundamentação que anule provas ilícitas que motivaram a condenação ou em casos ha expressa contrariedade de leis federais em prejuízo do réu.

O STF, pelo entendimento do HC 126.292, também criou a possibilidade da reversão da lógica processual, que na prática se demonstra incompatível com a Presunção de Inocência, pois entendeu que após a condenação do réu em segunda instância, com sentença fundamentada em fatos e provas que já não podem mais ser rediscutidos em instâncias superiores, é justificável que o Princípio da Presunção de Inocência possa ser relativizado, assim criando uma verdadeira inversão do ônus da prova ao acusado e o precedente da possibilidade de prisão processual, sem o caráter cautelar, no entanto com o caráter de antecipação da pena. Sem sombra de dúvidas a inversão do ônus da prova produzida pela antecipação da pena, após o Duplo Grau de Jurisdição, se mostra totalmente incompatível com o Princípio da Presunção de Inocência e lembra muito o período inquisitório e sombrio em que a humanidade vivenciou. Quando fala-se na inversão do ônus da prova, vai-se contra o significado do Princípio da Presunção de Inocência, que estabelece que todos os homens nascem e permanecem livres até sentença penal condenatória que modifique este status, que é a liberdade, ademais tal inversão, deturpa o dever de tratados do acusado, que deve ser considerado inocente até trânsito em julgado, e não menos importante, inverte a lógica fundamental da Presunção de Inocência, que incumbe a responsabilidade da carga probatória a acusação, que deve fundamentar a condenação sem margem para dúvida razoável, para que assim elimine o perigo de uma condenação baseada no In Dubio Pro Reo.

Consequentemente, pelo reducionismo da Presunção de Inocência, vai-se diretamente contra o Devido Processo Legal, que em síntese deveria proporcionar um processo justo, mas que na prática, segundo o entendimento do STF, acabaria por mitigar garantias constitucionais do acusado e propiciar a inversão da carga probatória, o que na prática causaria grande prejuízo ao hipossuficiente na relação Processual Penal, pois não haveria mais a dúvida razoável a seu favor, e muito menos o direito ao silêncio como extensão da sua, já não mais existente, Presunção de Inocência, logo, a ideia do Devido Processo Legal e do processo justo, ficaria prejudicada.

Durante a sessão do julgamento, o Ministro Teori Zavascki, de modo a ignorar o texto constitucional, alegou que atualmente quase nenhum país do mundo, após exaurido o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, aguarda a decisão dos tribunais superiores para executar a prisão antecipada do acusado. No entanto, o termo que a Constituição Brasileira utiliza para delimitar o alcance da Presunção de Inocência, é o de “trânsito em julgado”, que segundo o texto da Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto Lei 4657/42, em seu artigo 6º, § 3º, estabelece que o trânsito em julgado se dá quando há decisão judicial, que não enseje mais recurso, portanto não há a possibilidade legal do Brasil adotar o mesmo entendimento de outros países que restringem o alcance da Presunção de Inocência após o Duplo Grau de

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Jurisdição, senão, por meio de uma nova constituinte. Ou seja, a mera menção superficial da adoção jurídica que outros países utilizam no referente ao alcance do Princípio da Presunção de Inocência, não pode suprimir o significado objetivo e imediato que o texto constitucional pátrio se utiliza.

Por fim, o Ministro criticou a jurisprudência que assegurava a Presunção de Inocência até o trânsito em julgado de sentença condenatória, pois alegou que ela vinha permitindo a utilização de diversos Recursos Extraordinários e Especiais, com o objetivo disfarçado de protelar o processo penal, para obter, como resultado, a prescrição da pretensão punitiva e executória do Estado, pois segundo o artigo 117, inciso IV, do Código Penal, a publicação da sentença por órgão colegiado em sede de Duplo Grau de Jurisdição encerra o período interruptivo da prescrição, o que em tese ensejaria a utilização de Recursos Extraordinários para prescrição da pena. No entanto a ideia que os Recursos Extraordinários e Especiais, muitas vezes tem objetivo protelatório, e prescricional da pena, jamais poderá servir de pretexto para que o STF possa modificar as garantias constitucionais e cercear o entendimento claro e explícito da Constituição Federal de 1988, pois o meio mais plausível para solucionar problemas desta natureza, seria a realização de uma reforma no Código Processual Penal, de modo a efetivar a celeridade processual, sem que houvesse a necessidade do Poder Judiciário ferir a constituição.

Diante do exposto, e conforme viu-se no desenrolar da busca pelos verdadeiros elementos do Princípio da Presunção de Inocência, nitidamente é possível detectar inconsistências no entendimento do HC, pois segundo a fundamentação do HC 126.292, foi possível identificar o que motivou a delimitação do alcance do Princípio da Presunção de Inocência, sendo baseada em argumentos frágeis, e insustentáveis, como o apelo popular, e a omissão ao texto constitucional, como também se justificando pela comparação a ordenamento jurídico distinto, e muitas vezes pelas mazelas do nosso sistema processual penal. Como resultado do HC 126.292, abre-se precedentes para a omissão de diversos artigos de matéria penal que mencionam o “trânsito em julgado” como critério, sendo alguns deles o artigo 105, da LEP[1], que condiciona a execução da pena privativa de liberdade a existência de trânsito em julgado de título judicial condenatório e o artigo 147, da LEP[2], que condiciona as penas restritivas de direito após o trânsito em julgado, como também apresenta uma grande derrota para a garantia constitucional da Presunção de Inocência e o ordenamento jurídico brasileiro.

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Sobre o autor
Eduardo Bolzan

Nascido em Santa Maria-RS, Advogado, Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Franciscana (UFN) de Santa Maria, Rio Grande do Sul e Criminalista por vocação.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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