Muitos ventos propagam a importância do programa de compliance em corporações, instituições públicas e organizações do terceiro setor, mas o que de fato isso representa em termos de gestão? Em princípio, convém destacar que se trata de um processo contínuo e que deve ser monitorado e reajustado, ou seja, não se esvazia com a certificação da existência de um programa de compliance.
Outrossim, não basta a criação do manual de conduta e do canal de denúncias para externalizar um movimento ético dentro da organização. É imprescindível o compromisso da alta administração na condução de uma mudança cultural, cuja transformação começa não se avaliando apenas o passado, mas redesenhando o futuro e alinhando-o em termos de riscos operacionais ao planejamento estratégico.
Não se pode perder de vista em todas as fases de implementação do programa de compliance a consolidação dos princípios de integridade, visto que a sua falta representa condição para a perda da confiança nas organizações, o que interfere não apenas na validação econômica interna, mas também no sistema econômico nacional e global.
Ou seja, trata-se de um processo de transformação cultural, que deve, sim, diferenciar os aspectos de conformidade e integridade, isto pautado nos controles da empresa, correlacionados de modo sistemático e direcionados para a redução de riscos do negócio.
A atuação do chief compliance officer deve contar com atitudes coerentes, consistentes e de efetividade prática, e o cargo deve ser ocupado com independência de atuação, além de recursos financeiros suficientes para efetivar as ações necessárias para os resultados esperados a partir do programa. Todo o trabalho, seja de auditoria e consultoria interna ou externa, deve ser norteado por um conjunto de avaliação de responsabilidades a partir da estrutura de governança e sustentabilidade da empresa, sem ignorar a postura ética que se relaciona com os objetivos estratégicos.
Desvios no cumprimento de leis e regramentos, inclusive de mercado, ou instituídos por associações e reguladoras, implicam na desproporção dos riscos da atividade, e que devem ser mitigados com os afastamentos das vulnerabilidades ou potencialidades de perdas financeiras resultantes de eventos com significado jurídico ou não.
Isso porque o gerenciamento estratégico e concatenado dos riscos do negócio não está afeto apenas à Lei Anticorrupção, mas sobretudo à sustentabilidade da corporação no mercado e também à avaliação de sua reputação perante stakeholders e clientes.
Apenas a título de exemplo, empresas e organizações que contam com um efetivo programa de compliance, baseado em treinamentos constantes e comprometimento da sua mais alta cadeira de gestão, possuem diferenciação em termos de decisões de investimento e fomento na concessão de capital. Em outros termos, quando evidenciado um risco de conformidade, caso não exista a sua mitigação, são inevitáveis as perdas financeiras decorrentes da aplicação de sanções por descumprimento regulatório, circunstância que não afeta apenas a estrutura da organização, mas que pode denotar prejuízos consequentes e replicados no fator temporal, já que desvios de condutas podem gerar um efeito cascata de consequências jurídicas.
A desvalorização da marca ou da trajetória de desenvolvimento do negócio, com danos à reputação, enseja reflexos no gerenciamento de recursos econômicos, inclusive podendo acarretar a perda de licenças de operação e funcionamento em mercados nacionais e estrangeiros. Ademais, a gestão eficiente dos riscos atinge um patamar superior na qualidade do cumprimento regulatório, especialmente quando, pelo modelo de responsabilidade adotado no Brasil, o corpo executivo pode ser denunciado se integrantes de seu time atuam de modo fraudulento.
Na área criminal, a prevenção de responsabilidade por lavagem de dinheiro, corrupção, concorrência desleal, dentre outras, reflete diretamente no êxito dos negócios da empresa, uma vez que, para além dos honorários advocatícios, a perda de investimentos e os danos reputacionais com a sobrevinda de uma investigação ou mesmo de uma ação penal envolvendo membros da empresa são incalculáveis.
Logo, o comprometimento da alta cúpula, devidamente orientada pelos especialistas na implantação do programa, deve estar reforçado na necessidade de uma conduta ainda mais diligente dos ocupantes de cargos diretivos em relação à prevenção de fraudes, o que diminui as chances de serem responsabilizados diretamente.
Esta nova cultura de ética empresarial impulsiona a qualidade das decisões de gestão, viabilizando a redução do custo operacional e da satisfação de já referidos honorários advocatícios, e de demandas processuais e penalidades impostas por condutas que poderiam ser evitadas. Quando não há um trabalho preventivo, o cenário torna oportuna e imprescindível a gestão de crise, quase sempre com custos mais elevados do que a gestão de riscos da fase primária do programa.