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Da evolução da instituição do júri no tempo, sua atual estrutura e novas propostas de mudanças.

Projeto de Lei nº 4.203/2001

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2. APONTAMENTOS DA CONCEPÇÃO E ESTRUTURA ATUAL DO JÚRI NO BRASIL

            Como dizia Guizot (34), ao tentar conceber a essência do Júri:

            A imoralidade dos delitos varia de acordo com os tempos, os acontecimentos, os direitos e méritos do poder. Quem melhor que o jurado para apreciar a culpabilidade de quem comete esses delitos? Desvinculado de compromissos com o governo e com um amplo campo para julgar segundo a íntima convicção, o Juiz popular apreciaria os casos fora dos padrões legais emanados daqueles contra quem se rebelou o delinquente, fazendo assim do veredicto ou um meio de reprovação aos ideais que impeliram o acusado ao crime, ou a demonstração de que esse ideais, embora em contraste com os princípios políticos em vigor, encontram ressonância no seio do povo, que os compreende como um anelo de progresso, como um passo à frente no aperfeiçoamento dos postulados democráticos.

            Nessa mesma toada, poderíamos afirmar que o Júri nada mais é do que o retrato de uma certa sociedade no tempo.

            Como se viu no capítulo precedente, o Júri na atual Constituição do Brasil veio previsto no capítulo concernente aos direitos e garantias individuais. Então essa a sua natureza jurídica ou concepção atual: seria um direito individual em face do Estado, consistente no direito de qualquer pessoa, nos casos previstos, se ver julgado pelos seus pares, e conforme os ditames constitucionais. Alguns (35) preferem dizer que trata-se de uma garantia do direito ao devido processo legal. Indiferentemente a posição adotada, estávamos, ao editar a C.F. de 88, a sedimentar, em mais um dispositivo, um Estado Democrático de Direito no país. Para a doutrina (36) o Júri recebeu, então, o status de cláusula pétrea do nosso ordenamento constitucional, nos termos do art.60, § 4, IV da C.F.

            Registre-se que há quem sustente a mudança da denominação dada ao instituto. Teria deixado de chamar Tribunal do Júri para chamar instituição do Júri, pois assim é previsto no inciso XXXVIII do art. 5º da C.F.. Conta uma lenda, inclusive, que há um Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que ao aplicar prova oral para o concurso da magistratura neste Estado, reprova, de plano, os candidatos que pronunciam o nome Tribunal do Júri.

            A atual disciplina normativa da instituição está vazada na Constituição Federal, pelo Código de Processo Penal, em questões locais pelo Código de Organização Judiciária do respectivo Estado, e ainda por atos administrativos do Tribunal ao qual se vincula.

            Assim dispõem as linhas indeléveis do art. 5º inciso XXXVIII da nossa Constituição Cidadã, in verbis:

            Art. 5° inc. XXXVIII: É reconhecida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

            a)a plenitude de defesa;

            b)o sigilo das votações;

            c)a soberania dos veredictos

            d)a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

            É de difícil precisão o conteúdo jurídico de cada uma das características constitucionais do Júri. Entretanto, são essenciais à idéia do próprio instituto, pois como dizia Rui Barbosa (37) "... Garantir o Júri, não pode ser garantir-lhe o nome. Há de se lhe garantir a substância, a realidade, o poder". Analisando tais características constitucionais, a doutrina costuma tecer os seguintes comentários (38).

            Plenitude de Defesa: engloba toda a dimensão do já conhecido princípio da ampla defesa e ainda um plus ou algo mais. Dirige-se especialmente aos processos da competência do Júri dado às peculiaridades de seu procedimento, especificamente ao julgamento pelo Conselho de Jurados.

            Compreende, além da ampla defesa, o direito a uma composição heterogênea do Conselho de Sentença. O Conselho de Jurados deve representar o corpo social da Comarca ou Seção Judiciária. Os jurados devem ser tirados de todas as classes sociais, e não apenas de uma. Essa a sua essência mínima ou razão de ser.

            Afirma-se também abranger a plena liberdade para o desempenho da defesa no plenário do Júri, em muito face ao julgamento pela íntima convicção dos senhores jurados que, anote-se, são pessoas leigas, necessitando de maior esclarecimento dos fatos submetidos a julgamento.

            O forte prestígio à oralidade da sessão de julgamento também faz merecer o resguardo de uma plena defesa, sob pena de erros imodificáveis, que ademais, dado à oralidade da sessão, podem ficar não documentados, impossibilitando uma revisão por órgão superior.

            Poderíamos, ainda, citar que a possibilidade de o juiz dissolver o Conselho de Sentença em face de ineficiência da defesa seria um exemplo de materialização desse princípio. A possibilidade de o magistrado inserir nos quesitos teses não sustentadas em plenário pelo advogado, mas extraível da defesa e do interrogatório, outro.

            Sigilo das Votações: visa resguardar a liberdade de convicção e opinião dos jurados. Trata-se de uma mínima exceção à regra geral da publicidade para prestigiar a imparcialidade e idoneidade do julgamento popular. O sigilo deve ser da votação propriamente dita e não abrange os atos preparatórios. Na esteira desse pensamento seria totalmente desnecessária a utilização de uma sala secreta tal qual se faz hoje. O que o mandamento do constituinte quis resguardar foi o sigilo da votação e não o sigilo na votação. Basta que se mantenha o julgamento por cédulas como hoje se faz, sem qualquer comunicação entre os jurados, para restar atendido a vontade da constituição. A própria utilização da sala secreta, aí sim, poderia ser compreendida como aviltante ao princípio da publicidade dos atos.

            Soberania dos Veredictos: muito já se discutiu e se discute sobre a existência de soberania do Júri. Alguns até sustentam a incompatibilidade do Código de Processo Penal ao mandamento maior, na parte que prevê recursos dos julgamentos dos jurados.

            A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de larga data, já se pacificou no sentido que a simples previsão de recursos dos julgamentos do Júri não fere o princípio da soberania dos veredictos, desde que não abstraiam do Júri a competência de dar a palavra final sobre a matéria fática. Seria uma forma de harmoniza-lo (o princípio da soberania do Júri) a outros princípios constitucionais sem anulá-lo.

            Nesse sentido a doutrina de Alexandre de Moraes (39)

            Em relação à soberania dos veredictos, entende-se que a possibilidade de recurso de apelação, prevista no Código de Processo Penal, quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos, bem como a possibilidade de protesto por novo júri ou ainda de revisão criminal, não são incompatíveis com a Constituição Federal, uma vez que em relação às duas primeiras hipóteses, a nova decisão também era dada pelo Tribunal do Júri; e em relação à segunda, prevalecerá o princípio da inocência do réu.

            Assim entende o Supremo Tribunal Federal, que declarou que a garantia constitucional da soberania do veredicto do Júri não exclui a recorribilidade de suas decisões. Assegura-se tal soberania com o retorno dos autos ao Tribunal do Júri para novo julgamento (STF, HC 71.617-2, 2ª T., rel. Min. Francisco Rezek, DJU, Seção 1, 19 maio 1995, p. 13.995; STF, RE 176.726-0, 1ª Turma, rel. Min. Ilmar Galvão, Seção 1, 26 maio 1995, p. 15.165)

            A competência para julgar os crimes dolosos contra a vida: segundo têm sustentado os que escrevem sobre o assunto, a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida é a competência mínima atribuída necessariamente ao Tribunal. Não visou o dispositivo constitucional dizer que o Júri só poderia julgar essas modalidades de infração, mas sim dizer que ao menos elas serão julgadas pelos jurados! Assim pensando, o legislador infraconstitucional poderia estabelecer novos casos de competência para o Júri.

            Ainda, como se firmou a jurisprudência pátria, há casos em que a própria constituição excepciona essa competência (40). Trata-se dos casos previstos de foro por Prerrogativa de Função, em que autoridades não seriam julgadas pelo Júri e sim pelos tribunais especificados na carta, em respeito e deferência a relevância das funções que desempenham.

            O Código de Processo Penal Brasileiro, no Capítulo II, Título I, Livro II, em seus arts. 406 a 497, usando da competência exclusiva da União para legislar sobre processo (41), pormenorizou a estrutura e o funcionamento da instituição do Júri.

            Ali estão traçadas as linhas estruturais do Júri nacional, diga-se, um dos poucos países ainda adeptos da concepção clássica da instituição (42).

            O traço marcante da disciplina do Júri brasileiro é a divisão dos poderes conferidos ao Juiz togado e aos jurados. Cabe aos jurados, privativamente, decidir sobre materialidade e autoria, bem assim sobre causas excludentes de ilicitude, de culpabilidade e de aumento ou diminuição de pena. Ao juiz cabe só amoldar o veredicto soberano aos termos da lei e fixar a eventual pena do condenado.

            Inclusive, o que distingue nosso júri de outras instituições similares, como o escabinado e o assessorado, que há em outros países da Europa, é a circunstância de haver, no julgamento, uma competência funcional horizontal por objeto do juízo. O Conselho de Sentença, que, sem influência de quem quer que seja, decide sobre materialidade e autoria, causas excludentes de ilicitude e culpabilidade, sobre as circunstâncias que modelam e deslocam o tipo fundamental para figuras especiais, bem como sobre circunstâncias que servem, apenas, para a dosagem da pena, que, por sinal, fica a cargo exclusivo do Juiz-presidente, não podendo ele afastar-se do decidido pelos jurados. Este o seu caráter específico. No Escabinado, Juízes leigos e togados decidem, por primeiro, sobre a pretensão deduzida e, a seguir, sobre a aplicação da pena, sempre em colegiado.

            Nosso Código de Processo Penal prestigiou o Júri com um procedimento especial, dado às peculiaridades do instituto. Foi previsto um procedimento com duas fases distintas, levando-o a ser classificado pela doutrina como um rito escalonado (ou bifásico).

            A primeira fase, antes intitulada sumário da culpa, inicia-se com o recebimento da denúncia e encerra-se com a preclusão da decisão de pronúncia. Essa fase, também cognominada Judicium accusationis, é voltada para a formação de um juízo de admissibilidade da acusação. A segunda fase, outrora intitulada de juízo da causa, e cognominada judicium causae, inicia-se com a apresentação do libelo e tem fim com o trânsito em julgado da decisão do Tribunal do Júri, onde haverá o julgamento do mérito do pedido. Esse procedimento é aplicado a todos os crimes de competência do júri, tanto os apenados com reclusão como os apenados com detenção.

            As leis de organização Judiciária de cada Estado exercem a competência supletiva para legislar sobre procedimento e sobre assuntos de interesse regional relativos ao Tribunal do Júri. Isso vem previsto genericamente na C.F. e nos Arts. 425 a 427 do CPP.

            O Código de Organização Judiciária do Estado de Goiás – COJEG - (Lei Estadual nº 9.129 de 1981), por exemplo, nos seus artigos 41 a 44, traz regras disciplinadoras dessa instituição no nosso Estado.

            Diz o COJEG que na sede de cada Comarca funcionará um Tribunal do Júri e que os juízes lotados nessa respectiva circunscrição judiciária, à exceção da capital, revezarão semestralmente na sua presidência (43).

            Na Comarca de Goiânia, para regulamentar a exceção prevista no dispositivo acima, foi baixada pela Presidência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás a resolução n° 02/99. Diz esse ato administrativo que as presidências dos dois Júris da Capital serão exercidas, em revezamento, semestralmente, pelos juízes de direito titulares da 1ª, 2ª,13ª e 14ª Varas Criminais (44). Os titulares da 1ª e 13ª revezam-se na presidência do Iº Tribunal do Júri e os titulares da 2ª e 14ª revezam-se na presidência do IIº Tribunal do Júri.

            Prevê ainda o Código Estadual – COJEG - a periodicidade da instalação dos Júris nas comarcas do Estado. Na Capital (45), à exceção das férias forenses, será mensalmente. No interior, instalar-se-á em meses intercalados.


3. PROPOSTAS DE MUDANÇAS PARA O JÚRI BRASILEIRO

            Como visto em linhas volvidas, a disciplina normativa da Instituição do Júri na história do Brasil oscilou freqüentemente (46). Em muito, conforme o momento político vivido pela nação. Não se despreze também a natural evolução científica do instituto promovida pela comunidade jurídica nacional, no afim de melhor amoldá-lo aos anseios e à evolução da sociedade.

            Essas inúmeras alterações legais não são privilégios do Júri, sendo apenas mais um reflexo da inflação legislativa que se viveu e vive no país. Creditamos esse fenômeno jurídico nacional à imaturidade institucional do Brasil, que como se sabe, alcançou a República há pouco mais de um século. Especificamente no caso do Tribunal do Júri até achamos que, à exceção das etapas de governos ditatoriais, as mudanças que se operaram nas suas regras geralmente, felizmente, vieram para melhor.

            Nesse contexto é que se lança o objetivo maior deste estudo, já que nos propomos a analisar as propostas de mudanças ao Tribunal do Júri, em especial o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados de n° 4.203/01 (47).

            Em pesquisa no acervo legislativo nacional, compilado (48) pelo Legislativo Federal, disponibilizado ao público, verificamos que inúmeros projetos de lei e de emenda à Constituição já foram apresentados nas duas casas do Congresso Nacional com escopo de se alterar alguma regra do Júri. Para que fosse possível uma abordagem científica do assunto tivemos que acolmatar a amplitude do tema às possibilidades materiais deste trabalho.

            Assim, a abordagem que se viu possível e mais eficiente, foi a de primeiramente elencar, e de alguma forma agrupar, as propostas legislativas que já tramitaram e tramitam no Congresso Nacional pleiteando mudanças no Júri, tenham ou não sido aprovadas. Teremos aí uma perspectiva geral do assunto. Em seguida debruçaremos nas inovações constantes do projeto de lei n° 4.203/01, que em breve alterará nosso Código de Processo Penal nos dispositivos do Tribunal do Júri, conforme compromisso à comunidade feito publicamente pelo Governo Federal.

            3.1. PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS DE MUDANÇAS JÁ APRESENTADAS NO CONGRESSO

            Visando a enfrentar este tema fizemos uma pesquisa das propostas já apresentadas no Congresso Nacional que tinham ou tenham por escopo promover alterações na disciplina da Instituição do Júri. Abrangeu o estudo tanto das propostas de Emenda à atual Constituição, bem como de alterações da legislação infraconstitucional hoje vigente, o Código de Processo Penal.

            As fontes da pesquisa foram os arquivos eletrônicos das duas casas do Congresso Nacional. Advirto por aqui que como o Senado e a Câmara estão em processo de compilação de seus arquivos para disponibilização à sociedade, tivemos que nos limitar aos dados que se encontram à disposição para pesquisa, que como acabou se constatando, abrangem provavelmente todas as proposições apresentadas na 2ª metade do século XX.

            O resultado da pesquisa foi a descoberta da já apresentação, nesse espaço de tempo, de sete emendas à Constituição Federal de 1988 (quatro na Câmara dos Deputados e três no Senado Federal) bem como de oitenta e oito projetos de lei relativos ao assunto (sessenta e nove na Câmara e dezenove no Senado). Esse elevado número de proposições até nos tirou do foco do trabalho, levando à reflexão, já que se para o Tribunal do Júri, uma das disciplinas legais atualmente mais estáveis do nosso ordenamento jurídico, tanto se propôs de reformas, ficamos a pensar quanto a essas outras legislações menos tradicionais. A necessidade da conclusão deste trabalho, para a tão esperada obtenção do diploma, nos retirou de alfa.

            Primando pela organização, primeiro elencamos em separado todas as proposições de mudanças feitas através de Proposta de Emenda à Constituição, pela maior hierarquia formal e material. Após, elencamos as propostas feitas por lei ordinária. Criamos para estas subclassificações, com o objetivo de tentar ser didático e não cansativo na exposição.

            Para que pudéssemos agrupar todas essas proposições infraconstitucionais resolvemos criar uma classificação. Fizemo-no separando-as em propostas de mudanças relativas ao Processo e propostas relativas à Sessão de Julgamento. Nas referentes à sessão de julgamento serão inseridas as proposições que visam a alterar regras desse ato processual: Sessão de Julgamento. Nas referentes ao Processo (que engloba procedimento e todos os aspectos da relação processual), todas as demais. Essa classificação binária, de início, nos gerou certa dificuldade, já que havia propostas de difícil classificação em algum dos subitens, ou por parecer não relacionar com nenhum dos subitens ou por parecer relacionar com ambos (49). Entretanto, resolvemos não abandonar a classificação por ausência de uma mais eficiente.

            Às proposições de difícil encaixe em qualquer dos subitens, procuramos primeiramente identificar o que elas mais pretendiam alterar na disciplina do Júri, e aí as agruparíamos ou no bloco relativo às mudanças da sessão de julgamento (caso as mudanças apresentadas repercutissem mais no momento da sessão do Júri) ou no bloco relativo ao Processo (caso se dirigissem mais a algum dos vários institutos que o compõe: procedimento ou aspectos da relação jurídica processual).

            Às propostas que visavam disciplinar assuntos relativos tanto à sessão de julgamento quanto a aspectos do processo ou procedimento, as encaixamos no grupo das relativas ao Processo, dado ao caráter subsidiário deste último, visto que a sessão de julgamento também compõe o processo, não sendo a recíproca verdadeira [ ficaram no subitem "3.1.2.1 d) Demais projetos de lei ordinária relativos a outros institutos do Processo" ].

            Assim, todas as proposições, em um momento inicial, seriam teoricamente relativas ao processo e ao procedimento, só passando a compor a nossa classificação das relativas a sessão de julgamento, caso se veja que elas irão repercutir mais ou apenas nesse momento processual. Enfim, clareando, as mudanças que estão no grupo das relativas à sessão de julgamento compõem é claro, o processo e o procedimento, mas um momento específico do procedimento chamado sessão de julgamento, que se resolveu destacar na classificação, dada a sua importância e o número de proposições apresentadas.

            Relativamente às propostas de alterações de regras referentes aos jurados, dadas as inúmeras situações que se propunham inovar, tivemos que desmembrar a análise (50). Algumas foram abordadas no espaço destinado as proposições relativas às sessões de julgamentos e outras no espaço destinado as proposições relativas ao Processo, conforme entendemos que se encaixava melhor em uma ou outra.

            Vamos então aos projetos, repisando que o objetivo é apenas ter-se uma idéia do número e escopo dos projetos de lei que já tramitaram no Congresso Nacional visando a alterar regras do Júri.

            3.1.1.Propostas de mudanças em emenda à Constituição de 1988

            A disciplina constitucional do Júri, como visto, encontra-se na atual Constituição Federal em seu art. 5°, inc. XXXVIII. Como adiantado, já foram apresentadas sete propostas de emenda à Constituição de 1988 visando alterar as regras do Tribunal do Júri. Vamos, em apertada síntese, relatar o que elas propunham, e como terminaram.

            Em 1992 foi apresentada a PEC n° 102/92 pelo então Deputado Éden Pedroso visando a alterar a redação da alínea "d" do inc. XXXVIII do art. 5º da C.F. para incluir na competência do Júri o julgamento dos crimes contra o patrimônio público. A proposição hoje encontra-se inativa.

            Em 1995 foi apresentada a PEC n° 10/95 pelo senador Ney Suassuna visando a alterar vários dispositivos da C.F, entre eles os relativos à competência do Tribunal do Júri. A proposta foi arquivada. Também nesse ano foi apresentada a proposta n° 184/1995 pelo parlamentar Jorge Anderson que propunha a ampliação da competência do Júri para julgar os crimes hediondos. Também foi arquivada.

            Em 1997 por Ibrahim Abi-Ackel foi apresentada a PEC, de n° 518/97, propondo que os membros do Congresso acusados da prática de crimes dolosos contra a vida submetessem a julgamento pelo Júri e independente de autorização da respectiva casa. A proposição, com poderíamos prever, está inativa.

            Em 1998 foi apresentada a PEC N° 8/98 pelo Senador Artur da Tavola propondo alterações no art. 228 da C.F. Em 2000 foi também apresentada pelo mesmo Senador a PEC n° 8/00 com o mesmo objetivo de acrescentar parágrafos ao artigo 228 da C.F. para regular o julgamento dos atos infracionais dolosos contra a vida pelo Tribunal do Júri. A matéria foi arquivada.

            Enfim, em 1999 pelo Deputado Enio Bacci do PDT/RS, foi apresentada a PEC n° 39/1999 visando a incluir na competência do Tribunal do Júri o julgamento de crime contra o patrimônio público. A PEC encontra-se pronta para ser votada, esperando pauta.

            3.1.2.PROPOSTAS DE MUDANÇAS POR LEI ORDINÁRIA

            3.1.2.1.Mudanças quanto ao Processo

            A grande maioria das proposições infraconstitucionais encontradas no nosso estudo, que tramitaram e tramitam no Congresso Nacional, o são com o objetivo de alterar aspectos diversos do Processo dos crimes submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri, e não dispositivos relativos à sessão de julgamento. Por isso vieram aqui elencadas.

            Vêem-se inúmeros projetos tendentes a abolir a figura do recurso do Protesto por Novo Júri. Muitos pleiteiam mudanças relativas à composição, prerrogativas, garantias e competências dos jurados. Outros tantos visam a alterar a competência do Tribunal do Júri. Vários buscam reformas gerais no instituto. Alguns visam mudar as regras referentes à decisão de pronúncia, ora para vetar excessiva fundamentação do magistrado ora para permitir a alteração do decidido, com a ocorrência de fato novo, mesmo que após o trânsito em julgado da decisão. Uns outros visam limitar ou aumentar o número de testemunhas que se pode arrolar nas diversas fases do rito. Houve quem tentou disciplinar a figura do juiz anônimo, também quem tentou disciplinar a separação de julgamento por desmembramento dos autos. Há até quem propôs o fim do Júri.

            Para facilitar a abordagem separaremos os projetos de lei em quatro classes, usando do critério quantitativo de proposições. Primeiro virão os que pretendem ver alterada a competência do Tribunal do Júri, depois os que pretendem o fim do Protesto por Novo Júri, em seguida os que visam a mudar regras referentes aos jurados (que não repercutam diretamente na sessão de julgamento) e ao fim passaremos aos demais que não se encaixem em nenhuma dessas que precederam, inclusive ao que propôs o fim dessa milenar instituição.

            a)Projetos que visam mudar a competência do Tribunal do Júri

            Consta a proposição do projeto de lei n° 773/1951 de iniciativa do Poder Executivo para ampliar a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes relativos a economia popular. O conteúdo de tal projeto, apensado ao de n° 558/51, acabou na edição da lei n° 1521/51 chamada lei dos crimes contra a economia popular. Ao Júri foi estendida essa competência, que perdurou até a edição da emenda 01 de 1969. Outras tentativas não exitosas, como o PL n° 46/57 do Senado Federal, chegaram a ser tentadas no sentido de se ampliar mais a competência do Júri. Já sob a atual Constituição, pelo Deputado Nelton Friedrich do Paraná foi proposto o projeto de lei n° 5146 de 1990 tentando resgatar a competência do Júri para julgar crimes contra a economia popular, contra o sistema ecológico e o meio ambiente. A proposição encontra-se inativa. Outra proposição no mesmo sentido, a de n° 2192/91, foi proposta, mas também arquivada.

            Pelo senador Eduardo Suplicy foram apresentadas duas proposições com idêntico objetivo, as de nº 108/93 e 73/95, ambas pretendiam ver incluída na competência do Júri o julgamento de crimes contra a Administração Pública, O Sistema Financeiro Nacional, a Seguridade Social e a Ordem Tributária.

            Em 2001 a investida contra a restrita competência do Júri foi grande. Na Câmara dos Deputados foram apresentados quatro projetos visando aumenta-la. Foi apresentado o de n° 4729/01 que passava ao Júri a competência para o julgamento das ações de indenização por dano moral e patrimonial quando for relativo ao caso em julgamento. Está arquivada. Foi proposto o 4799/01 para prever a sua competência para o julgamento dos crimes contra a administração pública. Está pronto para entrar em pauta. Foi também proposto o de n° 4810/01 passando ao Júri competência para julgar crimes contra civil cometidos por militar em tempo de paz. Também está arquivada. Por fim, pela goiana Nair Xavier Lobo do PMDB, foi apresentada a proposta n° 5171/01 para que fossem julgados pelo júri os crimes contra a vida, as lesões corporais, os de periclitação da vida e saúde, além dos crimes contra o patrimônio, tentados ou consumados.

            Enfim, ano passado, foi apresentado o projeto n° 2014/03 estabelecendo a competência do Tribunal do Júri para julgamento de militares nos crimes dolosos contra civis. O projeto está em fase inicial de tramitação.

            b)Projetos que visam revogar o Protesto por Novo Júri

            Diversos projetos de lei foram apresentados no Congresso Nacional com o objetivo de extinguir o Protesto por Novo Júri. Ao que nos parece, e também à comunidade Jurídica, tal hipótese recursal é anacrônica e, visando consagrar o favor rei, gera conseqüências não positivas, como a prática reiterada dos magistrados em não condenar a pena superior a 20 anos para não dar ensejo à utilização do recurso.

            Para quem pretende se aprofundar nesse estudo, os projetos de lei já apresentados nesse sentido são os seguintes: PLCD 2635/1996, PLCD 427/1999, PLCD, PLCD 4206/2001, PLS 460/2003, PLCD 1400/2003, PLCD 2701/2003, PLS 82/2004.

            Alguns desses projetos encontram-se já arquivados, alguns em tramitação. Entre estes destaco o projeto n° 4.206/2001 que tramita em regime de urgência, o qual, juntamente com o projeto n° 4.203/01 que vamos pormenorizar (ambos originados em Comissão de estudo formada pelo Governo Federal) pretende promover reformas profundas e pontuais no Código de Processo Penal.

            c)Projetos que visam alterar regras referentes aos jurados

            Em 1975 foi apresentada a proposição PL n° 1438/75 autorizando a inclusão, como tempo de serviço, para fins de aposentadoria, do tempo em que o servidor figurou em lista de jurados. A proposição encontra-se inativa. Parece-nos que hoje tal previsão seria inconstitucional, pois a C.F. veda a previsão de contagem fictícia de tempo de serviço para fins de aposentadoria.

            Em 1977 foi apresentado projeto PL n° 3880/77 dando ao jurado que compor o conselho de sentença um dia de folga no seu serviço, independente do regime trabalhista a que estiver submetido. Proposta também inativa.

            Em 1981 e 1985 foram apresentados projetos de lei, respectivamente PLS n° 69/81 do Senador Orestes Quércia e PLS n° 129/85 do Senador Nelson Carneiro, propondo modificação na CLT vedando a concessão de férias a empregado em período que coincida com convocação sua para o júri.

            Em 1983 foram apresentados os projetos PL 73/1983 e PL 2262/1983 visando o primeiro, aplicar multa ao jurado faltoso conforme sua condição econômica e o segundo, instituindo a carteira de identidade de jurado para os fins do art. 437 do CPP.

            O projeto 1496/89, atualmente inativo, propunha definir a prestação alternativa para aqueles que se negarem a cumprir obrigação legal, inclusive a de ser jurado, alegando motivos de crença religiosa, convicção filosófica ou política, tentando regular dispositivos da atual Constituição nesse sentido.

            Em 2001 foi apresentado pelo Senador Luís Estevão o PLS 143/99 para aumentar o número de jurados da lista anual, e limitar as suas convocações a uma por ano. Idêntico objetivo foi perseguido pelo PL n° 3815/00 do deputado Carlos Albeto Rosado. No mesmo sentido os projetos PL 7361/02, PL 2491/03 e PL 2858/2004, todos arquivados. O projeto 4.082/01 foi mais longe ao propor que o jurado não poderia ser novamente convocado no prazo de 2 anos.

            Um projeto, de n° 976/03, dispõe sobre a obrigatoriedade de remuneração do serviço do Júri. Inclusive encontra-se pronto para ser colocado em pauta na Câmara. Outro, de n° 517/2003, tentou assegurar a participação de deficiente visual na composição do Tribunal do Júri. Este está arquivado.

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            d) Demais projetos de lei ordinária relativos a outros institutos do Processo (inclusive o que propôs o fim do Júri)

            Após analisados os projetos que dispunham sobre os institutos que mais se tentaram alterar nos últimos anos, passamos a citar os PLs que se dirigiam a regular outros institutos do Processo dos crimes da competência do Tribunal do Júri, que não repercuta na sessão de julgamento, já que para estes faremos um estudo aparte mais a frente.

            Comecemos pelo mais polêmico. Em 1965, pelo então deputado do PTB Eurico de Oliveira foi proposto em 21 de Maio o PL n° 2830/1965 visando extinguir o Júri Popular. Tal proposição, sem muita tramitação, foi arquivada em 09/03/1967. Parece-nos totalmente inconstitucional tal projeto de lei, haja vista que a própria Constituição Federal de 1946 previa o Júri Popular (51).

            Em 1977 foi proposto o PL n° 3355/77 propondo que se estabelecessem normas para separar os julgamentos no Tribunal do Júri. Antigo reclamo doutrinário para evitar peripécias da defesa. O projeto do deputado Eduardo Galil está inativo.

            Em 1999 foi proposto pelo PL n° 1961/99 que o juiz pudesse alterar a sentença de pronúncia à vista de fato novo que inocente o réu. O projeto está aguardando deliberação. Igualmente sobre a pronúncia já havia projeto, PL 3419/80, hoje inativo, propondo mudanças.

            Em 2003 foi proposto pelo Senador Hélio Costa o PLS n° 87/2003 criando o instituto do Juiz Anônimo. Tal medida inspira-se no modelo instalado na Itália de combate à máfia italiana. É de se questionar da constitucionalidade dessa medida. O projeto encontra-se na Comissão de Constituição e Cidadania esperando votação do parecer desfavorável do relator Senador João Ribeiro.

            Inúmeros outros projetos de lei foram apresentados propondo alterações outras nos institutos do Processo relativo ao júri, ora de somenos importância ora propondo mudanças de vários dispositivos (inclusive projetos de Código de Processo Penal) tentando remodelá-lo ao gosto de um ou outro parlamentar. Não adentraremos especificamente nesses pela pequena repercussão, bem como pela ausência de dados no acervo legislativo que se limita a afirmar que propunham mudanças no júri, são eles: iniciativa na Câmara dos Deputados: PL 615/48, PL132/71, PL 2542/61, PL 978/88, PL 1080/88, PL 120/91, PL 4900/95, PL 4.103/01, PL 7130/02 e PL 7132/02; Iniciativa no Senado Federal: PL 157/74, PL 36/75, PL 337/81, PL 94/97, PL 132/00, PL 53/02, PL 72/02 e PL 106/02.

            Enfim, vale menção aparte, pelo Executivo Federal fora proposto projeto de novo Código de Processo Penal, através do projeto de lei n° 1655/83, que em 1989 foi retirado de tramitação pelo próprio Presidente da República. Não adentraremos no estudo desse projeto, pois o mesmo, por si só, seria tema suficiente a uma monografia, e ainda, porque as linhas centrais do mesmo estão expostas no projeto n° 4.203/01 que a frente abordaremos. Veja-se que não há prejuízo, pois ambos são do mesmo autor – Poder Executivo -, então o segundo repete o primeiro naquilo que entende que estava bem disposto, e no que altera é porque reconhece que não estava bem disciplinado. E anote-se que é de difícil afirmação que esse projeto realmente tramitou no Congresso Nacional, haja vista que foi retirado pelo autor da iniciativa antes da apreciação final do legislativo.

            3.1.2.2.Mudanças quanto à Sessão de Julgamento

            Tivemos a preocupação de separarmos a abordagem das proposições que sugerem mudanças na sessão de julgamento do Tribunal do Júri. Primeiro dado à peculiaridade do que pretendem alterar, segundo dado ao grande número de proposições com o específico desiderato de regularem esse solene ato processual (52).

            Aqui também podemos sub-classificar as proposições. Escolhemos dividir assim: proposições relativas aos jurados, proposições relativas às prerrogativas das partes, proposições relativas aos quesitos e outras proposições. O Critério, de igual forma, foi o quantitativo.

            a)Projetos que visam alterar regras relativas aos jurados

            Já em 1979 e em 1983 foram apresentadas propostas visando que os jurados chegassem na sessão de julgamento pelo Júri mais informados do caso em apreço. Eram as de n° PL 2284/79 e PL 247/83 que dispunham que seria obrigatória a distribuição de um resumo dos autos aos jurados com antecedência da data do julgamento. Ambas não logram êxito e estão arquivadas.

            No ano de 1999, na Câmara dos Deputados, foram propostos dois projetos de lei que visavam dispor sobre os jurados que atuassem em sessão do júri. O de n° 124/99 que criava uma espécie de estabilidade temporária no emprego durante doze meses a quem participasse de uma sessão de julgamento, que encontra-se pronto para entrar em pauta; e o n° 369/99, dispondo que o jurado poderá fazer referência a questão de fato que eventualmente necessite de esclarecimento e se nem a acusação nem a defesa conseguir sanar a sua dúvida, ele poderá manusear os autos. Este está em fase inicial de tramitação.

            No Senado Federal pelo senador Carlos Patrocínio foi apresentado o PLS n° 81/2001 com a finalidade de que, entre outras regras processuais, permitisse a comunicação entre os membros do Júri. Tal proposição passou 2 anos com o senador Roberto Requião para relatório e foi arquivada sem apreciação. No mesmo ano o deputado Alberto Fraga do PMDB/DF apresentou o PL 4124/01, sugerindo que o corpo de jurados da sessão de um julgamento fosse ser composto de 30% de profissionais da área de especialização do réu, quando o crime tivesse alguma relação com sua atividade profissional. Esta proposição encontra-se pronta para entrar em pauta de apreciação pelo plenário.

            Outras proposições foram apresentadas ao longo dos anos objetivando interferir na composição do Júri. Tinham o escopo de resguardar paridade representativa entre homem e mulher. Algumas dispondo até que no caso de empate entre os "sexos" o voto de minerva seria do presidente. São elas: PL 1735/60, PL 1744/89, PL 2211/89 e PL 712/91. Há ainda uma muito interessante, PL n° 5390/90, que manda o juiz advertir o jurado de que não poderá participar do julgamento todo aquele que já tenha opinião formada da culpabilidade do réu, visando a resguardar o princípio da presunção de inocência.

            b)Projetos relativos às prerrogativas das partes

            Dois projetos foram apresentados em 1975 visando dilatar o tempo dos debates. São os PL 29/75 e PL 810/75. Não lograram êxito, até porque recentemente, em 1973, a chamada lei Fleury já havia reduzido o tempo de debates.

            Em 1983 foi apresentado o PL n° 324/83 permitindo que a assinatura da defesa fosse incluída na ata de julgamento do Júri. A mesma sugestão foi re-apresentada no PL 4763/94 em termos mais cogentes, determinando que se constasse a assinatura do advogado na ata. Ambas as proposições encontram-se inativas.

            Outro projeto, o de n° 295/99, tentou proibir a exibição de fotos de cadáver aos jurados quando houver nos autos croquis, mapas e desenhos. O projeto está arquivado.

            Por último, relativamente aos que interferem na esfera de prerrogativas das partes na sessão de julgamento, foi apresentado o projeto n° 7239/2002, para autorizar ao defensor, no júri, levantar questões de ordem e sentar-se ao lado do acusado na sessão de julgamento. Este projeto, que nos causa muita simpatia, encontra-se aguardando pauta para ser julgado pelo Congresso Nacional.

            c)Projetos relativos aos quesitos

            Vários projetos já foram apresentados com o único objetivo de simplificar o nosso nada simples sistema de julgamento por quesitos. O mais antigo deles, PL n° 629/95, é o único ainda em tramitação. Objetiva, tal qual o PL n° 1925/99, simplificar a tarefa dos jurados. Este propõe que o juiz distribua aos jurados pequenas cédulas contendo, umas a palavra inocente, e outras a palavra culpado; afim de secretamente serem tomados os votos. Já o PL 4554/94 dizia que no estabelecimento de critérios para formulação de quesitos, seria observada a regra de perguntar se o acusado é culpado. No caso da resposta afirmativa, o juiz formularia demais quesitos de eventuais majorantes e minorantes. A critica é a de que a pergunta positiva, de "se é o acusado culpado", poderia induzir e viciar a resposta do jurado.

            Por fim, o PL 4497/94 previa a instituição de quesito único para cada tese defensiva, e ainda a determinação de que deveria o magistrado encerrar a votação tão logo alcançada a maioria necessária. Apesar de esta proposta muito nos agradar (53), a proposição encontra-se inativa.

            d)Enfim, as demais proposições

            Em 1992, pela Deputada carioca Regina Gordilho, foi apresentado o PL n° 2850/92, dispondo sobre a observância da publicidade dos atos processuais. Previa o projeto ressalvas a alguns julgamentos pelo Tribunal do Júri, para que se dessem em segredo de justiça. Não sabemos o motivo, mas a proposição encontra-se arquivada. Pelo deputado catarinense Cezar Souza, foi apresentado no mesmo ano o PL n° 3074/92 visando a regular a tão polêmica questão do local em que os réus devem sentar-se em audiências e sessões. Também foi arquivada.

            No ano de 1999, dois projetos tendentes a regular o quantitativo do número de testemunhas na sessão do júri tramitaram na Câmara dos Deputados. São eles o PL n° 449/99 e o PL 505/99, que visavam a limitar em no máximo cinco o número de testemunhas a serem inquiridas em plenário. O segundo projeto, inclusive, dispunha que o promotor poderia arrolar quantas quisesse no libelo, mas ciente de que seriam ouvidas apenas cinco. Ambas já foram arquivadas.

            Passada a visão geral que se propunha dar sobre todos os projetos de lei apresentados sobre o Tribunal do Júri nos últimos tempos, vamos ao estudo mais enfático do PL n° 4203/01, que tramita no Congresso Nacional, e que em breve, como se promete, alterará consideravelmente a disciplina do Júri Brasileiro.

            3.3.ESTUDO ESPECIAL DAS MUDANÇAS NO PROJETO DE LEI N° 4.203/01

            Com o escopo de materializar o atendimento aos constantes reclamos da comunidade jurídica, foi, pelo Governo Federal, mormente pelo então Ministro da Justiça José Gregori, formada Comissão de estudiosos para elaborar o novo Código de Processo Penal - CPP.

            A constelação de notáveis juristas, constituída pela Portaria n° 61/2000 do Ministério da Justiça, era formada pelos professores Ada Pellegrini Grinover (presidente), Petrônio Calmon Filho (secretário), Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti, Rui Stoco, Rogério Lauria Tucci e Sidney Beneti.

            Após algum estudo, entendeu a Comissão pela maior efetividade do desmembramento do projeto inicial de CPP em vários outros Anteprojetos de lei. Argumentavam que assim, dividindo em reformas pontuais, agilizaria-se a tramitação de vários deles, além de permitir debates mais concentrados apenas nos temas polêmicos. Foram então formados os anteprojetos que se transformaram nos Projetos de Lei n° 4.203 à 4.209, todos do ano de 2001. O primeiro deles, é o que nos interessa, refere-se ao processo dos crimes da competência do Tribunal do Júri.

            A feitura do anteprojeto, futuro projeto n° 4.203, demandou calorosas discussões doutrinárias. Pela comissão formada no Ministério da Justiça foram ouvidos segmentos da sociedade que de alguma forma possuíam interesse no assunto.

            Cita-se, para ilustrar, o envio de solicitação ao Ministério Público do Estado de São Paulo, para que engendrasse esforços em discutir internamento o tema. Inclusive, por esta respeitada instituição, foi aceito o pedido, sendo constituída, pela portaria n° 93/00 PGJ-SP, Comissão com esse fim, que contribuiu para o amadurecimento das idéias do anteprojeto. Diga-se, era composta pelos respeitados membros do parquet paulista Antônio Carlos da Ponte, Eloísa de Souza Arruda, Hidejalma Muccio e Nelson Lacerda Gabriel.

            O auge das discussões legitimadoras do anteprojeto (54) foi um encontro em Brasília – III Jornadas Brasileiras de Direito Processual Penal – realizado entre 23 e 26 de Agosto de 2.000.

            Serviram esses debates para se alcançar um ponto de consenso nos anteprojetos que seguiriam para a apreciação do Congresso Nacional. Com críticas no sentido de que os anteprojetos iniciais, que eram bem inovadores, foram em muito alterados durante essas discussões, foram então os sete anteprojetos encaminhados à Câmara dos Deputados. Lá, receberam as numerações nº 4.203/01 à 4.209/01. O primeiro deles, como já dito, n° 4.203/01, é o que propõe mudanças na instituição do Júri.

            Na Câmara dos Deputados, tendo chegado e sido lido em plenário na data de 12/03/2001, seguiu o projeto n° 4.203/01 para a Comissão de Constituição Justiça e Redação na data de 20/04/01. Lá, em 24/04/01, foi distribuído para o relator Dep. Ibrahim Abi-Ackel. Por esse relator, em 20/02/02, foi apresentado relatório pela aprovação do projeto, com emenda apenas no assunto do desaforamento (Art. 427). Em 28/02/02 foi, por um acordo de lideranças, feito requerimento de urgência para este projeto; requerimento aprovado em 12/03/02, por 336 votos a 1. Em 13/03/02 foi aprovado na íntegra o parecer do relator Ibrahim, tendo como voto vencido o deputado Luiz Antônio Fleury, que apresentava substitutivo. Foi, então, o projeto ao plenário em Abril de 2002, para apreciação definitiva da Câmara, tendo sua votação sido adiada por diversas vezes, não tendo sido apreciado até a presente data (55).

            Vamos, agora, à abordagem direta do que de mais essencial o projeto de lei comentado inova na disciplina do Júri Brasileiro. Diga-se, sem a mínima pretensão de esgotarmos as inúmeras pequenas mudanças.

            Tentaremos manter um diálogo crítico entre a posição da Comissão que elaborou o anteprojeto de lei (citaremos, inclusive, trechos da exposição de motivos), a posição do deputado Luiz Antônio Fleury que apresentou substitutivo ao projeto, a visão da doutrina nacional e ainda nossa modesta opinião pessoal, formada com algum estudo e com a experiência de alguns anos como escrivão titular do II° Tribunal do Júri da Comarca de Goiânia-GO.

            a)Mudanças quanto à 1ª fase do procedimento

            Cria-se um procedimento próprio para os processos da competência do Júri, que se inspirou no procedimento sumário proposto pela Comissão, iniciando-se a primeira do iudicium acusationis, perante o juiz singular, com a acusação e o procedimento preliminar. Neste, oferecida a denúncia, o acusado é citado para oferecer defesa prévia, oportunidade em que poderá argüir preliminares, especificar provas, juntar documentos e arrolar testemunhas, interrogatório e alegações orais (56).

            A ilustre Comissão para a reforma do Código de Processo Penal, auscutando os apelos da comunidade jurídica, decidiu reformar a primeira fase do rito escalonado do Tribunal do Júri. A constante grita contra a impunidade e a lentidão no judiciário parecem ter influenciado a previsão de uma primeira fase em rito sumaríssimo.

            Segundo o que em breve valerá, oferecida a denúncia o juiz, se não a rejeitar liminarmente, oportunizará ao acusado oferecer defesa preliminar. Oferecida defesa, o juiz designará audiência. Nesta se concentrarão todos os atos de instrução, passando-se em seguida ao debate oral. Ao fim, o magistrado recebe ou não a denúncia, e ainda pronuncia ou não o acusado.

            Walter Nunes (57) defende o fim da primeira fase. Para ele deve-se concentrar toda a instrução probatória na fase da sessão de julgamento, já que quem vai julgar é o jurado mesmo.

            O substitutivo rejeitado batia pela mantença da primeira fase, salvo quanto a audiência, ao argumento de que o modelo estava há muito consagrado no Brasil, não tendo por que importar ao país o modelo alienígena do Juizado de Instrução. Ademais, sustentava o relator que ao postergar ao fim do procedimento o recebimento da denúncia estar-se-ia suprimindo uma causa interruptiva da prescrição.

            Parece-nos acertadas as colocações do relator Luiz Fleury no substitutivo que apresentou; bem como também parece-nos acertada a idéia de querer simplificar e agilizar a primeira fase. Preferiríamos ter um modelo com audiência única e com defesa preliminar ao recebimento da denúncia, como se propôs, mas com o recebimento ou rejeição de denúncia em momento logo posterior a defesa preliminar, antecedente a audiência. Assim, do que é hoje, mudaria só a existência de uma defesa preliminar antes do juiz receber a denúncia; e se recebe-la todos os demais atos se darão em única audiência.

            B) Quanto à pronúncia

            Ainda na primeira fase, perante o juiz singular e somente após concluída a instrução preliminar é que se fará o juízo de admissibilidade da acusação. Recebendo a denúncia, através de decisão fundamentada, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação, o juiz pronunciará o acusado. Não se convencendo, proferirá, também fundamentadamente, decreto de impronúncia. Poderá, ainda, na mesma oportunidade, absolve-lo sumariamente, seja porque provada a inexistência do fato, ou provado não ser ele o autor do fato; este não constituir infração penal ou demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Reduz-se a influência que a motivação da pronúncia possa exercer sobre os jurados (58).

            Encerrada a primeira fase do procedimento incumbirá ao juiz tomar uma das quatro tradicionais providências: pronunciar o acusado, impronunciá-lo, absolvê-lo ou desclassificar a infração.

            O projeto torna mais técnico o dispositivo, já que fala que será o acusado pronunciado caso provada a materialidade do fato, e não caso provada a existência do crime, como está no código atual. Assim resta resolvida discussão doutrinária sobre o alcance do anterior dispositivo.

            Ao pronunciar o acusado deverá faze-lo com parcimônia na linguagem. É de todos sabido a influência que a fundamentação do magistrado gera no corpo de jurados. No momento da sessão do Júri, geralmente o jurado está cheio de dúvidas e procura algo para embasar sua decisão. Dada a confiabilidade que a pessoa do magistrado gera na sua íntima convicção, inclusive por ser o único com postura imparcial no julgamento, é bem previsível que o jurado se escore, ao votar, em um parecer do magistrado que indique de forma clara ou implícita sua opinião sobre o crime.

            Para nós, também seria uma boa oportunidade de se determinar ao Tribunal de Justiça que, ao julgar recurso da pronúncia ou apelação de um Júri, se mantenha a mesma postura comedida no fundamentar suas decisões. Se, dada a necessidade de expor o fato aos demais desembargadores no dia da sessão, for necessário pormenorizar a análise da prova no voto, poder-se-ia, então, determinar o desentranhamento dos votos dos desembargadores na próxima sessão de julgamento pelo júri, para que não influencie os jurados.

            Ainda quanto à pronúncia, parece ter ficado estranho o fato de o juiz receber a denúncia e no mesmo ato pronunciar o acusado. Seriam necessários dois atos? O acusado poderá recorrer de qual(is)? Haverá a necessidade do manejo de dois recursos? São perguntas que nos surgem sem resposta.

            Por fim, relativamente a esse ato, a intimação do acusado não será mais pessoal. Parece-me acertada a disposição, haja vista o sentimento de impunidade que gera a paralisação de processos por estarem os réus foragidos. A alegação de que pode ferir a plenitude de defesa não merece acolhida. Veja-se que se até a citação pode dar-se por edital, por que a intimação da pronúncia não poderia?

            Quanto à absolvição sumária e à desclassificação não notamos nada de relevo que tenha se alterado. Apenas, quanto a primeira, aumentaram-se os fundamentos legais em que se pode dar: provada a inexistência do fato, provado não ser ele autor do fato, o fato não constituir infração penal ou demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. É de se registrar que não há inconstitucionalidade na previsão de absolvição sumária por supostamente ferir o princípio do juízo natural do júri, haja vista que o Júri é direito individual pro réu, não ficando combalido com uma absolvição.

            A impronúncia merece uma crítica a parte. Com a nova disciplina da fase preliminar do rito do júri, o recebimento da denúncia ficou postergado ao final da fase. Ora, como ao final, receber a denúncia e pari passu impronunciar o acusado? Ou não se está provada a materialidade do fato ou indícios da autoria e se rejeita a acusação, ou se está provada e pronuncia-se o acusado. Se presentes indícios da materialidade e indícios da autoria o magistrado vai receber a denúncia e impronunciar o acusado? Parece-nos meio sem lógica. Até porque o efeito prático tende a ser o mesmo do de não receber a denúncia. Com a nova disciplina da primeira fase do rito a impronúncia perdeu sentido, devendo sim desaparecer. Lembre-se que o não recebimento da denúncia não impede a posterior re-propositura da Ação.

            c) O fim do libelo acusatório

            Elimina-se o libelo-crime acusatório, antiga reivindicação já constante do anteprojeto José Frederico Marques (1970) e dos projetos de 1975 e 1983, devendo os autos, após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, ser remetidos ao Tribunal do Júri, ganhando com isso celeridade e eficiência. Fica assim, suprimida a leitura do libelo ou da pronúncia para o início da acusação em plenário (59).

            A supressão do libelo acusatório parece ser questão de relativo consenso. Está prevista tanto no projeto de lei 4.203/01 que foi aprovado na Comissão de Constituição Justiça e Redação, como estava prevista no substitutivo apresentado pelo deputado Luiz Fleury (rejeitado na Comissão de Constituição e Justiça).

            A supressão do libelo, ao que nos parece, tem como fundamento primeiro a sua desnecessidade diante ao fato de que a acusação em plenário está limitada aos termos da pronúncia. Seria uma fase prescindível e procrastinatória, até porque o réu é intimado dos termos da pronúncia. Ademais, a oportunidade para produção de provas continua garantida na fase intitulada preparação do processo para julgamento em plenário. Assim, com a supressão não há prejuízo.

            Ainda, a sua própria existência afronta um outro valor constitucional, a independência funcional do representante do Ministério Público, para se posicionar segundo sua íntima convicção, até pedindo, se entender o caso, a absolvição do acusado. Ora, como ele deve ofertar uma peça imputando ao acusado que sustentará sua condenação por esse ou aquele motivo, se ele pode chegar no momento (inclusive, muito comumente, o promotor da sessão de julgamento é outro do que ofertou o libelo) e pedir a absolvição do acusado?

            Ainda, a supressão do libelo é muito justificável pela inovação da simplificação dos quesitos a serem formulados ao Conselho de Sentença. Lembre-se que na nova lei será quesitado apenas a materialidade, a autoria ou participação, se o acusado deve ser condenado ou absolvido, se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa e se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia (60).

            Com ousadia, Leonardo Pache de Faria Cupello, Juiz Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Boa Vista-RR, sustenta (61) que deve-se manter o libelo acusatório. Alega o magistrado que, vez por outra, a sentença da instância singela é reformada em segundo grau, de onde seria necessária a exordial intermediária para sintetizar a fúria acusatória em uma só peça. Diz ainda que Utile por inutile non vitiatur (62).

            Entendemos, data máxima vênia, sem razão suas alegações, haja vista que a defesa em plenário é feita por advogado habilitado tecnicamente e que inclusive fora intimado do acórdão que reformou a pronúncia, tendo amplo conhecimento do conteúdo máximo de acusação que pode ser lançado pelo promotor em plenário. Ainda, a defesa pessoal do acusado no interrogatório se faz do fato e não de sua qualificação jurídica. Enfim, o excesso de formalismo, se não vicia o procedimento, afronta o princípio da celeridade.

            d)Fase de preparação para o julgamento em plenário

            A preparação do processo para julgamento em plenário é simples e rápida, tornando-se uma passagem despida de maiores formalidades (...) É nesse instante que o juiz presidente fará o relatório do processo e não em plenário do Júri. Esse relatório será uma das peças obrigatoriamente remetidas aos jurados com o expediente de convocação, permitindo o conhecimento antecipado da causa que irá ser apreciada (63).

            A fase de preparação para o julgamento em plenário sofreu modesta alteração. Suprime-se o libelo acusatório, gerando a conseqüência de, após a pronúncia, dar-se vista dos autos ao Ministério Público para que apresente o rol de testemunhas. Tal alteração foi comentada e aplaudida acima.

            Outro ponto que se inova, e talvez o mais sensível, é o que traz a determinação ao magistrado de que faça, nessa fase, o relatório do processo. Feito o relatório, deverá cópia do mesmo (juntamente com cópia da pronúncia e transcrição dos deveres do art. 436-446) ser remetida aos jurados sorteados para funcionarem na respectiva sessão. Muitos (64) vêm com bons olhos essa mudança, pois acham que propiciará redução na duração da sessão de julgamento e ainda melhor e antecipado conhecimento do caso ao jurado sorteado.

            Ousamos discordar dos argumentos que sustentam essa nova regra legal. Entendemos, parcialmente ao lado de Walter Nunes (65), que o cumprimento dessa previsão será por demais dispendioso para os cartórios. Ora, imagine-se a logística necessária a se remeter diariamente 35 cópias de autos aos jurados sorteados para cada sessão. Seria viável para o nosso sucateado Judiciário? Ademais, de plano, surgem-me indagações de ordem doutrinária que não querem se calar.

            Como serão remetidas essas cópias aos jurados? Por oficial de Justiça? Por Correio? Seria caso de nulidade se algum jurado não recebesse, por qualquer motivo, as devidas cópias de autos (provavelmente teríamos nulidades diárias)? Sabido que é, que boa parte das sessões de julgamento não se realizam, não se estaria perdendo muito serviço de cópias e intimações desnecessárias? Sabendo que o sorteio dos jurados deve-se dar em torno de 10 a 15 dias antes da sessão, haveria tempo para remeter-lhes cópia de todos os autos designados para julgamento? O desperdício não seria demasiado, já que se remeteria cópia para 35 jurados e só 7 participariam do julgamento? E se o jurado for desidioso ou semi-analfabeto, caso não leia as cópias, pela supressão do relatório oral julgará ele o feito sem ter tido a oportunidade de ouvir do juiz um resumo dos autos?

            Toda vez que entre o relatório do magistrado e nova designação de data para julgamento ocorresse fato novo estaria o Juiz obrigado a fazer novo relatório para abordá-lo? E no costumeiro caso de juntada de peças importantes nas vésperas do julgamento, não constarão do relatório? Cada adiamento deverá o magistrado explicar em novo relatório?

            Como harmonizar essa previsão com a do art. 429 §2 que manda o juiz reservar data para julgamentos adiados? Daria tempo de se mandar cópias aos jurados desse Júri marcado em cima da hora? E nos julgamentos de autos sigilosos, remeteriam-se cópias? E para os jurados suplentes sorteados no primeiro dia da reunião periódica; de um dia para o outro será remetido para ele cópia do Júri do dia seguinte e dos demais? Não se estaria infringindo o princípio da incomunicabilidade do jurado, ao mandar-lhe cópias dos autos (ele poderá discutir o caso com diversas pessoas, inclusive com os demais jurados, estando sujeito a influências, e seria possível já vir ao Júri com opinião formada)? Tem o jurado conhecimento necessário para interpretar sozinho e corretamente peças de denso conteúdo jurídico?

            Quais seriam os benefícios dessa nova alteração? Celeridade da sessão? Sabe-se que não é o relatório oral responsável pelas demoras desse ato. Permitir ao jurado chegar na sessão mais preparado? Tenho dúvidas, como relatado, e ainda acho que os malefícios superam em muito qualquer benefício que se quer visualizar.

            Parece-me que essa nova previsão é por demais discutível, e do jeito como está, será fonte infindável de dúvidas e nulidades processuais.

            Discordo de Walter Nunes (66) no ponto em que ele defende que melhor seria determinar ao juiz que faça esse relatório pormenorizado na pronúncia. De nada adiantaria todo esse trabalho nessa fase se o Tribunal de Justiça, por exemplo, alterasse a pronúncia. Ou então no caso de ser produzida alguma prova na fase de preparação para julgamento em plenário. Seria serviço perdido, e ademais, poderia confundir o jurado.

            Enfim, fico com o nosso velho e bom relatório oral na sessão do Júri. Até porque ele se dá logo antes do debate, e assim, permite uma visão geral para o jurado, digamos "quentinha" (por ser ali, momentos antes do debate), antes que se entre na fase propriamente dita de discussão do caso em julgamento, que é o debate.

            e)Registro de atos processuais da Sessão de Julgamento

            Permite-se o registro do interrogatório e dos depoimentos das testemunhas por sistema de gravação, estenotipia e similar (67).

            Não há dissenso quanto a essa proposta. O substitutivo rejeitado também dispunha identicamente. Procura-se inovar no sentido de embutir em nossa legislação as modernidades do mundo atual. Acho apenas que, por ser os processos do Tribunal do Júri os que costumam gerar as penas mais altas do ordenamento jurídico, deveria-se, primeiro, prever dispositivos semelhantes no procedimento comum dos ritos ordinário e sumário, e só após algum tempo, se aplaudido pela comunidade jurídica, ser incluído no rito especialíssimo do Júri. Lembre-se que toda novidade costuma carregar contratempos imprevisíveis.

            Ainda, já que se quer inovar, que se grave ou filme toda a sessão de julgamento, para que os Tribunais de 2º grau possam analisar eventuais acontecimentos em sessão plenária. Ocorre, no modelo atual, por diversas vezes, situações anômolas em uma sessão que poderiam ocasionar a nulidade de um julgamento (intromissões constantes na fala do ex adverso, posturas de juízes com muita simpatia para uma das partes causando parcialidade no âmago dos jurados) e que, pela impossibilidade de se registrar em Termos, acabam se esvaindo no ar, não propiciando ao juízo revisor corrigir o vício, prejudicando uma das partes e a busca pela verdadeira justiça.

            Seria de dupla finalidade tal idéia, primeiro agindo preventivamente pelo conhecimento pelas partes da gravação, e se necessário repressivamente pelo Tribunal revisor. Anote-se, por fim, que por ser o conselho julgador composto por pessoas leigas, muitas vezes simples, mínimos acontecimentos, como os acima expostos, podem ser motivos suficientes para uma condenação no juízo subjetivo e inesperado de um jurado.

            f)Quanto às perguntas ao acusado e às testemunhas

            As perguntas serão feitas diretamente às testemunhas e ao próprio acusado pelo juiz presidente e pelas partes. As indagações dos jurados serão feitas através do presidente. O acusado será interrogado, se estiver presente, somente após a colheita da prova (68).

            Relevante inovação que se nota na sessão de júri é quanto a produção da prova oral. As partes poderão fazer perguntas diretamente ao acusado e às testemunhas. Inverte-se, ainda, a colheita da prova, passando o interrogatório para o último ato a se realizar. É de se notar que as indagações dos jurados continuarão sendo feitas através do presidente.

            No substitutivo rejeitado havia críticas à presente novidade. Narrava sua exposição de motivos:

            O interrogatório deve preceder a produção da prova testemunhal, salvo em sistemas que consagram a possibilidade de perjúrio para o acusado, o que não ocorre em nosso país. Por outro lado, o número de cinco testemunhas será, no mais das vezes, insuficiente ante a complexidade e gravidade dos delitos submetidos à competência do tribunal popular (69).

            Walter Nunes da Silva Jr (70), sobre o assunto, expõe sua visão, dizendo que "... a alteração é perigosa e vai requerer, do juiz, muita vigilância, para evitar situações embaraçosas, principalmente quanto a teatro e à preservação do direito ao silêncio, constitucionalmente assegurado ao acusado." Para o ilustre magistrado federal a nova alteração carece de uma avaliação mais aprofundada quanto a sua adequabilidade, pois entende que ela não condiz com a nossa realidade social, especialmente no tocante à inquirição direta das testemunhas pela parte.

            Particularmente, entendemos que vem em boa hora a inovação legal no tocante ao interrogatório do acusado. A doutrina mais atual vem defendendo ser o interrogatório também meio de prova. Até foi essa a visão que se mostrou na recente lei que alterou o interrogatório em juízo. Não há por que o interrogatório perante o corpo de jurados ser diferente, deve possibilitar o contraditório. A permissão para a pergunta direta vem prestigiar os princípios do júri, que, por se dar por julgamento leigo, muito se influem nos jurados a postura do acusado diante das perguntas das partes; o que, diga-se é salutar. É de se lembrar que é comum procurar-se nesse ato a confissão tácita do acusado.

            Já quanto às testemunhas, merece respaldo a posição de Walter Nunes (71). É preciso ter consciência do abismo cultural que na maior parte das vezes separa a testemunha dos advogados e promotores. Parece-nos que o sistema presidencialista do magistrado, apesar de ir contra o sistema acusatório puro, ainda é o mais eficiente ao caso. E aqui, diferentemente do interrogatório, parte-se da boa-fé da testemunha, haja vista o compromisso legal de dizer a verdade.

            g)Quanto aos jurados

            Democratizam-se as regras sobre o alistamento de jurados, ampliando-se a possibilidade de sua arregimentação através das autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários. Previu-se a exclusão da lista geral, pelo prazo de dois anos, daquele que tiver integrado o Conselho e Sentença no ano anterior, evitando a profissionalização do jurado (...) Dá-se maior liberdade e oportunidade de participação ao jurado, permitindo que solicite ao orador a indicação da folha dos autos por ele lida ou citada, bem como esclarecimento sobre questão de fato. Poderá ainda, o jurado, examinar os autos a qualquer momento da discussão da causa e não apenas na sala secreta (...) O alistamento dos jurados também sofreu alterações, reduzindo-se o rol dos isentos, para afastar apenas os maiores de 70(anos) e os médicos, somente quando eles próprios requeiram sua dispensa, que não poderá ser negada (...) Retira-se a previsão de multa ao jurado faltoso (...) O anteprojeto resguarda o interesse das partes em acompanhar o sorteio, determinando a sua prévia intimação. A convocação dos jurados faz-se através do correio ou por qualquer outro meio hábil. Com o expediente da convocação os jurados receberão cópias da pronúncia, do relatório do processo, que deve ser sucinto e objetivo, e a transcrição dos artigos que dispõem sobre as funções do jurado, obrigações, prerrogativas e deveres. Amplia-se o número de jurados sorteados para cada sessão de 21 para 25, bem como o mínimo de jurados para que se possa instalar os trabalhos, que passa de 15 para dezenove, com o objetivo de evitar a suspensão dos trabalhos pelo não comparecimento do numero mínimo exigido e, ainda, visando restringir a possibilidade de desmembramento do julgamento, quando haja mais de um acusado (72).

            Aqui é feita uma atualização dos artigos que dispunham sobre a função dos jurados. Vimos alhures o grande número de proposições que já passaram pelo Congresso tentando mudar algo relativo aos componentes do conselho. O projeto de lei n° 4.203/01 vem abarcar grande parte do que já foi proposto outrora. É de se notar, no entanto, que muito do júri – especificamente dos jurados - continua a ser disposto pelo CPP e por leis de organização judiciária.

            Na sua maior parte as mudanças são de certo consenso. Primeiro falaremos dessas, para depois questionarmos pontos mais polêmicos.

            Previu-se a ampliação da possibilidade de o juiz requerer lista de possíveis componentes do Júri às várias entidades organizadas da sociedade civil. Tal regra que, ademais, já se dava na prática, visa oportunizar ao magistrado conseguir o número necessário de jurados para organizar a listagem anual.

            Há disposição prevendo que a participação como jurado impede que o mesmo atue na mesma condição no prazo de dois anos. Apesar de sermos contra a figura do jurado profissional – que fere a essência do júri – entendemos que o prazo estipulado é por demais excessivo. Em comarcas do interior essa previsão pode trazer transtornos.

            A nova lei reduz o número de pessoas isentas do júri. Entretanto, dispõe que o maior de 70 anos e o médico são isentos caso solicitem. Nesse ponto o projeto é bem positivo, em especial nas comarcas do interior, onde o médico é pessoa bem requisitada.

            Retira-se a anacrônica previsão de multa aos jurados faltosos, que há tempo não vinha sendo aplicada ou ao menos exigida.

            A previsão de intimação das partes para acompanhar o sorteio dos jurados também não me parece adequada. E se alguma das partes dos inúmeros processos que serão submetidos a julgamento na próxima reunião periódica não for intimada (o que é bem possível)? Seria causa de nulidade? O embróglio que se causará para intimar todo esse pessoal não se justifica razoavelmente. A intimação do Ministério Público com a afixação da data do sorteio na porta do cartório, e no átrio do fórum, já nos parece suficiente. Ademais, as partes possuem o dever de acompanhar os autos e, como a feitura da pauta se dá antes do sorteio, devem saber a reunião periódica em que serão julgados com antecedência, podendo comparecer, se quiserem, a audiência de sorteio dos jurados, independente de intimação pessoal. É do conhecimento geral que em processos dessa espécie é costume tentar se adiar ao máximo a realização do julgamento. Estaríamos dando margem a estratégias nocivas ao bom desenvolver do processo, criando o gérmen de muita nulidade.

            A previsão de intimação dos jurados por correio, com a transcrição de seus deveres e prerrogativas legais no ato convocatório, parece inovação positiva e moderna.

            A ampliação do número de jurados sorteados, de 21 para 25, parece positiva, no sentido de que com mais jurados, menor a possibilidade de frustrar-se a instalação da sessão de julgamento. Entretanto, a previsão do aumento do número mínimo de presentes – para a abertura da sessão – de 15 para 19, não nos parece interessante. Seria mais uma oportunidade de se não realizar um Júri por formalidades, e ademais, ao que nos parece, anularia o benefício de se convocar 25 em vez de 21.

            h)Desaforamento

            O desaforamento mereceu alterações significativas. Legitima-se o assistente do Ministério Público para requerer o desaforamento. Passa a ser permitido o desaforamento para outra comarca dentro do Estado, preferencialmente as mais próximas, se preenchidos os pressupostos estabelecidos, sabido que a regra atual não satisfaz a exigência de um corpo de jurados isento de influências (...) Permite-se que o relator do pedido de desaforamento determine a suspensão do julgamento pelo Júri, se forem relevantes os motivos apresentados (...) O desaforamento funcionará como mecanismo de controle do tempo de espera para julgamento, como força de estabelecer que o acusado, como regra, sempre será julgado em prazo não superior a seis meses. Previu-se que, em havendo excesso de serviço comprovado e o julgamento não puder ser realizado no prazo de seis meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia, o acusado – e somente ele - poderá requerer o desaforamento. Também mesmo que não havendo esse excesso de serviço, ficando demonstrado inexistir na comarca motivo para retardamento do julgamento superior a meses, o acusado poderá requerer diretamente a Tribunal que determine a imediata realização do julgamento (...) o julgamento dentro do prazo máximo de seis meses passa a ser direito irretirável do acusado (73).

            Muito acertada a alteração na disciplina do desaforamento. O instituto estava a merecer uma nova roupagem. Doravante ficará mudada sua função. Deixa de resguardar só o julgamento imparcial e passa a resguardar também o direito do réu de ser julgado em seis meses.

            Justamente nesse ponto (e apenas nesse ponto), o projeto sofreu mudança na Comissão de Constituição e Justiça (74). Retirou-se a possibilidade de permitir ao assistente de acusação solicitar o desaforamento do julgamento; o argumento é a reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ainda, determinou-se que o desaforamento deve dar-se para a comarca mais próxima dentro da mesma região, e não apenas dentro do mesmo Estado.

            Muito ponderadas as alterações sugeridas e aprovadas. O assistente de acusação apenas secunda a atuação ministerial, age para resguardar seu interesse na indenização cível. Não há por que participar de discussões desse viés (75). A titularidade da ação penal é do Ministério Público, não pode a opinião do assistente sobrepor-se a dele.

            Quanto à comarca escolhida para se desaforar o julgamento, faz sentido que seja uma dentro da mesma região e não qualquer uma dentro do Estado. A prática atual de deslocar o julgamento sempre para a capital fere a idéia, imanente ao júri, de julgamento pelos pares do mesmo meio social.

            Na nova disciplina, acaso por excesso de serviços não se possa julgar o réu no prazo de seis meses, surge direito subjetivo ao réu, e só a ele, de solicitar o desaforamento do julgamento. A redação se adequa ao nosso sistema normativo. É bem positiva por dar-lhe o direito de ser julgado logo e se livrar do peso do processo. E mais, o que é importante, dá a prerrogativa somente ao acusado, pois deferir a outro seria, em última análise, ferir o princípio do Juiz natural. Pois quando quisesse o magistrado ou promotor alterar a competência do julgamento do caso, alegariam muito serviço e facilmente convenceriam o Tribunal de Justiça.

            Se o julgamento se enrolar por seis meses sem se realizar, e não havendo excesso de serviço, poderá o acusado requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento. Essa previsão merece os mesmos elogios narrados no parágrafo superior.

            Também vem prevista a possibilidade de efeito suspensivo à interposição do recurso. Assim, feito o pedido, o relator poderá determinar a suspensão do julgamento pelo Júri. O objetivo aqui é evitar dispendioso gasto com sessão que pode se tornar nula com o desaforamento do caso.

            Há quem critique o anteprojeto (76) por não prever o rito do desaforamento, que ficaria assim para o regimento interno do Tribunal.

            No substitutivo rejeitado vinha interessante disposição determinando que o Estado deve custear o transporte das testemunhas quando de um desaforamento. Parece-nos sustentável esse posicionamento, apesar de sabermos das dificuldades práticas que proporcionaria. Talvez, melhor seria dispor que o Estado só deveria transportar as testemunhas indicadas como imprescindíveis, ou, até, apenas as testemunhas oculares do fato. Infelizmente, com a rejeição do substitutivo, seguiu junto a ele para o arquivo os reclamos de muitos que labutam junto ao Tribunal do Júri.

            i)Tratamento dispensado ao réu

            Em plenário dá-se tratamento humanitário ao acusado, proibindo, como regra, o uso de algemas (77).

            Tal regra, de consenso doutrinário, objetiva irradiar no Código de Processo Penal princípios da nossa Carta Magna, mormente os relativos à dignidade da pessoa humana e à presunção de inocência.

            Dever-se-ia também aproveitar a oportunidade para dispor sobre o local onde ficará sentado o réu durante a sessão de julgamento, fulminando, assim, antiga discussão doutrinária. Somos pela autorização de o mesmo sentar, se quiser, ao lado de seu defensor. Para nós é esse o entendimento que melhor prestigia os princípios suso citados.

            j)Leitura de documentos em plenário

            A leitura de documentos e a exibição de objetos em plenário é adequadamente disciplinada, estabelecendo-se critérios objetivos de permissão e proibição (78).

            Aqui, procura o anteprojeto curar problema que se constata na lide diária de quem labuta junto ao Tribunal do Júri. Não é raro que alguma das partes, usando dos favores da lei, peça para que seja feita a leitura de grande parte do processo para os jurados no dia do Júri. Em casos de autos muito volumosos, isso costuma demorar horas ou dias.

            Ocorre que tal atitude causa enorme balburdia na sessão de julgamento, sendo, na maioria das vezes, a grande responsável pelas sessões demasiadamente longas. E o que é pior, nada ou muito pouco acrescenta no espírito do jurado. Essas leituras, por muito extensas, são feitas mecanicamente pelos senhores secretários, não despertando a mínima atenção do conselho julgador, que mal conseguem compreender o encadeamento da narração. As próprias partes e o juiz presidente constantemente se retiram do salão de audiências dando a entender que tal fase é de somenos importância, diminuindo e distraindo a atenção até dos jurados mais atentos.

            Registre-se ainda, que não é raro que algum dos sujeitos processuais use dessa prerrogativa, usurpando da sua finalidade, visando atingir fim diverso. Citem-se, por exemplo, os comentários que sempre surgem nos corredores do Júri, de que tal promotor ou advogado pediu para que se lessem várias peças do processo para que ele tivesse tempo de estudar sua cópia dos autos, já que não teria tido tempo no dia anterior. O que não é difícil de se acreditar.

            Ainda, comentam das estratégias de alguma das partes, no sentido de pedir uma leitura longa de peças para tentar cansar os jurados, o que poderia ser benéfico para ela. É o caso, por exemplo, do advogado que pede uma longa leitura sabendo que ela deve terminar minutos antes da paralisação para o almoço; e assim, os jurados, após uma cansativa leitura, e após a refeição, teriam uma predisposição à sonolência no momento do retorno ao julgamento, que se dará, justamente, com a fala do Promotor.

            A nova regulamentação que se propõe inovará o art. 473 §3 do CPP, e disporá: " As partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimentos de pessoas e coisas e esclarecimentos dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas cautelares, antecipadas ou irrepetíveis."

            Assim, para não eliminar essa possibilidade, procura o anteprojeto limitar a leitura apenas a peças de conteúdo, digamos, sui generis. Deixa para o salutar, e muito mais esclarecedor debate em plenário, o uso das demais peças.

            No substitutivo que fora apresentado, e rejeitado, a regulamentação vinha de forma diversa, mas a essência de se limitar a leitura de peças era a mesma. Propunha o substitutivo que, sorteado o conselho de sentença, fosse entregue cópias das principais peças dos autos aos jurados, e que, só eventuais peças não entregues é que se poderia, posteriormente, solicitar a leitura. Ainda, poderia o MM Juiz suspender a sessão para o tempo necessário a que os jurados lessem as peças entregues.

            Enfim, parece-nos, e à comunidade jurídica, ponderada a regulamentação dessa leitura de peças; limitando-a, seja nos termos do anteprojeto, seja nos termos do substitutivo rejeitado; já que da forma como se está regulada hoje, ela serve mais a interesses obscuros do que ao de propiciar um julgamento mais idôneo.

            k)Julgamento sem a presença do acusado

            O anteprojeto permite a realização do julgamento sem a presença do acusado que, em liberdade, poderá exercer a faculdade de não comparecimento como um corolário lógico do direito ao silêncio constitucionalmente assegurado. O acusado preso poderá requerer dispensa de comparecimento à sessão de julgamento, sem prejuízo de sua realização. A prisão provisória que era regra, converte-se em exceção, de modo que a exigência do acusado solto em plenário como condição para o julgamento já não mais se harmoniza com o novo sistema (79).

            Primeiramente, de relevo anotar a opinião do senador Luiz Fleury exposta na exposição de motivos do substitutivo que apresentou:

            Entendemos que o julgamento à revelia fere a natureza do Tribunal do Júri, salvo nos casos menos graves, onde hoje há é permitido. A singela solução para quando o acusado permanece foragido deverá ser a previsão de que fique suspenso o fluxo do prazo prescricional (80).

            Walter Nunes (81) chega a questionar a constitucionalidade do dispositivo que se propõe, frente ao princípio constitucional da plenitude de defesa.

            Para nós, parece acertada a nova disciplina legal. Emana da nossa Carta Política de 88 o direito, assegurado ao réu, do silêncio. Se pode ele comparecer ao Júri e ficar calado, por lógica também pode não comparecer. Mutatis Mutandis é situação idêntica. É de se observar que o acusado foi intimado pessoalmente para comparecer à sessão de julgamento. Não permitir a realização do Júri é premiar a sua desídia ou malícia. Ademais, nos pretórios nacionais, mesmo sob o regime jurídico atual, autorizadas vozes vêm se levantando nesse sentido. Vejam:

            JÚRI- Sessão do Plenário- Não comparecimento do réu, devidamente intimado. Admissibilidade – Direito ao silêncio assegurado pela CF/88. Ementa Oficial: A Constituição da República de 1988 consagra ser direito do réu silenciar. Em decorrência, não o desejado, embora devidamente intimado, não precisar comparecer à sessão do Tribunal do Júri. Este, por isso, pode funcinar normalmente. Conclusão que se amolda aos princípios da verdade real e não compactua com a malícia do acusado de evitar o julgamento. RHC 2.967-6-GO- 6ª T.-2.8.94 – Rel. Min. Luiz Vicente Chernichiaro – DJU 10.10.94" (82).

            A previsão de o acusado preso poder requerer dispensa para não precisar comparecer na sessão do Júri vem garantir uma igualdade de tratamento entre este e o acusado solto. Até porque qualquer diferença de tratamento feriria os princípios da igualdade e da presunção de inocência. O encarceramento, nos limites de uma prisão cautelar, visa só garantir o fim para o qual ela foi decretada. Fora a liberdade, nada mais pode ser restringido ao detido.

            l) Quesitação

            O questionário é sensivelmente simplificado, perdendo em complexidade e ganhando em objetividade e simplicidade (...) Os quesitos devem ser redigidos em proposições afirmativas (...) A simplificação alcançou o máximo possível, com a formulação de apenas três quesitos básicos para obter-se a condenação ou absolvição: a) materialidade do fato; b) autoria ou participação; c) se o acusado deve ser absolvido ou condenado. O terceiro quesito terá redação na própria lei ("os jurados absolvem ou condenam o acusado?) e abrange todas as teses de defesa, de modo que se afastam as fontes de nulidades (...) Para o terceiro quesito são criadas cédulas especiais com as palavras "condeno" e "absolvo". Estabelecida a condenação com o terceiro quesito, indaga-se se existe causa de diminuição alegada pela defesa; se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecida na pronúncia, nessa ordem. Suprime-se a indagação sobre atenuantes ou agravantes, cabendo essa verificação ao juiz presidente. Exceto o quesito alternativo a ser formulado na hipótese de desclassificação da infração para outra do juiz singular, além daqueles acima apontados, nenhum outro poderá ser formulado pelo juiz presidente. O juiz presidente, no caso de condenação, fixará a pena base, e considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates (...) São mantidas a incomunicabilidade dos jurados e a sala secreta (83).

            Estamos diante da maior alteração, a nossos olhos, trazida pelo projeto de lei comentado. Do todo que geralmente se critica do Júri, faz maior coro as dirigidas ao complexo questionário que hoje se aplica. O jurado, pessoa leiga, comumente se perde diante dos quesitos carregados de termos com pesada carga de valor jurídico.

            Chega-se a esse diagnóstico pelas constantes dúvidas e contradições no ato de julgar demonstradas pelos senhores jurados. Ainda, a própria corriqueira anulação de julgamentos, por defeito de quesitação, é demonstração cristalina desse fenômeno. Se para os técnicos em conhecimento jurídico, desvendar o verdadeiro conteúdo de um quesito as vezes é tarefa árdua, para um leigo em leis, isso muitas vezes é barreira intransponível.

            Permeado por essas idéias, o novo projeto de mini-sistema processual para o Tribunal do Júri faz alteração substancial nas regras referentes a quesitação. Visa simplifica-la. Pergunta-se sobre a materialidade do fato e após sobre a autoria. Em seguida se o acusado deve ser absolvido ou condenado. Após eventuais causas de aumento e diminuição de penas. Assim, todas as possíveis teses defensivas reduzem-se a quesito único: Deve o acusado ser absolvido ou condenado?

            Primeiramente, nas discussões da Comissão sobre a redação desse quesito, indagava-se se deveria ser um dos seguintes: o acusado deve ser condenado? Ou: o acusado deve ser absolvido? Após muita discussão entendeu-se que a resposta afirmativa, tal qual uma negativa, poderia induzir o julgamento do jurado.

            Assim, viu-se de maior bom senso que se perguntasse se o acusado deve ser condenado ou absolvido. Para isso criou cédulas especiais para esse quesito, uma com a resposta condenado e outra com absolvido. De muito acerto, a nosso vulgo, a decisão final sobre o quesito. Pois com a cédula condeno e absolvo na mão, o jurado tem mais contato e segurança para votar o que realmente deseja sua consciência.

            Pessoalmente, pensamos que poderia ter-se aproveitado a oportunidade, para dispor que no julgamento pelo júri, assim que alcançada a maioria necessária, interromperia-se a contagem de votos. Entendemos que esse procedimento é o que mais prestigia o sigilo da votação e protege a identidade do jurado. Assim, logo que alcançada a maioria necessária de 4 votos, o magistrado daria por encerrada a votação do quesito (84).

            Como no modelo brasileiro de Júri a situação de o acusado ter sido condenado ou absolvido por maioria não gera diferença alguma, não haveria prejuízo algum de ordem formal ou substancial com a interrupção da votação. E ainda, nós protegeríamos o jurado contra uma possível situação de unanimidade (7x0) que expõe a todos do conselho de sentença. Inclusive, ouve-se falar de muitos que julgam de uma ou outra forma com medo de o réu poder saber como ele votou; e nos casos de votação unânime o réu acaba sabendo. Veja-se mais, que a própria Constituição Federal estipula o sigilo da votação. Pode-se entender que o princípio alcança a necessidade de se resguardar totalmente quem votou de uma ou outra forma.

            Esse procedimento de se interromper a votação, tão logo alcançada a maioria necessária, parece-nos ser o que melhor harmoniza os princípios da publicidade do ato com o do sigilo da votação.

            Os demais quesitos não sofreram alterações notáveis. Apenas textualizou-se que devem ser formulados em proposições afirmativas.

            É de se questionar a constitucionalidade do dispositivo que determina ao juiz reconhecer causas de aumento e diminuição de pena. Não pode a criatura sobrepor-se ao criador. A própria Constituição Federal, fundamento validante de toda a legislação ordinária, dispôs ser o Júri o juízo natural de julgamento dos crimes dolosos contra a vida, determinando explicitamente sua regulamentação por lei ordinária. Como pode o legislador retirar do Conselho Popular competência para reconhecer circunstâncias do crime submetido a julgamento pelo Júri? Estar-se-ia retirando do Júri competência de julgar parte do crime. Veja-se que o reconhecimento de atenuante ou agravante reflete diretamente na pena aplicada.

            Entendemos que melhor seria dispor que no caso de atenuantes ou agravantes de reconhecimento de situações jurídicas (reincidência, por exemplo), deixaria-se sim ao poder do magistrado reconhecer, pois cabe a este aplicar o direito ao caso concreto reconhecido pelo Júri. Noutro giro, se tratar de atenuante ou agravante de reconhecimento de situações fáticas (quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade, por exemplo), deve o magistrado curvar-se diante da opinião dos jurados, sendo, qualquer disposição legal contra esse sentido, a meu ver, inconstitucional.

            m)Protesto Por novo Júri

            Suprime-se o Protesto por Novo Júri (85).

            Mais uma providência de antigo reclamo doutrinário. O protesto por novo júri, visando prestigiar um favor rei, é fórmula anacrônica prevista em nosso ordenamento jurídico; e injustificada por bater de frente com a idéia de celeridade processual e com a de igualdade das partes.

            As atuais estruturas da justiça brasileira mal atendem ao julgamento dos inúmeros processos de Júri que se ajuntam nos cartórios; e aí surge a pergunta: como julga-los duas vezes? Ademais é sabido, que para impedir tal hipótese, os magistrados de todo o país não condenam os acusados à pena superior a 20 anos. Essa técnica que se constata, se por via oblíqua visa atingir uma celeridade processual, fere frontalmente a soberania legislativa em estipular delitos e suas penas; e só pode ser justificada socialmente, já que juridicamente é insustentável, pelo que se acostumou chamar de Política Criminal.

            N) Desclassificação em Plenário

            Se ocorrer a desclassificação da infração da competência originária do Júri ou do crime conexo para outra, de competência do juiz singular, caberá, como regra, ao juiz presidente do Tribunal do Júri proferir sentença em seguida, exceto quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela Lei como infração de menor potencial ofensivo, hipótese em que os autos serão remetidos ao juizado especial criminal (86).

            A nova disciplina legal da desclassificação em plenário, que, anote-se, por disciplina doutrinária já vinha sendo aplicada, dispôs que ocorrida a desclassificação do crime submetido ao crivo do Júri para outro da competência do juízo singular, caberá ao juiz presidente do Júri proferir a sentença, salvo de infração de menor potencial ofensivo.

            Essa nova disciplina exsurge do necessário respeito aos termos da lei 9.099/95. Veja-se, a propósito, a opinião de Damásio Evangelista de Jesus:

            ... Imagine-se que os jurados desclassifiquem uma tentativa de homicídio para o crime de lesão corporal leve. O Juiz presidente do Tribunal do Júri não pode prosseguir no processo para condenar o réu, cumprindo-lhe, transitada em julgada a sentença para a acusação, remeter os autos ao juiz competente, se não for ele próprio, devendo ser ouvida a vítima a respeito da representação (art. 91), sem prejuízo da aplicação anterior dos institutos da reparação do dano, da aplicação de pena mais leve e da suspensão condicional do processo.. . (87)

            Há quem critique (88) a inovação que se comenta. Sustentam que a possibilidade de o magistrado não julgar o caso ao fim da sessão de Júri fere a essência dessa instituição. Estaria-se diante de uma situação desconfortável para a comunidade de uma determinada Comarca que aguarda o resultado de um julgamento e que ao final, não fica ciente sobre qual será, em concreto, o efeito que recairá sobre o status libertatis do acusado. Acham que o legislador esqueceu da essência do julgamento pelo Júri: da ocorrência de um resultado concreto em relação ao acusado e que toda a sociedade deva tomar conhecimento desta decisão, ao final da sessão de julgamento.

            o) Ata de julgamento

            O anteprojeto resgata reivindicação antiga dos juristas e prevê que o escrivão deverá redigir minuta contendo um resumo das principais ocorrências e incidentes durante o transcorrer do julgamento, que será submetido ao presidente e às partes para verificação e assinatura e servirá de base para a elaboração da ata (89).

            Aqui estamos diante de mais uma pedida geral. Dada a solenidade dos registros da ata de julgamento, a cargo do secretário do juiz, que ainda cumula diversas funções, geralmente a sua lavratura retém as partes por um bom tempo na sala do júri, já que devem assiná-la. Visa, a idéia da minuta, a criar forma que harmonize a necessidade dos devidos registros com a razoabilidade de não reter as partes por longo tempo apenas para assinar a ata.

            p)Absolvição e repercussão no Cível

            Em harmonia com o art. 66, estabeleceu-se que a decisão absolutória, quando afirmada a materialidade do fato pelos jurados, não faz coisa julgada no cível, nem impede a propositura de ação visando a reparação do dano. Desse modo caberá ao juízo cível decidir, apenas para efeito indenizatório, acerca da autoria e das causas de exclusão do crime (90).

            Aqui, soluciona-se antiga controvérsia, sobre a comunicabilidade ou não na instância cível, do julgamento pelo Júri. Ocorre que vigora para os jurados a íntima convicção, não devendo os mesmos fundamentar suas decisões. Assim, não há como saber se os mesmos, em uma eventual absolvição, optaram pela ausência de provas de autoria ou materialidade ou se optaram pela prova da não autoria ou materialidade. Por isso não há como aplicar a teoria tradicional da comunicabilidade moderada das instâncias cível e penal nos casos julgados pelo Tribunal do Júri.

            Para regular a matéria, está sendo proposta nova redação ao art. 492 § 2 do CPP, dispondo que a sentença absolutória, desde que reconheça a materialidade, não faz coisa julgada no Cível. Assim, se negada a materialidade, não há possibilidade de sucesso em ação civil ex delicto; mas se reconhecida a materialidade, mesmo que negada a autoria, seria possível tentar prová-la em uma ação indenizatória nessa esfera privada.

            O anteprojeto do senador Luiz Fleury dispunha igualmente sobre o presente assunto. Entretanto, sugeria, a sua proposição, que fosse acrescentado o inciso no art. 67 do CPP (que trata da Ação Civil) e não no 492 §2, pois este trata do Júri, e se aqui disposto, estar-se-ia sendo assistemático.

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Sobre o autor
Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo Rezende

Delegado de Polícia do Distrito Federal, Bacharel em Direito pela UFG. Pós graduando em Direito Penal, em Direito Processual Penal e em Criminologia pela UFG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Reinaldo Oscar Freitas Mundim Lobo. Da evolução da instituição do júri no tempo, sua atual estrutura e novas propostas de mudanças.: Projeto de Lei nº 4.203/2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 706, 11 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6865. Acesso em: 22 nov. 2024.

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