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Lei nº 11.107/05:

marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros

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6. Das ações do consórcio público

Para o atingimento de seus objetivos, o consórcio público poderá: I – firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos do governo; II – promover desapropriações e instituir servidões, nos termos de declaração de utilidade ou necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder Público, desde que criado sob a forma de associação pública; III – ser contratado pela administração direta ou indireta dos entes federativos consorciados, dispensada a licitação [44].

E aqui, no campo das ações do consórcio, quer-se destacar a possibilidade de a figura consorcial poder ser contratada pelos entes federativos consorciados, visando à prestação de determinado serviço público, sem a necessidade de sujeição a certame licitatório. E nesse aspecto, ressalta-se que a lei não fez diferença entre o consórcio pessoa jurídica de direito privado (associação civil) e o constituído sob pessoa jurídica de direito público (associação pública).

Aspecto relevante surge dessa faculdade de dispensa licitatória. Se por um lado, agiliza a contratação de serviços por parte dos entes consorciados, por outro, redunda na inobservância do princípio da seleção da proposta mais vantajosa para a administração [45], estabelecido pelo Diploma das Licitações. Daí, torna-se concreta a possibilidade de se criar serviços públicos consorciados que desrespeitem padrões mínimos aceitáveis e, ainda assim, sejam contratados em razão do permissivo legal em comento.

Portanto, trata-se de uma previsão legal que poderá propiciar o desserviço público. Exemplificando: municípios poderiam se consorciar para criar um hospital intermunicipal para atender aos munícipes dos entes consorciados. Contudo, sabedores da desnecessidade de submissão a certame licitatório para contratação de seus serviços, descuidam (culposa ou dolosamente) dos requisitos de qualidade indispensáveis à aludida prestação de serviços, vindo a oferecer qualidade pífia de atendimento dos usuários do referido nosocômio.

Pensa-se que a solução para o problema aventado esteja no controle dos atos administrativos de criação do consórcio público. Além de os entes federativos interessados preverem, no protocolo de intenções, mecanismos de controle social [46], através da previsão de audiências públicas periódicas (na fase de planejamento do consórcio) e ouvidorias (na fase de execução dos serviços de gestão associada), ofertando a todo interessado oportunidade para conhecer e debater sobre a forma como se dará a prestação de serviço, bem como para avaliar a qualidade dos serviços prestados, também será imprescindível que as demais formas de controle (interno, externo e judicial), alarguem seu procedimentos fiscalizatórios para além da verificação da estrita legalidade, passando a considerar, de forma contundente, os demais princípios norteadores das atividades da Administração Pública, com atenção especial ao princípio da eficiência. Assim, se os serviços prestados, muito embora, de acordo com os aspectos formais da lei, não estiverem de acordo com os índices mínimos estabelecidos para aferição da qualidade ofertada aos seus usuários, o gestor do consórcio será penalizado por inobservância dos referidos princípios constitucionais.


7. Da natureza contratual do consórcio público

Nesse momento, vale tecer algumas considerações relevantes sobre a natureza jurídica do consórcio público. O artigo 3º da Lei Consorcial define expressamente que "o consórcio será constituído por contrato". Assim, indubitável a sua natureza contratual. Significa dizer que o instituto é um negócio jurídico. Portanto, quando se fala de consórcio, na verdade, estar-se-á comentando acerca de um instrumento contratual celebrado entre entes federativos.

Esta assertiva se confirma quando se estuda a semelhança do consórcio público com o consórcio de empresas existentes no direito privado, nos termos do art. 278 [47] da Lei Federal n.º 6.404/74 – Lei das Sociedades Anônimas –. De se perceber que no âmbito privado, o consórcio nada mais é do que um acordo estabelecido entre empresas, visando ao atingimento de um objetivo comum que, individualmente, nenhuma das consorciadas teria condição de realizar. Por isso, por se tratar de um negócio jurídico, o consórcio não possui personalidade jurídica, que é própria dos sujeitos de direito e obrigações e não dos negócios jurídicos.

Assim, tomando em conta as características do consórcio privado, percebe-se que o legislador manteve-se fiel às características do instituto ao adaptá-lo às exigências do direito administrativo, o que, além de facilitar a compreensão da Lei Consorcial, em seus fundamentos e diretrizes axiológicas, reflete, também, sua preocupação, que merece elogios, em criar um novo instituto no ordenamento jurídico pátrio sem se descuidar da necessária observância da sistematização existente.

Ademais, importa destacar que a opção pela criação de contratos de consórcios públicos demonstra, como já mencionado por ocasião do exame do projeto de lei que antecedeu a lei em apreciação [48], importante transformação de nosso direito administrativo, que flexibilizando-se, busca formas privatísticas para solucionar as novas demandas sociais que lhe incumbe atender de forma eficaz.


8. Das principais definições do Regime Consorcial

A norma em comento aborda várias definições importantes para o entendimento e consolidação do regime consorcial brasileiro. Assim, considerando a importância de se estabelecer um acordo semântico acerca das expressões trazidas pela Lei Federal n.º 11.107/05, passa-se a estudar as principais conceituações, sem as quais não se pode entender o fenômeno consorcial público em toda a sua real dimensão.

8.1. Do protocolo de intenções

O art. 4º da Lei n.º 11.107/05 estabelece as cláusulas necessárias do protocolo de intenções, cuja definição poderá ser encontrada através de remissão ao Projeto de Lei n.º 3.884/04, face ao silêncio da norma reguladora nesse tocante.

Assim, antes de se abordar as aludidas cláusulas, convém relembrar que o PL n.º 3.884/04 define a figura do protocolo de intenções, como sendo o "contrato preliminar que, ratificado mediante lei pelos entes da Federação interessados, converte-se em contrato de consórcio público" [49]. Portanto, como já referido por ocasião do estudo do aludido projeto de lei, a celebração de protocolo de intenções "é o primeiro passo a ser dado aos entes interessados em criar um consórcio público, que deverá ser publicado na imprensa oficial dos signatários [50]" [51].

Vale dizer: os entes interessados em estabelecer um consórcio deverão, antes de mais nada, celebrar um protocolo de intenções com todos os entes interessados no consorciamento e publicá-lo em sua imprensa oficial. Trata-se, portanto, de ato administrativo complexo, cuja eficácia apenas se dará depois de sua publicação na imprensa oficial do signatário.

As referidas cláusulas necessárias deverão contemplar as matérias elencadas nos incisos do artigo 4º do Diploma Consorcial, valendo destacá-las:

a)denominação, a finalidade , o prazo de duração, bem como a sede do consórcio;

b)identificação dos entes federativos consorciados;

c)indicação da área de atuação do consórcio;

d)previsão de que o consórcio será associação pública ou pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos;

e)os critérios para o consórcio poder representar os interesses comuns dos entes consorciados perante outras esferas de governo;

f)as normas de convocação e funcionamento da assembléia geral, inclusive para elaboração, aprovação e modificação dos estatutos do consórcio público;

g)a previsão de que a assembléia geral é a instância máxima do consórcio público e o número de votos para as suas deliberações;

h)a forma de eleição e a duração do mandato do representante legal do consórcio público que obrigatoriamente deverá ser chefe do poder executivo de ente da federação consorciado;

i)o número, as formas de provimento e a remuneração dos empregados públicos, bem como os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

j)as condições para que o consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de parceria;

k)autorização para a gestão associada de serviços públicos; e

l) o direito de qualquer dos contratantes, quando adimplente com suas obrigações, de exigir o pleno cumprimento das cláusulas do contrato de consórcio público.

8.1.1. Da gestão associada de serviços públicos

Em se tratando de consórcio público, pode-se afirmar que a gestão associada de serviços públicos é a idéia nuclear do instituto, sem a qual não seria possível instituir ditos consorciamentos. Assim, andou bem a legislação ao estabelecer os requisitos essenciais de uma gestão associada de serviços públicos, pois dessa forma, regulamentou a criação dos consórcios, amarrando os seus requisitos essenciais. E o fez de forma simples e eficaz, como se verá a seguir.

Assim, a eficácia de um protocolo de intenções dependerá da inclusão de cláusulas que esclareçam os cinco requisitos seguintes:

a)as competências cujo exercício se transferiu ao consórcio público;

b)os serviços públicos objeto da gestão associada e a área em que serão prestados;

c)a autorização para licitar ou outorgar concessão, permissão ou autorização da prestação dos serviços;

d)as condições a que deve obedecer o contrato de programa, no caso de a gestão associada envolver também a prestação de serviços por órgão ou entidade de um dos entes da Federação consorciados;

e)os critérios técnicos para cálculo do valor das tarifas e de outros preços públicos, bem como para seu reajuste ou revisão.

Verifica-se que o legislador foi pontual, exigindo que o protocolo contenha definições essenciais, que possam caracterizar, de forma clara e objetiva, um consórcio público.

Sem dúvida, há necessidade de se enunciar no protocolo quais as competências que os entes federados transferirão ao consórcio, as quais, uma vez postuladas no acordo protocolar, delimitarão legalmente a atuação consorciada. Nenhuma ação consorcial poderá ser implementada se não estiver enquadrada dentro das competências outorgadas no referido protocolo.

Retomando o exemplo dos municípios A e B que resolvem instituir consórcio público para prestação de serviços nas áreas da saúde. Constituem uma comissão de estudos, utilizando servidores de ambos os municípios envolvidos, que realizando sumário e superficial estudo da situação da saúde nos municípios envolvidos, concluem pela necessidade de se criar um hospital intermunicipal que possa atender aos munícipes de ambas as comunas.

Assim, o protocolo de intenções é redigido e ratificado por lei, em cada município, prevendo a outorga, tão-somente, do exercício da competência dos entes envolvidos para a construção e administração do aludido hospital.

Todavia, uma vez instituído o consórcio público, já na fase de construção do hospital, se identifica outra necessidade que passou despercebida pela comissão de estudos: a criação de 15 postos de saúde espalhados pelos dois municípios consorciandos. Contudo, nada poderá ser feito, nesse sentido, pelo consórcio público criado porque o mesmo não terá competência para a criação dos ditos postos de saúde. Assim, a gestão associada em comento já nascerá defeituosa, por absoluta falta de adequado planejamento. Quer-se mostrar que a fase de planejamento é fundamental ao sucesso de uma gestão associada, demandando muita atenção dos gestores públicos.

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Isso demonstra que a instituição de um consórcio deverá, necessariamente, ser precedida de aprofundados estudos e projetos detalhados que contemplem, de modo efetivo, todas as necessidades dos futuros entes consorciados que serão atendidas pelo consórcio a ser criado, pois são as necessidades de gestão associada de cada ente federativo que ditarão as competências a serem outorgadas aos consórcios. Assim, a falta de preocupação em delimitar as competências, ainda no protocolo de intenções, poderá redundar em sérios prejuízos aos entes consorciados e na ineficácia do consórcio estabelecido.

E nesse ponto, importa repetir, por relevante, que os consórcios públicos são contratos que devem decorrer de uma conjugação de ações de Estado (perenes) e não de ações de governo (transitórias). Os interesses pessoais dos chefe dos Poderes Executivos, de cunho meramente político, dissonantes da vontade real de implementar políticas públicas, não encontram guarida neste novel instituto porque o seu planejamento, instituição e operacionalização demandarão considerável parcela de tempo, não sendo absurdo considerar que em certos casos, as atividades – de planejamento, criação e operacionalização de consórcio – iniciem em um mandato e terminem no seguinte.

8.1.2. Dos trabalhos preparatórios à celebração do protocolo de intenções

De se ver, por exemplo, que todos os trabalhos preparatórios serão realizados mediante consenso de uma equipe formada pelos chefes dos entes federativos e seus respectivos assessoramentos. E é sabido que o trabalho em conjunto requer a conciliação de agendas, de seleção de locais para as reuniões, bem como a alocação prévia de recursos humanos e materiais de toda ordem, que viabilizem encontros preparatórios efetivamente produtivos. Portanto, as palavras de ordem, nesta importante fase, serão planejamento e coordenação. Indiscutivelmente, será necessário que os trabalhos sejam conduzidos de forma a que se chegue a um consenso, ao final de determinado período, que possa ser o ponto de partida para a elaboração de um eficaz protocolo de intenções.

Na falta de pessoal efetivamente especializado, no âmbito dos servidores dos municípios envolvidos, sugere-se a contratação de empresas de consultoria em gestão, que utilizando adequados e modernos processos de gerenciamento de projetos, poderão identificar eficazmente as necessidades dos entes consorciandos, conduzindo as reuniões de forma planejada e objetiva com o fito de delimitar, com precisão, mediante aplicação de metodologia especializada, todas as competências, cujos exercícios deverão ser outorgados ao futuro consórcio público por ocasião da celebração do protocolo de intenções.

Outro aspecto que bem ilustra o alto nível de planejamento exigido na implementação de gestão associada de serviços públicos está na exigência legal [52] da necessária previsão orçamentária para fazer frente aos gastos com um consórcio público, cuja inobservância constitui motivo de suspensão e, até mesmo, de exclusão do ente consorciado da aludida gestão associada.

Aliás, nesse sentido, cumpre ressaltar que a partir da publicação da lei em comento, passou a configurar ato de improbidade administrativa, previsto no inciso XV do art. 10 da Lei 8.429/92, "celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei", cuja pena a ser imposta ao agente público responsável, independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, consistirá em "ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos, pagamento de multa civil de até 2 (duas) vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos" [53]. Então, cabe aos chefes de Poder Executivo interessados agir com toda cautela ao implementar um consórcio público, exigindo de seu assessoramento a realização de estudos e pareceres detalhados, a fim de evitar o cometimento de indesejáveis falhas que possam configurar atos de improbidade administrativa em sua gestão.

Outro requisito indispensável do protocolo de intenções, referente à gestão associada de serviços públicos, a merecer referência neste trabalho, é a descrição das condições do contrato de programa, quando a gestão associada envolver a prestação de serviços por órgão ou entidade de um dos entes da Federação consorciados.

8.2. Do contrato de programa

Outra figura importante do regime jurídico consorcial é o contrato de programa. A finalidade desse instrumento é extraída do caput do artigo 13 da Lei dos Consórcios, cujo teor estabelece que "as obrigações que um ente da Federação constituir para com outro ente da Federação ou para com consórcio público no âmbito de gestão associada em que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos" deverão ser constituídas e reguladas através do aludido acordo. Nesse tocante, percebe-se que a Lei Federal n.º 11.107/05 também manteve-se fiel às diretrizes delineadas no PL n.º 3.884/04 [54].

Note-se que as obrigações reguladas pelo contrato de programa são obrigações de cunho operacional, ligadas a encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à implementação dos objetivos do consórcio firmado, diferentemente das obrigações financeiras que são estabelecidas por meio do contrato de rateio a ser abordado no tópico seguinte.

O contrato de programa deverá atender à legislação de concessões e permissões de serviços públicos, em especial, a que normatiza o cálculo de tarifas e de outros preços públicos, bem como a regulação dos serviços a serem prestados. Além disso, dito instrumento deverá "prever procedimentos que garantam a transparência da gestão econômica e financeira de cada serviço em relação a cada um de seus titulares" [55].

Ainda, a norma em comento determina que, no caso de a gestão associada originar a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos, o contrato de programa deverá conter cláusulas necessárias, sob pena de nulidade, que estabeleçam:

"I – os encargos transferidos e a responsabilidade subsidiária da entidade que os transferiu;

II – as penalidades no caso de inadimplência em relação aos encargos transferidos;

III – o momento de transferência dos serviços e os deveres relativos a sua continuidade;

IV – a indicação de quem arcará com o ônus e os passivos do pessoal transferido;

V – a identificação dos bens que terão apenas a sua gestão e administração transferidas e o preço dos que sejam efetivamente alienados ao contratado;

VI – o procedimento para o levantamento, cadastro e avaliação dos bens reversíveis que vierem a ser amortizados mediante receitas de tarifas ou outras emergentes da prestação dos serviços." [56]

Se houver previsão no "contrato de consórcio público, ou de convênio de cooperação, o contrato de programa poderá ser celebrado por entidades de direito público ou privado que integrem a administração indireta de qualquer dos entes da Federação consorciados ou conveniados" [57], devendo-se atentar para a sua automática extinção no caso de o contratado deixar de integrar a administração indireta do ente da Federação que autorizou a gestão associada de serviços públicos [58]. Vale dizer: um consórcio firmado entre os municípios A e B pode celebrar contrato de programa com uma autarquia de um dos municípios a fim de que tal entidade tenha participação parcial ou total na prestação de serviços da gestão associada.

Outro detalhe importante sobre o contrato de programa é que ele "continuará vigente mesmo quando extinto o consórcio público ou o convênio de cooperação que autorizou a gestão associada de serviços públicos" [59]. Esta previsão legal revela preocupação do legislador em sanar lacuna observada no exame do PL. nº 3.884/04 [60], no que tange aos efeitos do caráter acessório do contrato de programa em relação ao contrato principal de consórcio público, pois agora, ainda que o contrato de consórcio seja extinto, o contrato de programa celebrado continuará surtindo efeitos no plano jurídico. A despeito da louvável intenção de corrigir insuficência normativa do projeto de lei, importa registrar que a solução adotada viola o princípio basilar da teoria geral das obrigações que estabelece que as obrigações acessórias seguem o destino da principal.

Ademais, a Lei Federal n.º 11.107/05 disciplinou a nulidade da cláusula que atribuir ao contratado o exercício dos poderes de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços por ele próprio prestados [61], evidenciando a indelegabilidade de ditas atribuições consorciais.

8.3. Da assembléia geral

A Lei dos Consórcios explicita que a assembléia geral será sua "instância máxima" [62]. Contudo, é o PL n.º 3.884/04 que estabeleceu que sua composição será exclusivamente constituída pelos Chefes do Poder Executivo dos entes consorciados [63], que deverá, dentre outras tarefas, elaborar, aprovar e modificar o estatuto que disciplinará as atividades do consórcio [64]. Outra atribuição sugerida pelo projeto de lei seria a apreciação e aprovação das propostas orçamentárias [65], que muito embora não tenha sido incorporada ao ordenamento jurídico, portanto, não sendo obrigatória, apresenta-se como adequada orientação de conduta aos entes consorciados.

Vale ressaltar que "a alteração ou a extinção de consórcio público dependerá de instrumento aprovado em assembléia geral" [66], o qual deverá ser ratificado mediante lei por todos os entes consorciados.

No caso de extinção do consórcio, até que haja decisão indicando os entes responsáveis por cada obrigação remanescente, todos os consorciados serão solidariamente responsáveis pelas mesmas, garantido, evidentemente, o superveniente direito de regresso em face de quem se beneficiou ou deu causa à obrigação [67].

Da mesma forma, sendo instância máxima, a retirada de ente consorciado da gestão associada de serviços públicos dependerá de formalização de tal intenção, por parte do representante legal do ente retirante, em assembléia geral, respeitados os requisitos previamente estabelecidos em lei [68].

8.4. Do contrato de rateio

Pelo que se depreende da leitura da Lei Federal n.º 11.107/05, esta espécie contratual também não sofreu qualquer alteração quanto à definição estabelecida no projeto de lei. Assim, dito instrumento pode continuar sendo definido como "contrato por meio do qual os entes da Federação consorciados comprometem-se a fornecer recursos para a realização de despesas do consórcio público" [69]. E existe expressa previsão de que esta modalidade de financiamento se constitui na única forma possível de repasse de recursos dos entes federativos ao consórcio público [70] que integram.

O legislador também houve por bem referir explicitamente a vedação da aplicação dos recursos transferidos ao consórcio no atendimento de despesas genéricas, aí incluídas as transferências e operações de crédito [71]. Pretendeu, certamente com tal medida, impedir que o instituto consorcial se transforme em forma indevida de desvio de verbas públicas, merecendo elogio pela prudência verificada. Assim, os recursos advindos dos entes consorciados deverão, por força de lei, ser efetivamente empregados nas atividades que guardem relação com a finalidade do consórcio criado, discriminadas especificamente nos controles financeiro e contábil do consórcio.

Contudo, houve algumas modificações quanto às suas características concebidas no PL n.º 3.884/04, valendo destacar que a lei editada não ratificou o entendimento expresso no projeto de lei de que tal contrato seria regido pelas normas do direito privado. E pensa-se que novamente andou bem o legislador nesse aspecto, pois além de o próprio objeto do contrato ser prestação de serviço público, os sujeitos envolvidos são pessoas de direito público interno, portanto, não existindo razão para que o dito contrato obedecesse aos princípios e normas do direito privado.

Portanto, o ente federativo que desejar firmar contrato de rateio, deverá obedecer aos princípios regentes da Administração Pública, em especial o da legalidade. Quer-se com isso concluir que a firmatura de contrato de rateio por parte de um ente federativo deverá ser precedida da indispensável autorização legislativa, consubstanciada na necessária previsão de dotação na lei orçamentária respectiva (para a celebração do contrato de rateio no exercício seguinte) ou de lei que abra créditos especiais (para a celebração de contrato de rateio dentro do mesmo exercício) [72].

Com relação aos requisitos formais atinentes à sua celebração, a Lei Consorcial silenciou a respeito, diferentemente do projeto que a antecedeu, que previa que dito instrumento seria formalizado a partir da aprovação e publicação da proposta ou reformulação orçamentária [73] do consórcio público. Portanto, agora, no plano legal, inexiste requisito temporal determinado para a celebração do contrato de rateio. Contudo, o momento indicado pelo PL n.º 3.884/04, a toda evidência, apresenta-se de todo adequado, tendo-se em vista que somente após a publicação da proposta orçamentária do consórcio é que se terá um parâmetro quantitativo do custeio da instituição e/ou manutenção do consórcio público a ser rateado entre os entes consorciados.

Além disso, confirmando a concepção idealizada no projeto de lei, a Lei Consorcial explicitou que "o contrato de rateio será formalizado em cada exercício financeiro e seu prazo de vigência não será superior ao das dotações que o suportam" [74], ressalvados os contratos que tenham por objeto exclusivo programa ou ação contemplada em plano plurianual ou gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou preços públicos.

Outra diferença em relação ao PL n.º 3.884/04 é que o Marco Regulatório dos Consórcios Públicos não ratificou a faculdade legal prevista inicialmente [75], que garantia ao ente contratante, na superveniência de dificuldades financeiras, o direito a diminuir o valor dos pagamentos previstos no contrato de rateio. E também se elogia esta supressão porque dita faculdade, que aparecia no texto do projeto como uma exceção, provavelmente, se transformaria em regra, se fosse convalidada pela norma regulatória, tendo-se em vista a cultura da falta de planejamento que ainda grassa entre nós. Como conseqüência, os consórcios acabariam por se tornarem inviáveis, sob o ponto de vista financeiro, pela falta de comprometimento por parte dos consorciados. Assim, diante da inexistência de previsão legal autorizadora de diminuição do valor da cota de rateio, o ente federativo efetivamente se empenhará em cumprir o acordado, mesmo porque a inexistência de "dotações suficientes para suportar as despesas assumidas por meio de contrato de rateio" passa a constituir motivo de exclusão do consórcio público [76], além de configurar ato de improbidade administrativa do gestor responsável [77].

Portanto, o contrato de rateio é o instrumento legitimador das obrigações financeiras dos entes participantes do consórcio, que deverá ser minudentemente observado pelos gestores dos entes consorciados, pena de responderem pessoalmente pelos danos que vierem a causar ao erário.

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Sobre o autor
Cleber Demetrio Oliveira da Silva

Sócio da Cleber Demetrio Advogados Associados, da RZO Consultoria e Diretor Executivo do Instituto de Desenvolvimento Regional Integrado Consorciado (IDRICON21), Especialista em Direito Empresarial pela PUCRS, Especialista em Gestão de Operações Societárias e Planejamento Tributário pelo INEJE, Mestre em Direito do Estado pela PUCRS, Professor de Ciência Política no curso de graduação da Faculdade de Direito IDC, de Direito Administrativo em curso de pós-graduação do IDC e Professor de Direito Administrativo e Direito Tributário em cursos de pós-graduação do UNIRITTER da rede Laureate International Universities.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Cleber Demetrio Oliveira. Lei nº 11.107/05:: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 705, 10 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6872. Acesso em: 26 abr. 2024.

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