O princípio da proporcionalidade no direito penal constitucional

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03/09/2018 às 09:19
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5 DIMENSÃO DA ADEQUAÇÃO E O FIM DA PENA           

A dimensão da adequação do Princípio da Proporcionalidade em matéria criminal impõe realizar uma investigação entre o fim visado com a imposição da sanção penal e os resultados efetivamente obtidos, posto que a intervenção penal, com o sacrifício de bens jurídicos (liberdade, patrimônio, entre outros), em razão da proteção de outros bens jurídicos, só se revela constitucionalmente adequada quando a pena busque uma finalidade.

O juízo de adequação é realizado primeiramente, em regra, pelo legislador que pondera entre o mal causado pela pena e o fim que se busca alcançar com a sanção penal. Em um segundo momento da mesma forma a jurisprudência e a doutrina realiza um juízo concreto de adequação entre a pena imposta e os resultados efetivamente alcançados com a imposição da sanção penal.

Cabe acrescentar que, embora o trabalho divida o juízo de adequação em dois momentos, tal divisão não é absoluta e estática, posto que, ora uma ou outra, as situações podem se inverter, como por exemplo: o legislador pode através de um juízo de adequação concreto revogar uma lei que tipifica uma conduta.

Ademais, a própria função judiciária em controle concentrado de constitucionalidade pode realizar um juízo de adequação em abstrato, sem que tenha ocorrido ainda a aplicação da sanção penal objeto de controle de constitucionalidade.

Fixadas as premissas necessárias ao juízo de adequação cabe o estudo das teorias do fim da pena, entre as quais a teoria retributiva, da prevenção especial e da prevenção geral, sendo que somente as duas últimas podem ser legalmente aceitas em um Estado Democrático de Direito.

No que concerne às teorias dos fins da pena, cabe distinguir as teorias absolutas e relativas, sendo a primeira conceituada, como aquelas que concebem a pena como um fim em si mesmo, ou seja, uma compensação do mal causado pelo crime, enquanto as teorias relativas consideram e justificam a pena enquanto meio para a realização do fim utilitário da prevenção. Nesse sentido, Ferrajoli (2002):

São teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concebem a pena como um fim em si própria, ou seja, como castigo reação, reparação ou, ainda, “retribuição” do crime, justificada pelo seu intrínseco valor axiológico, vale dizer, não um meio, e tampouco um custo, mas, sim, um dever ser metajurídico que possui em si seu próprio fundamento. São, ao contrário, “relativas” todas as doutrinas utilitaristas, que consideram e justificam a pena enquanto meio para a realização do fim utilitário da prevenção de futuros delitos. (FERRAJOLI, 2002, p. 204)

A primeira teoria do fim da pena é a absoluta em sua dimensão retributiva que defende a ideia equivocada que a pena é uma mera retribuição ao mal causado pelo crime, ou seja, a pena seria uma espécie de vingança privada institucionalizada, razão pela qual inaceitável em um Estado Democrático de Direito que tem como pilares a Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da Proporcionalidade. Segue a lição de Dias (2012):

A doutrina da retribuição deve ser recusada ainda pela sua inadequação à legitimação, à fundamentação e ao sentido da intervenção penal. Estas podem apenas resultar da necessidade, que ao Estado incumbe satisfazer, de proporcionar as condições de existência comunitária, assegurando a cada pessoa o espaço possível de realização livre da sua personalidade. Só isto pode justificar que o Estado furte a cada pessoa o mínimo indispensável de direitos, liberdades e garantias para assegurar os direitos dos outros e, com eles, da comunidade. Para cumprimento de uma tal função a retribuição, a expiação ou a compensação do mal do crime constituem meios inidôneos e ilegítimos. O Estado Democrático, pluralista e laico dos nossos dias não pode arvorar-se em entidade sancionadora do pecado e do vício, tal como uma qualquer instância os define, mas tem de limitar-se a proteger bens jurídicos; e para tanto não pode servir-se de uma pena conscientemente dissociada de fins, tal como é apresentada pela teoria absoluta (do latim absoluta, terminologicamente: desligada). Daí que tão pouco possa ver-se o Estado como instância destinada a realização terrena da ideia pura da “Justiça” como uma espécie de Ersatz da Justiça divina (DIAS, 2012, p. 48).           

As Teorias Relativas, ao contrário, se fundamentam nos critérios da prevenção geral e especial, sendo que a prevenção geral se divide em negativa e positiva.

A teoria da prevenção geral negativa ou por intimidação defende a ideia que a pena imposta ao autor da infração intimida aos demais membros da sociedade para se absterem de praticar tais condutas pelo temor causado pela punição.

Por sua vez, a teoria da prevenção geral positiva trabalha com a ideia de que a pena funciona como fator de integração social infundindo na sociedade a necessidade de respeito aos valores e a fidelidade ao direito. Nesse sentido, veja a lição de Queiroz (2001):

“Para os defensores da prevenção integradora ou positiva, a pena presta-se não a prevenção negativa de delitos, demovendo aqueles que já tenham incorrido na prática de delito; seu propósito vai além disso: infundir, na consciência geral, a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito; promovendo em última análise a integração social”. (QUEIROZ, 2001, p. 40)           

Insta salientar que a Teoria da prevenção especial também se divide em negativa e positiva, pela prevenção especial negativa há a retirada do agente do convívio social, ou seja, a neutralização do agente com a imposição de uma pena privativa de liberdade. Veja a lição de Greco (2013):

[...] pela prevenção especial negativa existe a neutralização daquele que praticou a infração penal, com sua segregação no cárcere. A retirada momentânea do agente do convívio social o impede de praticar novas infrações penais, pelo menos na sociedade do qual foi retirado. (GRECO, 2013, p. 107)

A prevenção especial positiva, por sua vez, se fundamenta na ideia de ressocialização, ou seja, a pena teria a tarefa de fazer com que o agente refletisse sobre seu comportamento obstando, assim, que o indivíduo volte a reincidir na prática de novas infrações. Nesse sentido veja o magistério de Roxin citado por Greco:

Pela prevenção especial positiva, segundo Roxin, “a missão da pena consiste unicamente em fazer com que o autor desista de cometer novos delitos”. Denota-se, aqui, o caráter ressocializador da pena, fazendo com que o agente medite sobre o crime, sopesando suas consequências, inibindo-o ao cometimento de outros. (ROXIN apud GRECO, 2013, p. 107)           

Ante o exposto, no Estado Democrático de Direito a pena deve visar um fim de prevenção seja geral ou especial, negativo ou positivo, sendo inconstitucional toda e qualquer teoria retributiva, haja vista que a restrição ou privação de direitos fundamentais só estará legitimada quando, com a medida, atingir um fim social maior.

Assim, nos casos dos crimes de porte de drogas para uso próprio previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006, no crime de manter casa de prostituição previsto no art. 229 do CP e no crime de aborto arts. 124 e 126 do CP a punição penal não atinge nenhum propósito de prevenção, pois não intimida e não ressocializa, mas ao contrário estigmatiza.

Acrescente-se que é imperioso reconhecer que a criminalização do aborto não inibe a sua prática, haja vista que nos deparamos constantemente com notícias de fechamento de clínicas clandestinas de aborto em que milhares de mulheres e seus fetos perdem todos os dias suas vidas.

O crime de porte de drogas para uso próprio, previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006 também revela que a punição penal é socialmente inadequada, posto que, sem adentrar eventuais discussões sobre se a conduta seria crime, contravenção ou uma infração sui generis, a criminalização da conduta não inibe a prática de tal crime e ainda aumenta o número de infrações relacionadas ao tráfico de entorpecentes.

Ante o exposto, a dimensão da adequação do Princípio da Proporcionalidade é um parâmetro hermenêutico constitucional que impõe ao intérprete um juízo entre o fim visado com a pena e o resultado efetivamente alcançado de modo a considerar atípica a conduta cuja punição penal se revele inadequada.

Adiante será abordado a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito visando encerrar o processo de aplicação e sistematização do Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal.


6 PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO

No Estado Democrático de Direito a privação ou restrição aos direitos fundamentais de um ser humano só restará legitimada quando, a partir de um juízo de ponderação racional a medida se mostrar necessária, adequada e proporcional. A pena tem de ser necessária à preservação de bens jurídicos indispensáveis a manutenção e desenvolvimento da sociedade, adequada ao fim de prevenção, e, por fim tem de haver proporcionalidade entre o mal causado pela pena e o fim visado com a punição penal.

Assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito no âmbito penal impõe uma ponderação entre as vantagens e desvantagens em prevalecer um ou outro direito fundamental, ou seja, verificar se a medida adotada não sacrificou direitos fundamentais mais importantes do que aquela que se buscou preservar.

No contexto brasileiro há um processo de midiatização do processo penal de caráter punitivista, fruto de jornais policialescos, apresentados por jornalistas preocupados tão somente com o aumento de telespectadores.

O fenômeno de midiatização do processo penal acaba por infundir na população em geral a ideia equivocada que as penas no Brasil são muito brandas e que esse é o motivo do alto índice de criminalidade em nosso país.

 A ideia de agravamento das penas como meio de evitar a criminalidade há muito tempo foi superada por Beccaria (1764) que defendia, na sua obra dos Delitos e das Penas, que “quanto mais atrozes forem os castigos, tanto mais audacioso será o culpado para evita-los. Acumulará os crimes, para subtrair-se à pena merecida pelo primeiro”. (BECCARIA, 1764, p. 86)

O jurista defendia que o meio mais eficaz de reduzir a criminalidade é a prontidão da imposição penal, posto que somente assim a pena cumpriria sua função de prevenção. Nesse sentido, Beccaria (1764):

Quando o delito é constatado e as provas são certas, é justo conceder ao acusado o tempo e os meios de justificar-se, se lhe for possível, é preciso, porém, que esse tempo seja bastante curto para não retardar demais o castigo que deve seguir de perto o crime, se quiser que o mesmo seja útil contra os celerados. (BECCARIA, 1764, p. 74)                                                                                          

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Esse cenário de midiatização do processo penal, acarreta na criminalização de condutas, sem a obediência de um devido processo legislativo, criando-se penas extremamente desproporcionais, posto que o legislador como forma de satisfazer seu eleitorado elabora imediatamente uma lei em resposta a um crime, porém não observa a sistematicidade do Direito Penal criando verdadeiras aberrações jurídicas.

Um exemplo de violação do Princípio da Proporcionalidade é o art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro, que impõe pena de detenção de seis meses a dois anos para quem praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (BRASIL, 2018).

O Código Penal no art. 129 (BRASIL, 2018), por sua vez, impõe no caso de lesão corporal dolosa leve a pena de detenção de três meses a um ano, ou seja, no caso de um mesmo indivíduo, com vontade e consciência, na direção de veículo automotor, decida ofender a integridade física de outrem e cause uma lesão corporal leve, sua pena será inferior àquela que lhe será imposta caso por negligência, imprudência ou imperícia pratique lesão corporal leve na direção de veículo automotor.

Assim, a proporcionalidade em sentido estrito impõe ao hermeneuta Constitucional a tarefa de afastar a tipicidade de certas condutas que, embora formalmente típicas, sua punição se revelem aptas a causar maiores prejuízos sociais e ainda atribui ao exegeta a tarefa de buscar a sistematização do Direito Penal através de imposições de penas proporcionais ao delito através de uma analogia in bonam partem.

Nessa ótica, a criminalização da prática do aborto até a 12ª semana de gestação deve ser afastada, posto que vem acarretando enormes prejuízos sociais com a morte de milhares de mulheres e seus fetos, não importando em diminuição das práticas abortivas e aumentando a criminalidade com clínicas clandestinas de aborto. Nesse sentido, veja um excerto do voto do Min. Barroso (2017) no HC 124.306/2017:

[...] A tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de abortos praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios (BRASIL,  2017, p. 2, grifo nosso). 

Ante o exposto, a aplicação da dimensão da proporcionalidade em sentido estrito é tarefa precípua do aplicador do direito que deve, ao impor uma sanção penal, realizar um juízo de ponderação entre o mal causado pelo crime e a pena imposta, de modo a afastar a tipicidade de condutas cujas punições a partir da constatação da realidade social não atendam os fins do Direito Penal no Estado Democrático de Direito, causando maiores violações aos direitos fundamentais.

Ademais, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito do princípio da Proporcionalidade contribui para que o hermeneuta constitucional efetive uma interpretação sistemática dos diversos dispositivos penais efetivando a unidade do ordenamento jurídico e corrigindo as vicissitudes do processo legislativo penal na cominação de penas desproporcionais.

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Sobre o autor
Sanges Morais

Advogado militante; Graduado em Direito pela PUC MINAS; Pós-graduando em Direito Penal pela Faculdade Internacional Signorelli; Pós-graduando em Direito Processual pela PUC MINAS; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 2º semestre 2012; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 1º semestre 2013; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 1º semestre 2014; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 2º semestre 2014; Estagiário na Turma Recursal dos Juizados Especial Federal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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