Feminícidio: a manifestação mais extrema da violência contra a mulher

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Define-se como violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou proximidade com o agressor.

Resumo: Define-se como violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou proximidade com o agressor. Não obstante os diversos tipos de violência que vitimam as mulheres diariamente, a privação da vida é a manifestação mais extrema dessa violência. Define-se como feminicídio o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher e é praticado, majoritariamente, por parceiros íntimos. Este artigo tem como objetivo discutir e proporcionar uma breve reflexão sobre os tipos de violência contra a mulher até chegar ao feminicídio, bem como a sua tipologia e caracterização, suas causas e o que a legislação nos diz sobre o assunto.

Palavras-Chave: Violência de gênero, Feminicídio, Violência contra a mulher, legislação, privação da vida.


INTRODUÇÃO

Todo e qualquer ato decorrido de uma situação de gênero, na vida pública ou privada, que tenha como resultado dano de natureza física, sexual ou psicológica, incluindo ameaças, coerção ou a privação arbitrária da liberdade é caracterizado como violência contra a mulher. (ADEODATO, 2006 Apud FONSECA & LUCAS, 2006). A violência contra a mulher geralmente tem como agressor alguém que já manteve, ou ainda mantém, uma relação íntima com a vítima, o que não significa, entretanto, que o agressor não possa ser um desconhecido. Pode se caracterizar de diversos modos, desde marcas visíveis no corpo, caracterizando a violência física, até formas mais sutis, porém não menos importantes, como a violência psicológica, que traz danos significativos à estrutura emocional da mulher. (FONSECA & LUCAS, 2006).

Toda mulher em situação de violência pode contar com a rede de apoio como: Casa abrigo, defensoria da mulher, delegacia especializada de atendimento à mulher, entre outras.

De acordo com Meneguel & Portella (2017) o feminicídio, termo usado pela primeira vez em 1976 por Diana Russel é o que caracteriza a etapa mais extrema da violência contra a mulher e pode ser dividido em três tipos: feminicídio íntimo, feminicídio não íntimo e feminicídio por conexão (ROMERO, 2014 Apud OLIVEIRA et al, 2015). Destacando-se entre esses três tipos o feminicídio íntimo, que é aquele que mais acomete as mulheres atualmente.

A discussão desse assunto é de suma importância, visto que o Brasil é um país onde muitas mulheres são vítimas de violência diariamente, por isso se faz necessário uma mínima compreensão dessa realidade tão fragilizada vivida pelas vítimas e seus familiares.


Violência contra Mulher

A violência contra a mulher tem causado enorme impacto na sociedade, com intenso enfoque e repercussão sobre diversos tipos de violência contra a mulher em destaque o nome dado a isso de acordo com Meneghel & Portella (2017), é o feminicídio onde O termo descreve o assassinato de mulheres por homens motivados pelo ódio, desprezo, prazer ou sentimento de propriedade.

O conceito de feminicídio foi utilizado pela primeira vez por Diana Russel em 1976, perante o Tribunal Internacional Sobre Crimes Contra as Mulheres, realizado em Bruxelas, para caracterizar o assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres definindo-o como uma forma de terrorismo sexual ou genocídio de mulheres. [...] O feminicídio, assim, é parte dos mecanismos de perpetuação da dominação masculina, estando profundamente enraizado na sociedade e na cultura.  (MENEGHEL & PORTELLA 2017, p. 3079)

De acordo com Day et al (2003) a violência contra mulher é algo que se tornou difundido diante o abuso dos direitos humanos, e o que é menos reconhecido.

A Assembleia Geral das Nações Unidas, de 1993, definiu oficialmente a violência contra as mulheres, como: “Qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual, psicológico ou sofrimento para a mulher, inclusive ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da liberdade, quer ocorra em público ou na vida privada”. (DAY et al, 2003, p. 15).

Segundo o artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 a Lei Maria da Penha, descrito em Conselho Nacional de Justiça, a violência contra a mulher ocorre das seguintes formas:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.[1]     

A violência em si abrange toda a sociedade não distinguindo cor, raça, crença, valores morais, classe média ou baixa, ela infelizmente atinge a todos os tipos de pessoas independentemente de classe social. De acordo com Oliveira (2015), mesmo atingindo todas as classes sociais, a que mais apresenta alto nível de denúncias é a classe baixa, devido a classe alta ter medo e vergonhas de exposições nos diversos tipos de mídias.

Considerando-se o gênero, a violência contra mulheres constitui-se em um grande problema de saúde pública, levando à violação de direitos humanos. Dentre as formas mais generalizadas de violência contra a mulher, destacam-se a violência física praticada por parceiro íntimo e a violência sexual. Para compreender a temática da violência doméstica contra a mulher como uma das formas de violência de gênero, consideram-se, nesse conceito, as relações de poder e a distinção entre papéis culturalmente atribuídos a cada um dos sexos e suas peculiaridades biológicas. Os fatos têm demonstrado que dificilmente esse poder beneficia as mulheres, majoritariamente alvo da violência de gênero. Estudos apontam que parceiros e ex-parceiros são os principais autores da violência doméstica contra a mulher. (OLIVEIRA, 2015, p. 197)

Considerando as redes de apoio à mulher em situação de violência descrita em Presidência da República Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres[2] encontra-se os seguintes meios:

Centro de Referência: que visa o atendimento psicológico, social e acolhimento as vítimas se necessário encaminhado para orientação jurídica à mulher em situação de violência;

Casa abrigo: locais seguros para as mulheres que necessitam de moradia e atendimento integral em situações de riscos;

Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher: unidades especializadas da Polícia Civil, atendimento de caráter preventivo e repressivo;

Defensorias da mulher: finalidade de dar assistência jurídica, orientar e encaminhar mulheres em situação de violência. 

Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher: são órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal que poderão ser criados pela União;

Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180: A Central de Atendimento à Mulher é um serviço do governo federal que auxilia e orienta as mulheres em situação de violência através do número de utilidade pública 180;

Ouvidorias: A Ouvidoria é o canal de acesso e comunicação direta entre a instituição e o(a) cidadã(o). É um espaço de escuta qualificada, que procura atuar através da articulação com outros serviços de ouvidoria em todo o país;

Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS): Os Centros de Referência da Assistência Social fazem parte do PAIF (Programa de Atenção Integral à Família) e desenvolvem serviços básicos continuados e ações de caráter preventivo para famílias em situação de vulnerabilidade social. Os CREAS, por outro lado, são responsáveis pela proteção de famílias e indivíduos que tenham seus direitos violados e que vivam em situações de risco pessoal e social;

Serviço de Responsabilização e Educação do Agressor: é o equipamento responsável pelo acompanhamento das penas e das decisões proferidas pelo juízo competente no que tange aos agressores, conforme previsto na Lei 11.340/2006 e na Lei de Execução Penal;

Polícia Civil e Militar: A Delegacia comum também deve registrar toda e qualquer ocorrência oriunda de uma mulher vítima de violência. São os profissionais da Polícia Militar que muitas vezes, fazem o primeiro atendimento ainda na residência ou em via pública, realizando então o primeiro atendimento e encaminhando para outros serviços da rede.

Instituto Médico Legal: O IML desempenha um papel importante no atendimento à mulher em situação de violência, principalmente as vítimas de violência física e sexual. Sua função é decisiva na coleta de provas que serão necessárias ao processo judicial e condenação do agressor.

Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos casos de violência sexual: A área da saúde, por meio Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, tem prestado assistência médica, de enfermagem, psicológica e social às mulheres vítimas de violência sexual, inclusive quanto à interrupção da gravidez prevista em lei nos casos de estupro.

Como afirma Day et al, (2003) as consequências negativas da agressão atingem a saúde física e emocional das mulheres, o bem-estar de seus filhos e até a conjuntura econômica e social das nações, seja imediatamente ou a longo prazo.


CONCEITO E ORIGEM DO FEMINICÍDIO

As mortes de mulheres por questões de gênero, chamadas de feminicídio, estão presentes nos diferentes contextos sociais e são oriundas de uma cultura de dominação e desequilíbrio de poder existente entre os gêneros masculino e o feminino, que, por sua vez, produz a inferiorizarão da condição feminina, resultando em violência extremada com a qual se ceifa a vida de muitas mulheres (OLIVEIRA et al, 2015).

Para a compreensão do feminicídio é pertinente o entendimento do conceito de gênero, que é uma construção social que transcende o aspecto biológico. As relações existentes sobre o gênero sofrem influências dos fatores culturais, econômicos, políticos e sociais que contribuem para a formação da identidade (CARDOSO, 2011 Apud TOLOSA, 2017). Sua origem é remota, imensurável no tempo e se projeta nas mais variadas estruturas sociais, desde as atividades produtivas, baseadas na divisão sexual do trabalho, até nas atividades reprodutivas, correspondentes aos papéis do homem e da mulher na reprodução humana. Ser masculino e/ou ser feminino não é uma condição meramente natural, tão pouco aleatória, mas uma construção sociocultural que impõe a superioridade de um (masculino) sobre o outro (feminino) (BOURDIEU, 2010 Apud OLIVEIRA et al, 2015).

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A diferença entre os conceitos de “sexo” e “gênero” se dá pelo fato do primeiro conceito estar relacionado às diferenças biológicas entre o homem e a mulher e “gênero” diz respeito às construções sociais de identidades, funções e atributos do homem e da mulher. É importante esclarecer que as diferenças na categoria gênero não estão na esfera genética entre homem-mulher, e sim em distinções que foram construídas socialmente para se caracterizar o masculino e o feminino, possibilitando a melhor compreensão destas representações sociais criadas historicamente, seja nos âmbitos cultural, religioso, racial, étnico, regional, econômico e político. Logo, o gênero é uma construção social atribuída ao sexo, tendo múltiplas identidades, podendo ser dinâmicas e contraditórias (CARDOSO, 2011 Apud TOLOSA, 2017 p. 24).

De acordo com Romero (2014, Apud OLIVEIRA et al, 2015) o feminicídio é caracterizado por todo e qualquer ato de agressão derivado da dominação de gênero, cometido contra um indivíduo de sexo feminino, ocasionando sua morte. Nessa perspectiva, o assassinato de mulheres pode ser realizado por pessoas próximas das vítimas, como namorados, maridos e/ou companheiros, outros membros da família ou por desconhecidos.

A morte de mulheres decorrente pela condição de gênero tem aumentado e a maneira de como ele é perpetrado chama atenção devido a crueldade (WAISELFISZ, 2015 Apud TOLOSA, 2017).


FEMINICÍDIO - A LEI 13.104/15

A Lei nº 13.104, de 09 de março de 2015, categoriza as mortes de mulheres por razões de gênero como Feminicídio, sendo considerado um tipo de homicídio qualificado, incluso no rol dos crimes hediondos, sendo inafiançável e sem redução da pena, variando de 12 a 30 anos, tendo aumento de pena caso o assassinato tenha sido cometido contra gestante ou nos três meses posteriores ao parto; contra menores de 14 anos, maior de 60 anos ou pessoa portadora de deficiência; e ainda em caso de homicídio na presença de descendente ou ascendente da vítima (BRASIL, 2015 Apud TOLOSA, 2017).

Homicídio simples

Art. 121.........................................................................

Homicídio qualificado

§ 2o ................................................................................

Feminicídio

VI - Contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

§ 2o -A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I - Violência doméstica e familiar;

II - Menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Aumento de pena

§ 7oA pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I - Durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II - Contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima. ”(NR)

Art. 2o O art. 1o da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 1o .........................................................................

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121,

§ 2º , I, II, III, IV, V e VI);

................................................................................... (NR)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação. (BRASIL. Lei 13.104, de 03 de Março de 2015, CÓDIGO PENAL)

Para Tolosa (2017), a lei do feminicídio, aprovada em março de 2015, vem compor a aplicabilidade penal de modo mais severo e dar maior visibilidade a óbitos relacionados à violência de gênero, com intuito de conter este tipo de crime.

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Sobre os autores
Eva Daik Mengisztki

Acadêmica do 10º Período de Psicologia no Centro Universitário Campo Real, tendo como orientadora a Prof.ª. Regiane Bueno Araújo. Graduada em Letras pelo Instituto Federal do Paraná – IFPR. Especialista em Educação no Campo, pelas Faculdades CELER.

Taynara Cassimiro Dala Rosa

Acadêmica do 10º período de Psicologia, Centro Universitário Campo Real, Guarapuava-PR

Regiane Bueno Araújo

Orientadora da pesquisa. Docente no Curso de Psicologia da Faculdade Campo Real, Psicóloga, Mestranda pela Universidad de La Empresa - UDE em Ciências Criminológico-Forense; Graduada em Psicologia pela UNIPAR, Especialista em Análise do Comportamento Humano e Terapia Analítico Comportamental pela Unipar

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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