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O agente político e a contribuição à seguridade social

26/06/2005 às 00:00
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I- INTRODUÇÃO

            Muitas ações declaratórias estão sendo ajuizadas contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS- pelos agentes políticos ou pelos municípios, por força dos dispositivos constantes da Lei Federal 9.506, de 30 de outubro de 1997, que extinguiu o Instituto de Previdência dos Congressistas - IPC, a qual alterou a Lei Federal 8212/91, incluindo como segurados obrigatórios da Previdência Social, como empregado, o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social.

            Alguns têm obtido sucesso, alcançando até mesmo a concessão do instituto da tutela antecipada. Outros, não. Este escopo, de abordagem superficial, traça alguns argumentos a respeito dessa contribuição, questionando a sua legalidade.


II- DA LEI FEDERAL Nº 9.506/97

            A Lei Federal nº 9.506, de 30 de outubro de 1997, alterou a redação da Lei de Custeio da Previdência Social (Lei Federal 8.212/91), incluindo, como segurados obrigatórios da Previdência Social, como EMPREGADOS, os agentes políticos, quer na esfera federal, estadual ou municipal.

            Art

12. O Plano de Seguridade Social dos Congressistas será custeado com o produto de contribuições mensais:

            I - dos segurados, incidentes sobre a remuneração mensal fixada para os membros do Congresso Nacional e calculadas mediante aplicação de alíquota igual à exigida dos servidores.

            Art. 13 - (omissis)

            § 1º O inciso I do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar acrescido da seguinte alínea h :

            "Art.12.... ...............................................................................

            I -.... ................................................................................

            h) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência;"

            A Lei Federal suso referida, ainda no seu artigo 13, também alterou a Lei de Benefícios da Previdência Social (LF 8.213/91), no seu artigo 11, inciso I, letra "h":

            "Art. 11.... ................................................................................

            I -.... ................................................................................

            h) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social;"

            colando dispositivo que define, da mesma forma, os agentes políticos como segurados obrigatórios da Previdência Social e na condição de empregados.

            Ainda garimpando pela Lei Federal 9.506/97, verificamos:

            3º O inciso IV do art. 55 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação:

            "Art. 55.... ................................................................................

            IV - o tempo de serviço referente ao exercício de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não tenha sido contado para efeito de aposentadoria por outro regime de previdência social;

            ou seja, permitiu o cômputo do tempo de serviço referente ao exercício de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, com a condição de que não tenha sido contado para efeito de aposentadoria por outro regime de previdência social.

            Bem, dentro desse quadro, volvamos os olhos e a atenção para o que determina a Constituição Federal, no seu Capítulo II, da Seguridade Social, art. 195:

            Art.

195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

            I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

            a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

            b) a receita ou o faturamento;

            c) o lucro;

            * alíneas a, b e c, acrescentadas pela Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro de 1998.

            II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

            ------------

             1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.

            § 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos.

            -----------

            § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

            § 8º - O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.

            ---------

            §§ 9, 10 e 11, acrescentado pela Emenda Constitucional nº de 15 de dezembro de 1998.

            Assim sendo, notamos que o art. 195, da Constituição Federal de 1988 - Lei Maior - com seus parágrafos e incisos, grosso modo, determinaram quem financiaria, com que recursos, apresentou-nos uma pluralidade de contribuintes, quem estaria isento, etc. E é nesse confronto de normas constitucionais e infraconstitucionais que devemos nortear os argumentos.

            Se nos ativermos ao inciso I, do art. 195, da CF88, a Constituição utilizou a palavra EMPREGADORES e a expressão FOLHA DE SALÁRIOS. Ora, tais expressões são advindas do Direito do Trabalho. Portanto, a CF88 adotou o conceito do direito privado, qual seja, foram buscadas na seara trabalhista. E isso significa, acacianamente, que o valor semântico da palavra e da expressão utilizadas diz respeito tão-somente aos pagamentos efetuados em razão de vínculo de natureza trabalhista.

            Como a questão aqui é previdenciária e tributária, façamos visita ao Código Tributário Nacional:

            ART. 108 - Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

            I - analogia;

            II - os princípios gerais de direito tributário;

            III - os princípios gerais de direito público;

            IV - a eqüidade.

            § 1° O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. (grifo nosso)

            § 2° O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.

            Não nos recordamos (credite-se a uma memória já desgastada pelo tempo) onde lemos artigo interessante sobre o assunto que seria explicação extremamente didática para este caso. Mas, impossibilitado de utilizar das palavras precisas e objetivas do autor daquele artigo, usemos, então, as imprecisas e divagadoras deste escrevinhador. Em matéria tributária, o poder de tributar, conferido ao legislador, está atrelado a princípios e regras constitucionais enraizadas. Assim, não cabe ao legislador o arbítrio, ou seja, quando a Constituição Federal, que é a Lei Maior, adota certos conceitos de direito privado, limita e condiciona a atuação do legislador. Ora, em matéria tributária vale o que diz a norma. Tanto que o artigo 108, supratranscrito, em seu § 1º, alerta que o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei, assim como a equidade não poderá resultar na dispensa do pagamento do tributo devido. Essa limitação ao legislador se estende de forma mais aguda, ao administrador público. Se há impedimento ao legislador, imaginemos ao administrador!

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            E por que abordamos esse assunto? O art. 22, inciso I, da Lei Federal 8.212/91, em redação dada pela Lei Federal nº 9876, de 26 de novembro de 1999, quando dispôs sobre a contribuição a cargo da empresa, deixa claro que a exação incidiria sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços. É pacifico o entendimento que a relação jurídica existente entre o titular de mandato eletivo e o Município não é de emprego.

            Depois, a Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, diz, em seu art. 195, que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta ou indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,e acrescenta in fine AS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS do empregador, da empresa e DA ENTIDADE A ELA EQUIPARADA NA FORMA DA LEI, incidentes sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.

            Muito embora se possa admitir que as entidades públicas equiparem-se às empresas, por força do dispositivo supracitado, ainda assim, a cobrança, a nosso ver, seria indevida, porque viciada, ou seja, fica a patente impossibilidade de a Constituição Federal recepcionar norma legal que, quando de sua promulgação, não guardava a devida obediência aos princípios estabelecidos na Lei Maior. E fato ainda mais grave, quando nos reportamos à Constituição Federal e lemos esses mandamentos:

            Art.

195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

            § 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

            Art. 154 - A União poderá instituir:

            I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;(grifo nosso)

            Portanto, as normas constitucionais prevalecem e deixam mais que evidente que a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, desde que obedeçam ao disposto no art. 154, I, que, por sua vez, permite a instituição apenas MEDIANTE LEI COMPLEMENTAR. A LEI 9.506/97 É ORDINÁRIA (E NÃO COMPLEMENTAR).


III- O XIS DA QUESTÃO

            Embora tenhamos feito enfoques meio estanques, fácil deduzir o que é fundamental numa lide em que essa matéria seja discutida: há dois veios bem distintos - um é a contribuição a cargo da empresa ou, segundo o artigo supracitado, da entidade que paga ou remunera o segurado; outro é a contribuição a cargo do próprio segurado. O artigo 195 nos mostrou a diversidade no custeio das contribuições à Seguridade Social,portanto, bastante pluralizadas.

            Assim o xis da questão está na natureza da relação jurídica. Restringindo o campo para a área municipal, não se há que discutir a relação jurídica entre os detentores de mandato eletivo com a Seguridade Social (aqui o terreno é movediço!), mas sim, cremos, para que se obtenha êxito na lide, a relação do Município, que os remunera, com a Previdência Social. Isso porque se consagra o entendimento pacífico de que o Município não é considerado empregador de agentes políticos.


IV- CONCLUSÃO

            Dessarte, para que se tenha sucesso numa ação desse naipe, mister que a ação declaratória seja de inexistência de relação jurídica entre o Município, que é o órgão que remunera, e o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS - para quem a Lei Federal 9 506/97 manda contribuir, indevidamente, como vimos. Em não sendo o agente político um empregado, reitere-se, em que pese a aura do art. 195, inciso I, da CF88, cujo embrião se encontra na Emenda Constitucional citada, não há que se falar em contribuição à Seguridade Social. E mesmo que haja inteligência divergente neste aspecto, para que tenha validade, eficácia e seja constitucional, a Lei Federal em comento deveria ser lei complementar. E ela não o é.

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Sobre o autor
Wilson Paganelli

advogado e professor em Castilho (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAGANELLI, Wilson. O agente político e a contribuição à seguridade social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 721, 26 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6883. Acesso em: 20 abr. 2024.

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