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A homologação e execução de sentenças brasileiras nos Estados Unidos

16/06/2005 às 00:00
Leia nesta página:

1.Introdução

Ao contrário das dificuldades sobre a questão de homologação de sentenças estrangeiras no Brasil, a homologação de sentenças brasileiras nos países regidos pelo sistema anglo-americano (common law) não é controversa, sendo uma excelente opção para execução de créditos judiciais. A vasta maioria dos países regidos pelo sistema anglo-americano oferece resultados céleres e eficazes que devem ser considerados pelas partes que não obstante terem obtido êxito em seus processos, não querem se sujeitar ao prolongado processo de execução no Brasil.

Neste artigo serão abordados os procedimentos de homologação de sentenças nos Estados Unidos, considerando a possibilidade da homologação de sentenças proferidas no Brasil. [1]


A Homologação de Sentenças Brasileiras nos Estados Unidos

Primeiramente, deve-se entender que ao contrário do Brasil, é de competência das cortes estaduais a normatização do processo a ser utilizado para homologação de sentenças estrangeiras. Isso porque, na concepção federativa dos Estados Unidos, estabelecida em sua Constituição, a independência de cada estado é muito maior daquela que temos no Brasil.

A Uniform Foreign Money-Judgments Recognition Act ("UFMJRA") é uma lei modelo elaborada pela National Conference of Commissioners on Uniform State Laws, órgão que trabalha em prol da harmonização das normas em todo o país. O UFMJRA foi promulgado em mais de 30 Estados norte-americanos, entre eles encontram-se os Estados de Nova Iorque, Califórnia, Massachusetts, Texas e Flórida. O UFMJRA altera pouco as normas jurisprudenciais que regiam a matéria antes de sua promulgação (as normas provindas da common law).

A definição de "sentença estrangeira" na seção 1 do UFMJRA expressa que "qualquer sentença de um país estrangeiro deferindo ou indeferindo a recuperação de um valor em dinheiro" pode ser homologada nos Estados Unidos, desde que não seja uma sentença de cunho penal (multas e outras penas pecuniárias), tributário (para cobrança de tributos brasileiros) ou de direito de família (para cobrança de alimentos). [2] Destarte, a lei é bastante abrangente, permitindo a homologação da maioria das sentenças brasileiras, inclusive aquelas provindas dos tribunais do trabalho.

Em Hilton v. Guyot [3], a Suprema Corte dos Estados Unidos admitiu a possibilidade de homologação de sentenças estrangeiras no país, com base no respeito (comity) entre as nações. Porém, na época, condicionou a homologação à existência de reciprocidade por parte do país donde a sentença provém. Com o acórdão em Eire Railroad Co. v Tompkins [4] e, principalmente, com a promulgação do UFMJRA, esse requisito foi eliminado, não podendo ser utilizado como forma de oposição à homologação da sentença estrangeira.

As seções 2 e 3 do UFMJRA prevêem que uma sentença estrangeira será homologada quando esta for "final e conclusiva" e executável no local onde foi prolatada, mesmo que ainda esteja sendo recorrida ou que seja passível de recursos. O teor da sentença homologada terá o mesmo poder executório que uma sentença provinda de outro Estado norte-americano.

Na sua seção 4(a), a UFMJRA expressa que uma sentença não será considerada "conclusiva" se:

(1)o ordenamento jurídico de onde esta provém não proporciona tribunais imparciais ou procedimentos condizentes com o devido processo legal;

(2)o tribunal estrangeiro não tinha competência para citar o réu; ou

(3)o tribunal estrangeiro não tinha competência para resolver a lide.

Uma mera diferença processual entre o sistema norte-americano e o sistema brasileiro não será suficiente para impedir a homologação da sentença – tem de se haver "séria injustiça". [5]

Em certas circunstâncias, fica ao critério do tribunal perante a qual a sentença poderá ser homologada a homologação, ou não, da sentença. A seção 4(b) da UFMJRA lista as circunstâncias:

(1)se o réu não foi citado com tempo suficiente para se defender;

(2)se a sentença foi obtida por fraude;

(3)se a causa de pedir fere a ordem pública do Estado onde a sentença está sendo homologada;

(4)se a sentença conflita com outra sentença "final e conclusiva" já existente;

(5)se o processo no tribunal estrangeiro era contrário a um acordo entre partes determinando que a lide deveria ser resolvida de outra forma, que não por processo naquele tribunal; ou

(6)no caso da competência depender somente da citação pessoal, se o foro estrangeiro era "seriamente inconveniente" para o julgamento da ação.

Nesses quesitos é importante uma análise mais profunda do caso concreto, principalmente levando-se em consideração as diferenças dos sistemas jurídicos americano e brasileiro. Por exemplo, na recente decisão em HSBC USA, Inc. v. Prosegur Paraguay, S.A., [6] os tribunais paraguaios foram considerados demasiadamente "corruptos e inaptos" para que suas sentenças fossem passíveis de homologação nos Estados Unidos.

Ainda, ressalta-se a diferença sobre a determinação de competência com base na citação e dos princípios de forum non conveniens (parágrafo 4(b)(6)). O princípio do forum non conveniens rege que as cortes norte-americanas devem suspender o processo permanentemente se houver um outro foro mais conveniente para julgar a lide, independentemente se o foro mais conveniente estiver dentro ou fora do país – ao contrário do que ocorre nos artigos 88 a 90 do Código de Processo Civil.

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Execução da Sentença

Uma vez que a sentença é homologada pelo tribunal competente, a sentença passará pelos mesmos procedimentos de execução que uma sentença daquele foro teria; isto é, é um título executivo judicial com o mesmo teor de uma sentença local. Usa-se aqui a palavra "procedimentos", pois no sistema anglo-americano não há um processo separado para a execução da sentença judicial, somente procedimentos que se aplicam à sentença.

Os procedimentos disponíveis para o credor exeqüente variam de estado para estado, mas normalmente incluem a penhora dos bens (attachment) do devedor executado, inclusive de sua moradia; o re-direcionamento da receita do devedor executado, inclusive de seu salário; ou a denúncia do devedor executado por não cumprimento das ordens da corte (contempt of court). Esses procedimentos são obtidos através de petições junto às cortes, decididos sem citação da outra parte, ou mesmo automaticamente após o não cumprimento dos termos da sentença prolatada pela corte pelo devedor.

Se a sentença ainda estiver sujeita a recurso no tribunal brasileiro, poderá o réu no processo americano pedir a suspensão do processo de homologação. Fica ao critério do tribunal a suspensão ou não do processo, mas normalmente tais pedidos serão deferidos, garantindo a suspensão temporária do processo.


Comentário

Mesmo com o crescimento do comércio internacional e, principalmente, o aumento significativo das importações e exportações brasileiras, nos parece que a opção de executar os devedores no exterior é por muitos ignorada como alternativa viável. Vê-se que tanto empresas como indivíduos que tenham bens fora do país podem ter estes penhorados e vendidos para que suas dívidas judiciais sejam satisfeitas.

Como visto acima, a homologação de sentença brasileira no exterior pode ser um método de execução seguro e rápido, permitido que aqueles que já obtiveram seus direitos reconhecidos pelos tribunais brasileiros possam buscar, no exterior, aquilo que lhes é devido.


NOTAS

1 Cabe lembrar que o procedimento aplicável em outros países regidos pelo common law é bastante semelhante.

2 Existe um procedimento específico para cobrança de alimentos. O Ministério Público não pode cobrar tributos brasileiros nos Estados Unidos, nem executar quaisquer multas de natureza penal.

3 159 U.S. 113 (1895).

4 304 U.S. 64 (1938).

5Hilton v. Guyot 159 U.S. 113, 205 (1895).

6 2004 WL 2210283 (S.D.N.Y. 30 de setembro de 2004).

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Sobre o autor
Fabiano Deffenti

Fabiano Deffenti é inscrito nas ordens dos advogados de Nova York (como attorney-at-law), Austrália (como solicitor nos estados de Queensland e no Território da Capital Australiana), Nova Zelândia (como barrister and solicitor) e no Brasil (como advogado). Antes de ingressar no DEQ, trabalhou para duas das maiores bancas de advocacia da Austrália e foi sócio fundador de um dos maiores escritórios da região sul do Brasil, liderando o escritório de São Paulo. Tem ampla experiência na assessoria de clientes estrangeiros com negócios no Brasil, especialmente na formação de joint ventures e estabelecimento de novas operações no país, e também atua frequentemente para empresas exportadoras brasileiras com negócios no exterior ou envolvidas em arbitragens e litígios comerciais em outros países. Além de escrever vários artigos na Austrália, Brasil e Estados Unidos da América, Fabiano foi editor e escreveu dois capítulos no livro Introduction to Brazilian Law by Wolters Kluwer (1ª edição, 2011; 2ª edição 2016) e escreve regularmente em seu blog LawsofBrazil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DEFFENTI, Fabiano. A homologação e execução de sentenças brasileiras nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 711, 16 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6890. Acesso em: 22 dez. 2024.

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