Talidomida e Zika: O que elas têm em comum?

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O caso da talidomida

A legislação brasileira prevê alguns benefícios atípicos, administrados pelo INSS, como exemplo, a pensão concedida aos ex-combatentes, aos seringueiros, as vítimas fatais de hepatite tóxica, aos anistiados, aos afetados pela síndrome da talidomida etc[26].

Destacamos aqui o caso da síndrome da talidomida devido às semelhanças com os casos de microcefalia causadas pelo vírus da zika.

A talidomida é um medicamento que era consumido por grávidas na década de 60 para evitar os enjoos típicos da gravidez.

O medicamento foi desenvolvido na Alemanha em 1954. Em 1960 foram descobertos os efeitos na malformação do feto causados pelo uso do remédio, o medicamento ocasionava o encurtamento dos seus membros[27].

O Brasil, porém, proibiu a comercialização do remédio de forma tardia, por volta de 1965[28]. A demora do Estado em proibir a circulação do medicamento em território nacional, propiciou que mulheres gestantes fizessem uso do medicamento, causando essa malformação em seus filhos.

Em 1982, as crianças que nasceram com malformação congênita em decorrência do uso da talidomida por suas genitoras passaram a ter direito a uma pensão especial vitalícia (lei n° 7.070/82). O benefício tem natureza indenizatória, podendo assim ser cumulado com outros benefícios previdenciários, exceto aqueles decorrentes da mesma lesão. Também devido a sua natureza, sobre o benefício não incide imposto de renda[29].

Segundo Fábio Zambitte Ibrahim: “Dada a natureza indenizatória, a Pensão Especial aos Deficientes Físicos da Síndrome da Talidomida é inacumulável com qualquer rendimento, com indenização por danos físicos, com os benefícios assistenciais da LOAS ou com renda mensal vitalícia que, a qualquer título, venha a ser paga pela União; é acumulável, porém, com outro benefício do RGPS ou de qualquer outro regime”.[30]

A pensão vitalícia variava de meio a quatro salários mínimos de acordo com o grau de deformação gerado pela talidomida e pelo grau de dificuldades enfrentadas por essas pessoas: alimentação, higiene, deambulação e incapacidade para o trabalho[31]. Posteriormente, a lei n° 10.877/2004 vem regular hipótese de majoração do benefício à depender da idade, sexo e tempo de contribuição[32].

A MP n° 2.187-13/2001 em seu art. 13, acrescenta o p. 2° no art. 3° da lei n° 7.070/1982, visando tutelar o direito à majoração de 25% para aquele que, afetado pela síndrome da talidomida, tenha mais de 35 anos e necessite de assistência permanente.

Diversas foram as ações contra o Estado pleiteando indenizações por danos morais para as vítimas da talidomida devido a negligência do Estado em suspender o uso do medicamento no Brasil. As constantes perdas na esfera judicial, fizeram com que em 2010 fosse aprovada uma lei prevendo uma indenização por danos morais às pessoas afetadas pela síndrome (lei n° 12.190/10)[33]. O valor da indenização é fixo em R$ 50.000 multiplicado pelos pontos indicadores da doença e o grau de dependência que resulta da deformidade física.

A pensão vitalícia da talidomida é paga pela União, tendo como gestor o INSS.


Conclusão

Evidente a semelhança entre os casos de malformação congênita devido a síndrome da talidomida e a microcefalia causada pelo vírus da zika. Em ambos os casos, estamos diante de uma negligência do Estado que gerou consequências graves para muitas famílias brasileiras.

A omissão do Estado em adotar medidas necessárias para evitar danos à população é suficiente para gerar o dever de indenizar. Não pode o Estado se escusar de sua responsabilidade. Nas duas situações, não estamos falando de dano causado mediante a uma impossibilidade estatal de atuação, muito pelo contrário, em ambos estamos diante de casos de negligência.

Como corretamente exposto na justificação do PL n° 452/2017: “Ocorre que a erradicação deste mosquito, o Aedes aegypti, já era devida pelo Estado à cidadania há muitos anos, em razão das suas consequências danosas à saúde pública, principalmente em razão da dengue. Não se tratava e nem se trata, nem à época nem hoje, de obrigação para cujo cumprimento o Estado não disponha dos meios necessários. E mesmo que a cidadania possa ser chamada a dividir a responsabilidade com o Estado (por não fazer a parte “privada” do combate à proliferação do mosquito Aedes aegypti), ainda assim este deverá arcar com alguma responsabilidade.”[34]

O legislador não pode se abster de sua responsabilidade de zelar pela reparação dos dados causados às crianças que contraíram zika devido à omissão do Estado, devendo propor benefícios mais próximos à pensão especial da síndrome da talidomida. Em ambos os casos, as crianças que sofreram os efeitos de tais negligências tiveram danos permanentes. Porém, enquanto temos acertadamente para os afetados pela síndrome da talidomida uma pensão vitalícia, para os que sofrem de microcefalia foi concedido apenas um benefício assistencial de 3 (três) anos. Essas crianças necessitam de um suporte financeiro vitalício para garantir sua dignidade.

Importante destacar, que mesmo que os afetados pela microcefalia façam jus a uma pensão sem prazo pré-determinado através do LOAS, os critérios para a concessão desse benefício, como a renda familiar per capita de 1/4 do salário mínimo não deveriam ser aplicados aos “filhos da zika”. Em muitos casos, à depender do grau de dano causado pela doença, essas crianças não conseguirão se inserir no mercado de trabalho e não terão a oportunidade de desenvolver economia própria. Para além disso, muitas mães, em sua maioria pobres e nordestinas, tiveram que deixar seus empregos para se dedicar aos cuidados exigidos pelo menor. Evidente o impacto na renda familiar.

A Lei n° 7.070/1982, que dispõe sobre a pensão especial para os acometidos pela síndrome da talidomida, não requer nenhum requisito de renda familiar para a concessão do benefício, tal condição também não deveria ser aplicada às crianças que sofreram de microcefalia em decorrência da zika.

Parece mais razoável que, para os afetados pela microcefalia devido ao vírus da zika, seja criada uma regulamentação específica para definir um benefício vitalício, indenizatório, concedido como pensão especial em valor a ser determinado de acordo com o grau de deficiência, nos mesmos moldes da pensão especial da síndrome da talidomida.

Ao pensarmos nos benefícios que devem ser disponibilizados aos “filhos da zika”, é necessário fazermos um paralelo com os concedidos aos afetados pela síndrome da talidomida, pois ambos os benefícios decorrem de um único e mesmo motivo: danos permanentes devido a negligência do Estado que atingem fundamentalmente o feto. Assim, importante levar em conta a experiência sobre as necessidades desse menor, em parte, já aprendidas nos casos da talidomida.


Referências:

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Sobre o autor
Priscila Machado de Almeida Duarte de Sousa

Advogada. Formada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Possui MBA em Gestão de Pessoas pela PUC-RIO. Atualmente cursa especialização em Direito do Trabalho na PUC-MINAS e em Direito Previdenciário no Legale/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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