Pelo regime do Código Civil de 2002, artigo 1.647, III, nenhum dos cônjuges, salvo o caso de regime de casamento de separação absoluta, pode conceder aval sem autorização do outro, que pode demandar a invalidação do aval nos termos do artigo 1.642, IV.
Sob a vigência do Código Civil de 2002, é válido o aval prestado em notas promissórias sem a outorga conjugal, já que nesses casos se aplica a legislação especial que rege as promissórias, a qual dispensa a autorização do cônjuge.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o recurso e manteve acórdão que julgou válido o aval prestado por uma dupla de empresários sem a assinatura da esposa e da companheira.
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, embora a ausência de outorga não tenha o efeito de invalidar o aval, o cônjuge e a companheira não podem suportar com seus bens a garantia dada sem o seu consentimento, e deve ser protegida a meação quanto ao patrimônio comum do casal, conforme decidido no acórdão recorrido.
Assim julgou o STJ quando do REsp nº 1.644.334 – SC.
O aval é ato de garantia pessoal, pelo qual o avalista se torna responsável cambiário pelo titulo de crédito, nas mesmas condições assumidas pelo devedor por ele avalizado.
Até o advento do CC/02, bastava, para tanto, uma simples declaração escrita de vontade; o art. 1.647, III, do CC/02, no entanto, passou a exigir do avalista casado, exceto se o regime de bens for o da separação absoluta, a outorga conjugal, sob pena de ser tido como anulável o ato praticado.
A matéria está agora regida pelo artigo 1.647, III, do Código Civil.
Há julgados do STJ no sentido de que “o aval prestado sem a devida outorga uxória não possui validade. Sua anulação não tem como consequência preservar somente a meação, mas torna insubsistente toda a garantia” (AgInt no AREsp 928.412/PR, 4ª Turma, julgado em 18/10/2016, DJe de 26/10/2016;AgInt no REsp 1.028.014/RS, 4ª Turma, julgado em 16/08/2016, dentre outros: REsp 1.472.896/SP, REsp 1.082.052/RS, por exemplo.
O citado REsp 1.644.334 – CE adotou entendimento de Silvia Ferreira Persechini Mattos(Outorga conjugal no aval: uma análise no plano da eficácia do fato jurídico, 2012),quando afirmou que “ a exigência da autorização prévia do cônjuge para que, o outro possa dar aval afeta a função primordial dos títulos de crédito que é a dinamicidade e a rapidez de sua circulação, baseada em princípios como a literalidade, autonomia, abstratividade, bem como as características eminentemente cambiárias do aval".
“Convém ressaltar que os títulos de crédito são o principal instrumento de circulação de riquezas, em virtude do regime jurídico-cambial que lhes confere o atributo da negociabilidade, a partir da possibilidade de transferência do crédito neles inscrito”, comentou a ministra Nancy Andrighi.
A relatora disse ainda que esses títulos estão fundados em uma relação de confiança entre credores, devedores e avalistas, na medida em que os atos por eles lançados na cártula vinculam a existência, o conteúdo e a extensão do crédito transacionado.
Em matéria de aval (garantia nos títulos de crédito) ou fiança(garantia pessoal nos contratos), será anulável o que foi prestado sem o consentimento do cônjuge, por ser suscetível de colocar em risco os bens da família, como entendia Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil brasileiro, 24ª edição, pág. 212). Em seu entendimento, só tem legitimação para propor ação anulatória o consorte prejudicado que não deu aquela autorização ou seus herdeiros. A Súmula 322 do STJ é no sentido de que “a fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia”. Mas já se entendeu que a fiança (RT, 806:213; 803:266, 799: 387) ou o aval (RT, 799: 320, 784:301; 733:261, de outros, prestado por um dos cônjuges sem a outorga do outro é anulável e acarreta a responsabilidade pessoal do faltoso, pois os bens comuns, segundo alguns autores, não respondem pelo seu montante, só podendo o cônjuge fiador contar com sua meação depois de terminada a sociedade conjugal, devendo, então, responder com seus bens particulares. No passado, Orlando Gomes(Direito de Família, terceira edição, pág. 164) entendia ser inócua essa proibição, sob o prisma prático, porque não se estendia ao aval garantia especial dos títulos cambiais, cujas consequências eram bem mais graves. O marido podia avalizar títulos, sob o Código Civil de 1916, sem o assentimento do cônjuge, desfalcando o patrimônio comum (RT 567:126, 235: 484), ressalvando-se o disposto no artigo 3º da Lei 4.121/62. Hoje, com o Código Civil de 2002, tanto a fiança como o aval requerem outorga do consorte, se prestados pelo outro, sob pena de nulidade relativa do negócio jurídico, como acentuou Maria Helena Diniz (obra citada, pág. 213).
Já se entendeu que “o aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o inciso III do artigo 1647 apenas caracteriza a inoponibilidade do título ao cônjuge que não assentiu (TJSP, Ap. Cívl, 7.151.638-2, Relator Irineu Fava, j. 3 de outubro de 2007), dentre outros julgados.
Em sendo assim a questão passa do campo da invalidade do negócio jurídico para a sua ineficácia.
Lecionou Emílio Betti (Teoria do negócio jurídico. t. III. Coimbra: Coimbra Editora, 1970. p. 11.) a respeito do tema:
A invalidade é aquela falta de idoneidade para produzir, de forma duradoura e irremovível, os efeitos essenciais do tipo... que provém da lógica correlação estabelecida entre requisitos e efeitos, no mecanismo da norma jurídica... e é, ao mesmo tempo, sanção do ônus imposto à autonomia privada de escolher meios idôneos para atingir seus escopos de regulamentação dos interesses
A ineficácia por seu turno compreende a inaptidão temporária ou permanente do negócio jurídico em irradiar os efeitos próprios e finais que a norma jurídica lhe imputa. Conforme Manuel Antonio Domingues de Andrade:
O negócio jurídico é ineficaz quando por qualquer motivo legal não produz todos ou parte dos efeitos que, segundo o conteúdo das declarações de vontade que o integram, tenderia a produzir (Teoria geral da relação jurídica. Coimbra: Almedina, 1992, p. 411).
Desta forma, conquanto a ausência da outorga não tenha o condão de invalidar o aval prestado nas notas promissórias, emitidas a favor do credor de boa-fé, como se lê já no REsp 1.526.560/MG (julgado em 16 de março de 2017, DJe de 16 de maio de 2017), a conclusão que se tem do julgado, diante do Código Civil de 2002, é de que o aval em nota promissória sem outorga conjugal é válido, mas é ineficaz com relação ao cônjuge que não o consentiu.