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Recuperação judicial como instrumento de superação de momentos de crise financeira

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21/06/2019 às 14:20
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JURISPRUDÊNCIA

A jurisprudência demonstrada a seguir é um exemplo de aplicabilidade da nova Lei de Falência tendo em vista a busca pela preservação da Empresa, isto é, a função social da empresa. Nas pesquisas realizadas no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Minas Gerais constatam-se diversos casos em que se preconiza pela Recuperação da Empresa em vez de uma imediata falência, pois o impacto desta é muito grave para todos os envolvidos.

EMENTA: RECUPERAÇÃO DE EMPRESA - NOVA LEI Nº 11.101/2005 PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA – EXEGESE DA LEI QUE NÃO DEVE SER ESTRITA NEM LITERAL, MAS TELEOLÓGICA. A nova lei nº 11.101/2005 veio dar ênfase ao princípio da preservação da empresa, de modo a propiciar a sua interpretação não literal, mas teleológica. Permite-se a dilação do prazo previsto no artigo 6º, § 4º da Lei 11.101/2005, se comprovado nos autos motivos justificáveis, como a demora na publicação dos atos processuais e a morosidade processual, não imputável à recuperanda, mas a fatos outros, inclusive imputáveis aos próprios credores. (Agravo de Instrumento Cv 1.0024.12.332391-7/004/0644567-79.2013.8.13.0000. Relator(a) Des.(a) Vanessa Verdolim Hudson Andrade. Órgão Julgador / Câmara Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL. Súmula: NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. Comarca de Origem: Belo Horizonte . Data de Julgamento: 15/04/2014. Data da publicação da súmula: 24/04/2014).

O STJ tem firmado o entendimento sempre em prol da empresa e da sua sobrevivência, com fundamento no princípio da preservação da empresa, apontando não ser razoável autorizar a quebra de uma empresa com base na impontualidade no pagamento de dívida de pequeno valor (STJ, BENETI, Sidnei. Recurso Especial N° 805.624).

Vale citar as palavras do mestre italiano Cesare Vivante, referidas por Celso Marcelo de Oliveira, na obra Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas:

Antes da nova lei, sucedia frequentemente aplicar-se o complexo e dispendioso processo de falência a pequenos estabelecimentos condenados à impotência da sua originária miséria, obrigados a sucumbir a débitos cuja totalidade não excede a uns milhares de liras. O resultado destas miseráveis falências era penoso: um ativo insuficiente para cobrir as despesas do processo; uma pequena massa de credores a que as formalidades judiciais tiravam, depois de os terem estorvado com alguns enfados, o pouco que ainda existia no patrimônio do falido; um pobre desgraçado atormentado com o processo de bancarrota por não ter escriturado regularmente os livros prescritos, que muitas vezes não eram necessários ao giro do seu estabelecimento. A nova lei procura impedir estes tristes resultados na sua segunda parte, que regula a liquidação coletiva das pequenas empresas [...]. (OLIVEIRA, Celso Marcelo. Ob. Cit., p. 189).


CASO CONCRETO

Os credores da antiga OGX de Eike Batista aprovaram o plano de recuperação judicial da companhia, sete meses após a petroleira ter entrado com pedido de recuperação da empresa na Justiça. Eike Batista deixa de ser o controlador e a petroleira reestruturada está avaliada em cerca de US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 3,4 bilhões) e tem produção de 14 mil barris de petróleo por dia. A votação, realizada em assembleia no prédio da antiga Bolsa de Valores do Rio, reuniu mais de 200 credores e durou menos de uma hora (ESTADÃO 2017).

O plano de recuperação judicial foi aprovado por credores que possuem 90,42% dos créditos e que representam 81,59% do total na votação por cabeça. Pela lei de recuperação judicial, o plano tem de ser aprovado, cumulativamente, por mais de 50% dos credores, considerando o volume do crédito e o número por cabeça de votos. Tal votação mostra a adesão dos credores e a continuidade da companhia, bem como o plano ainda está pendente de homologação judicial (ESTADÃO, 2017).

Pelo desenho da estrutura acionária da nova empresa, Eike Batista, que hoje tem pouco mais de 50% de participação na petroleira, terá sua participação minimizada a 5,02%. Como pessoa física, terá apenas uma ação e o empresário deve continuar na presidência do Conselho de Administração da OGPar até a assembleia em que passará a companhia ao novo controlador, denotou Ricardo Knoepfelmacher, sócio da Angra Partners, responsável pela reestruturação do Grupo EBX.

Além do mais, os atuais acionistas ficarão com 4,98%. O restante estará nas mãos de credores: 42% com o grupo que já aplicaram US$ 125 milhões na empresa; 23% com credores que participarão de mais duas parcelas de empréstimos, que somam US$ 90 milhões. Os detentores de títulos, que contam com a maior parte da dívida da OGPar, integram o acordo do primeiro aporte e participarão do segundo. Os demais 25% equivalem à conversão da dívida atual de US$ 5,8 bilhões em ações da nova companhia. Estão incluídos aí fornecedores, a OSX, empresa do ramo naval do grupo, e donos de títulos. Na abertura da assembleia, uma parcela dos pequenos credores pleiteou permissão para entrar no grupo que já garantiu aporte à empresa. A OGPar negou o pedido. Eles podem entrar na Justiça e procrastinar o processo, afirma o advogado Eduardo Munhoz, do escritório Mattos Filho, que cuida da recuperação ao lado do escritório Sergio Bermudes (ESTADÃO, 2016).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual Lei 11.101/2005, no que tange à recuperação judicial da empresa, é, indubitavelmente, um progresso na ordem jurídica brasileira, pois visa a reorganização da empresa a superar seu momento de crise, possibilitando o seu soerguimento, bem como conceder a provisão da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos desejos dos credores, proporcionando assim, sua conservação, resguardando sua função social e o fomento da atividade econômica.

O processo de recuperação judicial vem como subterfúgio de sanar as necessidades das empresas com adversidades, de forma transparente, além de conceder tratamento adequado aos credores, ensejando o apoio da continuidade da atividade empresarial. De fato, demonstra uma ascensão na execução coletiva, convertendo num alicerce na liquidação de ativos para ressarcir os credores, que unem forças para revigorar a empresa e seus créditos.

Nesse diapasão, averigua-se que o Brasil começa a dar os passos iniciais em direção ao processo de tratamento das dificuldades empresariais, as quais surgem de distintas maneiras. Alguns contextos críticos ainda acabam por não causar a ruína da empresa, não simbolizando, entretanto, que a mesma esteja em estado irreversível, podendo-se coibir e vedar o processo de desencadeamento da crise, intercedendo num planejamento através da solução por meio da intervenção judicial para impedir uma futura liquidação de bens.

Salienta-se, a precisão inicial da viabilidade econômico-financeira que detém papel fundamental no deferimento da recuperação judicial, destacando que a empresa demonstre os requisitos de relevância social para sua recuperação; volume do ativo superior ao do passivo; conter mão-de-obra e tecnologia empregada; período de vida da empresa e o seu porte econômico. A empresa, contudo, que não tiver esses requisitos necessários não poderá utilizar-se do instituto da nova lei de falências.

Em suma, a estima em salvaguardar uma empresa decorre da preponderância de sua viabilidade, não se restringindo somente às conveniências dos credores e do devedor, mas, sobremodo da coletividade, ou melhor, a viabilidade deve ser constatada sob a visão econômica, financeira e social.


REFERÊNCIAS

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Sobre a autora
Maria Laura de Melo Sousa

Advogada trabalhista e previdenciária

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Maria Laura Melo. Recuperação judicial como instrumento de superação de momentos de crise financeira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5833, 21 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69113. Acesso em: 27 abr. 2024.

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