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A controvérsia da recusa terapêutica

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6. O MINISTERIO PÚBLICO FEDERAL E A RECUSA TERAPEUTICA

Em 2015, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot decidiu pelo arquivamento da representação proposta pela Associação das Testemunhas Cristãs de Jeová questionando a Portaria n.º 92/98 da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES/DF). A referida Portaria permite a transfusão de sangue sem autorização prévia do paciente ou de seu representante legal em caso de perigo de vida iminente. Nas palavras do Procurador-Geral:

[...] Caso configurada situação de risco iminente de morte, ou seja, de situação na qual a vida, direito indisponível constitucionalmente assegurado, está prestes a ser lesada, não mais será possível falar-se em direito à liberdade de religião e na necessidade de consentimento do cidadão para ser submetido à transfusão de sangue ou [de] derivados[37].

Mais recentemente, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) requereu através de representação, em junho de 2017, ao também então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, a propositura perante o STF de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) com o objetivo de que o STF confira interpretação conforme à Constituição de 1988: a) à Resolução nº 1.021/80 do Conselho Federal de Medicina, a fim de que sua aplicação somente ocorra quando se tratar de criança, adolescente, ou pessoa incapaz, por qualquer motivo, de exprimir a própria vontade e que não a tenha deixado expressa em documento ou qualquer outro meio idôneo; b) ao art. 146, § 3º, I, do Código Penal, no sentido de que tal dispositivo não autoriza a intervenção cirúrgica quando houver manifestação expressa em contrário do paciente adulto e capaz, permitindo somente a intervenção sem consentimento quando se tratar de criança, adolescente, ou pessoa incapaz, por qualquer motivo, de exprimir a própria vontade e que não a tenha deixado expressa em documento ou qualquer outro meio idôneo.

Para a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, a obrigatoriedade do procedimento só pode ser aplicada quando se tratar de criança, adolescente ou pessoa incapaz de exprimir a própria vontade e que não a tenha deixado expressa em documento ou outro meio idôneo. No caso de pacientes adultos e capazes, deve prevalecer a decisão do indivíduo – tendo como base os princípios constitucionais da liberdade de consciência e crença, a autonomia privada individual e os direitos à intimidade, privacidade, integridade física e psíquica, além da proibição da tortura.

A douta Procuradora Federal, na sua peça de representação, defende que:

[...] Obrigar qualquer cidadão plenamente capaz a receber transfusão de sangue contra sua vontade, ainda que em caso de iminente risco de vida, implica em violação a diversos princípios constitucionais e do direito internacional dos direitos humanos. Não há norma que obrigue o indivíduo a aceitar determinado tratamento médico, o que consiste em mera manifestação de autonomia da vontade do paciente, que inclusive pode não ter fundamento em imperativos de consciência ou religião[38].

Entretanto, até a presente data, não há notícia sobre a propositura de qualquer ação por parte da Procuradoria Geral da República perante o STF.


7. COMENTÁRIOS

Quando um paciente procura um atendimento médico, estabelece voluntariamente uma relação médico-paciente, que implica num contrato tácito de respeito mútuo à dignidade, autonomia e convicções de cada um. Os direitos e liberdades de um certamente encontrarão limites nos direitos e liberdades do outro. Ainda essa relação médico-paciente é regida por princípios e normas legais que deverão ser respeitadas por ambos, independentes de sua própria vontade ou convicção. É assim como funciona uma sociedade democrática regida por leis.

Do marco jurídico, doutrinário e jurisprudencial, acima amplamente exposto, resta claro, que a denominada RECUSA TERAPÊUTICA, que envolve todo e qualquer procedimento médico e/ou cirúrgico (e não apenas as transfusões de sangue), é assunto extremamente complexo e controverso quando envolve PACIENTE EM RISCO IMINENTE DE VIDA.

Isto porque não se discute o direito de o paciente decidir RECUSAR OU DISSENTIR (NÃO CONSENTIR) tratamento. De fato, é um direito que ele tem, mesmo que essa decisão implique em risco de morrer por não se tratar. Nenhum paciente poderia ser julgado e condenado à luz da lei penal por escolher não se submeter a tratamento médico e/ou cirúrgico, independente dos motivos que tenham lhe levado a essa decisão. Basta ver que, até mesmo a tentativa de suicídio não é considerada crime pelo atual C.P. e, por obvio, menos o suicídio. Assim, o paciente para ter livre escolha e recusa, não precisaria necessariamente externar um motivo especifico (convicção religiosa, medo, etc). Bastaria apenas, expressar que não seria do seu desejo receber este ou aquele tratamento, recusando-o. Entretanto, mister se faz afastar qualquer motivação suicida.

Não há maior controvérsia, que o médico deveria respeitar a decisão de recusa terapêutica quando o PACIENTE NÃO ESTÁ EM RISCO IMINENTE DE VIDA. Neste caso, haverá tempo hábil para buscar alternativas de tratamento e para que o paciente possa refletir adequadamente acerca de sua decisão.

Entretanto a recusa terapêutica em PACIENTE EM RISCO IMINENTE DE VIDA, na qual determinado tratamento (transfusão de sangue, hemodiálise, administração de um medicamento, etc.) representa a única chance de salvar-lhe a vida, tem que ser encarada com a máxima cautela e rigor possível.

O conceito de “risco iminente de vida” ou “risco iminente de morte” (ambas expressões são corretas e representam o perigo de perder a vida[39]) constitui a base do conceito de emergência médica conforme já definido pelo paragrafo segundo do artigo 1º da Resolução do CFM nº 1451/1995[40]:

Parágrafo Segundo- Define-se por EMERGÊNCIA a constatação médica de condições de agravo à saúde  que  impliquem  em  risco  iminente  de  vida  ou  sofrimento  intenso, exigindo portanto, tratamento médico imediato (griei).

O “risco de vida” representa qualquer situação ou estado que envolva perigo que ameace a manutenção das funções vitais do organismo e que consequentemente provoque a morte. Em se tratando de emergência esse risco será “iminente”, ou seja, imediato, próximo, prestes a acontecer e, portanto, requer tratamento imediato[41]. Assim, reflete o risco de dano a órgãos indispensáveis para manutenção da vida. Tais órgãos cumprem funções críticas para o organismo, sendo que sua ausência ou falta de funcionamento não é compatível com a vida. Estes órgãos vitais incluem o cérebro, o coração, os pulmões, o fígado, o pâncreas e os rins[42]. O risco iminente de vida, representa o momento crítico que impõe ao médico o dever de agir imediatamente para empregar todo os meios para salvar uma vida, desde que a doença seja reversível, cabendo ao médico, com base no seu conhecimento técnico, estabelecer quando se dá esse momento crítico. Trata-se do momento em que se o médico não aplicar determinado tratamento, podendo fazê-lo, seu paciente morrerá. Se deparar, nesse momento, com a recusa ao único tratamento possível, por escolha do seu paciente, significará que “deva se cruzar de braços” e deixa-lo morrer. Sendo assim, se caraterizado o risco iminente de vida, o médico deverá proceder a realizar o tratamento (transfusão de sangue, por exemplo), independentemente do consentimento do paciente ou de seus responsáveis, recorrendo inclusive ao poder judiciário, para garantir que isso seja feito. Em que pese a, pelo disposto no art. 143, §3º, I do atual Código Penal, ser possível o uso de medidas de força para impor um tratamento em caso de risco iminente de vida, não se constituindo constrangimento ilegal, o uso de violência ou força, certamente não é de todo desejável. Assim, o médico deverá exaurir todas as formas pacificas para aplicar o tratamento. Geralmente o paciente em risco iminente de vida, em razão do seu estado de gravidade, terá sua capacidade de discernimento e volitiva prejudicada, assim como qualquer forma de resistência. Neste momento o médico poderá, sem uso de medidas violentas, proceder a realizar o tratamento. Desta feita, é de todo recomendável que as instituições de saúde estabeleçam protocolos que orientem os profissionais médicos a como proceder diante de casos de recusa terapêutica, principalmente em pacientes com risco iminente de vida. Tais protocolos deverão estar devidamente aprovados pela direção do hospital, setor jurídico, assim como pela respectiva Comissão de Ética Médica e de Bioética caso ela existir. Ainda, se as circunstancias exigirem, e havendo tempo hábil, o setor jurídico da instituição poderá recorrer ao poder judiciário para que em caráter liminar garanta a realização do tratamento.

Não basta dizer, por exemplo, que uma transfusão envolve riscos para ela ser recusada. Todo procedimento médico, desde a administração de uma simples dipirona até um transplante de fígado ou coração, envolve riscos que poderiam ser fatais (a exemplo de uma reação anafilática fatal pela ingesta de dipirona em paciente não sabidamente alérgico). Um procedimento médico sempre será feito porque os benefícios superarão os eventuais riscos e, os casos de transfusão não fogem a essa regra geral. A transfusão de sangue deverá ser sempre feita com base numa indicação e momento preciso, à luz do conhecimento científico e considerando que o benefício superará o risco.

Tampouco, o argumento da existência de medidas alternativas à transfusão tornar-se-á relevante se tais medidas não estão disponíveis ou ao alcance, mormente no sistema único de saúde (SUS). Em que pese a ser de todo desejável que o Estado disponibilize de forma universal todas as opções de tratamento alternativo para a transfusão de sangue, essa infelizmente não é a realidade da grande maioria dos hospitais do país. Há que se considerar ainda, que tais tratamentos alternativos podem não ter a eficácia almejada ou podem ser não ser uteis nas situações de risco iminente de vida, em razão de necessitar de tempo demasiado longo, diante da situação de urgência, para exercer seus efeitos.

Ainda, não pode apenas ser levada em consideração a convicção do paciente, mas também a convicção do médico. Um profissional médico cuja convicção lhe impõe a crença que a vida pertence a Deus (portanto, um bem religiosamente indisponível) e que for impedido de salvar a vida de alguém que voluntariamente se colocou aos seus cuidados, certamente carregará para sempre o ônus de ter violado seus próprios princípios e crenças.

A alegação de que a Constituição Federal garante o direito a viver, mas não uma obrigação de viver (art. 5º, caput), com base no consagrado Princípio da Dignidade Humana (art. 1º, III); e que a mesma Lei Maior, proíbe a tortura e o tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), para assim garantir o direito de recusa terapêutica mesmo nos casos de risco vida, também não parece suficiente para arguir alguma inconstitucionalidade dos dispositivos esculpidos nas normas infraconstitucionais ética, civil e penal, que permitiriam ao médico, nos casos de risco iminente de vida, agir contra a vontade do paciente e seus familiares.  Fosse assim, também seria o bastante para arguir a inconstitucionalidade do art. 212, §1º do Código Penal (tipifica o homicídio privilegiado)[43] e permitir a pratica da eutanásia no Brasil, considerada na sua essência, uma forma de “morte digna” (portanto, fulcrada no Princípio da Dignidade Humana). A proibição da eutanásia decorre de vedação infraconstitucional no Brasil. Como alhures já exposto, a atuação do médico contra a manifestação de recusa terapêutica do paciente ou responsável legal nos casos de risco iminente de vida, tem o devido respaldo legal no Código Civil, Código Penal, Código de Ética Médica e Resolução do Conselho Federal de Medicina. Bom lembrar que a própria Constituição Federal estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei (art. 5º, II). Trata-se do Princípio da Legalidade, pelo qual o médico pode fazer apenas o que a Lei permite (âmbito público) e aquilo que a lei não proíbe (âmbito privado) e certamente não fazer aquilo que a lei proíbe. A declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de tais dispositivos em sentido abstrato é de competência do Supremos Tribunal Federal que até a presente data não se manifestou sobre o assunto. Pacificar mudança de entendimento ou interpretação de normas infraconstitucionais com base em princípios esculpidos na Carta Magna, não cabe dúvida que requer a provocação do guardião e interprete da Constituição Federal, isto é, o Supremo Tribunal Federal, como foi feito, por exemplo, para pacificar as controvérsias que aconteciam com a prática do aborto de feto anencefálico. Ocorre que sem a manifestação do Pleno do STF, toda e qualquer interpretação, por mais respeitável que seja, vinda de notáveis doutrinadores ou juristas, não trará a necessária segurança jurídica. Nem mesmo uma lei formal emanada do Poder Legislativo poderá dirimir a controvérsia sem antes o STF esgotar a discussão no seu Pleno, já que envolve conflito de direitos fundamentais e princípios constitucionais. Mister se faz então pacificar essa questão, o que sem dúvida nenhuma cabe ao STF fazer. Até então, caberá ao Poder Judiciário, analisar caso a caso, tentando sentar jurisprudência nos Tribunais. Entretanto, dada a complexidade do assunto envolvendo matéria constitucional muito provavelmente a divergência de entendimento ainda prevalecerá.

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Nessa esteira jurídica, vale a pena frisar que no Parecer do hoje Ministro do STF Luís Roberto Barroso, a RECUSA TERAPÊUTICA MESMO NOS CASOS DE RISCO IMINENTE DE VIDA, como expressão de vontade do paciente, não é irrestrita, visto que exige que essa decisão expressa pelo paciente cumpra rigorosamente os critérios de ser VÁLIDA E INEQUÍVOCA, limitando exclusivamente àqueles pacientes que cumpram TODOS os CRITÉRIOS E REQUISITOS a seguir:

CRITÉRIOS:

a. VÁLIDA: exige do paciente os seguintes REQUISITOS:

a.1 Capacidade civil plena (conforme dispõe o Código Civil).

a.2 Aptidão:  condições adequadas de discernimento para expressá-la. Portanto, exclui as pessoas em estados psíquicos alterados, seja por uma situação traumática, por adição a substâncias entorpecentes ou por estarem sob efeito de medicamentos que impeçam ou dificultem de forma significativa a cognição. A aptidão, portanto, requer de fato exame médico-pericial do paciente, para avaliar as condições adequadas de discernimento, isto é, seu estado mental e psicológico, até mesmo para afastar uma motivação suicida. A verificação da motivação para a recusa resta imprescindível. Certamente, não está a se questionar a crença do paciente e suas convicções religiosas, mas a verificação de, se as mesmas guardam a devida proporcionalidade, razoabilidade e, sobretudo, não mascaram uma ideação suicida. Imagine-se, por exemplo, que a recusa terapêutica faça parte de uma penalidade imposta por uma seita religiosa aceita pelo próprio paciente. Neste caso, mesmo decorrente de uma convicção, a decisão se mostrará totalmente desproporcional e desarrazoada. Sabe-se ainda, que pacientes com ideação suicida podem perfeitamente dissimular a verdadeira intenção de tirar a própria vida usando a recusa terapêutica.

Essa avaliação médico-pericial não poderá ser feita pelo médico assistente que indicou a transfusão ou qualquer outro procedimento médico objeto da recusa, toda vez que ao médico é vedado ser perito do próprio paciente, conforme proibição expressa do art. 93 do Código de Ética Médica em vigor[44].

Veja-se que, no caso acima citado do adolescente que recusou a hemodiálise o juiz da causa para decidir liminarmente requereu avaliações psicológicas e psiquiátricas e para decidir o mérito da interdição, determinou que ele passasse por uma avaliação psicológica feita pela Junta Médica do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO).

b. INEQUÍVOCA.  Para tanto deve cumprir os seguintes REQUISITOS:

b.1 Personalíssima: exclui a recusa feita mediante representação, somente se admitindo que o próprio interessado rejeite a adoção do procedimento.

São várias as situações na prática médica, seja para fins de diagnóstico, prognóstico e tratamento, em que a pessoa, objeto da atenção, não se encontra em condições de expressar sua vontade. Este impedimento pode ser por motivo de menoridade ou por causa de transtornos mentais. Estes últimos podem ser de caráter transitório ou permanente. Dentre as causas transitórias temos os casos de estados confusionais (distúrbios metabólicos, traumas cranianos, etc.), ou de inconsciência (em estado de coma ou não) e, nos duradouros os transtornos mentais (permanentes) e os estados de coma definitivo. O profissional médico, quando perante a um paciente nesta situação, procura definir uma pessoa que seja o “responsável legal ou o representante legal” e com ela decidir pela realização ou não de um procedimento. A exigência de um “representante legal” é feita pelas normas do Código de Ética Médica[45] e até pela legislação em vigor[46]. A rigor o poder para exercer essa responsabilidade ou representação deve decorrer do disposto em lei (legal). Entretanto, raramente aquele que acompanha o paciente é de fato seu representante legal. Ou seja, detentor do poder familiar, tutor ou curador, figuras jurídicas que são reconhecidas legalmente como aquelas que assumem a responsabilidade de alguém para com o outro. Nas situações em que o paciente não pode discernir, o médico, comumente, busca apoio nas pessoas próximas ao paciente, naqueles que frequentemente acompanham sua evolução, pois ele entende que as decisões não devem ser unicamente dele, pois estas poderiam ser interpretadas como uma forma de constrangimento. No entanto, observa-se que não há nenhum código ou norma que estabeleça critérios para a escolha desta pessoa. No caso de paciente maior, não interdito, a escolha desta pessoa vai atender apenas uma exigência ética, para conferir ao profissional este apoio nas decisões. Este seria apenas um acompanhante com diferentes graus de relação com o paciente e na dependência deste vínculo com maiores ou menores condições de opinar. Meramente, opinar, e não, decidir. Pode-se inferir que esta pessoa, por ideal, seria o familiar mais próximo do paciente. Exemplificando, o cônjuge, companheiro, filhos, pais e colaterais. No entanto, surge a necessidade de estabelecer uma graduação de preferência sobre quem deve opinar. No caso de opiniões divergentes entre, por exemplo, os filhos, qual seria o mais apto a ser escolhido? O mais velho, o mais próximo, o mais esclarecido?[47]. A exceção seria nos casos de pacientes idosos (≥ 60 anos), nos quais pela lei em vigor (Lei nº 10.741/2003), não estando no domínio de suas faculdades mentais, a opção pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável passa a ser dos “familiares”, quando o idoso não tiver curador ou quando este não puder ser contatado em tempo hábil. Entretanto, a própria lei usa o termo “familiar” e não parente, sem defini-lo e sem especificar ainda qualquer rol hierárquico entre “familiares” para a tomada dessa decisão, rol que seria de todo modo necessário para resolver eventuais conflitos de opinião entre os próprios familiares. Nesta situação ainda de eventual conflito ou divergência de opinião entre familiares, o médico decidindo em consonância com um dos familiares, poderá ser alvo de processo judicial do familiar que discorde, muito mais se da decisão tomada, o paciente que tinha absoluta chance de sobreviver, vem a falecer. É o caso, por exemplo, de famílias em que nem todos os membros são testemunhas de jeová e o médico fica numa posição extremamente difícil de decidir quando se vê pressionado e até ameaçado simultaneamente para fazer e não fazer.

Em que pese a figura do responsável legal ser de extrema relevância para a tomadas de decisões médicas, a mesma não se aplicaria ao caso de recusa terapêutica de paciente, principalmente naquele com risco iminente de vida, no qual o procedimento recusado seja a única opção para lhe salva a vida. Assim, não sendo possível obter a decisão do próprio paciente, o médico deverá proceder a realizar o procedimento objeto da recusa.

b.2 Expressa: não se devendo presumir a recusa de tratamento médico. Ainda que essa exigência possa não ser absoluta no sentido de ser por escrito, ela certamente é recomendável, inclusive para resguardo do médico e do Estado. Alternativamente, o cumprimento deste requisito poderia ser suprido pelo registro em prontuário da manifestação do paciente feita diante da presença de familiares e testemunhas que assinem o referido relatório.

b.3 Atual: manifestada imediatamente antes do procedimento. Nessa esteira, diretivas antecipadas de vontade contendo recusa terapêutica, principalmente em pacientes com risco iminente de vida, que não possam ser ratificadas imediatamente antes do procedimento, não serão aceitas pelo médico. Em se tratando do bem maior, a VIDA, deve se extremar o cuidado para validar uma decisão que foi tomada pelo paciente de forma antecipada, num momento diferente de sua vida, talvez influenciado por uma série de fatores externos. Há necessariamente que se verificar se o paciente no momento em que lhe for proposto um tratamento que pode lhe salvar a vida, continua decidindo pela recusa ou ele mudou de opinião. Quando se trata do risco de perder a vida em decorrência de uma decisão antecipada, não poder-se-ia apenas presumir que o paciente continua a pensar da mesma forma. Imprescindível, portanto, que se verifique a atualidade da decisão antecipada.

b.4 Revogável. Opção que decorre naturalmente de uma decisão antecipada e que deve ser perguntada sempre ao paciente.

b.5 Genuína: a recusa precisará também ser livre, fruto de uma escolha do titular, sem interferências indevidas. Isso significa que ele não deve ter sido produto de influências externas indevidas, como induções, pressões ou ameaças. Por derradeiro, terá também de ser informada, o que envolve o conhecimento e a compreensão daquele que vai recusar acerca de sua situação real e das consequências de sua decisão.

Na esteira do entendimento do Ministro Barroso, as mudanças legislativas que tramitam no Congresso Nacional não satisfazem completamente os requisitos acima.

A proposta de novo Código Penal, propõe mudar o teor do inc. I do § 3º do art. 146 que trata do crime de constrangimento ilegal nos seguintes termos:

 Art.146:...........

[...] § 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:

I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida, exceto se, maior de idade e capaz, o paciente puder manifestar sua vontade de não se submeter ao tratamento, ...(grifei)

Percebe-se que certamente pretende-se garantir o respeito à recusa terapêutica de paciente que possa manifestar sua vontade mesmo nas situações de risco de vida. Entretanto, de acordo com a proposta e analisada, à luz do parecer do Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, a lei apenas está exigindo uma manifestação de vontade (recusa) válida (capacidade civil plena e aptidão), mas não  inequívoca (personalíssima, expressa, atual, revogável e genuína).

Com relação ao P.L. nº 5559/16 que tramita no Congresso e que dispõe sobre os direitos dos pacientes e dá outras providências, dispõe no seu artigo 14:

Art. 14. O paciente tem direito ao consentimento informado sem coerção ou influência indevida, salvo em situações de risco de morte em que esteja inconsciente. (grifei).

Poder-se-ia então interpretar que, o direto ao consentimento informado sem coerção ou influência indevida deverá ser respeitado nas situações de risco de morte em que o paciente esteja “consciente”. Dito de outra forma, o paciente poderá apenas ser coagido a receber tratamento quando em razão de estar “inconsciente” não puder expressar ou manifestar sua recusa.

A situação aqui é ainda pior, visto que a citada proposta de dispositivo legal não teve a necessária cautela de esclarecer no bojo do seu teor ou em parágrafos anexos que esse direito ao consentimento ou ao dissentimento somente poderá ser exercido através de uma manifestação de vontade válida e inequívoca.

Não poder-se-ia assumir e menos presumir que “estar consciente” garante que a manifestação de vontade cumpre os critérios e requisitos para ser válida e inequívoca. Tais critérios e requisitos devem ser claros, objetivos e estar expressos na lei ou em norma regulamentar. Só assim haverá segurança jurídica.

Destaque-se que o “estado de consciência (consciente) ou de inconsciência (inconsciente)” não são conceitos jurídicos, mas situações clínicas referentes ao “status neurológico” de um paciente ou a uma condição de saúde, cuja definição varia a depender da literatura científica consultada no campo da ciência médica.

Não resta dúvida que quando a proposta de dispositivo legal usa o termo “inconsciente” o está fazendo para se referir ao NÍVEL DE CONSCIENCIA DO PACIENTE. Ora, inserido num texto legal, o termo “inconsciente” exige um claro e inequívoco significado técnico para ser usado no campo jurídico doutrinário ou judicial.

A definição do nível de consciência do indivíduo tem na literatura científica diversas interpretações. O psicanalista Sigmund Freud, por exemplo, fala de níveis da mente do cérebro:

Freud inicia seu pensamento teórico assumindo que não há nenhuma descontinuidade na vida mental. Ele afirmou que nada ocorre ao acaso, e muito menos os processos mentais. Há uma causa para cada pensamento, para cada memória revivida, sentimento ou ação. Cada evento mental é causado pela intenção consciente ou inconsciente e é determinado pelos fatos que o precederam. Uma vez que alguns eventos mentais “parecem” ocorrer espontaneamente, Freud começou a procurar e descrever os elos ocultos que ligavam um evento consciente a outro. Com isso, Freud distinguiu três níveis classificatórios para a mente: Consciente, Inconsciente e Pré-consciente.

Segundo Freud, o consciente é somente uma pequena parte da mente, incluindo tudo do que estamos cientes num dado momento. O interesse de Freud era muito maior com relação às áreas da consciência menos expostas e exploradas, que ele denominava Pré-Consciente e Inconsciente. O nível consciente refere-se às experiências que a pessoa percebe, incluindo lembranças e ações intencionais. A consciência funciona de modo realista, de acordo com as regras do tempo e do espaço. Percebemos a consciência como nossa e identificamo-nos com ela. Parte do material que não está consciente num determinado momento pode ser facilmente trazida para a consciência; esse material é chamado pré-consciente.

Estritamente falando, o Pré-Consciente é uma parte do Inconsciente, uma parte que pode tornar-se consciente com facilidade. As porções da memória que nos são facilmente acessíveis fazem parte do Pré-Consciente. Estas podem incluir lembranças de ontem, o segundo nome, as ruas onde moramos, certas datas comemorativas, nossos alimentos prediletos, o cheiro de certos perfumes e uma grande quantidade de outras experiências passadas. O Pré-Consciente é como uma vasta área de posse das lembranças de que a consciência precisa para desempenhar suas funções.

Por fim, temos também o inconsciente onde, partindo da premissa inicial de Freud era de que há conexões entre todos os eventos mentais e quando um pensamento ou sentimento parece não estar relacionado aos pensamentos e sentimentos que o precedem, as conexões estariam no inconsciente. Uma vez que estes elos inconscientes são descobertos, a aparente descontinuidade está resolvida. “Denominamos um processo psíquico inconsciente, cuja existência somos obrigados a supor – devido a um motivo tal que inferimos a partir de seus efeitos – mas do qual nada sabemos”[48].

Por outro lado, a literatura médica aborda a questão de maneira diferente. Para definir o significado de “inconsciente”, é necessário antes entender o significado de “consciência e suas alterações ou distúrbios”.

A definição de consciência é resumida como a percepção de si mesmo e do meio ambiente[49].  John Searle inicia seu livro intitulado Consciência e Linguagem demonstrando que o termo consciência não admite definição em razão de gênero ou condições necessárias e suficientes. Para Searle, a consciência é simplesmente o conjunto de estados subjetivos de sensibilidade (sentience) ou ciência (awareness), que se iniciam quando uma pessoa acorda na parte da manhã, e que se estende ao longo do dia. Para Searle, a consciência é um fenômeno biológico e devemos conceber como parte de nossa história biológica, assim como a digestão, o crescimento, a mitose e a meiose[50].

A Profa. Dra. Regina Maria França Fernandes e o Prof. Dr. Osvaldo Massaiti Takayanagui do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, num trabalho titulado “Coma e Morte Encefálica”, destacam que a consciência possui:

a) Componente quantitativo (Nível de consciência): representa o grau de alerta ou vigília.

b) Componente qualitativo (Conteúdo de consciência): representa o conteúdo e curso do pensamento, percepção do meio interno e externo. Seria a soma de todas as funções cognitivas e afetivas do ser humano (memória, crítica, linguagem e humor) [51].

Nesse escopo, considera existirem diversas formas de estados alterados de consciência conforme se alterem um ou os dois componentes. Por exemplo no paciente em coma o indivíduo apresenta comprometimento acentuado da percepção de si e do meio ambiente (componente qualitativo de consciência), acompanhado de redução do nível de alerta ou despertar (componente quantitativo de consciência), com baixa ou nenhuma reatividade a estímulos auditivos, visuais, tácteis e dolorosos. O paciente em coma mantém-se com olhos fechados, exceto em situações particulares de comprometimento da musculatura palpebral, podendo ter abertura ocular somente a estímulos, ou durante crises epilépticas. Para a caracterização do coma, é fundamental que ambos os componentes da consciência estejam envolvidos no quadro disfuncional uma vez que o comprometimento exclusivo da percepção de si e do meio (componente qualitativo de consciência), sem alterações no nível de vigilância ou alerta (componente quantitativo de consciência), pode ocorrer em outros estados alterados de consciência, como em certos quadros demenciais e psicóticos. Ai invés, a hiper-sonolência (alteração do componente quantitativo), sem confusão mental (alteração do componente qualitativo) pode ser um distúrbio do sono, sem caracterizar coma.

Estes autores definem com ALTERAÇÕES DO COMPONENTE QUANTITATIVO (estados gradativos de comprometimento do alerta) antes de chegar no coma:

1) Sonolência: dificuldade de manutenção da vigília, ou grande propensão para o sono, com preservação da capacidade de despertar em vigência de estimulação táctil, visual, auditiva ou nociceptiva, havendo clareza no conteúdo de consciência (percepção de si e do meio) quando o indivíduo é despertado. Intoxicações por tranqüilizantes, sedativos e depressores do SNC, em estado inicial, ou alterações metabólicas diversas, com potencial de evolução para o coma, podem causar inicialmente sonolência excessiva. A característica fundamental do estado de sono fisiológico, ou das hiper-sonolências secundárias a distúrbios do sono, em oposição ao coma, é seu caráter cíclico, reversível e não progressivo.

2) Turvação da consciência: estado de comprometimento da qualidade da consciência, geralmente com distúrbios de percepção do ambiente e alteração no conteúdo e curso do pensamento, levando a alucinações ou ilusões (delírio), com ou sem disforia e descontrole emocional, que, com o tempo, combina-se com flutuações do nível de alerta e atenção, tendendo a redução da vigilância e a sonolência. A estimulação do indivíduo pode aumentar o nível de confusão mental e percepção distorcida do ambiente, com reações de agressividade ou inapropriadas para o contexto. São estados mais sugestivos de encefalopatias tóxicas e metabólicas, embora também possam ocorrer em processos infecciosos do SNC e lesões estruturais com efeito de massa em progressão.

3) Estupor ou Torpor: ocorre nos mesmos contextos clínicos da turvação de consciência, denotando um estado em que o nível de alerta é nitidamente mais comprometido em relação ao anterior, associado a confusão mental em diversos graus. Há tendência do indivíduo a retornar a um estado de sonolência aparente, quando não estimulado, com flutuações na clareza de consciência, redução progressiva da resposta aos estímulos e da compreensão do mundo interno e externo. Tal estado pode variar em intensidade e ser considerado um coma superficial, contudo, sendo possível “trazer” o paciente para um estado de alerta sob estimulação, momento em que o mesmo pode aparentar recuperação qualitativa da consciência, embora com constantes flutuações, associadas a respostas verbais inadequadas. O estupor de encefalopatias hepática e renal, bem como, de outros transtornos clínicos (pneumonia com hipóxia ou infecção urinária, em idosos), pode se associar com distúrbios do movimento (mioclono negativo ou positivo, flapping, asterix, tremores), guiando o médico para prováveis encefalopatias específicas. Isto se deve a alterações no sistema nervoso em centros de controle motor, no córtex e/ou gânglios da base. Um estupor intermitente pode ser visto no curso de quadros demenciais degenerativos, especialmente com variações circadianas (piora no período vespertino e noturno), ou intoxicações medicamentosas, durante picos sanguíneos de absorção das drogas.           

Também distinguem certos ESTADOS ALTERADOS DO COMPONENTE QUALITATIVO, comumente encontrados na evolução após o coma, ou após encefalopatias agudas, excluindo-se alterações de consciência secundárias a quadros demenciais degenerativos, ou psicopatias graves (depressão, catatonia):

1) Estado Vegetativo Persistente (EVP): também conhecido como Coma Vigil, ou Síndrome Apálica, é provocado por lesões encefálicas extensas e irreversíveis em nível supra-tentorial, envolvendo principalmente o córtex cerebral, com relativa preservação das estruturas do tronco encefálico, sendo o paciente capaz de manter funções vitais, na dependência de suporte ventilatório e nutricional, por métodos artificiais. Tais pacientes têm também relativa preservação de estruturas diencefálicas e hipotalâmicas, que previnem descontroles hidroeletrolítico e neurovegetativo maiores (como diabetes insipidus, encefalopatia perdedora de sal, descontrole térmico e cardiopressórico). Acabam por apresentar abertura ocular, geralmente, em até 30 dias da instalação do coma, porém, permanecem sem qualquer evidência de percepção de si e do ambiente, em geral, com tetraplegia espástica, podendo manter posturas crônicas de descerebração ou decorticação. Alguns exibem movimentos respiratórios espontâneos, porém, em ritmo insatisfatório para adequada ventilação, enquanto outros são capazes de se manter fora do ventilador. Exibem bocejo, olhar vago, sem fixação no ambiente, e seu eletroencefalograma (EEG) mostra acentuada depressão dos ritmos cerebrais, sendo impossível a distinção correta entre estados de vigília ou sono nestes casos. O estado vegetativo pode ser visto transitoriamente na recuperação de um coma, sendo considerado persistente, por definição, quando se mantém por mais de um mês. A despeito de citações de melhora na expressão qualitativa de consciência e recuperação do contato com o meio, em graus variáveis, em pacientes com estado vegetativo persistente, esta condição costuma ser crônica e imutável, sendo a sobrevida dependente do controle de complicações clínicas secundárias, como quadros infecciosos pulmonares.

2) Estado de Consciência Mínima: definido mais recentemente por um consenso de neurologistas, neurocirurgiões, neuropsicólogos e especialistas em reabilitação1, esta condição aplica-se a pacientes em estado vegetativo que manifestam um mínimo conteúdo de percepção de si e do meio ambiente, a despeito da qualidade de consciência muito comprometida. Tal percepção só pode ser evidenciada por expressões verbais emitidas pelo paciente sob estimulação, que podem ser palavras soltas, ou a obediência inconstante a comandos. Os estudos com ressonância magnética funcional mostram maior preservação cortical neste pacientes em relação àqueles em estado vegetativo, com sinais de ativação do córtex temporal dominante na aplicação de paradigmas de linguagem verbal falada. Esta condição pode ser crônica e persistente, assim como o estado vegetativo, ou transitória, no curso de melhora ou de piora de encefalopatias.

3) Mutismo Acinético: condição em que o paciente se mantém em total quietude, embora alerta, sem evidências demonstráveis de percepção de si e do meio ambiente, com pouca ou nenhuma movimentação espontânea, tendo, contudo, o retorno de um ciclo vigília-sono. Ocorre por lesões envolvendo o hipotálamo e o diencéfalo basal adjacente.

4) Síndrome do Encarceramento ou Locked-In Syndrome: é um estado de ampla de-eferentação, devido a lesões maciças na base da ponte, por onde trafegam os tratos motores piramidal e córtico-nuclear, que se destinam, respectivamente, aos neurônios motores espinhais e aos núcleos motores dos nervos cranianos. Sendo lesão pontina, ocorre em nível abaixo do nervo oculomotor, cujas funções mantêm-se preservadas. Tal comprometimento situa-se mais anteriormente na estrutura pontina, preservando os tratos reticulares e a substância cinzenta periarquedutal, e resultando em preservação da consciência. O único repertório motor possível para tais pacientes, embora conscientes, é a movimentação ocular vertical e a elevação da pálpebra superior, que são mediadas pelo III nervo craniano, de origem mesencefálica. Os movimentos oculares horizontais e do músculo oblíquo superior estão prejudicados pelo acometimento das eferências para os nervos abducente e troclear. Tais pacientes têm preservação do ciclo vigília-sono e EEG normal, ou quase normal, com ritmo alfa reativo, sendo mandatória a distinção entre este estado e o coma. A percepção do ambiente pode ser manifesta por uma comunicação desenvolvida com o examinador, em código que utiliza apenas movimentos de abertura ocular (músculo elevador da pálpebra, controlado pelo oculomotor) e movimentos oculares verticais. O médico nesta situação deve falar à beira do leito “ao” paciente e, não, “sobre” o paciente. Raramente, um estado semelhante à síndrome do encarceramento pode ser visto em pacientes com neuropatia motora subaguda, como a Síndrome de Guillain-Barré.

Como visto, existem várias gradações de comprometimento da consciência (inconsciência parcial) que podem preceder a instalação do estado de coma (inconsciência total), cuja forma insidiosa ou abrupta direciona o médico para o mecanismo fisiopatológico e as prováveis etiologias envolvidas na sua gênese. Estas gradações podem envolver mais ou menos os componentes qualitativo ou quantitativo da consciência, até que os dois elementos se associem em intensidade suficiente para determinar o coma.

Assim, certas encefalopatias podem provocar inicialmente um estado de euforia, ou de confusão mental e delírio, sem que haja alteração no nível de alerta ou despertar do indivíduo, com posterior surgimento de sonolência, torpor e, finalmente, o coma, caso um tratamento eficaz não seja instituído, interrompendo a sequência de aprofundamento do nível de vigilância.

Por outro lado, em alguns contextos, o indivíduo pode manifestar dificuldade para se manter alerta, num estado de sonolência patológica, sendo, contudo, capaz de responder adequadamente a estímulos e a manifestar noção clara de si e do meio, quando desperto sob estimulação. Isto ocorre principalmente em afecções específicas, como síndromes de hiper-sonolência patológica, ou em estados iniciais de encefalopatias, sem acometimento primário do córtex cerebral, que é mais envolvido na elaboração do componente qualitativo da consciência.

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Sobre os autores
Diana Fontes de Barba

Advogada. Especialista em Direito Médico e Hospitalar.

Alejandro Enrique Barba Rodas

Médico. Especialista em Medicina Intensiva

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBA, Diana Fontes ; RODAS, Alejandro Enrique Barba. A controvérsia da recusa terapêutica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5565, 26 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69251. Acesso em: 24 abr. 2024.

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