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As vicissitudes da igualdade e dos deveres conjugais no direito brasileiro

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27/06/2005 às 00:00
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A desigualdade de deveres entre os cônjuges foi o consectário natural do paradigma familiar que vigorou na legislação brasileira, praticamente até a Constituição de 1988, que pôs cobro a seus últimos e resistentes resíduos.

SUMÁRIO: 1. Princípio da igualdade conjugal; 2. A longa trajetória da desigualdade familiar; 3. A redução do quantum despótico entre os cônjuges no direito brasileiro; 4. Crítica dos deveres comuns dos cônjuges como enunciados no Código Civil de 2002; 5. Dever de fidelidade recíproca; 6. Dever de respeito e consideração mútuos; 7. Dever de vida em comum, no domicílio conjugal; 8. Dever de mútua assistência; 9. Dever de sustento, guarda e educação dos filhos; Conclusão.


1. PRINCÍPIO DA IGUALDADE CONJUGAL

Dois curtos preceitos da Constituição Federal de 1988 constituíram o epílogo, ao menos no campo jurídico, da longa e penosa trajetória da emancipação feminina e da conseqüente superação da sociedade conjugal patriarcal, a saber:

Art. 5º [...]

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Art. 226. [...]

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

O primeiro enunciado seria suficiente, por sua generosa abrangência. Entendeu o constituinte, no entanto, de explicitar o princípio da igualdade no capítulo destinado à família, ante a experiência legislativa e a hermenêutica jurídica tradicionais brasileiras, que tenderiam a sustentar serem com ele compatíveis a desigualdade e a inferioridade da mulher na sociedade conjugal, como sempre se fez [1]. No período que mediou os inícios de vigência da Constituição de 1988 e do Código Civil de 2002, não faltaram afirmações doutrinárias e decisões jurisprudenciais no sentido da aplicação das normas de tratamento desigual do Código Civil de 1916, relativas ao marido e à mulher. Prevaleceu, todavia, a tese da aplicabilidade imediata das normas constitucionais, com revogação da legislação civil anterior.

O Código Civil de 2002 pôs cobro definitivo à força da pré-compreensão, ao estabelecer que:

Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.


2. A LONGA TRAJETÓRIA DA DESIGUALDADE FAMILIAR

No direito de família sempre repercutiu a estratificação histórica da desigualdade. Desigualdade entre filhos e, principalmente, desigualdade entre os cônjuges. É impressionante, para um olhar retrospectivo, como preconceitos arraigados converteram-se em regras de direito indiscutíveis. Mais impressionante é haver os que lastimam a evolução dos tempos, augurando o fim da família, ou da única entidade familiar que admitem, assentada em princípios que o tempo se encarregou de reduzir ou extinguir, a saber, o da exclusividade da família matrimonializada, o da legitimidade e o da primazia da origem biológica ou consangüínea. Ainda hoje, apesar de a Constituição Federal ter optado por normas abertas de tutela de quaisquer entidades afetivas e estáveis constituídas com finalidade de família [2], é forte a resistência à admissibilidade das entidades que não correspondam à matriz do casamento.

Ao contrário da igualdade formal nas relações sociais e econômicas, conquistada pelo liberalismo, na viragem do século XVIII para o século XIX, no mundo ocidental, a desigualdade familiar permaneceu até recentemente [3]. Lembre-se que, no Brasil, o Estatuto da Mulher Casada apenas veio a lume no ano de 1962, quase dois séculos após a revolução liberal: só a partir dele, a mulher casada deixou de ser considerada civilmente incapaz. Resíduos de desigualdade persistiram nesse Estatuto, apenas superados integralmente com a Constituição de 1988, em especial com o art. 226, § 5º, "o mais devastador dispositivo constitucional, a revolucionar o direito de família pátrio" [4].

Após séculos de tratamento assimétrico, o direito evoluiu, mas muito há de se percorrer para que se converta em prática social constante, consolidando a comunhão de vida, de amor e de afeto, no plano da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíprocos [5], que presidem o relacionamento conjugal em nossa sociedade hodierna.

A materialização da igualdade de direitos e obrigações entre homem e mulher, nas relações conjugais e de união estável, acompanhou a evolução do princípio da igualdade no âmbito dos direitos fundamentais, incorporados às constituições dos Estados democráticos contemporâneos. O princípio apresenta duas dimensões:

a) igualdade de todos perante a lei, considerada conquista da humanidade, a saber, a clássica liberdade jurídica ou formal, que afastou os privilégios em razão da origem, do sangue, ou do estamento social, e dotou a todos de iguais direitos subjetivos. Todavia, são iguais os que a lei considera tais. Assim, compreende-se que, até à Constituição de 1988, as mulheres recebessem tratamento desigual, pois a lei as consideravam iguais entre si mas não em relação aos homens;

b) igualdade de todos na lei, no sentido de vedar-se a desigualdade ou a discriminação na própria lei, como por exemplo a desigualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, na sociedade conjugal.

A igualdade de todos na lei ("homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações", art. 5º. I, da CF) não significam que suas diferenças sejam desconsideradas, tanto as naturais quanto as culturais. O direito à diferença tem por fito o respeito às peculiaridades de cada qual, constitutivas de suas dignidades. Mas não fundamenta, como se fez no passado, a desigualdade de direitos e obrigações, no plano jurídico.


3. A REDUÇÃO DO QUANTUM DESPÓTICO ENTRE OS CÔNJUGES NO DIREITO BRASILEIRO

A legislação brasileira, desde o período colonial, é o retrato fiel da desigualdade de direitos entre os cônjuges, correspondendo às concepções dominantes, até 1988. A lenta trajetória da emancipação jurídica da mulher, acompanhando o declínio do patriarcalismo familiar, pode ser demarcada pelos seguintes diplomas legais:

I – Ordenações Filipinas. Vigoraram no Brasil de 1603 a 1916, com modificações. A mulher necessitava de permanente tutela, porque tinha "fraqueza de entendimento" (Livro 4, Título 61, § 9º e Título 107). O marido podia castigar (Livro V, Títulos 36 e 95) sua companheira; ou matar a mulher, acusada de adultério (Livro 5, Título 38), mas idêntico poder não se atribuía a ela contra ele; bastava apenas a fama pública, não sendo preciso "prova austera" (Livro 5, Título 28, § 6º). O Código Criminal do Império (art. 252), durante o século XIX, atenuou essa violência legal, permitindo apenas a acusação ao juízo criminal. No período de vigência das Ordenações, os juristas entendiam que o marido e a mulher se reputavam a mesma pessoa para efeitos jurídicos [6]. Ao fundir-se na pessoa do marido, a mulher despersonalizava-se. Em contrapartida, o marido não podia litigar em juízo sobre bens de raiz sem outorga de sua mulher (Livro 3, Título 48); neste caso o interesse protegido não era o da mulher mas o da família, na sua dimensão econômica.

Até mesmo TEIXEIRA DE FREITAS - jurista que avançou além de seu tempo -, no Esboço do Código Civil (1860-65), previu que o marido poderia "requerer diligências policiais necessárias" (art. 1.306) [7] para fazer valer o poder marital e a obrigação da mulher de viver com ele na mesma habitação.

II – Código Civil de 1916. O Código anterior, tão liberal no plano econômico, era extremamente opressor da mulher, no direito de família. Sem os exageros do período colonial, considerava a mulher relativamente incapaz – ao lado dos filhos, dos pródigos e dos silvícolas – e sujeita permanentemente ao poder marital. Não podia a mulher, sem autorização do marido, litigar em juízo cível ou criminal, salvo em alguns casos previstos em lei; ser tutora ou curadora; exercer qualquer profissão; contrair obrigações ou aceitar mandato. Era tida como auxiliar do marido.

III – Estatuto da Mulher Casada. O advento da Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962, representou o marco inicial da superação do poder marital na sociedade conjugal e do tratamento legal assimétrico entre homem e mulher. Foi saudada como a lei da abolição da incapacidade feminina. Com efeito, foram revogadas diversas normas consagradoras da desigualdade, mas restaram traços atenuados do patriarcalismo, como a chefia da sociedade conjugal e o pátrio poder, que o marido passou a exercer "com a colaboração da mulher"; o direito do marido de fixar o domicílio familiar, embora com a possibilidade de a mulher recorrer ao juiz; e, o que é mais grave, a existência de direitos e deveres diferenciados, em desfavor da mulher.

IV – Lei do Divórcio. A Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, regulamentou a Emenda Constitucional nº 9/1977 que introduziu o divórcio no Brasil, rompendo uma resistência secular capitaneada pela Igreja Católica. A lei propiciou aos cônjuges, de modo igualitário, oportunidade de finalizarem o casamento e de constituição livre de nova família. A lei promoveu outras alterações na legislação civil, no caminho da igualdade conjugal, transformando em faculdade a obrigação de a mulher acrescer aos seus o sobrenome do marido. Manteve, contudo, o modelo do Estatuto da Mulher Casada de proeminência do marido na chefia da família. A adição do nome do marido, prevista na lei, é emblemática porque sempre simbolizou a transferência do pátrio poder para o poder marital; o direito liberou mas o costume persiste, sem consciência de sua origem.


4. CRÍTICA DOS DEVERES COMUNS DOS CÔNJUGES COMO ENUNCIADOS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O Código Civil de 2002 suprimiu os deveres particulares do marido e da mulher, um dos pilares da desigualdade de tratamento legal entre os cônjuges, compatibilizando-se, nesse ponto, com os valores constitucionais. Por força da Constituição, já se encontravam revogados desde o advento desta.

O tratamento doutrinário que se deu tradicionalmente ao tema tinha como paradigma a família patriarcal, inclusive no que toca aos chamados deveres comuns, que tinham por fito a consolidação da família "legítima", máxime quanto aos deveres de fidelidade e de coabitação. O tema há de ser versado tendo-se em conta a família igualitária, repersonalizada em laços fundamentais de afetividade e descolada de suas centenárias funções biológicas, econômicas, políticas e religiosas, em suma, da antiga concepção de ente germinal do Estado [8]. A liberdade de constituir, organizar, planejar e desconstituir a sociedade conjugal e o compartilhamento das responsabilidades impõem ao direito o reconhecimento da affectio como exclusivo suporte da entidade familiar.

O princípio da liberdade, necessariamente coligado ao princípio da igualdade, nas relações familiares, diz respeito não apenas à criação ou extinção das sociedades conjugais, mas à sua permanente constituição e reinvenção. Tendo a família se desligado de suas funções tradicionais, não faz sentido que ao Estado interesse regular deveres que afetam profundamente a liberdade, a intimidade e a privacidade dos cônjuges. O exercício igualitário e solidário da conjugalidade, no mundo atual, é algo inteiramente subtraído à interferência legislativa e judicial do Estado, pois destituído de qualquer interesse público.

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A regra por excelência, nessa linha evolutiva, está bem disposta no art. 1.513 do Código Civil:

Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.

Todavia, o art. 1.566 do Código Civil desmente essa direção principiológica, ao estabelecer deveres conjugais cuja verificação implica necessária interferência do Estado (pessoa de direito público), mediante a atuação de seu Poder Judiciário, na comunhão de vida dos cônjuges. Os deveres de "fidelidade recíproca", "vida em comum, no domicílio conjugal" e "respeito e consideração recíproco" importam profunda interferência na intimidade e na privacidade familiares, que dizem respeito exclusivamente aos cônjuges. Esses deveres, durante a convivência conjugal, são absolutamente inócuos, pois destituídos de sanção para seus eventuais inadimplementos. Assim, prestam-se, exclusivamente, como causas de separação judicial litigiosa (art. 1.572), quando a sociedade conjugal já chegou ao fim, trazendo ao conhecimento dos agentes públicos judiciários (a fortiori do Estado) o que deveria estar velado pela tutela da preservação da intimidade e da vida privada (art. 5º, X, da Constituição). Essa conseqüência indireta depende de ato privativo e potestativo do cônjuge, de forte densidade subjetiva; a conduta que para um é suportável, para outro não é; um ato isolado pode ser considerado mais insuportável que atos continuados. Todavia, o princípio da liberdade conjugal e familiar contenta-se com o simples desaparecimento dos laços afetivos do casal, bastando que um assim considere, tornando desnecessária a investigação de culpa ou de culpado. Não há interesse público legítimo do Estado em impor a continuidade de uma relação que as partes, ou uma parte, não desejam. Lembre-se que o divórcio direto tem como única causa objetiva a separação de fato, dispensando-se qualquer referência a cumprimento ou não de deveres conjugais.

Ressalte-se que o art. 1.566 estabelece um rol de deveres mais gravoso que o previsto para a união estável (art. 1.724), cujos companheiros estão dispensados da fidelidade recíproca e da vida em comum, no domicílio conjugal. Esses deveres são inconciliáveis com a união estável, uma vez que a Constituição a recebeu e garante como união ontologicamente livre em sua formação e em sua convivência. Ora, se tais deveres não podem ser atribuídos aos companheiros da união estável, então não poderiam ser mantidos para os cônjuges, porque estariam a dificultar a conversão daquela em casamento, em vez de facilitar, violando-se o disposto no art. 226, § 3º, da Constituição.

Os únicos deveres comuns tanto aos cônjuges quanto aos companheiros que não violam a privacidade e a vida privada deles, nem interferem em sua comunhão de vida, são o dever de mútua assistência e o dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Estes são deveres exigíveis e refletem interesse público relevante.

Após essas considerações gerais, passemos à análise crítica dos deveres conjugais específicos, adotados pelo Código Civil de 2002.


5. DEVER DE FIDELIDADE RECÍPROCA

A fidelidade recíproca sempre foi entendida como impedimento de relações sexuais com terceiros. Historicamente, voltava-se principalmente ao controle da sexualidade feminina, para proteger a paz doméstica e evitar a turbatio sanguinis. Nesse sentido estrito (e, por certo, insustentável na atualidade), sempre se manifestaram a doutrina e a jurisprudência. Não se confunde, portanto, com o respeito e consideração mútuos.

A doutrina assinala tal significado tradicional, em toda sua dureza [9], que teve razão de ser enquanto o Estado foi entendido como "reunião de famílias"; enquanto interessou o controle sobre a mulher e sua sexualidade; enquanto interessou o controle do patrimônio familiar unitário, assentado em rígido sistema de legitimidade e sucessão de filhos, expurgando-se os considerados ilegítimos.

A realidade social tem demonstrado que esse dever serviu apenas para reprimir a mulher, porque sempre houve tolerância cultural com a "infidelidade" masculina disseminada em todos os estratos da população brasileira. Os valores hoje dominantes não reputam importante para a manutenção da sociedade conjugal esse dever, que faz do casamento não uma comunhão de afetos e de interesses maiores de companheirismo e colaboração, mas de um instrumento de repressão sexual e de represália de um contra outro, quando o relacionamento chega ao fim.

O dever de fidelidade apenas pode ser judicialmente verificável com sacrifício da intimidade e da privacidade das pessoas [10], o que torna questionável sua manutenção. Por outro lado, sua utilidade para garantia da legitimidade dos filhos, fundada na consangüinidade e na família exclusivamente matrimonializada, perdeu consistência, pois a Constituição brasileira, e o próprio Código Civil, optaram pela igualdade absoluta dos filhos de qualquer origem, biológica ou não biológica.

A doutrina e a jurisprudência já vinham acenando com alguns temperamentos ao rigor desse ultrapassado dever conjugal, quando admitiam que o perdão expresso ou tácito eliminava a infração ou a ocorrência do crime de adultério, que representou a exasperação do controle estatal da sexualidade, pondo em mãos do cônjuge enganado o poder de provocar a punição ou o direito de graça [11]. Além do perdão, PONTES DE MIRANDA entendia haver limitação ao dever de fidelidade quando o cônjuge concorre para que o outro o descumpra [12].


6. DEVER DE RESPEITO E CONSIDERAÇÃO MÚTUOS

Esse dever foi introduzido no direito brasileiro pela Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, que regulamentou a união estável, no lugar do dever de fidelidade. O Código Civil de 2002, inexplicavelmente, trouxe-o para os cônjuges, como plus, mantendo contudo o dever de fidelidade; mas não o transplantou para o art. 1.724, preferindo as locuções "lealdade"e "respeito", de conteúdos muito mais vagos e imprecisos. Nenhuma razão há para essa divergência.

O dever de respeito e consideração recíproco consulta mais a dignidade dos cônjuges, pois a lei a eles delega a responsabilidade de qualifica-lo, segundo os valores que compartilhem, sem interferência do Estado-juiz na privacidade e na intimidade, o que ocorre com o dever de fidelidade.

O dever de respeito é um dever especial de abstenção em face dos direitos pessoais absolutos do outro, como diz ANTUNES VARELA [13]. Respeito das liberdades individuais e dos direitos da personalidade do cônjuge.

A comunhão de vida não elimina a personalidade de cada cônjuge. O dever de respeito e consideração mútuo abrange a inviolabilidade da vida, da liberdade, da integridade física e psíquica, da honra, do nome, da imagem, da privacidade do outro cônjuge. Mas não é só um dever de abstenção ou negativo, porque impõe prestações positivas de defesa de valores comuns, tais como a honra solidária, o bom nome familiar, o patrimônio moral comum.


7. DEVER DE VIDA EM COMUM, NO DOMICÍLIO CONJUGAL

A doutrina costuma denominar esse dever de "coabitação", mas o sentido que nele prevaleceu foi o de relacionamento sexual durante a convivência no lar comum, na expressão eufemística de debitum conjugale, hoje tão justamente repudiada. Fez sentido enquanto prevaleceu a sociedade patriarcal, reservando-se à mulher os papéis domésticos e ao homem o de provedor.

O direito tradicional já admitia, em hipóteses específicas, que a convivência na mesma habitação conjugal pudesse ser dispensada. O exercício temporário ou permanente de funções, atividades profissionais ou de emprego em locais ou cidades diferentes, caracteriza a inexigibilidade.

O Código Civil de 2002, todavia, não o excepcionou expressamente, quando cuidou dos deveres conjugais. Porém, quando disciplinou o domicílio conjugal (art. 1.569), permitiu que o cônjuge possa dele ausentar-se "para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes". A permissão de ausentar-se não significa que possa cada cônjuge ter domicílio próprio. No entanto, com a emancipação feminina e a inserção crescente das mulheres no mercado de trabalho, inclusive em cidades distintas de seus maridos, o dever de coabitação mostra-se ultrapassado. Por outro ângulo, o princípio da liberdade familiar, de fundo constitucional, afeiçoa-se à escolha dos cônjuges em viverem em domicílios separados por conveniência pessoal.

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Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela USP. Professor Emérito da UFAL. Foi Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Membro fundador do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Paulo. As vicissitudes da igualdade e dos deveres conjugais no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 722, 27 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6929. Acesso em: 24 abr. 2024.

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