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Prescrição do processo disciplinar começa a fluir da data do fato investigado.

Crítica aberta ao § 1º do art. 142 da Lei nº 8.112/90

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25/06/2005 às 00:00
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IV – O § 1º, DO ARTIGO 142, DA LEI Nº 8.112/90, INTERPRETADO EM SUA LITERALIDADE FERE O ART. 5º, LXXVIII, DA CF (INSERIDO PELA EC Nº 45/2004)

Da forma como está redigido o § 1º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90, ele não é recepcionado pela redação do art. 5º, LXXVIII, [34] da Constituição Federal, que garante a todos, no âmbito judicial ou administrativo, duração razoável do processo, com a utilização de meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Ora, não é mais admissível que possa haver na legislação infraconstitucional preceito capaz de impedir o curso da prescrição no processo administrativo disciplinar de forma permanente, até que a Administração Pública declare a sua ciência ou conhecimento de um ato praticado por seu preposto e em seu nome.

Essa filosofia de que o Estado está acima de tudo e de todos já foi superada pelo direito constitucional moderno, visto que a essência do poder é a manutenção da preservação do homem, não como servo, mas como destinatário de direitos fundamentais, garantias e de deveres.

Partindo dessa indelegável premissa, todos os indivíduos passam a ter constitucionalmente assegurado não só a prestação da tutela jurisdicional tempestiva, como também a celeridade na tramitação de processo administrativo.

Sendo entendido como celeridade a fluição de um tempo razoável no transcurso de procedimentos judiciais e administrativos, contrapondo-se a sua interrupção ou suspensão ad eternum do prazo de prescrição no procedimento disciplinar, visto que o Poder Público também é destinatário do comando constitucional a que alude o inc. LXXVIII, do art. 5º.

Importante esclarecer que a duração razoável de procedimento administrativo, abrange tanto o processo disciplinar como os demais atos da Administração Pública, sendo que tal princípio se vinculou aos direitos fundamentais a que disciplinam o art. 5º e seus incisos da Magna Carta.

Aliás, o direito português já elencava em sua Lei Fundamental (art. 20.4) tal dispositivo: "Art. 20.4 - todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo eqüitativo."

Nesse sentido, José Carlos Vieira de Andrade [35] deixou explicitado seu entendimento no que se refere a importância de defesa dos direitos fundamentais ao aduzir que "esse direitos (pelo menos, esses) devem ser considerados patrimônio espiritual comum da humanidade e não admitem, hoje, nem mais uma leitura, nem pretextos econômicos ou políticos para a violação de seu conteúdo essencial."

Sendo certo que o direito à tutela jurisdicional tempestiva e eficaz vige também perante o Réu ou investigado, como expressado por Alexandra Mendes Spalding: [36] "Entende-se que, ao contestar um pedido formulado em seu desfavor, o réu também está buscando o provimento jurisdicional, ainda que no sentido contrário àquele demandado pelo autor contra o Estado-Juiz."

Compartilha desse entendimento Humberto Theodoro Júnior [37] quando incorpora as lições de Enrico Túlio Liebman: "Na lição de Liebman: ‘A ação é, portanto, o direito subjetivo que consiste no poder de produzir o evento a que está condicionado o efetivo exercício da função jurisdicional. Exerce-a, na verdade, não apenas o autor, mas igualmente o réu, ao se opor à pretensão do primeiro e postular do Estado um provimento contrário ao procurado por parte daquele que propôs a causa, isto é, a declaração de ausência do direito subjetivo invocado pelo autor. Assim, como é lícito ao autor propor uma ação declaratória negativa, e isto reconhecidamente é exercício do direito de ação, que é autônomo e abstrato, o mesmo passa quanto ao réu, que ao contestar requer uma sentença declaratória negativa. E, é justamente, isto que obtém quando o pedido do autor é declarado improcedente."

Por igual, esse também é o entendimento de Ovídio Batista: [38] "Ambos, porém, tanto o autor que age quanto o réu que se defende, têm igual pretensão de tutela jurídica, e, portanto, idêntico direito de obter uma sentença de mérito. Diz-se pretensão de tutela jurídica a este poder atribuído a qualquer pessoa que exigir do Estado a prestação da atividade jurisdicional, consistente não no auxílio que o juiz possa dar àquele em favor de quem ele haja reconhecido a existência de direito e julgado procedente o pedido, mas na simples atividade jurisdicional, consistente não no auxílio que o juiz possa dar àquele em favor de quem ele haja reconhecido a existência de direito e julgado procedente o pedido, mas na simples atividade jurisdicional, mesmo que esta conclua por negar ao interessado a proteção que o Juiz daria se a situação que o autor descreve no processo fosse verdadeira e não infirmada pela nova. Têm, pois, direito a jurisdição tanto o autor que põe em movimento com sua ‘ação’ quanto o réu que apenas se defende e, mesmo sem agir, com sua presença em juízo, reagindo à ação contrária do autor, exige também ele que o Estado, assim provocado pela ação, preste-lhe idêntica tutela, decidindo a controvérsia e recusando-se a realizar a ação de direito material que o autor falsamente se dissera titular, julgando a ação improcedente."

A razoável duração do processo administrativo disciplinar é aquela estabelecida na própria Lei nº 8.112/90 entre a defesa e o julgamento (140 dias). Sucede que este prazo nunca foi obedecido pela Administração Pública até o presente momento, mesmo porque o inc. LXXVIII, do art. 5º, da CF é recente, derivado da EC 45/2004.

Pelo ordenamento constitucional atual, a extrapolação de 140 dias da tramitação do processo administrativo disciplinar não pode mais possibilitar a interrupção indefinida da prescrição intercorrente, pois ela deverá ser contada do dia da ocorrência do fato investigado, com carência dos respectivos 140 dias.

Defender na atualidade a tese da suspensão da prescrição ou sua interrupção indefinidamente é inconstitucional, em face da garantia pré-existente da celeridade processual, quer perante o Poder Judiciário, quer na esfera administrativa.

Essa garantia da celeridade processual, sem dilações indevidas já faz parte da Constituição da Espanha de 1978 (art. 24.2), onde todos os cidadãos possuem o direito de terem os seus pleitos, mesmo que réus, decididos em um prazo razoável.

Aliás, desde a Declaração dos Direitos do Homem de 1798, que seu art. 9º, já dispunha: "... la ley debe reprimir severamente todo rigor que no sea necessario para el aseguramiento de su persona."

Portanto, esta nova fase do direito público não mais comporta uma duração do processo administrativo disciplinar que não seja "razoável" e com a "celeridade de sua tramitação". Ou pelas palavras de Sérgio Bermudes: [39] "A celeridade da tramitação traduz-se na presteza da prática de cada ato do processo, porquanto a demora na prática de um deles repercute, negativamente no conjunto, como acontece com a retenção de um trem num dos pontos de parada do seu percurso. Atos praticados celeremente asseguram a duração razoável senão rápida do processo, o qual outra coisa não é, desde a etimologia, que um conjunto de atos que se sucedem para a consecução de determinado fim."

O princípio é o da prescritibilidade dos atos ilícitos administrativos (art. 37, § 5º, da CF), visto que a Carta Federal ressalva apenas o ressarcimento ao erário, não se vinculando aos prazos, que deverão respeitar o instituto da prescrição. Dessa forma, a apuração e a punição do ilícito administrativo fica prejudicado "se a Administração não toma providência para sua apuração e responsabilização do agente, sua inércia gera a perda do seu ius persequendi." [40]

A inércia da apuração ou da conclusão do processo administrativo disciplinar faz nascer a prescrição intercorrente quanto à Administração "em face de administrados." [41]

Melhor dizendo, segue o exemplo do julgado do Tribunal Supremo da Espanha, que fixou o entendimento que: "El transcurso del tiempo, através de la prescripción, produce importantes efectos jurídicos, transformando determinadas situações de hecho en verdaderos estados de derechos en el sentido que reclama la seguridad jurídica como uno de los princípios que informan el ordenamiento legal y que aparece recogido en el art. 9.3 CE..."

A "celeridade processual é um direito dos litigantes em processos judiciais e administrativos", [42] o que significa dizer que a suspensão ou a interrupção do dies a quo do prazo de prescrição de ilícito administrativo viola o art. 5º, LXXVIII, da CF.

Portanto, a interrupção ou a suspensão do prazo de prescrição disciplinar, quando o ilícito for administrativo, possui o seu dies a quo na data do fato investigado, a teor do que foi estabelecido pelo STF em caso análogos (§§ 3º e 4º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90.


V - DO INÍCIO DO PRAZO (DIES A QUO) NO PROCESSO DISCIPLINAR COMPARADO

Os países que possuem o direito constitucional semelhante ao brasileiro, também estipulam, no instituto da prescrição, a devida garantia de que o poder punitivo não se eternizará no tempo.

Especificamente no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (Decreto-Lei nº 24/84) de Portugal, o seu artigo 4º prescreve dois tipos de prescrição, sendo que a primeira situação é aquele que estipula a prescrição de 3 (três) anos, a contar da data em que a falta foi cometida. Já a outra hipótese é aquela do conhecimento do fato pelo superior máximo hierárquico no prazo de 3 meses: "Art. 4.1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida. Art. 4.2 - Prescreverá igualmente se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar, no prazo de 3 meses. Art. 4.3 - Se o facto qualificado de infração disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal."

O Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, M. Leal – Henriques, cita o julgado no Proc. nº 123/87, de 11.03.88, da PGR (DR II Série, de 10.10.88): "A prescrição, como instituto do direito punitivo, relativa ao procedimento e às penas, e tanto em direito disciplinar como em direito penal, assenta no pressuposto de que o decurso de determinado lapso de tempo, mais ou menos longo, faz desaparecer as razões determinantes da punição ou do cumprimento da pena, as quais cedem por essa circunstância à vantagem de estabilizar as relações de serviço ou as relações da vida social perturbadas pela verificação dos factos tipificados como falta ou como infração penal. Com efeito, a autoridade que detém o poder disciplinar não mantém ilimitadamente no tempo a actuação do seu direito sancionador. Decorrido que seja certo lapso de tempo determinado na lei, não poderá ser desencadeada a acção disciplinar pelos factos passados, porque o procedimento disciplinar prescreveu. Constituindo o direito disciplinar um ramos do direito punitivo, a natureza da prescrição e as razões que pressupõem a actuação do instituto e do respectivo regime, assumem-se substancialmente idênticas ao seu tratamento no âmbito do direito penal. Revelam aqui, razões de ordem processual e da motivação substancial; essencialmente estas como justificadoras da ocorrência da prescrição, nomeadamente as que se relacionam com o fim das suas penas. A acção do tempo torna impossível ou inútil a realização desses fins, apaga, ou esbate a necessidade de retribuição; passados anos a infracção esqueceu, a reacção social e a inquietação por ela provocada foram-se desvanecendo, até desaparecer, a sanção perdeu o interesse e o significado. A prescrição é, assim, um instituto de direito substantivo, que constitui uma das vias de extinção da responsabilidade do infrator e que se assenta no pressuposto de que o decurso de determinado lapso de tempo faz desaparecer as exigências de efectivação da pena, que deixou de ter actualidade, em vista do que o Estado renuncia ao seu direito de punir."

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No procedimento administrativo sancionador da Espanha (Lei 30/92) da Lei de Regime Jurídico das Administrações Públicas, o princípio é o mesmo do português, tendo o seu dies a quo da prescrição a data em que a infração foi cometida.

O art. 132, da Lei espanhola nº 30/92, estabelece: "132.1 – Las infracciones y sanciones prescriban según lo dispuesto en las leyes que las establezcan. Si éstas no fijan plazos de prescripción, las infracciones muy graves prescribirán a los tres años, las graves a los dos años y las leves a seis meses; las sanciones impuestas por faltas muy graves prescribirán a los tres años, las graves a los dos años y las leves a seis meses y las impuestas por faltas leves al año. 132.2 – El plazo de prescripción de las infracciones comenzará a contarse desde el día en que la infracción se hubiera cometido."

Em sólidas palavras, Jesús Gonzáles Péres [43] afirma que a prescrição disciplinar na Espanha se inicia no dia em que a infração foi cometida.

Nesse tema de prescrição de sanções disciplinares, também, na América Latina a contagem da mesma se inicia da data do ato investigado e não do conhecimento da Administração. Assim funciona, por exemplo na Lei Federal mexicana ao estabelecer que a faculdade da autoridade competente para impor sanções administrativas prescreve em 5 (cinco) anos (art. 79).

O Código Disciplinário Único (Lei nº 200/95) colombiano também se regula pelo princípio sub oculis, a teor do que dispõe o seu art. 38: "Art. 38 – Salvo disposición especial en contrario, la facultad que tienes las autoridades administrativas para impor sanciones caduca a los tres (3) años de produzido el acto que pueda ocasionarlas."

Em sentido similar, o Perú segue o mesmo passo, onde a sua Lei que regula as funções públicas é clara quando detalha o procedimento sancionatório em geral, e trata da prescrição em seu art. 231: "Art. 233.1 – La facultad de la autoridad para determinar na existencia de infracciones administrativas prescribe en el plazo que establezcan las leys especiales, sin prejuicio de los plazos para la prescripción de los demás responsabilidades que la infracción pudiera ameritar. En caso de no estar determinado, prescribirá en cinco años computados a partir de la fecha en que se cometió la infracción o desde que cesó, si fuera una acción continuada."

A Lei Orgânica de Ordenação Urbanística de 1987, da Venezuela (art. 117), fixa a prescrição "a los 5 años a contar de la fecha de la infracción."

Diversos são os países, inclusive a França, que estabelecem o dies a quo da prescrição do direito disciplinar o momento em que foi cometida a lesão ao bem protegido pelo direito administrativo.

Não compactuamos com o disposto na Lei nº 8.112/90, no seu § 1º, do art. 142, que dispõe de modo diverso da legislação dos Países cujos ordenamentos jurídicos são extremamente científicos e evoluídos.

Destarte, faz-se necessário alterar o disposto no § 1º acima referido, que além de inconstitucional é incompatível como Estado Democrático de Direito, violando literalmente a Carta Magna.

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Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Prescrição do processo disciplinar começa a fluir da data do fato investigado.: Crítica aberta ao § 1º do art. 142 da Lei nº 8.112/90. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 720, 25 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6931. Acesso em: 19 dez. 2024.

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