Acessibilidade: uma questão urgente

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9. Conclusão

No mundo, as pessoas com deficiência somam mais de um bilhão de indivíduos e no Brasil, representam cerca de um quarto da população.

Apesar de constituírem significativa parcela da sociedade nacional, esse coletivo permanece invisível. Invisibilidade esta que pode ser explicada pela baixa efetividade do paradigma de inclusão.

Desde a Antiguidade, passando pela Idade Média e posteriores períodos históricos, esse grupo foi considerado, no princípio, como castigado pela divindade, depois, como necessitado de caridade pública, e, recentemente, como o único responsável por suas limitações. Assim é que se vê, em cada época, ora a prevalência do modelo de prescindência, ora do modelo médico.

Cada um desses modelos representou a forma pela qual a sociedade tratou as pessoas com deficiência, e demonstrou um caminho de passou pela exclusão (morte), segregação e integração.

No início do século XXI, com o advento da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), surge o modelo social, entendido como aquele que considera que as causas que originam a deficiência não são religiosas, nem científicas, mas, em grande medida, sociais. Dispõem, ainda, que a deficiência é uma experiência resultante da interação entre características corporais do indivíduo e as condições da sociedade em que ele vive, isto é, da combinação de limitações impostas pelo corpo com algum tipo de perda ou redução de funcionalidade (“lesão”) com uma organização social pouco sensível à diversidade corporal. Esse é o modelo que privilegia a inclusão social da pessoa com deficiência.

Ocorre que, embora o modelo social, abrigado pela CDPD, seja o paradigma atual, sua efetividade é baixa, pois a ausência de políticas públicas e programas sociais, privilegiou o predomínio do modelo médico como recurso explicativo da deficiência no Brasil. Dessa forma, essa coletividade permanece na invisibilidade.

As consequências da falta de inclusão podem ser vistas por meio de estatísticas que demonstram a ausência dessas pessoas no sistema educacional, no mercado de trabalho, nas instituições de tratamento e prevenção de saúde, nos espaços de lazer e nas cidades.

Esse cenário, justificado e resumido por falta de acesso, que por sua vez denota exclusão, pode ser transformado por meio da plena inclusão da pessoa com deficiência em todas os âmbitos da sociedade. Assim, essa tão urgente inclusão pode ser concretizada por meio da materialização de corretas e adequadas condições de acessibilidade.

Ora, a acessibilidade, de natureza principiológica e direito de cunho instrumental, encontra sólidos pilares da legislação pátria. A começar pela Constituição da República de 1988, em seus artigos 227, § 2º e 244, incluindo a Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao direito brasileiro com status de norma constitucional e, finalmente na Lei Brasileira de Inclusão (Lei n. 13.146/2015).

Considerando os enunciados da Convenção, verifica-se que o Estado Brasileiro assumiu o dever de promover a acessibilidade de forma a possibilitar a inclusão social da pessoa com deficiência em condições de igualdade com as demais pessoas. Tais deveres estão estabelecidos de forma clara.

Assim, desses instrumentos, em especial no disposto no art. 9 da CDPD e no art. 3º, inciso I, da LBI é possível estabelecer os quatro eixos da acessibilidade, os quais exigem ações para sua concretização: edificações e equipamentos urbanos, espaços e mobiliários, transportes, comunicação e informação. Cada uma dessas vertentes precisa de ser supridas do elemento acessibilidade para que seja possível se falar em efetividade do paradigma de inclusão e, consequentemente, do modelo social.


Notas

[1]Fonte: Painel – Inclusão da Pessoa com Deficiência. TCU. https://painel1.tcu.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=DocsProd%2FSeginf%2FInclus%C3%A3o%2FInclus%C3%A3o%20da%20Pessoa%20com%20Defici%C3%AAncia.qvw&client=Ajax -

[2] A Lei das Doze Tábuas (Lex Duodecim Tabularum ou simplesmente Duodecim Tabulae, em latim) constituía uma antiga legislação que está na origem do direito romano. Formava o cerne da constituição da República Romana e do mos maiorum (antigas leis não escritas e regras de conduta).

[3]SILVA, Priscila Meneses. A Invisibilidade da Diferença: a Questão da Exclusão dos Deficientes do Mercado de Trabalho. file:///C:/Users/valeriacg/Downloads/137-316-1-PB.pdf

[4] In http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0812002_10_cap_02.pdf. Consultado em 1º/10/2018.

[5]PALACIOS, Agustina: El modelo social de discapacidad: orígenes, caracterización y plasmación en la Convención Internacional sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad. CERMI. Madrid: Ediciones Cinca, 2008, p. 25.

[6]MADRUGA, Sidney. Pessoas com Deficiência e Direitos Humanos. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 34

[7]MADRUGA, Sidney. Pessoas com Deficiência e Direitos Humanos. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 35.

[8]MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora. Envelhecimento e deficiência. Disponível em: http://www.en.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/livros/Arq_09_Cap_03.pdf. Acesso em: out/2018.

[9] https://www.unric.org/pt/pessoas-com-deficiencia/5459

[10] https://nacoesunidas.org/acao/pessoas-com-deficiencia/

[11]http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44575/9788564047020_por.pdf;jsessionid=1F394B98A0072F42CBA9DB216D0E4763?sequence=4

[12] https://nacoesunidas.org/acao/pessoas-com-deficiencia/.

[13]http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44575/9788564047020_por.pdf;jsessionid=1F394B98A0072F42CBA9DB216D0E4763?sequence=4

[14] Informações colhidas em hospitais públicos e privados.

[15]https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/09/1917303-deficientes-sao-vitimas-de-1-em-cada-10-estupros-registrados-no-pais.shtml

[16] https://nacoesunidas.org/acao/pessoas-com-deficiencia/

[17]http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-08/apenas-1-dos-brasileiros-com-deficiencia-esta-no-mercado-de

[18] https://nacoesunidas.org/acao/pessoas-com-deficiencia/.

[19]http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44575/9788564047020_por.pdf;jsessionid=1F394B98A0072F42CBA9DB216D0E4763?sequence=4

[20] Pesquisa dos Munícipios Brasileiros (Munic).

[21]https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/07/40-das-cidades-nao-tem-frota-adaptada-para-deficientes-aponta-ibge.shtml

[22] http://especiais.g1.globo.com/educacao/2015/censo-escolar-2014/a-escola-acessivel-ou-nao.html

[23]http://www.tc.df.gov.br/ice5/auditorias/SEAUD%20-%20Auditorias_Arquivos/Relat%C3%B3rio%20Final%20e%20Decis%C3%A3o%20-%2026221-13.pdf

[24] SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: Acessibilidade no lazer, trabalho e educação. In https://acessibilidade.ufg.br/up/211/o/SASSAKI_-_Acessibilidade.pdf?1473203319. Consultado em out/2018.

[25] PESSOA, Carlos Levi Costa. Revista Espaço Jurídico. Joaçaba, v. 13, n. 2, p. 353-372, jul. /dez. 2012.

[26] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência.

[27] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

[28] Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º.

[29] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

[30] BUCAR, Daniel. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência à Luz da Constituição da República. 1ª edição. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2018, p. 212.

[31] BUCAR, Daniel, op. cit., p. 212.

[32] Artigo 4

Obrigações gerais

1. Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a:

(...)

Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento de produtos, serviços, equipamentos e instalações com desenho universal, conforme definidos no Artigo 2 da presente Convenção, que exijam o mínimo possível de adaptação e cujo custo seja o mínimo possível, destinados a atender às necessidades específicas de pessoas com deficiência, a promover sua disponibilidade e seu uso e a promover o desenho universal quando da elaboração de normas e diretrizes; g) Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento, bem como a disponibilidade e o emprego de novas tecnologias, Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Secretaria de Direitos Humanos 30 inclusive as tecnologias da informação e comunicação, ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias assistivas, adequados a pessoas com deficiência, dando prioridade a tecnologias de custo acessível; h) Propiciar informação acessível para as pessoas com deficiência a respeito de ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias assistivas, incluindo novas tecnologias bem como outras formas de assistência, serviços de apoio e instalações; i) Promover a capacitação em relação aos direitos reconhecidos pela presente Convenção dos profissionais e equipes que trabalham com pessoas com deficiência, de forma a melhorar a prestação de assistência e serviços garantidos por esses direitos.

Artigo 9

Acessibilidade 1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Secretaria de Direitos Humanos 35 os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a:

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a) Edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho;

b) Informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência.

2. Os Estados Partes também tomarão medidas apropriadas para:

a) desenvolver, promulgar e monitorar a implementação de normas e diretrizes mínimas para a acessibilidade das instalações e dos serviços abertos ao público ou de uso público;

b) assegurar que as entidades privadas que oferecem instalações e serviços abertos ao público ou de uso público levem em consideração todos os aspectos relativos à acessibilidade para pessoas com deficiência;

c) proporcionar, a todos os atores envolvidos, formação em relação às questões de acessibilidade com as quais as pessoas com deficiência se confrontam; Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Secretaria de Direitos Humanos;

d) dotar os edifícios e outras instalações abertas ao público ou de uso público de sinalização em Braille e em formatos de fácil leitura e compreensão;

e) oferecer formas de assistência humana ou animal e serviços de mediadores, incluindo guias, ledores e intérpretes profissionais da língua de sinais, para facilitar o acesso aos edifícios e outras instalações abertas ao público ou de uso público;

f) promover outras formas apropriadas de assistência e apoio a pessoas com deficiência, a fim de assegurar a essas pessoas o acesso a informações;

g) promover o acesso de pessoas com deficiência a novos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, inclusive à internet;

h) promover, desde a fase inicial, a concepção, o desenvolvimento, a produção e a disseminação de sistemas e tecnologias de informação e comunicação, a fim de que esses sistemas e tecnologias se tornem acessíveis a custo mínimo.

Artigo 20

Mobilidade pessoal

Os Estados Partes tomarão medidas efetivas para assegurar às pessoas com deficiência sua mobilidade pessoal com a máxima independência possível: a) Facilitando a mobilidade pessoal das pessoas com deficiência, na forma e no momento em que elas quiserem, e a custo acessível; b) Facilitando às pessoas com deficiência o acesso a tecnologias assistivas, dispositivos e ajudas técnicas de qualidade, e formas de assistência humana ou animal e de mediadores, inclusive tornando-os disponíveis a custo acessível; c) Propiciando às pessoas com deficiência e ao pessoal especializado uma capacitação em técnicas de mobilidade; Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Secretaria de Direitos Humanos 45 d) Incentivando entidades que produzem ajudas técnicas de mobilidade, dispositivos e tecnologias assistivas a levarem em conta todos os aspectos relativos à mobilidade de pessoas com deficiência.

[33] Embora as normas jurídicas contidas na Convenção sejam dotadas de caráter obrigatório, não há, no plano internacional, meio de coerção aptos a constranges determinado Estado signatário a cumprir com seus ditames.

[34] Normas constitucionais de eficácia limitada, na conhecida definição de José Afonso da Silva, são aquelas que demandam integração legislativa para realizarem a totalidade de seus efeitos.

[35] PIO, Nuno R. Coelho. A tipificação do descumprimento do dever de acessibilidade como ato de improbidade administrativa. Revista de Estado da Função Pública. Belo Horizonte, ano 5, n. 14, p. 182, maio/ago. 2016.

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Sobre a autora
Valeria Cristina Gomes Ribeiro

Auditora Federal de Controle Externo, atualmente coordenadora da comissão de acessibilidade do TCU.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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