Recente destaque na imprensa nacional e internacional foi o ataque de moradores do município de Pacaraima/RR a imigrantes venezuelanos que se aglomeravam em espaços públicos. Após o assalto e espancamento de um comerciante querido na cidade, supostamente praticado por venezuelanos, seguiram-se atos de violência nas ruas e os imigrantes foram literalmente expulsos e seus pertences queimados. Seguiram-se outros atos agressivos na Venezuela contra brasileiros, e promessas de novas manifestações.
Toda violência é injustificável. Xenofobia e discurso de ódio são incompatíveis com a tradição brasileira de ser um país formado por imigrantes, donde provém nossa riqueza cultural. Porém, o problema é mais complexo do que parece e demanda políticas públicas eficazes do Governo Federal, para equacioná-lo a contento.
A julgar pelo teor das principais manchetes, parece que os roraimenses são intolerantes e xenófobos, o que está muito longe de ser verdade. Roraima é um dos estados brasileiros que mais recebe pessoas de outros lugares e está acostumado com essa pluralidade. O que vê no surto de Pacaraima é um evento isolado, que não reflete a natureza pacífica e acolhedora dos roraimenses.
Mas é preciso cuidado, porque uma bomba relógio está ativada, e se não houver estratégias políticas eficazes tende a explodir, gerando o caos e a intolerância.
Explica-se: uma média de até 800 venezuelanos ingressam no Brasil diariamente e a maioria se concentra na capital de Roraima, Boa Vista, com cerca de 330.000 habitantes. Recente pesquisa aponta que os imigrantes nesta cidade já são 8% da população, em torno de 25.000.
O Governo Federal implantou a política de interiorização, executada pelas Forças Armadas, que pretende deslocar (voluntariamente) os venezuelanos para outras cidades brasileiras, e neste primeiro semestre do ano o fez com 820 imigrantes.
Porém, considerando-se que Boa Vista só tem acesso terrestre a Manaus/AM (quase 800km) e se comunica com o restante do país apenas por via aérea ou fluvial (Manus a Porto Velho/RO ou a Belém/PA), a operação logística demanda recursos e planejamento.
Consequentemente, a quantidade de pessoas que ingressam no Brasil num único dia levará meses para ser interiorizada, se mantido o atual ritmo. Resulta num processo de interiorização simbólico e esporádico, que não guarda proporção entre a entrada e a vazão, causando um explosão demográfica de imigrantes no Estado de Roraima.
A metáfora da bomba-relógio não é exagero, pois um crescimento exponencial na demanda por serviços públicos, mormente educação e saúde já está afetando e afetará ainda mais a capacidade de atendimentos, resultando num colapso institucional.
A título de exemplo, segundo dados publicados na imprensa, em 2014 foram 780 atendimentos médicos a venezuelanos em Roraima, e em 2017 foram mais de 15.000, num aumento de 1.880%.
Imagine-se a ira de um pai de família que não encontra leito no hospital ou vaga em escola pública para seu filho, ameaçando a convivência pacífica entre brasileiros e venezuelanos. Surtos de violência são inaceitáveis em qualquer circunstância, mas é um triste fato que podem irromper em qualquer lugar, por motivos como este.
Não há solução mágica para a questão, já que é consequencial do caos institucional e humanitário na Venezuela, a causar um êxodo sem precedentes na América Latina. Mas hoje, a única forma de se equacionar a questão a contento, para roraimenses e venezuelanos, é um processo permanente, sistemático e real de interiorização, na mesma proporção dos ingressos.
O problema não é exclusivo do Estado de Roraima, mas é nacional, logo, seu ônus deve ser suportado por todo o país, não apenas pelo estado de menor PIB da federação. Aliás, este é o sentido do princípio da solidariedade.
Não é caso de se fechar a fronteira e negar acesso aos estrangeiros, argumentando-se com exemplos de nações hostis a imigrantes, pois somos um país que preza pela dignidade da pessoa humana e precisamos de aprimoramento nisso, não de retrocesso.
O refugiado venezuelano não abandonou seu lar, seu país e sua vida por opção, mas por falta dela. O que lhe move é a esperança de dias melhores, recomeço com uma vida minimamente digna para sua família.
É preciso que a população brasileira olhe para o drama dos imigrantes venezuelanos com empatia, colocando-se no lugar de cada um deles: e se fossemos nós?
Mas é imperativo também que os demais brasileiros não abandonem o Estado de Roraima à própria sorte, sofrendo sozinho os efeitos da explosão demográfica e colapso dos serviços públicos, como se fosse um problema particular e não nacional.
O ataque aos venezuelanos em Pacaraima é criminoso, absurdo, cruel e injustificável. Mas é inaceitável a concentração de imigrantes num único (e pobre) estado, em poucas (e pequenas) cidades, entrando 800 por dia e saindo 800 a cada seis meses. O cenário venezuelano é assustador e a perspectiva é o aumento da fuga de seus cidadãos. Basta um cálculo matemático simples para se concluir que a bomba tende a explodir a curto prazo. O que aconteceu neste final de semana foi apenas um aviso.
A única resposta eficaz é a interiorização, na mesma razão da entrada, associada a estratégias nacionais de realocação dos imigrantes venezuelanos, além de novos investimentos na estrutura roraimense de acolhimento (que deverá ser transitório), incluindo educação, saúde e segurança pública. A situação deve ser tratada como é – estratégica nacional, com ações reais e não simbólicas. Só assim, os roraimenses poderão dignamente ser a porta de entrada dos imigrantes e os venezuelanos, de fato, ter a oportunidade que precisam para um futuro melhor em terras brasileiras.