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O que será da democracia brasileira?

24/10/2018 às 09:50
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Texto que reflete sobre o futuro da democracia no país, a partir do cenário presidencial das eleições de 2018.

Após a eleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos a pergunta sobre se a democracia será realmente capaz de se perpetuar passou a ser seriamente conjecturada. A vitória de um personagem assumidamente avesso a valores democráticos num país que se tornou espelho para a democracia ocidental (não pelo fato de ser a democracia ideal, mas pelo fato de conseguir persistir no tempo) foi mote para bons estudos sobre o tema, caso de Como as democracias morrem, dos professores de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, e Como a democracia chega ao fim, de David Runciman, professor da Universidade de Cambridge, publicados no Brasil, respectivamente, pelas editoras Zahar e Todavia.

Nenhum dos dois estudos apresenta uma resposta à questão-chave formulada, mas ambos reconhecem que a vida de uma democracia depende, essencialmente, da crença do tecido social no próprio sistema como melhor modelo para si. Não existe um padrão uniforme de democracia para todas as nações, uma vez que elementos culturais, políticos e sociais diferem de país a país, mas o modelo em aplicação precisa ser efetivamente reconhecido pela correspondente sociedade como válido e legítimo.

Para que uma democracia vingue, as instituições de poder precisam conhecer bem seus papeis, prerrogativas e limites. Saber vencer e saber perder em processos eleitorais são qualidades fundamentais a quem disputa, assim como também o são a maturidade de certas instituições sociais, como partidos políticos, imprensa etc., para a contenção do ranço político sistêmico e a permanência da crença nas instituições como pilares fundamentais à sustentação democrática.

O fenômeno do fake news é um atentado contra o bom jogo. Divulgação de mentiras, instilação do medo, evocação do desrespeito às instituições políticas e sociais são debilidades diametralmente opostas à ideia democrática, mas as consequências do fenômeno podem ser minimizadas, desde que o poder público, por exemplo, através da Justiça, ou da sociedade civil, na figura da imprensa, saibam fazer sua parte no esquadro democrático, moderando o equilíbrio social e garantindo a divulgação de informações de conteúdo honesto. Não se pode, todavia, ignorar a influência da internet na vida presente, muito menos a situação, há anos alertada pelo filósofo Umberto Eco, de que a massificação das redes sociais deu voz a uma legião de imbecis – considerando que o filósofo partiu deste plano para o outro sem vivenciar que alguns dos que ganharam voz via internet obteriam forças para alcançar literalmente o poder, a começar pelo próprio Donald Trump nos Estados Unidos.

Trazendo a discussão para o Brasil, é possível claramente identificar, na candidatura de Jair Bolsonaro, sinais insofismáveis de antidemocratismo e propensão para o autoritarismo: adoção de discurso político de desqualificação adversária pautado em mentiras, considerando-lhe como inimigo a ser eliminado, a fim de instilar a violência de partidários; colocação em xeque da legitimidade do processo eleitoral, tudo fazendo para desidratar a crença nas instituições, especialmente nos poderes constituídos; ataque deliberado às minorias e maiorias historicamente discriminadas, procurando estimular o ódio sistêmico; não respeito mínimo às regras do jogo democrático, por exemplo, escapando de debates e se escondendo atrás de fake kews, possivelmente financiados, segundo denúncias, por verbas ilícitas de caixa 2.

Mas, afinal de contas, como é que uma pessoa dessas, com tantos atributos negativos, pode chegar à presidência da República através do voto popular? A situação no Brasil é mais espantosa que nos Estados Unidos, porque lá Donald Trump figurou como outsider da política, um supostamente bem-sucedido empresário do país, custasse o que custasse sua “bem-sucedida” carreira, que, teoricamente, jamais participara diretamente da vida política (apesar de que a iniciativa privada norte-americana, assim como a brasileira, jamais prescindiu de lobbies e representação política). No Brasil, ao contrário, Jair Bolsonaro, em que pese a imensa capacidade de captação econômica (à parte as denúncias de Caixa 2) é um ex-militar escorado na vida política há quase trinta anos, que sequer esconde a intenção de manter boa parte da família sustentada no sistema.

Uma resposta plausível para a pergunta é que instituições políticas e sociais, como legislativo, judiciário, executivo, partidos políticos e imprensa, apenas para citar algumas, falharam no cumprimento de seus papeis. Partidos falharam ao não saber perder e questionar o resultado de eleições legítimas em 2014, dando azo para que movimentações de rua financiadas por setores econômicos interessados em subverter a agenda social do governo, direcionados pela ode do imperialismo internacional, se inflamassem, falhando, também, ao promoverem ações políticas insidiosas no parlamento, buscando unicamente a desestabilização do governo legítimo - perderam o norte. Destroçado o legislativo, a Justiça, que deveria garantir o equilíbrio entre as instituições de poder, permitiu a quebra da normalidade institucional ao avalizar o impeachment fraudulento de 2016, proposto contra a chefe do executivo federal (nesse âmbito, até mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil capitulou à chantagem legislativo-partidária), calando-se, posteriormente, face o temor de ser censurado pela grande plateia do teatro midiático nacional, diante dos arroubos promovidos por integrantes isolados de seu poderoso sistema (judiciário e ministério público), situação que vem persistindo até as presentes eleições, sendo vistos pululando seletividade judicial de um lado, e, de outro, complacência com retórica explosivamente antipolítica e ações eleitorais assombrosamente dolosas - as instituições de poder perderam o centro. Por fim, falhou também a imprensa, monopolizada por grandes grupos econômicos, cuja ação, durante anos a fio, se deu em permissividade, porque não dizer cooperação, com a promoção e divulgação de notícias desonestas, igualando-se, no ideário da sociedade, aos mesmos fake news que busca, agora, desesperadamente, tolher - as instituições sociais perderam o sul. Nesta complexa seara não seria razoável afirmar que o executivo também não tenha tido culpa no cartório. Lógico que teve, sobretudo porque permitiu que querosene se convertesse em incêndio, mas seus equívocos foram menos por ação, mais por omissão no desiderato do desastre.

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Enfim, o que pode acontecer com a democracia brasileira se o candidato Jair Bolsonoro vier a vencer? Há, certamente, mais perguntas do que respostas na cabeça de qualquer um que reflita sobre essa questão, o que naturalmente não é bom sinal. Qualquer coisa, desde a caça arbitrária aos adversários até o fechamento do Congresso Nacional, segundo já propalado pelo candidato, ou o ataque ao STF, consoante explicitado pelo herdeiro deputado federal, tudo dali se pode esperar, porque nada, absolutamente nada, vindo de si é possível prever. Eis uma prova de que a democracia brasileira está à beira do precipício, o futuro da nação é imprevisível caso o candidato se sobressaia vitorioso.

A esperança, porém, é de que isso não aconteça. Que siga mantida, no futuro, a possibilidade de continuar-se refletindo sobre o tema, resultando-se na abstração de melhores definições sobre os papéis das instituições reais, civis e de poder. “Para que nossa esperança seja mais que a vingança, seja sempre um caminho que se deixa de herança.”, como diria Ivan Lins. Em outros termos, para que os erros sirvam de aprendizado e sejam suplantados por acertos em benefício da democracia. Uma democracia que não seja medida apenas pelo tempo de continuidade do modelo institucional, mas, sobretudo, pelos resultados materiais que logre efetivamente a promover em favor do conjunto da população, sobretudo de seus segmentos mais sofridos. É preciso acreditar nisso, é preciso lutar por isso.

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Sobre o autor
Marcelo Uchôa

Advogado. Professor Doutor de Direito da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Ex Secretário Especial de Políticas sobre Drogas do Ceará (Adjunto e Titular interino). Ex Coordenador Especial de Direitos Humanos do Governo do Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

UCHÔA, Marcelo. O que será da democracia brasileira?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5593, 24 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69821. Acesso em: 21 nov. 2024.

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