Artigo Destaque dos editores

A mentira como elemento da ampla defesa no ordenamento jurídico constitucional processual penal brasileiro: possibilidade, alcance e dimensão

Exibindo página 2 de 2

Resumo:


  • O direito do acusado de mentir em juízo é objeto de debate no sistema jurídico brasileiro, sendo respaldado pela ampla defesa e não incriminação.

  • A legislação brasileira não tipifica a conduta de mentir perante autoridade policial ou em juízo, diferentemente dos Estados Unidos onde o perjúrio é crime.

  • O posicionamento jurisprudencial majoritário reconhece o direito do acusado de mentir em juízo como parte de sua ampla defesa, mas ressalta que tal direito não é absoluto, podendo o acusado responder por outros crimes se a mentira resultar em condutas tipificadas no Código Penal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face do exposto, é possível afirmar, que a existência, para o acusado, do direito de mentir tanto na fase policial, como em juízo, não é unanimidade no cenário brasileiro.  

Com efeito, é assegurado ao réu, inclusive constitucionalmente (art. 5º, LXIII, CF/88), o direito de permanecer calado, recusando-se a responder as perguntas que lhes forem feitas sobre os fatos pelos quais está sendo acusado. Tal conduta não poderá, ainda, ser interpretada como confissão ficta ou em prejuízo da defesa, devendo ser considerada, pelo magistrado, como mera ausência de resposta.

Entretanto, tendo em vista ausência de tipificação no ordenamento jurídico brasileiro do crime de perjúrio, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, há se de perceber que, diferentemente das testemunhas, o réu não detém o dever de proferir a verdade, em virtude de sua garantia constitucional a não se incriminar. Portanto, se o acusado vier a mentir em interrogatório, não responderá por falso testemunho (art. 342 do Código Penal), tendo em vista que estará apenas exercendo seu direito à ampla defesa.

Cumpre esclarecer que o entendimento de que o réu poderá mentir em juízo, reconhecido inclusive pelo STF, diz respeito apenas aos questionamentos acerca dos fatos a si imputados, pois sabe-se, também, que a autodefesa não é um direito absoluto.

Isto porque, por exemplo, se o réu, no interrogatório, imputar falsamente o crime a pessoa inocente, deverá responder pelo delito de denunciação caluniosa, tipificado no art. 399 do Código Penal.

Da mesma maneira, deverá responder pelos delitos de uso de documento falso e falsa identidade (arts. 304 e 307 do Código Penal, respectivamente) o agente que, para não se auto incriminar, apresentar um documento falso ou atribuir a si uma identidade que não é sua (HC 92763, RE 640139 RG e REsp 1.362.524-MG).

Portanto, neste trabalho, é adotado o posicionamento de que a ampla defesa assegurada ao réu, no processo criminal, garante também o direito de mentir sobre a realidade dos fatos que a si forem imputados, face à inexistência do crime de perjúrio no ordenamento jurídico brasileiro. Quanto ao uso de falso documento ou falsa identidade, por se tratar de condutas devidamente tipificadas no Código Penal, responderá o acusado se vier a praticá-las, pois o seu direito à autodefesa e não autoincriminação não é absoluto.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Secção. REsp 1.362.524-MG. Rel Min. Sebastião Reis Júnior - j. 20/10/2013. DJe 02/05/2014. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula no. 522. A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp#TIT1TEMA0>. Acesso em: 01 abr. 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 68929/SP. Rel. Min. Celso de Melo – j. 22/10/1991, DJU, 28/08/1992. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 92763. Rel Min. Eros Grau – j. 12/02/2008, DJe 25/04/2008.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Sexta Turma. HC 98.013/MS, Rel. Min. Og Fernandes – j. 20/09/2012. DJe 01/10/2012. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RG RE 640139/DF. Rel. Min. Dias Toffoli – j. 22/09/2011. DJe 14/10/2011.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Apelação Criminal nº 20130810080348. Rel. WALDIR LEÔNCIO LOPES JUNIOR – j. 02/02/2017, DJe 08/02/2017.

CARAZAI, Marcos Martins. A interpretação do STF sobre o direito ao silêncio e o contraditório no Processo Penal. Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu. São Paulo, n. 1, p. 119-141, jan/jun. 2014. Disponível em: https://www.usjt.br/revistadireito/numero-1/14-marcos-carazai.pdf. Acesso em: 15 out. 2018.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O princípio da autodefesa não autoriza o uso de documento falso nem a atribuição de falsa identidade. Disponível em:<http://www.dizerodireito.com.br/2014/02/o-principio-da-autodefesa-nao-autoriza.html>. Acesso em: 01 abr. 2017. CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Pacto de San José da Costa Rica. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 31 mar. 2017.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da não auto-incriminação: significado, conteúdo, base jurídica e âmbito de incidência. LFG, 2010. Disponível em: http://www.lfg.com.br. Acesso em: 17 out. 2018.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.

NUCCI, Guilherme. Código de Processo Penal Comentado. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

PALIS, Marco Aurelio Plazzi. Suposto direito de o réu mentir: abordagem legal, doutrinária, jurisprudencial e filosófica. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 13 jun. 2016. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56070&seo=1>. Acesso em: 31 mar. 2017.

SANTOS, Marcus Renan Palácio de M. C. dos. Princípio Nemo Tenetur Se Detegere e os limites a um suposto direito de mentir. Revista Acadêmica da Escola Superior do Ministério Público do Ceará. Fortaleza, ano 2, n.1. jan/jun. 2010. Disponível em: http://tmp.mpce.mp.br/esmp/publicacoes/ed12010/artigos/3Prnicipiopionemotenetur.pdf. Acesso em: 01 abr. 2017. ISSN 2176-7939.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Amanda Marinho de Lima Tavares

Estudante de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Alexia Maria Heroncio Melo Cavalcanti ; TAVARES, Amanda Marinho Lima. A mentira como elemento da ampla defesa no ordenamento jurídico constitucional processual penal brasileiro: possibilidade, alcance e dimensão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5714, 22 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69852. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos