RESUMO: O presente trabalho objetiva tratar a questão do combate à corrupção, através de um instituto denominado Compliance. O Compliance teve suas origens no direito americano advindo das classes bancárias e farmacêuticas principalmente. Tal instituto visa o combate à corrupção através de uma reestruturação ética dentro das empresas e administrações onde atuam, mas também na sociedade como um todo. As primeiras evidências deste instituto podem ser vislumbradas desde a era bíblica.
A questão do combate à corrupção surgiu do advento de alguns tratados que comprometeram o Brasil como signatário, a tratar e prevenir atos de corrupção e de lavagem de dinheiro, além da própria lei anticorrupção. E a legislação brasileira como forma de combate aos males da corrupção tem atribuído aos particulares diversos deveres e em alguns casos oferece uma atenuante àqueles que demonstrarem terem em suas empresas sistemas efetivos de gestão de riscos, mas deseja o presente trabalho demonstrar que não basta o combate à corrupção ter partido somente de um lado, esta atividade demanda empenho tanto dos particulares como do poder público, para tanto deseja demonstrar que a aplicação da gestão de riscos e fomentação ética no setor público se faz necessário para atingir a paz social.
Para tanto foram feitas pesquisas em teses de mestrados e doutorados além de materiais que tratam especificamente da gerência de sistemas de gestão de riscos, buscando basilar atividades dos particulares dentro da administração por meio de leis e decretos, principalmente através da Constituição Federal.
Palavras-chave: Ética, combate à corrupção, legalidade, gestão de risco, Compliance, responsabilidade
1.Introdução
Quando se pensa a respeito do Compliance tende-se a imaginar tempos modernos, porém é possível extrair de seu conceito exemplos muito mais antigos do que se pode imaginar.
Marco Cruz (2017) demonstra que a história do Compliance pode ser muito antiga se levar em consideração o intuito deste instituto no sentido de que a população deve seguir aquilo que está no ordenamento. À exemplo dos primórdios do Compliance, ainda segundo o autor, pode-se citar os livros sagrados de cada religião que pregava o estrito caminho que seus fiéis deveriam trilhar, tais pregamentos transcritos em livros ou pergaminhos tinham para seus crentes força de lei editada diretamente por cada Deus, como por exemplo o Torá, a Biblia, o código de Ur Nammu, Eshunna, Lipit Ishtar de Isin e também o mais conhecido dentre os ordenamentos da antiguidade o Código de Hamurabi da Babilônia.
Já no mundo corporativo, Luiz Roberto Calado (2017) mecanismos de regulação e fiscalização começaram a ser aplicados já nos anos 1900 nos Estados Unidos, por requisição das insdústrias farmacêuticas e pelos bancos. Com a Criação do Food and Drug Administation em 1930, disto surgiram desde então diversos outros modelos de regulamentação específico como Securities and Exchange Commission, em 1933; Prudential Securities, em 1950 e por fim em 1977 foi promulgado a Foreign Corrupt Practices Act, que criou a obrigatoriedade de manutenção de livros e registros empresariais com demonstrativos sobre suas transações além de estabelecer a necessidade de se instituir um sistema de controle interno adequado, esta lei tornou-se um importante marco para a evolução do Compliance, já que a mesma serviu de matriz para diversas Leis de mesmo teor em outros países.
Sobre o surgimento do Compliance Santos (2011) explica que é um instituto que nasceu dentro das instituições financeiras, com a criação do Banco Central Americano, em 1913, com intuito de tornar este tipo de ambiente um sistema que expirasse confiança e estabilidade, não obstante, o Compliance tem ganhado notório desenvolvimento abrangendo muito mais do que a palavra sugere, hoje falar em compliance é trazer todo um contexto de questões de ética individual e coletiva. Miranda (2017) explica que dois fatores podem ter contribuído para o desenvolvimento do compliance, a informatização dos processos e a maior complexidade dos negócios.
2. Compliance
Compliance é um termo utilizado de forma mais usual no ramo da administração privada norte americana, provém do verbo em inglês to comply, que segundo o Oxford Living Dictionaries (2018) significa: “Act in accordance with a wish or command”, que se pode traduzir da seguinte forma: agir de acordo com um desejo ou comando. E segundo o Dictionary of law (2000), citado por Veríssimo (2017, p.90), “Compliance é um substantivo que significa concordância com o que é ordenado; compliant é aquele que concorda com alguma coisa, e to comply with significa obedecer”.
O objetivo do compliance não é só prevenir atos de corrupção que possam afetar a administração, o compliance atua também de forma a sancionar aqueles que já atentaram contra o interesse público, além de atribuir uma série de regulamentos para reprimir tais atos, como explica Veríssimo (2017, p.91) na seguinte passagem:
O compliance tem objetivos tanto preventivos como reativos. Visa a prevenção de infrações legais em geral assim como a prevenção dos riscos legais e reputacionais aos quais a empresa está sujeita, na hipótese de que essas infrações se concretizem. Além disso, impõe à empresa o dever de apurar as condutas ilícitas em geral, assim como as que violam as normas da empresa, além de adotar medidas corretivas e entregar os resultados de investigações internas às autoridades, quando for o caso.
Benedetti (2014, p.75), traz em sua obra uma definição mais prática ao termo em questão:
Quando se fala em compliance, automaticamente se quer referir aos referir aos sistemas de controles internos de uma instituição que permitam esclarecer e dar segurança àquele que se utiliza de ativos econômico-financeiros para gerenciar riscos e prevenir a realização de eventuais operações ilegais, que podem culminar em desfalques, não somente à instituição, como também, aos seus clientes, investidores e fornecedores.
Como pode-se observar, apesar de Benedetti trazer uma definição voltada à administração privada e a empresas, não é difícil vislumbrar o mesmo texto adaptado à administração pública, isso porque segundo Veríssimo (2017) além da área clássica dentro das instituições bancárias e seu consequente direito, o compliance pode se moldar de acordo com cada caso fático e suas problemáticas, por isso é possível observar normas fundadas neste instituto dentro do direito do trabalho, penal entre outros.
2.1. Contexto de aplicação
A questão da ética na política já é tratada há muito tempo, pode-se observar nas obras de “A República” de Platão ou na “Política” de Aristóteles, que apesar de defenderem pontos distintos sobre o idealismo de sociedade, o que ambos trazem de forma imperiosa é a supremacia do interesse público em detrimento ao do particular, e isso não se difere à realidade contemporânea, porém esse conceito é muito pouco trabalhado no nosso ordenamento, como pode se observar a partir dos estudos de Biason (2011, p.32), que demonstra não haver de fato uma obrigatoriedade de gestão de ética pública, esta se encontra diluída em nosso governo em diversas leis e artigos distribuídos através dos órgãos da administração, esta situação depende quase que unicamente de cada servidor, apesar das diversas leis e sanções, o histórico que esse servidor teve em seu caminho é um ponto importante que pode afetar em seu discernimento a respeito do que pode ou não ser feito, em suma, do que é ou não certo, Biasson (2011, p.33) termina o capítulo com uma importante citação a respeito do tema:
Um outro aspecto significativo na promoção da ética pública é um elemento de caráter subjetivo: os servidores devem ter consciência que o interesse público deve servir de parâmetro às suas ações, afinal a ética pública reflete-se numa boa gestão pública por meio da capacidade de inibir práticas corruptas e promover a boa governança. Este equilíbrio somente poderá ser alcançado por homens públicos “virtuosos”, com razão suficiente para deliberar ações que permitam promover os interesses da sociedade brasileira.
Neste ponto complementa Aranha (2011, p.61, apud Thompson, 2005), no sentido de que a ideia de mais ética na política precisa ser pautada de acordo com o contexto atual da sociedade, uma vez que a ética não é um conceito estanque e universal para o combate de todas as modalidades de corrupções possíveis, e por consequência sua construção deve ser formalizada nas responsabilidades de cada servidor e no enquadramento das normas de cada ente do setor público.
Não podemos ignorar o fato de que o ser humano é corrupto por sua própria natureza, segundo Batista (2005) a corrupção é algo instintivo do Ser Humano, que se resume na fusão do egoísmo e consequente ambição, e por serem de origem humana se tornam atributos dinâmicos. A corrupção apesar de abrangente pode ser definida como procedimentos inidôneos, desonestos e ilícitos. Ainda segundo o autor uma forma de combate eficiente à corrupção é tornar o Estado forte, fomentando e sedimentando em sua base conceitos éticos. E neste último ponto que o Compliance atua, permeando através da administração, desde a diretoria até os últimos subordinados, técnicas cravadas em conceitos éticos visando principalmente o combate e prevenção às práticas danosas às instituições em que atuam.
A pessoa que gerencia todo o escalonamento do Compliance na administração em âmbito particular é denominado Compliance Officer, aplicando aquilo que é conhecido no meio administrativo como mecanismos de Mitigação de Riscos, onde Miranda (2017, p.61 – 63) explica que para uma gestão de risco eficiente é necessário observar alguns passos, primeiramente é preciso estabelecer um contexto deixando claro o objetivo social da empresa, nomeado um Compliance Officer, será necessário identificar os riscos e analisar a probabilidade de ocorrência destes e suas consequências, através desse levantamento será possível a propositura dos tratamentos para mitigação dos riscos. Miranda deixa claro ainda a necessidade de comunicação entre as partes interessadas, praticando um ato semelhante ao da publicidade no setor público, e por fim um monitoramento e análise crítica do processo em seu inteiro teor, a fim de se perceber os sucessos e falhas do processo adotado e garantir assim um processo de evolução contínuo, apesar de este parágrafo ter um enfoque em Processos dentro do âmago Administrativo por excelência, a necessidade de compreensão deste processo é justificada quando questionado acerca da atuação prática deste instituto na administração direta ou indireta.
Por fim pelo que fora explanado anteriormente é possível compreender a aplicação do Compliance, entendendo a essência deste importante instituto e como as engrenagens giram no setor privado abrindo-se assim uma janela para aplicabilidade deste instituto na administração pública direta e indireta.
3. Compliance na Administração Pública
Mas afinal, qual a real importância da implementação do compliance dentro dos bastidores do governo brasileiro?
O governo é como qualquer empresa, presta e contrata diversos serviços, e tudo isso por um preço, e se nessa empresa, leia-se governo, houver uma brecha, leia-se corrupção, por onde parte do valor escoa, isso consequentemente acarretará em prejuízos para os consumidores, leia-se povo, prejuízos estes que variam desde superfaturamento das obras prometidas, queda na qualidade dos serviços prestados ou até mesmo a não realização ou grande atraso na finalização dos mesmo. É nesse contexto que se busca aplicar o compliance, para que haja uma postura ética tanto dentro quanto fora da administração pública, para que não haja corrompidos e nem corruptores, e caso haja, que os mesmos possam ser identificados e punidos, neste ponto pode-se dizer que o Brasil tem caminhado na direção correta, prova disso é a criação do Instituto Compliance Brasil fundado em 2014, uma associação sem fins lucrativos, com objetivo de promover a cultura do Compliance, como consequência da adesão do Brasil ao tratado da Convenção das Nações Unidas contra à corrupção, ratificada em 2003.
Apesar do Estado ter encontrado um norte para onde caminhar, acontecimentos recentes, e alguns outros mais antigos, porém igualmente inescusáveis, demonstram a falta de maturidade do Brasil com relação à Ética nos setores administrativos, exemplificando os acontecimentos citados anteriormente, temos o mensalão, Caixa Dois, Lava Jato, somente alguns dos mais célebres casos de corrupção nacional. Dito isso resta demonstrado que o Brasil caminha a passos lentos em direção ao desenvolvimento da temática governança, mesmo depois de assinar diversos tratados internacionais com o compromisso de combater essa moléstia, ainda nos encontramos numa fase de desenvolvimento nesse assunto. É valido citar para demonstrar a antiguidade do tema e da ciência da importância do mesmo o seguinte:
O Comitê PUMA da OCDE/97, em maio de 1998, se ocupou de demarcar recomendações à ética no serviço público, dentre os quais: que deveriam ser muito claras e fundadas no ordenamento jurídico, devendo existir compromisso e liderança política que reforce e apoie a conduta ética dos servidores públicos; que o processo de tomada de decisões seja transparente a ponto de permitir a informação suficiente à Sociedade, bem como eventual investigação sobre eles; da mesma forma as linhas mestras da relação entre setor público e privado devem ser claras e precisas; que as políticas de gestão, os procedimentos e as práticas administrativas devem seguir e incentivar condutas éticas; é preciso contar com mecanismos adequados de responsabilidade para o serviço público, fixando se procedimentos e sanções disciplinares adequadas às condutas irregulares (LEAL, 2013, p. 60, apud NOTARI, 2017, p.72).
A transparência a que se refere Leal pode ser traduzida em nosso ordenamento como sendo o princípio da publicidade, princípio este identificado nos incisos XXXIII, XXXIV e LXXII do artigo 5º da Constituição Federal, que segundo a Enciclopédia Jurídica da PUCSP a publicidade é princípio primordial do Direito Público brasileiro por ser parte da base fundamental da formação do Estado, além de ser uma das formas possíveis de se exercer a cidadania, afinal é através deste princípio que se pode exercer o controle social do Poder Público pelos cidadãos. Sendo também a espinha dorsal da democracia, pois sem a transparência e participação popular, não há que se chamar de sistema democrático.
Este princípio possui uma importância ímpar para o desenvolvimento eficiente do Compliance, imaginando que tal instituto seja materialmente e formalmente introduzido em nosso ordenamento, caberá aos entes da administração, direta e indireta, exercer o que lhes for imposto pelo programa de Compliance, logo, a exposição é de fundamental importância para que os atos praticados para prevenir ou reprimir, atentados contra boa administração tenham condição para se tornarem eficazes e válidos.
A ISO 37001 (2016, apud Veríssimo, 2017), explica o que são as boas práticas ligadas ao compliance no âmbito do combate à corrupção, demonstra que tais práticas podem ser adotadas tanto pela administração privada como na pública, confirmando o que já fora dito anteriormente. Ainda de acordo com a ISO, administrações gerenciadas pelas boas práticas de compliance tendem a dirimir os custos, riscos e danos envolvidos na corrupção, a promover a confiança no negócio e a aumentar sua reputação. É importante frisar que para a aplicação das penas, quando identificadas as práticas delitivas, existem, em alguns países, três meios de sancionamento da Pessoa Jurídica, podendo ocorrer através da ótica civil, administrativa ou mesmo penal. Mas como bem elucida em sua obra (Compliance, Direito Penal e Lei anticorrupção) Silveira e Diniz (2015, p. 164) no Brasil o alicerce do direito penal como forma de penalizar a Pessoa Jurídica, apesar de previsão a respeito de proteção ambiental e da ordem econômica, instaurou-se certa dúvida doutrinária quanto à aplicação desta matéria, pois não é explicito na passagem do artigo 173 da Constituição Federal acerca da responsabilidade penal da Pessoa Jurídica, e que por falta de lei específica que trate do tema, não há uma consolidação sobre a constitucionalidade da responsabilização penal da Pessoa Jurídica no Brasil, ficando então este ramo específico prejudicado como forma válida de repressão às condutas delitivas contra a boa administração em nosso território.
Na prática o Compliance pode atuar utilizando-se de dois dos principais sistemas utilizados nas grandes organizações. São elas:
3.1. Princípio da legalidade aplicado ao compliance
Primeiramente deve-se lembrar que este instituo existe nas entrelinhas em nosso ordenamento, e usualmente não voltado à Administração, como por exemplo no artigo 7º inciso VIII da lei 12.846/20013 e artigo 70 da CF, entretanto as leis que tratam do Compliance carecem de objetividade quando muito referem-se somente às pessoas jurídicas de direito privado, e a problemática aqui trabalhada é demonstrar que um instituto de berço privado possuí capacidade de ser conhecido no meio público.
Sobre o assunto é de suma importância citar que fora editado uma lei pelo Estado do Mato Grosso que dispões acerca dos Programas de Integridade Pública, a lei 10.691, de 05 de março de 2018, esta lei deixou à disposição orientações para aqueles entes que queiram aderir aos Planos de Integridade. Dispõe a referida lei exatamente o que já foi explicado acerca do mecanismo de gestão de risco induzindo ainda o fortalecimento das bases éticas dos funcionários em seu artigo 2º §1º.
A elaboração desta lei é um primeiro passo, extremamente importante, para a efetivo reconhecimento do Compliance no setor Público, porque diante da ótica administrativa alguns conceitos atuam de forma diversa do particular, o principal exemplo disso é a respeito do princípio da Legalidade, este princípio diz que a administração deve atuar de forma a seguir estritamente o que a Lei permite ou dispõe sem dela se desvincular; diferentemente do particular, onde o princípio diz que a estes é permitido fazer tudo aquilo que a Lei não proíbam, em suma a diferença é que no direito público o critério é de subordinação, enquanto que no direito privado o critério vigente é o de não contradição à lei (DIAS, 2017)
3.1.1. Da legislação dos programas de Compliance
No âmbito particular a adesão dos programas de Compliance sofrem para conseguir se popularizar neste meio, já que este tipo de instrumento não traz nenhuma vantagem direta àqueles que o adotam, por isso como meio de disseminação deste novo estilo de gerência das Pessoas Jurídicas a Lei 12.846 de 2013 instituiu o seguinte, in verbis:
Art. 7o Serão levados em consideração na aplicação das sanções:
(...)VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;
Ou seja, nos casos onde há uma sentença condenatória, a adoção de mecanismos de Compliance devem ser levados em consideração como atenuantes.
Já na Administração o legislador não terá que se preocupar com isso, já que, como dito anteriormente, o princípio da Legalidade aqui neste contexto, obrigaria a Administração a adotar o Compliance no seu meio. Bastando que a Lei observe o disposto no artigo 61 da Constituição Federal, para que a figura do Compliance Officer “Publico” (grifo nosso) seja possível, e que haja a obrigatoriedade de aplicação do instituto.
3.1.2. Responsabilização dos gerentes do compliance
Continuando o tópico anterior o legislador pode, incrementando a obrigatoriedade administrativa de implementação do Compliance e visando um efetivo comprometimento da alta administração, auferir sanções oponíveis aos chefes das repartições à medida de sua culpabilidade, pelo não cumprimento do dever de gerência / vigilância, dentro dos limites da razoabilidade e proporcionalidade e o disposto na constituição no artigo 5º, XLV :
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
Respondendo então o responsável pela repartição tão somente pelos seus atos ou omissões.
Sobre o tema Carla Rahal Benedetti, traz à pauta a figura do Advogado como gerente principal, ou seja, atuando na pessoa do Compliance Officer. Neste ponto frisa-se a questão de que o Compliance Officer muitas vezes atuará num papel semelhante ao do Advogado dentro de uma empresa, trabalhando principalmente na questão preventiva antes da repressiva, ou seja, ex ante e não ex post. E nestes casos, sendo o Compliance Officer um Advogado, o mesmo responde, ou pode responder, através do Estatuto da Advocacia, que em seu artigo 32 trata das responsabilidades do Advogado, in verbis:
Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.
Entretanto sabe-se que neste caso, o Advogado atua em atividade meio, e não atividade fim. Dito isso segundo a autora em sintonia ao que foi brevemente relatado anteriormente, entende-se que a aderência da responsabilidade do Compliance Officer só será possível quando o mesmo tiver colaborado de forma direta, havendo um liame malicioso entre o gerente do Compliance e os agentes diretamente ligados aos atos ímprobos.
3.1.3 Antecedentes legislativos
Este tópico deve ser discutido com cautela, pois, como já dito anteriormente a Administração Pública somente fará algo que a Lei assim determinar. Então reservou-se um tópico para demonstrar que existem históricos legislativos que podem calçar bem uma futura Lei que venha a estatuir o Compliance na Administração Pública.
Temos o Decreto Federal 5.687 que promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, o qual foi assinado pelo Brasil em 09 de dezembro de 2003, cujas finalidades principais são:
a) Promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais eficaz e eficientemente a corrupção;
b) Promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a assistência técnica na prevenção e na luta contra a corrupção, incluída a recuperação de ativos;
c) Promover a integridade, a obrigação de render contas e a devida gestão dos assuntos e dos bens públicos.
E que em seu artigo 5º cita:
Cada Estado Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, formulará e aplicará ou manterá em vigor políticas coordenadas e eficazes contra a corrupção que promovam a participação da sociedade e reflitam os princípios do Estado de Direito, a devida gestão dos assuntos e bens públicos, a integridade, a transparência e a obrigação de render contas.
Como já citado anteriormente uma recente Lei elaborada pelo Estado do Mato Grosso a Lei 10.691, de 05 de março de 2018, que possibilitou aos órgãos, autarquias e fundações do Poder Executivo daquele Estado de aderirem aos programas de Integridade Pública.
E por último a Portaria de nº 1.827 de 2017 da Controladoria-Geral da União que instituiu o Programa de Fomento à Integridade Pública – PROFIP, onde a Controladoria demonstra um plano base para elaboração de um Plano de Integridade.
3.2. Princípio da Especialidade
O grande desafio do combate à corrupção no Brasil encontra-se na dificuldade de identificar o ilícito e qualificar aqueles que lhe deram origem, trata-se de um processo vagaroso, e o controle de prevenção, investigação, apuração e punição é hoje exercido por diversas instituições como o Ministério Público, Policia Federal, Tribunais de Contas, Comissões do Legislativo, Controladoria Geral da União, Tribunais de Justiça, e sobre o tema discute Olivieri (2011, p.99) o seguinte:
[...] Essas Instituições têm atribuições mais amplas que o combate à corrupção, e essa atividade não é o foco principal de nenhuma delas. A etapa da prevenção tem sido desempenhada pela SPCI (Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas) da CGU, que produz informações estratégicas para promover a atuação da Controladoria na identificação de ilícitos, sendo que a CGU tem outras atribuições além da identificação de crimes contra o patrimônio público, como as auditorias internas, a correição e a ouvidoria. A investigação, por sua vez, fica a cargo da Polícia Federal, que tem outras competências além da apuração de crimes contra o patrimônio público, como a segurança das fronteiras. A etapa de apresentação da denúncia é competência do Ministério Público, que também atua na defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis. Ou seja, não há nenhum órgão que “pense” exclusivamente sobre o fenômeno da corrupção nem nenhum instrumento que permita a articulação e a coordenação das ações dessas instituições a prevenção, investigação, apuração e julgamento da corrupção.
Apesar do disso Olivieri (2011, p.100) defende que a melhor solução é uma reestruturação das instituições que já existem realizando uma reformulação das atividades que desempenham aplicando os processos do Compliance que foram explicados no item anterior, deixando de lado e fazendo uma crítica à “tradição” brasileira de multiplicação das organizações, que na maioria das vezes gera sobreposição destes órgãos e aumento de gastos.
Além dos princípios expressos, positivados no artigo 37 da Constituição Federal, reserva certa importância para o tema mencionar a respeito do princípio implícito da Especialidade. Diversos autores expõem este princípio como elemento da descentralização das atividades administrativas, acarretando a criação dos entes da Administração Indireta. Para melhor entendimento esclarece Licínia Rossi Correia Dias o seguinte:
Deve a administração buscar especializar suas funções, criando os entes da Administração Indireta [...]. O princípio da especialidade aparece como consequência da descentralização administrativa e faz com que cada entidade da Administração Pública tenha fins próprios a alcançar. Essas entidades devem realizar objetivos tirados do organismo estatal matriz devidamente fixados pela lei criadora ou instituidora. (DIAS, 2017, p. 74).
Ainda sobre o tema cita-se nas palavras de Alexandre Guimarães Gavião Pinto, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o seguinte:
De acordo com o princípio da especialidade, as entidades estatais não podem abandonar, alterar ou modificar as finalidades para as quais foram constituídas. Atuarão as ditas entidades sempre vinculadas e adstritas aos seus fins que motivaram sua criação. (PINTO, 2008, p. 137)
Como pode-se observar o tema Compliance contraria o texto do presente princípio, pois conforme já fora exposto, a eficiência do Compliance está justamente na inserção do instituto dentro das organizações. Entretanto como não se encontrou registros acerca da aplicação do Princípio da Especialidade, não somente no âmbito dos Entes da Administração, talvez haja possibilidade para discussão do emprego deste fundamento focado na pessoa do Administrador ou do Compliance Officer de forma que não haja necessidade de grandes alterações no meio fático e que ao mesmo tempo se preserve a essência e efetividade deste princípio.
3.3. Princípio da eficiência
Este princípio foi introduzido pela emenda constitucional de nº 19, em 04 de junho de 1998. De forma simplificada é a maneira pela qual os entes da administração devem reger seus atos, claro, sem prejuízo de outros princípios pertinentes à administração, fazendo com que as atividades públicas sejam realizadas visando a economia, agilidade, qualidade e que atendam às necessidades dos membros da sociedade. Sobre o tema dispõe Marçal Justen Filho o seguinte:
A eficiência consiste no desempenho concreto das atividades necessárias à prestação das utilidades materiais, de molde a satisfazer necessidades dos usuários, com imposição do menor encargo possível, inclusive do ponto de vista econômico. Eficiência é a aptidão da atividade a satisfazer necessidades, do modo menos oneroso. (JUSTEN FILHO, 1997, p. 130).
Sobre o princípio, considerando o tema: licitações, é importante citar que o princípio da eficiência é em suma um dos resultados que o Compliance pretende atingir de forma concreta, forçando àqueles que se dispõe a contratar com a administração, entregar aquilo que foi prometido nos devidos moldes contratuais, seja o prazo, preço ou qualidade do produto final.
3.3.1. O instituto aplicado às licitações
Em se falando de corrupção, é impossível não citar os processos de Licitação já que esta por uma questão de obrigação constitucional, é o modelo padrão de contratos da administração, é possível observar essa questão da obrigatoriedade na Constituição Federal em seu artigo 37, inciso XXI, in verbis:
Art. 37. (...) XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
E ainda na própria lei que dispõe sobre o regime de licitação, a lei 8.666/93, transcrito da seguinte maneira, in verbis:
Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.
Ou seja, demonstrado a regra, vale dizer que esta não é soberana, cabendo exceções. Segundo Di Pietro (2014, p.398) as hipóteses de dispensa de Licitação podem ser divididas em quatro categorias, sendo em razão do pequeno valor, situações excepcionais, em razão do objeto e em razão da pessoa. E são essas hipóteses que ocorrem o maior número de “aplicações” (grifo nosso) corruptivas em nosso país, o que se pretende aqui é demonstrar que com a aplicação do instituto em Comento é possível exaurir uma das principais fontes de corrupção nacional.
Deve-se considerar o que disse Celso Antônio Bandeira de Mello (2014, p.532) a Licitação é o meio pelo qual as entidades governamentais possibilitam aos interessados, que preencherem determinados requisitos e aptidões, a fim de garantir uma competição justa, oferecer proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Sendo assim, propostas feitas por pessoas que adotam sistemas de compliance teriam um ponto de vantagem em relação às outras, já que teria a administração uma garantia de que tal proposta é tangível e possuí elevado nível de seriedade, evitando-se assim muitos possíveis contratempos, e principalmente prejuízos ao erário.
Um bom exemplo do que está sendo discutido neste capítulo é vislumbrado no que dispõe a lei 12.462/11.
3.3.2. Análise dos objetos da Lei 12.462/11
A lei 12.462/11 que criou o Regime Diferenciado de Contratação foi inicialmente instituído com o fim de estabelecer uma maneira exclusiva de contratação pelo poder público para atender à demanda dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, Copa do Mundo das Confederações
A primeira vista, esta lei não demonstra qualquer problema, que demonstre qualquer intuito fraudulento. Mas lembre-se que esta lei foi instituída em 2011, nos anos seguintes foram feitas emendas à esta lei. Em 2012, através da lei 12.688 acrescentou-se a possibilidade de contratação através do RDC para ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); posteriormente no mesmo ano através da lei 12.745, o RDC passou a atender aos serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde; em 2015 pela Lei 13.190, nas obras de engenharia para contrição, ampliação e reforma e administração de estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo; além de muitos outros.
Ao ser estabelecido as obras e contratações às quais o RDC abrangerá a Lei causa certa estranheza, pois agora tem-se duas Leis que tratam sobre um mesmo assunto.
3.3.2.1. Análise das regras de Licitação no âmbito do RDC
O grande problema do RDC começa ao analisar a metodologia por trás das contratações, por exemplo:
- Em seu artigo 5º é dito que informações excessivas, irrelevantes ou desnecessárias devem ser dispensadas do instrumento convocatório, mas fica a dúvida o que seriam informações irrelevantes ou desnecessárias? Já que a Licitação visa a aquisição ou contratação de bens e serviços que melhor atendam às necessidades da Administração, será que as nuances entre um ou outro objeto Licitado deve ser levado em consideração?
- Artigo 6º o orçamento somente será publicado após encerramento da licitação, aqui a pergunta que prevalece é: qual o motivo da Administração esconder o quanto ela está disposta a gastar na Licitação?
- Artigo 9º indica a possibilidade de contratação integrada, onde o licitante vencedor, não necessariamente será o concluinte da obra.
Estes exemplos retirados da Lei 12.462 são alguns dos exemplos de brechas que esse novo modo de Licitação contempla, reforçando ainda mais a questão da necessidade da implementação de medidas preventiva, mesmo o RDC tendo se institucionalizado como Lei, é impossível não se questionar acerca de possíveis intenções obscuras por trás do RDC.